Ken Starr e Joseph McCarthy

Publicado em 27.06.2009 em Folha de São Paulo

ESCÂNDALOS envolvendo políticos são tão antigos quanto a própria história. Hoje esses registros, feitos com imagens, vozes e documentos gravados, são multiplicáveis ao infinito. Investigados e investigadores são atores deste drama. Os poderes têm regras para investigar e penalizar.

As pessoas, associações civis e meios de comunicação podem ser parte desses processos, investigando, denunciando ou opinando. A luminosidade dada a certos fatos, destacando os que investigam, denunciam e acusam, algumas vezes os atrai para o “estrelato” e o objetivo passa a ser a autoexaltação.
Dois documentários tratam de situações desse tipo. Um deles, “A Caça ao Presidente”, de H. Tomason e N. Perry, é sobre o promotor que tratou por anos de escândalos com Clinton. O outro, “Os Anos McCarthy”, especial da CBS com Walter Cronkite, é sobre o embate entre o legendário jornalista Ed Murrow e o senador McCarthy.

No primeiro, a “estrela” era o promotor Ken Starr, investigador pleno da vida de Clinton, das amantes até o caso Whitewater (um negócio imobiliário do qual os Clinton participaram). A busca desesperada por depoimentos terminou com polpudas indenizações às “namoradas”, com um suicídio e a condenação a dois anos de prisão de quem nada tinha a ver com nada. Os “namoros” de Clinton não implicavam em seu impedimento para governar. O caso Whitewater terminou em tragédias pessoais por efeito colateral, sem chegar ao alvo alucinante de Ken Starr: Bill Clinton.

O senador Joseph McCarthy (1950 e 1954) abriu fogo contra tudo e todos os que poderiam ter qualquer relação com o que ele entendia por comunismo. Fatos de 20 anos antes, mera leitura de jornais sindicais etc., eram evidências pré-julgadas.

Ed Murrow -com seu foco no detalhe- destacou dois casos de pessoas simples incluídas pela mente doentia de McCarthy: um tenente, cujo pai e irmã teriam tido algum contato socialista, foi julgado e expulso da Aeronáutica; uma servente que teria trabalhado no setor de decodificação do Pentágono e cujo marido teria comprado, uma vez, um jornal de esquerda.

Ed Murrow desintegrou as duas acusações, gerando uma solidariedade ampla com os acusados (“poderia ser qualquer um de vocês”). O tenente foi readmitido. A servente não havia trabalhado no setor -era homônima. Desmoralizado nos dois casos, McCarthy declina e termina denunciado pelos excessos, no próprio Senado. Ed Murrow, na última locução sobre o caso, olhando como sempre para a câmera, em diagonal, de baixo para cima, arrematou: “A fronteira entre a investigação e a perseguição é uma linha tênue”. Anos depois, essa mesma máxima serviu para vestir Ken Starr.

Opacidade dos poderes

Publicado em 20.06.2009 em Folha de São Paulo

OS ATOS NÃO publicados no Senado levantaram discussão sobre a transparência do setor público em todos os níveis.

O artigo 37 da Constituição estabelece que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. O caso do Senado fere diretamente o princípio da publicidade, afetando os da legalidade, da impessoalidade e da moralidade. Com base no artigo 37 da Constituição, há que se perguntar como isso ocorre nas demais instâncias nele indicadas.

Em primeiro lugar, basta que se leiam os “Diários Oficiais” dos Poderes e das três instâncias dos governos. É comum que atos administrativos relativos a processos muitas vezes complexos sejam publicados nos “DO” com um simples “autorizo”, “defiro” ou “indefiro”, ao lado de seus números, por parte das autoridades, superiores ou subordinadas.

Nem sempre os interessados têm acesso direto às razões. A elas têm acesso o Tribunal de Contas e o Ministério Público. Os que querem exercer o seu discreto direito constitucional de acesso ao conteúdo dos atos para avaliá-los nunca conseguem. Esse vazio regulamentador sobre o conteúdo dessas publicações deveria ser coberto por uma legislação complementar federal, relativa ao princípio da publicidade.

Há casos ainda mais graves, que surgem quando há uma lei regulamentando um fato específico e essa lei é simplesmente ignorada. Por exemplo, em relação à LRF -Lei de Responsabilidade Fiscal.

Dispositivos que impedem repasses administrativos da União a Estados e municípios que não observem em série as vinculações constitucionais à saúde e à educação, ou que não apresentem lei regulamentando tributos criados, são simplesmente ignorados. Mais de dez anos depois, o dispositivo que inclui entre as despesas de pessoal os serviços terceirizados é esquecido, e os governos vão terceirizando e, com isso, “reduzindo” as despesas de pessoal.

Em 1998, foi aprovada a lei 9.717, que estabeleceu normas e limites sobre as despesas previdenciárias estatais. É ignorada, seja em relação a limites, seja em relação à criação dos fundos de aposentadoria, seja em relação às obrigações patronais dos poderes.

Sublinhe-se que a União se sente imune à LRF e à lei 9.717 e nem trata delas em relação a suas responsabilidades fiscais. Isso para não falar dos precatórios de Estados e municípios, que geram insegurança jurídica geral. Os casos de opacidade dos atos do Senado podem ser um bom momento para rever todas as opacidades, por publicidade ou não regulamentação das leis.

A crise não pegou?

Publicado em 13.06.2009 em Folha de São Paulo

TRÊS PESQUISAS -Datafolha, Sensus e Ibope- reforçaram seus resultados. Após oito meses de uma grave crise econômica, a avaliação de Lula volta a crescer. O mais intrigante é a percepção dos brasileiros sobre a crise, que é melhor que em março. Em alguns itens, muito melhor.

Não há indicador econômico que permita chegar a essa conclusão.

As consequências da crise continuaram a avançar. Que razões explicam essa reação da opinião publica? Registre-se que tanto a avaliação de Lula como a percepção dos fatores econômicos se deram em todas as regiões do país, mas não chegaram aos governadores.

Podem-se destacar seis elementos explicativos. O primeiro é a menor intensidade das informações publicadas. À medida que elas são percebidas como parecidas, mantê-las em destaque contrariaria a lógica da renovação do noticiário.

O segundo: depois de um ciclo de três anos de crescimento econômico e de seus efeitos positivos sobre o emprego e renda/consumo, é a esperada torcida para que a crise passe logo.

O terceiro elemento é a própria natureza empresarial dos meios de comunicação, que são parte da crise, com a redução dos patrocínios, da circulação e da audiência. Por isso mesmo, as boas notícias e as previsões otimistas de economistas, empresários e políticos ganham destaque, e as más noticias são deslocadas para os cadernos econômicos. O multiplicador dos fatos negativos tem, assim, a sua aceleração reduzida.

Lula é o quarto elemento. Em seu conhecido voluntarismo, optou por minimizar a crise (“marolinha”) desde o início. Ao contrário dos líderes europeus e norte-americanos, que sinalizaram para um aumento defensivo da poupança, Lula estimulou o consumo, que, mesmo não tendo vindo, se ajustou ao discurso otimista. Com isso, vestiu o traje de protetor do povo contra a crise (externa) -o que, aliás, sempre lhe coube muito bem.

O quinto elemento é que, num terceiro ano, pré-eleitoral, os governos, federal e estaduais, diante de uma crise imprevisível e dos seus riscos políticos, aceleraram os gastos publicitários. E, finalmente, é importante lembrar que, desde 2006, pós-mensalão, o governo federal passou a ter um forte vetor publicitário direcionado à imprensa das cidades menores, especialmente em polos. A grande imprensa -exceção à TV- não circula nessas cidades. E o custo para o governo dessa sustentação é pequeno. Com isso, foi construída uma enorme rede capilar.

A sinergia desses seis elementos ajuda a explicar as pesquisas. A questão de sua sustentabilidade depende do acerto ou não das previsões otimistas e de suas relações com o cotidiano das pessoas.

Corte Suprema e autoritarismo

Artigo publicado na Folha de SP em 06/06/2009

NA AMÉRICA Latina, o populismo autoritário sempre começa pela destituição da Corte Suprema. Assim foi com Fujimori e com Chávez. Morales, na Bolívia, ainda não conseguiu. No Equador a Corte Suprema desapareceu nas quedas sequenciais de governos. Voltou antes de Correa.
Este ruge, tentando acuar e constranger os ministros.

Menem, no auge da popularidade, através de pressões irresistíveis, construiu uma maioria artificial em sua Corte Suprema. Ortega -Nicarágua-, em conluio com a direita corrupta de Arnoldo Aleman, refez a Corte, compartilhando-a. Com isso foram aprovados acordos para a mudança da legislação eleitoral, e como compensação arquivado o processo contra o “coordenador” de Aleman.
No Brasil o fenômeno é distinto.

A ampla mudança no STF ocorre por força das circunstâncias -a idade- e -na margem- por estímulo. Hoje, dos 11 ministros do STF, sete foram nomeados por Lula. Sarney nomeou um, Collor, um, Fernando Henrique, dois. A renúncia do presidente do STF, depois ministro de Lula, é o que se chama de “estimulado na margem”. Da mesma forma, no governo Collor, um ministro do STF, Francisco Resek, renunciou para ser seu ministro e depois foi designado para a Corte de Haia.

Recentemente a ministra Ellen Gracie foi indicada por Lula para a OMC -Organização Mundial do Comércio- e, apesar de seus claros méritos, não foi escolhida. Se fosse, Lula teria chegado a seu oitavo ministro no STF. A delicada situação de saúde do ministro Direito poderá levar Lula a indicar seu oitavo ministro do STF, que seria o nono sem o percalço na OMC.

Olhando a história da República, só em regimes autoritários -não constitucionais ou em estado de sítio- se ultrapassou a marca de Lula. Deodoro nomeou 15, Floriano Peixoto nomeou 15, Getúlio nomeou 21, Castello Branco nomeou 8, Figueiredo nomeou 9. Pode-se dizer que Lula não provocou essa situação, mesmo incluindo os “estímulos”. No entanto, apesar das coincidências, estas devem ser vistas com a melhor atenção, de forma que todos os ministros tenham amplo apoio público, para o exercício de suas autonomias, lastreadas pela garantia constitucional de permanência, até os 70 anos.

A exposição do STF, como nos casos da troca de bilhetes pela internet e, mais recentemente, pelo bate-boca, não ajuda a desestimular Lula a querer contar com o STF para alguma extravagância quase-autoritária, sul-americana, por achar que pode tentar, pela maioria ter sido de sua escolha.