Brasília, 50 anos

Publicado em 19/09/2009 em Folha de São Paulo

POLÍTICOS SENIORES, que viveram a República de 1946, dizem que a melhor qualidade daquela Câmara de Deputados em relação à dos anos 90 era a sua localização no Rio. No Rio, profissionais de destaque em seus Estados, eleitos, transferiam seus escritórios e mantinham sua atividade profissional. Em Brasília, inevitavelmente se teria que chegar aonde se chegou: um Parlamento -como regra- de profissionais da política.

A transferência da capital para o planalto central era exigência dos republicanos, que carimbavam o Rio como capital da monarquia. Os debates em 1890 marcaram essa visão, e a Constituição de 1891 incluiu a transferência da capital para o planalto central, o que ocorreu 70 anos depois.

Faltando seis meses para o cinquentenário de Brasília, nada se sabe de pesquisas, estudos e análises acadêmicas sobre a decisão, causas, desdobramentos e consequências. Preparam-se as esperadas comemorações com atos e exposições. Mas pouco se tem mergulhado no tema. Por exemplo.

Políticos que conviveram com JK garantiam que a decisão, justificada como interiorização do país, na verdade foi tomada pelo clima golpista que se vivia no Rio, com a concentração de quartéis das três forças armadas e dos clubes militares. Qualquer quartelada criava um clima de golpe. A posse de JK foi precedida de três presidentes em poucas horas, e de uma ação militar preventiva dos generais Denys e Lott. A “república do Galeão” indicava a autonomia da Aeronáutica, incluindo a de polícia judiciária no caso da rua Toneleros.
JK organizou o processo de mudança da capital em dois grandes setores.

As obras de edificações, logradouros e da infraestrutura urbana foram entregues à Novacap, dirigida por Israel Pinheiro. E a mudança da administração pública, seus órgãos, materiais, servidores e mobiliário, entregues ao GTB -Grupo de Trabalho de Brasília, dirigido por Felinto Maia. O cronograma foi milimetricamente cumprido e a sinergia destes dois setores permitiu que os edifícios públicos e de moradias terminassem no momento de suas ocupações. A mudança do Congresso inseriu-se nestes dois setores e teve a supervisão do deputado Neiva Moreira.

Cinquenta anos depois -numa primeira avaliação- se poderia dizer que a interiorização da capital pouco afetou as diferenças regionais, econômicas e sociais. Mas o poder político viveu um deslocamento de eixo. Dos oito presidentes da Câmara de Deputados até 1964, apenas um ficou fora do eixo Sudeste-Sul, Samuel Duarte, da Paraíba entre 1947-49. Dos 22 pós-Brasília, oito foram do Nordeste. O cinquentenário de Brasília não pode passar sem um mergulho intelectual em seu processo. Há tempo.
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CESAR MAIA escreve aos sábados nesta coluna.

JJOO 2016

Publicado em 26/09/2009 em Folha de São Paulo

ABRIL DE 1993 , os srs. J. Havelange e R. Marinho sugeriram que se inscrevesse o Rio para as Olimpíadas, persistindo, pois não seria escolhida em uma vez. Esse seria o caminho do relançamento do Rio, como o de outras cidades-sede. A primeira tentativa, para os JJOO de 2004, a gestão foi do setor público. Em 1997, o Rio foi desclassificado na primeira fase. Em 2002, com a escolha para sede do Pan-2007, voltou a apresentar a candidatura para 2012, sob a gestão do COB, com a sustentação da prefeitura. Em 2004, outra decepção: o Rio foi eliminado na preliminar.

Consultado o COI sobre as razões de uma eliminação na primeira fase, foi dito que os patrocinadores não poderiam correr riscos com projetos de papel, e que o Rio deveria aproveitar o Pan-07 e mudar seu escopo. Os equipamentos teriam que deixar o nível dos Jogos Panamericanos e passar a ser equipamentos de nível olímpico. E as consultorias de planejamento e de segurança deveriam ter experiência em Jogos Olímpicos. Com isso todo o orçamento apresentado para o Pan teve de ser alterado e ampliado. Dos US$ 350 milhões previstos, o valor mais do que triplicou. O governo federal entrou, de fato, no segundo semestre de 2006, com os sinais de reeleição.

A prefeitura, a partir da experiência de outras Olimpíadas (Barcelona), transformou gastos financeiros em gastos de capital sem desembolso, trocando a Vila do Pan por gabarito e usando o sistema de concessões no Rio-Centro (ginásios provisórios e imprensa) e na Marina (prorrogação), deixando de desembolsar R$ 400 milhões. O desembolso, em equipamentos, direitos de TV (US$ 13 milhões), comitê gestor e na urbanização do entorno dos equipamentos, alcançou R$ 1 bilhão. O governo federal, apenas no específico ao Pan, aplicou R$ 800 milhões, incluindo os gastos do governo do Estado que, pela transição política, não tinha caixa.

Com as consultorias com experiência olímpica, planejando e acompanhando o Pan, os dirigentes do COI passaram a ter informações sobre a capacidade de gestão do evento e da segurança. E, com os equipamentos olímpicos, foram minimizadas as dúvidas dos patrocinadores. O primeiro sinal positivo veio no leilão dos direitos de TV-2016. Dos US$ 20 milhões que a TV brasileira pagou por Pequim e dos US$ 60 milhões pagos por Londres, 2016 custou US$ 170 milhões e mais US$ 40 milhões de espaços publicitários na TV. Num sinal que o aprendizado até esta terceira tentativa e o cumprimento das orientações recebidas quanto a equipamentos e planejamento colocaram a candidatura do Rio no patamar em que está hoje, de forte competitividade. Dia 2/10, decide-se.

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CESAR MAIA escreve aos sábados nesta coluna.

A escolha do vice

Publicado em 12/09/2009 em Folha de São Paulo

A ESCOLHA do candidato a vice-presidente da República não tem tido relação com a questão regional. Imagina-se uma composição entre duas regiões do país, como se esta produzisse um efeito agregador. Não é isso o que mostram os períodos 1946-1960 e 1989-2006. Para 1950, Getúlio desenhou sua chapa com Ademar de Barros, governador de São Paulo pelo PSP. Getúlio atraía Ademar. O vice, Café Filho, era deputado do Rio Grande do Norte, mas o foco não era o Nordeste. JK, de Minas, escolheu seu vice no Rio Grande do Sul, não por razões regionais nem pelos votos de Jango, que, apesar do impacto do suicídio de Getúlio, havia perdido a eleição para o Senado em outubro de 1954. O objetivo de JK era a composição do PSD com o PTB, que crescia nacionalmente. Para isso cedeu ao PTB a máquina integral dos ministérios de Trabalho-Previdência e Agricultura, o que levou, em 1962, à vitória parlamentar do PTB.

Jânio, que havia se filiado ao PDC, não teve como não ceder a vice a UDN, e esta, à afiada Banda de Música de Minas. O eleitor votava separado, e Jango venceu a eleição de vice, com Jânio estimulando a chapa Jan-Jan, na área popular. Na eleição de 1989, a primeira depois da democratização, Collor atraiu Itamar de Minas, pensando em agregação regional. Mas, antes e durante a campanha, não se entendia com seu vice, que ficou oculto no processo. Lula em 1989 deu um verniz à chapa com o jurista Bisol, do PSB. Brizola insistia que seu vice deveria, apenas, desestimular seu impedimento, se fosse eleito.

Em 1994 e 1998, FHC fechou a chapa com o PFL, tendo como vice Maciel, seu nome mais amplo. Afinal o Plano Real, primeiro, e a insegurança da descontinuidade, depois, foram os carros-chefe.

Em 1994 Lula optou por uma chapa petista e paulista e em 1998 com Brizola. O corte foi ideológico e não regional, nos dois casos. Em 2002, Serra atraiu o PMDB, dito autêntico, com Camata do Espírito Santo, sem nenhuma preocupação de densidade regional. O PMDB era o foco. Lula sinalizou para o empresariado suavidade no exercício do mandato com seu vice Alencar. Portanto a questão regional, numa eleição presidencial, personalista e vertical, com ampla visibilidade dos candidatos à presidente, nunca foi no Brasil pós-46 uma questão relevante na formação da chapa.

Agrega-se, a partir de 1989, a questão do tempo de TV. E esta minimiza de uma vez a questão regional. Para 2010, tanto faz quem venha do PMDB compor a chapa com o PT. O importante é o PMDB e o tempo de TV. Da mesma forma os demais, que vão negociando com partidos mais ou menos afins, de olho no tempo de TV, deixando a questão regional à parte.

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CESAR MAIA escreve aos sábados nesta coluna.

Furor legiferante

Publicado em 05/09/2009 em Folha de São Paulo 

UMA REGRA que cabe bem na cultura política brasileira: governar é fazer leis. O furor legiferante produz quatro efeitos: a sensação de solução dos problemas; as relações de clientela com parlamentares; parques de diversões para os escritórios de advocacia; riscos de uso de resíduos legais, em outro tempo.
Em relação a esse último efeito, há um caso clássico na política latino-americana: a “Teoria dos Resquícios Legais”, do jurista chileno Eduardo Novoa, ao analisar a aplicabilidade das propostas eleitorais de estatização de Allende. Novoa foi o constitucionalista de Allende.

Eram tantas as leis aprovadas por anos, e tantos os dispositivos de leis que foram esquecidos quando das revogações, que Novoa fez uma busca nesse emaranhado legal residual. Viu que dispositivos de leis diversas, em momentos distintos, poderiam ser agrupados de forma a dar-lhes consistência. E então aplicados administrativamente como regulação especial e com toda a garantia de constitucionalidade.

Ele partiu dos dispositivos esquecidos pelos governos seguintes, dos decretos-leis que o coronel Marmaduke Grove, em sua revolução socialista de 1932, aplicou nos dias que governou. O primeiro efeito é exemplificado pelo entusiasmo na Constituinte de 88, onde cada dispositivo aprovado era aclamado com a certeza de um problema resolvido. A cada crise -na segurança, na saúde, na economia…- criam-se leis como solução, ou como esperteza, para ganhar tempo e criar expectativa.

O segundo efeito é o envolvimento dos governos na aprovação de novas leis. Esse festival vira um jogo de barganhas para formar maiorias. Essa é a razão maior dos “mensalões”, descobertos ou não.

A multiplicação de medidas provisórias é seu núcleo. O terceiro efeito é a teia de aranha de leis, que abre espaços para a diversão e os ganhos dos escritórios de advocacia. Na maior parte, as fontes pagadoras são os governos. E, com eles, o engarrafamento de ações no Judiciário, acúmulos no STF e o encilhamento de precatórios.

A quantidade de leis aprovadas pelo Congresso (e isso vale para os Estados e municípios), sem ocorrer sistematizações periódicas, com limpeza de resíduos inócuos, contraditórios ou superados, produz no Brasil uma rede de possibilidades exóticas para os governos, para as pessoas e para os advogados e dificulta a dinâmica judiciária.

Uma revisão dessa cultura legiferante traria naturalmente muito mais governabilidade: sem custo. A atual crise econômica vem sendo superada sem a necessidade de lei nova. Mas durou pouco. Para que lei do pré-sal? As que existem servem. “É da minha natureza”, diria o escorpião na velha história.

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CESAR MAIA escreve aos sábados nesta coluna. Folha de SP