Voto conservador

Publicado em 23/10/2010 em Folha de São Paulo

Provavelmente a agenda conservadora da eleição presidencial brasileira (valores cristãos, aborto) seja parte de uma agenda conservadora global, que toma conta da Europa e dos EUA.

Dias atrás, a Internacional Democrata de Centro, IDC, (cuja base é o Partido Popular Europeu, PPE, partido de centro-direita, maioria no Parlamento Europeu), reuniu-se em Marrakech. Estava presente o Istiqlal, partido da independência, que governa, ao lado do rei Mahome 4º, o Marrocos, realizando reformas liberalizantes.

O Marrocos é um país islâmico, sunita, muçulmano, mas com liberdade religiosa.
Com a inclusão do Istiqlal, a IDC incorpora um partido islâmico e altera, de fato, a sua denominação (democrata-cristã) para democrata de centro.

No discurso, o líder do PPE, W. Martin, ex-primeiro-ministro da Bélgica, falou de um clima de desconfiança por parte da opinião pública europeia.

Afirmou que a questão básica, pré-crise financeira, é o debilitamento dos valores cristãos, os mesmos dos islâmicos sunitas em relação à vida e à família. E disse: “O PPE tem que ser um partido de valores”; “somos uma união de valores cristãos e conservadores, que são a fonte da democracia”.

O primeiro-ministro do Marrocos, Abas El Fassi, completou: “Cremos nos valores, nos direitos humanos, no pluripartidarismo, somos contra o racismo, contra os fundamentalismos”.

Nesta semana, Merkel, primeira-ministra alemã, afirmava em relação aos muçulmanos, para amplo destaque na imprensa europeia: “Os esforços para construir uma sociedade multicultural fracassaram absolutamente”.

Cerca de 60% dos alemães concordaram. Semanas atrás, Berlusconi afirmava sua intolerância com os ciganos. Não foi diferente Sarkozy, relacionando-os à delinquência. E abriu sua clara oposição ao uso do véu islâmico em lugares públicos e nas escolas.
No início de novembro, realizam-se nos EUA eleições para a Câmara dos Deputados. A ala mais conservadora do Partido Republicano (Tea Party) obteve vitórias nas primárias.
Radicaliza em relação ao aborto, ao casamento, aos indocumentados hispânicos. Já não se têm dúvidas da derrota do Partido Democrata e do avanço conservador.

O que se aguarda é o quanto a representação mais conservadora avançará no Parlamento. Já se demonstrou, por pesquisas nacionais, que o “partido” majoritário no Brasil é conservador nos valores e estatizante na economia. A onda azul chegou por aqui e só fez aflorar o que já existia.

Aliás, onda que já entrou pela Colômbia e pelo Chile.

Cesar Maia

Ciclos políticos

Publicado em 18/10/2010 em Folha de São Paulo

Há certa tendência do eleitorado em dar aos governos um prazo maior que o de um mandato para mostrar a que vieram. A reeleição é percebida como um mandato de oito anos, com “recall” no quarto.

Só um governo desastrado não consegue a reeleição.

Mesmo aqueles com avaliação regular tendem a conseguir o segundo mandato, projetando expectativas a partir do tempo que precisam. E do uso da máquina. Nos regimes parlamentaristas, estes ciclos costumam ir além dos oito anos, mas raramente acima de 12 anos. Helmut Kohl, na Alemanha, foi uma exceção: governou 16 anos.

As razões para o esgotamento dos ciclos decenais são conhecidas. As expectativas excedem, e vem um julgamento muito mais enérgico que no primeiro mandato. O eleitorado muda, com a inclusão dos que eram jovens sem direito a voto antes. É o conhecido “desgaste de material” que o exercício do poder impõe.

“Desgaste de material” é quando o governante passa a ter a intimidade do eleitor e perde a capacidade de criar expectativas e de surpreender.

A sensação de que as mudanças, ou mais mudanças, não virão estimula o eleitorado a buscar a alternância.

No entanto, nada disso é automático, e menos ainda compulsório. Depende da oposição. Quando uma força política, ou uma coligação, vê seu ciclo terminar e toma isso como fracasso seu, e não como a alternância de ciclos, produto da tendência natural do eleitor, se precipita e passa a se autoflagelar. E, assim, transforma em desastre uma derrota natural e previsível.

O novo ciclo, que poderia ser mais curto, termina sendo mais longo, pela fragilização da oposição. A entrada de um novo ciclo político exige das forças políticas que estão fora da nova onda paciência e talento. Paciência para entender esse processo e não ter crises de ansiedade. Talento para encurtar a duração da nova onda.

Em 2002, a percepção da oposição era que o governo que assumia produziria um desastre. Ficou esperando. O desastre não veio, e uma expansão mundial lhe deu até conforto. No “mensalão” de 2005, a palavra de ordem que prevaleceu foi “deixar sangrar”. A sangria passou rapidamente, com umas demissões, o crescimento econômico e a intensificação dos programas assistenciais.

Por aqui, um novo ciclo atrai políticos de um lado para outro. Nos países em que o voto é distrital ou em lista, com poucos partidos, isso não ocorre. Num país federado e continental como o Brasil, esses ciclos se dão também em nível regional. E o que se vê, país afora, é uma ingênua e imprudente autoflagelação dos perdedores. Paciência e talento aos perdedores.

1o Turno

Publicado em 09/10/2010 em Folha de São Paulo

A campanha eleitoral para presidente pode ser dividida em três momentos.

O primeiro, em que Lula procurou apresentar sua candidata pelo Brasil afora e cloná-la a seu governo. As pesquisas diziam que 40% dos eleitores votariam em qualquer candidato que Lula indicasse. Dilma chegou a este patamar antes mesmo da entrada da TV, onde aquela colagem seria garantida.

O segundo momento dependeria da performance de Dilma, que iria tentar capturar uma parte dos 40% de eleitores que diziam que isso dependeria dos candidatos. Dilma cresceu e passou dos 50%, conquistando mais de 35% desses eleitores independentes. Com a TV parecia que a eleição caminharia inexoravelmente para terminar no primeiro turno.

Nesse processo, surgiram escândalos no próprio gabinete da ex-ministra e no governo. Nada aconteceu com as pesquisas. Sondagens mostraram que o eleitor, ao generalizar a desonestidade dos políticos, terminava por minimizar os fatos. Mas as denúncias jogavam Dilma na mesma cesta dos demais, fato novo para o eleitor que a viu como garantia comportamental pós-mensalão do PT.

Essa fragilização não afetou as pesquisas num primeiro momento, mas criou um ambiente favorável a perdas futuras, surgindo fatos novos. Serra trocou com Dilma e ficou patinando num patamar um pouco abaixo dos 30%. Abriu a campanha apostando num pós-Lula, continuidade com agregação: o Brasil pode mais.

E depois os escândalos o fizeram mudar.

Marina apostou em um discurso para o século 21: sustentabilidade ambiental. Ocupou o espaço do voto “politicamente correto”, um pouco abaixo dos 10%. A expectativa que se tinha é que, com a fase final da campanha, o voto útil poderia atingi-la. Mas o fato novo veio.

Difundiu-se entre os evangélicos as entrevistas pré-eleitorais de Dilma, especialmente em relação ao aborto. A bandeira contra o PNDH-3 (aborto, …) passou a ser carimbada em Dilma. E a curva de queda dela nessa faixa do eleitorado foi se acentuando. Marina caminhou para perto dos 20%, paradoxalmente com seu eleitorado dividido ao meio: 50% progressista, os de antes, e 50% conservador, em função de valores cristãos, que, aliás, são os dela efetivamente.

Muito dificilmente o eleitor conservador de Marina voltará a Dilma, que no dia seguinte à eleição soltava balões de ensaio em sua direção. Mas não irá compulsoriamente a Serra. O risco para esse será sempre da opção daqueles pelo voto nulo ou abstenção, que, aliás, cresceu em 2010 em relação a 2006.

Os brancos-nulos-abstenção foram de 25,16% em 2006 e 27,72% em 2010, preciosos, e talvez decisivos, 2,5 pontos.

Candidatos, pesquisas e feiticeiros

Trechos do artigo (El País-20/09) de José Andrés Torres Mora, professor de Sociología e deputado socialista.

1. Quando eu penso sobre a relação dos sociólogos eleitorais (analisando pesquisas), com os políticos, sempre me recordo de uma piada contada pelos antropólogos sobre uma aldeia de índios Hopi, perto de um observatório meteorológico. Depois de uma longa seca, os índios começaram a pressionar o novo feiticeiro da aldeia para que fizesse a dança da chuva. O bruxo tentou adiar a cerimônia para ver se chovia. A pressão da tribo culminou em ameaças sérias. Encurralado, o feiticeiro organizou a cerimônia e depois da tribo dançar até tarde da noite, disse aos índios que antes de dormir tirassem todos os seus potes para coletar água. Quase ao amanhecer, o feiticeiro fugiu da aldeia. Mas antes foi até o observatório meteorológico e ali viu um homem com um casaco branco, se aproximou dele e perguntou: “Você poderia me dizer se vai chover hoje?”. O homem respondeu sem hesitar: “Sim”. O feiticeiro perguntou ao cientista: “Como você pode ter tanta certeza?”, ao que o cientista respondeu: “Porque os índios da aldeia lá embaixo colocaram seus potes para recolher a água da chuva.”

2. Ao se escolher um candidato exclusivamente a partir das pesquisas se produz uma tautologia: o melhor candidato é aquele que segundo a pesquisa tem maior probabilidade de vencer. No entanto, é possível pensar que o melhor candidato, coincidindo ou não com a pesquisa, é aquele que tem mais competência na hora de resolver os problemas, aquele que demonstra maior coragem moral frente à injustiça, aquele que tem o melhor projeto ou qualquer outra qualidade que você acha ser importante para governar, e que sendo conhecida será também reconhecido pelos eleitores como algo valioso. As coisas mudam como resultado de nossas ações, e muitas vezes em um sentido diferente do que o esperado.

3. Em pesquisa, a uma pergunta impossível, uma resposta inútil. A política não pode ser reduzida a uma ciência, seja econômica, sociológica ou qualquer outra. A política tem de responder aos problemas que não tenham uma solução científica. A política tem a ver com as decisões cujas consequências são incalculáveis, para as quais não existe uma resposta verdadeira, mas um acordado razoável e apoiada por uma maioria. Alguns acreditam que é suficiente contratar as melhores agências de marketing eleitoral para ganhar uma eleição, que há um método científico para eleger os candidatos e fazer os programas.

4. Nada disso é verdade. Uma decisão política é mais parecida com a aposta de um empreendedor do que com um cálculo matemático. Nenhum sociólogo assumiria, por fazer a estimativa de um resultado eleitoral, a mesma responsabilidade que um arquiteto para a estabilidade de um edifício. Não haverá ninguém a quem reclamar se elegermos o candidato que diz a pesquisa e não o que temos vontade. Não há uma apólice de seguros ou uma empresa que seja responsável pelos danos, são os militantes que terão de arcar com as consequências.

5. Por isso, o melhor conselho que podemos dar a aqueles que vão escolher, é que votem naquele que conscientemente consideram o que melhor os representa e a sua causa, e não aquele apontado por um feiticeiro disfarçado com um jaleco branco de sociólogo. Algo tem as pesquisas que, em nosso país, o legislador proibiu publicá-las alguns dias antes da eleição. A pesquisa que se apresentava, mostrava um mapa da opinião antes da deliberação, mas a democracia não consiste somente em votar, mas sim fazê-lo depois de ter deliberado livremente.

O 2o turno é outra eleição? Tv muda!

1. Está mais que comprovado que, para o eleitor, ter tempo de TV significa ter força e poder vencer. Não é decisivo, mas tem um peso muito grande. Um candidato a presidente ou governador sem tempo de TV é percebido pelo eleitor como alguém sem força e sem apoio.

2. Por isso, um candidato que tem muito tempo de TV no primeiro turno e vai para o segundo, deve tomar muito cuidado. Por exemplo. Se tem 10 minutos de TV, e seu adversário 7 minutos, no segundo turno os dois têm tempo igual de 10 minutos. Ou seja: seu adversário cresceu 50% na percepção do eleitor.

3. Antes, o eleitor via -por probabilidade- 50% mais inserções e programas em TV que seu adversário. Agora empata.

4. E mais. Os candidatos a governador que tiveram vitórias exuberantes e que, portanto, são fortes eleitores, já não aparecem mais no segundo turno. São os casos da Bahia, Pernambuco, Estado do Rio e Espírito Santo, por exemplo. Seus programas e inserções recebiam uma overdose de Lula. Isso desaparece.

5. Portanto, o mais provável -se a TV de Serra acertar no ponto- é que a diferença entre os dois caia de muito, com os primeiros dias de TV que recomeça hoje.

Por que Dilma passou a se vestir de branco?

1. Este Ex-Blog perguntou a estilistas por que Dilma teria passado a se vestir de branco. A resposta dos 3 consultados foi a mesma: para lhe dar brilho e luminosidade. Em seguida, este Ex-Blog perguntou a 3 publicitários sobre a razão da busca de brilho e luminosidade para Dilma. A resposta também foi unânime. A expressão de Dilma, de setembro para cá, se tornou mais cansada. O branco ajuda a percebê-la com mais energia.

2. Lula vê Dilma “abatida”. Presidente confidencia a aliado preocupação com desânimo de candidata – Folha SP 08/10

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva externa, em privado, preocupação com o “abatimento” de sua candidata à sucessão, Dilma Rousseff (PT), nos últimos dias. Para mudar esse quadro, a reestreia do programa eleitoral na TV, hoje, irá classificar como “vitória” com “votação expressiva” o resultado de Dilma no primeiro turno.

Entrevista à Agência Estado: Em 2010 o Marketing Político foi de 50 anos atrás

1 – O sr acompanha atentamente marketing político ao redor do mundo e aqui no Brasil. O que mudou em termos de marketing nesta eleição? Os candidatos estavam mais engessados, excessivamente guiados por talking points?
R- Tivemos uma eleição de marketing politico primário, típico de 50 anos atrás na América Latina com o caudilho orientando o eleitor e ocupando todos os espaços, nas ruas, nas rádios, nos panfletos e agora na TV.

2 – o que o sr acha da estratégia de marketing da Dilma e do Serra?
R- Nenhum dos dois teve estratégia de marketing se usamos como referencia os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Dilma fazia uma comunicação simplista: de quem quer o caudilho, vote em mim. Serra apostou numa continuidade com melhorias e teve que mudar tudo atropelado pelos escândalos que envolveram o Planalto. Marina começou com o discurso de sustentabilidade e século 21, e cresceu em função do voto evangélico e os valores cristãos que professa. Não houve estratégias.

3 – Há um artificialismo na campanha?
R- Não. Há o relançamento do populismo eleitoral dos anos 50. E por isso fenômenos de voto, nessa mesma linha para parlamentares.

4 – Os debates foram muito engessados? O que deveria mudar?
R- Não houve debates se tomamos como referencia os debates nos EUA, Grã-Bretanha, Espanha e França.

5 – E o horário politico, cumpre a função de informar o eleitor?
R- Serve para isso, mas esse ano foi depolitizador: vote em mim porque ‘papá’ pede.

6 – Faltam figuras políticas carismáticas na eleição atual, como foram em uma era Jânio Quadros, Juscelino?
R- Faltam agendas. Os caudilhos dos anos 50 tinham agenda. Os de hoje apostam na antipolítica no sentido que os cientistas políticos dão.

7 – Por que o sr acha que não foi eleito?
R- Porque o eleitor decidiu votar em meus adversários que, para eles, representavam quem os apoiava, que aparecia todos os dias na TV. A eleição foi limpa. Mas foi unicórdica. O eleitor sabe por que votou, mas não sabe para que votou.

Meu muito obrigado

Amigos,

Chegamos ao fim de mais uma campanha. Uma jornada na qual vocês voluntários mostraram-se incansáveis e demonstraram entusiasmo e bravura no processo eleitoral. Foram às ruas, mobilizaram na internet e multiplicaram votos. Registro aqui o meu muito obrigado!

Sabemos que o resultado da eleição ficou aquém do que imaginávamos. Mas a força mostrada por vocês nos faz vitoriosos e não é hora de desanimar! Até o dia 31 ainda temos muito trabalho.

Convoco a todos a não desistirem e continuarmos caminhando. Agora cabe a todos nós dedicação máxima ao segundo turno de Serra. Deixemos passar esse segundo turno, para em novembro fazermos nossas avaliações e recomeçarmos a caminhada. A política é cíclica por natureza. Mas o próprio tempo corrige com paciência e talento. E é isso que acontecerá se continuarmos com este entusiasmo!

Conto com vocês!

CM