02 de outubro de 2018

NO PAÍS DAS MEIAS-CIDADES!

(Sergio Magalhães, urbanista – Globo, 29) Acostumamo-nos a momentos de grande angústia quanto aos caminhos do Brasil. Somos tentados por soluções redentoras, mas a volta do relógio mostra que não há mágica.

Também apostamos que a grandeza do país impede a queda no abismo. Contudo, já perdemos muita energia. Questões fundamentais permanecem sem equacionamento, para o qual precisamos de convergência democrática.

A habitação é uma dessas questões fundamentais. Nas políticas ditas habitacionais, as más respostas vieram indistintamente de todos os espectros políticos, desde os anos 1930 — quando se identificou o problema da moradia popular entre nós.

Tais políticas confundem moradia com habitação. A moradia é o domicílio de uma família. A habitação é a moradia, as redes de infraestrutura, o transporte, os equipamentos sociais e os serviços públicos. Simplificando: a moradia é individual, a habitação é social.

Uma família pode prover sua moradia, ainda que com precariedade (e muita dificuldade). Mas a habitação, não; só a ação do coletivo. Se quisermos uma boa cidade, precisamos produzir habitação. Se não nos importarmos com a cidade e a cidadania, poderemos produzir apenas moradias.

Todos os governos, desde meados do século passado, promoveram moradias. Não trataram de política de habitação. Sob esse rótulo, fizeram política econômica para cuidar da indústria de materiais, das empreiteiras e do sistema financeiro, dizendo gerar empregos. Assim foi com o BNH, extinto nos anos 1980, até chegarmos ao Minha Casa Minha Vida (MCMV), igual em propósito e em desastre.

Em quase um século, os recursos públicos e a poupança coletiva, somados, financiaram 20% dos domicílios construídos. Os demais 80%, quem financiou foi a própria família, na poupança tijolo a tijolo.

Assim, hoje, nossas cidades têm metade de suas moradias na precariedade, grande parte insalubre. Falta saneamento adequado para metade do Brasil urbano. Para se deslocar, metade da população sofre em transporte inaceitável. Nas grandes cidades, como o Rio, talvez metade de seu território esteja controlado por bandidos. Nosso esforço precisa ser para incluir essas metades do país nas exigências do século XXI.

A questão é complexa, não há solução única. Mas há experiências exitosas, aqui e ali, que sinalizam possibilidades — havendo interesse, continuidade e competência.

Vale elencar algumas delas.

1 — Para superar a precariedade e a insalubridade de 30 milhões de moradias existentes, gigantesco patrimônio das famílias pobres, uma resposta é a “assistência técnica”. Com pequeno crédito à família e assessoria profissional, reformam-se as moradias, como faz hoje, de modo exemplar, o Governo do Distrito Federal.

2 — Para enfrentar o déficit urbanístico de loteamentos populares e favelas consolidadas, há os bons exemplos do programa Favela-Bairro, no Rio, e Guarapiranga, em São Paulo. Depois, em Medellín, Colômbia. Eles mostram a potencialidade em criação de empregos, inserção social e redução da violência urbana.

3 — O Brasil construirá, necessariamente, 40 milhões de domicílios nesta geração. Sem nova política, serão irregulares e precários. Uma resposta adequada é o crédito desburocratizado para a família, conforme suas condições. Ela decide: constrói em lugar legalizado ou compra no mercado imobiliário. No Rio, o PreviRio teve ótimo programa de financiamento para funcionários da prefeitura. A Caixa teve incipiente programa no final dos anos 1990.

4 — O financiamento para as empresas empreenderem é essencial. Porém, não pode ser “financiamento” com demanda garantida, como é regra no MCMV para as rendas baixas. Assim, não é empreender, mas negócio entre governo e empreiteira, sem a decisão do interessado final, com resultados funestos.

Quem será o novo presidente? E os novos congressistas? E os novos governadores? Sejam eles quem forem, o desafio permanece. Não há mágica. Incluir a metade da cidade à cidade brasileira é o caminho democrático e do desenvolvimento.

01 de outubro de 2018

GLOBO ENTREVISTA CESAR MAIA!

Três vezes ex-prefeito do Rio e atual vereador, Cesar Maia, candidato do DEM ao Senado, faz campanha com Eduardo Paes, seu pupilo nos anos 90 e recente desafeto. “Combinamos de olhar para frente”, diz ele. Leia a entrevista:

Globo: O senhor foi prefeito do Rio por três mandatos. E saiu do último governo (2008) muito desgastado. Exerce seu segundo mandato seguido de vereador da capital e tentou se eleger por duas vezes senador. O que o motiva ainda a disputar uma vaga no Senado?

Cesar Maia: Desgaste e aprovação fazem parte da circularidade da política. Hoje, a rua é muito confortável. Não tenho nenhuma dificuldade em qualquer lugar do estado. O tempo terminou eliminando as questões que levaram ao desgaste e maximizando as questões que levaram a me aplaudirem em minhas gestões. Em 2010 tinha, por exemplo, temas críticos como a construção da Cidade da Música (atual Cidade das Artes). A rua está me dando conforto. Isto é fundamental. Em 2016, a campanha para vereador foi prazerosa: tive 80 mil votos: o dobro de 2012 e fui o quarto mais votado. A motivação desta eleição é que que me empenhei muito nas campanhas anteriores e fui conhecer as funções do senador. O eleitor e os candidatos a senador não conhecem. E tenho experiência como deputado duas vezes, uma delas constituinte; e ex-prefeito.

G: O senhor lançou Eduardo Paes na política. E estavam rompidos há alguns anos. Agora se reaproximaram num acordo costurado por Rodrigo Maia, seu filho. Constrange fazer campanha com Paes?

CM: Isso foi bem discutido, antes do Eduardo entrar para o Democratas. O Rodrigo foi intermediário. Ele colocou como preliminar que, se não desse para fazer uma campanha para frente, sem olhar para trás, não daria para trazer o Eduardo Paes. Pediu para pensar se poderíamos fazer campanha sem qualquer tipo de problema. Eu e o Eduardo conversamos inclusive sobre a campanha para prefeito de 2016. Na campanha do deputado Pedro Paulo (candidato apoiado por Paes, derrotado pelo prefeito Marcelo Crivella), ele não teve habilidade para me esquecer. Falamos: então vamos olhar para a frente. Eduardo foi um bom prefeito. Juntos temos 20 anos de prefeitura. Isso permite que troquemos experiências.

G: Mas é uma relação bem pessoal, como no passado, ou apenas politica?

CM: A campanha tem o compromisso político de só tratarmos do futuro. A gente passa a conviver no automóvel, percursos longo, conversando… Eu diria que a gente vive uma situação de tranquilidade, normal. Por sua vez, o Eduardo é padrinho de uma filha do Rodrigo. Eles nunca brigaram.

G: Mas eu perguntei se a atual relação com o Eduardo Paes é a mesma do passado…

CM: No passado ele era meu filho (no sentido político). Saiu do meu útero, ele deixou de ser meu filho: até prefeito se elegeu, duas vezes. Subiu de patamar. Hoje levamos as campanhas juntos. Ele conhece minhas qualidades e eu as dele.

G: Qual deve ser o papel de um senador que representa o Rio num momento em que o estado enfrenta uma crise e dificuldades financeiras?

CM: Em momentos de crise, o senador tem um papel ainda mais importante como representante do estado e de seus municípios. Veja o que aconteceu na negociação para o Congresso aprovar o Regime de Recuperação. Na Câmara, o processo tramitou com a coordenação do Rodrigo. No Senado, os representantes do Rio ou ficaram contra ou omissos. Outro caso: há dias, o prefeito Marcelo Crivella pediu para que o Rodrigo o acompanhasse ao BNDES para discutir a renegociação da dívida da prefeitura do Rio. O Crivella não pediu a um senador do Rio para fazer esse contato. Eu quero que o próximo governador, que espero ser o Eduardo, encontre em mim uma figura de peso ao marcar uma audiência com alguma autoridade, para poder enfrentar os problemas do Estado. Que ainda continuam a ser graves.

G: Quais seriam suas propostas para colaborar para que o Rio saia da crise?

CM: Uma das primeiras preocupações é com a segurança. O senador tem o poder de influenciar o presidente da República para que os recursos materiais e humanos dessa intervenção que termina no fim do ano permaneçam no estado com o novo governo. Sem resolver a segurança Pública, o estado vai continuar a patinar. Veja os problemas enfrentados em segurança entre os usuários do Arco Metropolitano: aquilo é uma insegurança completa. Outra questão é implantar uma ligação ferroviária do Porto de Açu para ajudar no escoamento de carga e no desenvolvimento da Região Norte Fluminense. É preciso acompanhar também o desenvolvimento das obras do Polo Petroquímico de Itaboraí que estão sendo retomadas. E garantir a conclusão das obras do BRT Transbrasil, sem contar o fortalecimento do turismo.

G: Há necessidade de renegociar as bases do Regime de Recuperação Fiscal?

CM: Não há um problema financeiro premente. O próximo governador terá é de fazer contas. Existe a óbvia possibilidade que a economia brasileira vai voltar a crescer. E com isso, a economia do Rio vai junto. Mas claro que o primeiro ano vai ser difícil. A situação deverá melhorar a partir da metade do segundo ano. O governador Pezão está preparando uma transição muito favorável para o próximo governador. Iniciou um programa gigantesco de saneamento na Baixada.