30 de abril de 2019

DEPRESSÃO, TENDÊNCIAS SUICIDAS E PSICOPATIA: A HISTÓRIA DE SOFRIMENTO MENTAL DE PRESIDENTES AMERICANOS!

(BBC News, 28) Washington permaneceu montado em seu cavalo encarando o espaço vazio enquanto dezenas de soldados britânicos atacavam-no em um milharal.Enquanto seus combatentes fugiam em pânico na baía de Kip, em Manhattan, o comandante de 44 anos entrou em estado catatônico, segundo o biógrafo Ron Chernow.

No verão de 1776, a Guerra de Independência dos Estados Unidos estava indo tão mal para os rebeldes que George Washington aparentemente tentou uma ação suicida ao encontrar tropas britânicas.

Os assistentes do futuro primeiro presidente dos EUA agarraram as rédeas de sua montaria e com alguma dificuldade conseguiram levá-lo à segurança.

Um dos seus generais, Nathanael Greene, disse mais tarde que Washington estava “tão irritado com a má conduta de suas tropas que ele buscou a morte em vez da vida”.

O colapso emocional de Washington ilustra como até mesmo os maiores administradores de crises podem quebrar sob pressão.

Avançando quase dois séculos e meio, o estado mental de seu descendente político está sob uma análise menos compreensiva.

A psiquiatria presidencial voltou à moda desde que Donald Trump entrou na Casa Branca.

Nicho de mercado
Há até um subgênero editorial dedicado a colocar o 45º presidente no divã do psiquiatra.

Tais títulos incluem The Dangerous Case of Donald Trump: 27 Psychiatrists and Mental Health Experts Assess a President (O Caso Perigoso de Donald Trump: 27 Psiquiatras e Especialistas em Saúde Mental Avaliam um Presidente, ainda sem tradução no Brasil), Rocket Man: Nuclear Madness and the Mind of Donald Trump (O Homem do Foguete: A Loucura Nuclear e a Mente de Donald Trump, também sem tradução no Brasil) e A Clear and Present Danger: Narcissism in the Era of Donald Trump (Um Perigo Claro e Presente: Narcisismo na Era de Donald Trump, sem edição por aqui).

Mas Trump – que afirma ser “um gênio muito estável” – não é de forma alguma o primeiro líder americano a ser chamado de lunático.

John Adams, o segundo presidente americano, foi descrito por seu arquirrival Thomas Jefferson – que viria a ser seu sucessor – como “às vezes absolutamente louco”.

O jornal Philadelphia Aurora, porta-voz do partido de Jefferson, atacou Adams dizendo que ele era “um homem despojado de seus sentidos”.

Theodore Roosevelt, segundo o contemporâneo Journal of Abnormal Psychology, “entraria para a história como um dos mais ilustres exemplos psicológicos da distorção dos processos mentais conscientes”.

Enquanto Roosevelt fazia campanha em 1912 para retornar à Presidência, o proeminente historiador americano Henry Adams disse: “Sua mente está em pedaços… sua neurose pode terminar em um colapso nervoso, ou mania aguda”.

Depois que Woodrow Wilson, o 28º presidente dos EUA, teve um derrame, seus críticos afirmaram que a Casa Branca havia se tornado um asilo de loucos, apontando como prova as barras instaladas em algumas janelas do primeiro andar da mansão.

Mas, como relata John Milton Cooper em sua biografia de Wilson, essas barras foram, de fato, adaptadas durante a Presidência de Teddy Roosevelt para impedir que seus filhos quebrassem janelas com suas bolas de beisebol.

Metade dos mandatários sofreu de doença mental
De qualquer forma, de acordo com uma análise psiquiátrica dos primeiros 37 comandantes-em-chefe americanos, Adams, Roosevelt e Wilson tinham problemas reais de saúde mental.

O estudo de 2006 estimou que 49% dos presidentes sofreram de uma doença mental em algum momento da vida (um número que os pesquisadores afirmam estar de acordo com as taxas nacionais).

Vinte e sete por cento deles foram afetados por esses distúrbios enquanto estavam no escritório.

Um em cada quatro preencheu os critérios diagnósticos para depressão, incluindo Woodrow Wilson e James Madison, disse a equipe do Centro Médico da Universidade Duke, na Carolina do Norte.

Eles também concluíram que Teddy Roosevelt e John Adams tinham transtorno bipolar, enquanto Thomas Jefferson e Ulysses Grant lutavam contra a ansiedade social.

O professor Jonathan Davidson, que liderou o estudo, disse: “As pressões de tal trabalho podem desencadear problemas que estavam latentes em alguém.”

“Ser presidente é extremamente estressante e ninguém tem capacidade ilimitada de fazê-lo para todo o sempre”.

Woodrow Wilson teve seu derrame em 1919 durante uma luta condenada para que o Tratado de Versalhes, tratado de paz assinado pelas potências europeias que encerrou a Primeira Guerra Mundial, fosse aprovado.

O derrame deixou-o incapacitado e depois desse episódio ele sofreu com depressão e paranoia até o fim de sua Presidência, em 1921.

A primeira-dama Edith Wilson praticamente dirigiu a Casa Branca, deixando oponentes furiosos sobre seu “governo de anáguas”.

No momento em que Wilson deixou o cargo, um repórter disse que ele era um medroso e “os restos quebrados do homem” que uma vez fora.

Paralisia do luto
Acredita-se que duas outras Presidências tenham sido destruídas pela depressão clínica.

De acordo com Davidson, professor da Duke, um forte transtorno depressivo tornou Calvin Coolidge (1923-1929) e Franklin Pierce (1853-1857) ineficazes como líderes depois que seus filhos morreram.

Pierce sofreu uma tragédia horrível pouco antes de sua posse, em 1853. O 14º presidente, sua esposa, Jane, e seu filho, Benjamin, estavam em um trem quando este descarrilhou perto de Andover, Massachusetts.

A carruagem foi jogada em um aterro e Benjamin quase foi decapitado. Ele morreu instantaneamente.

O menino de 11 anos era o único sobrevivente de três filhos dos Pierces.

O presidente democrata escreveu a Jefferson Davis, seu secretário de guerra: “Como poderei convocar minha virilidade e reunir minhas energias para todos os deveres diante de mim, é difícil de ver”.

Davidson, da Duke, diz que o tormento interior de Pierce levou-o a abdicar de qualquer papel executivo real enquanto a nação se dirigia para uma guerra civil, que enfim começou em 1861.

Ele foi o único presidente eleito por seu próprio direito a ser expulso de seu partido na eleição seguinte.

A dor de Pierce, juntamente com o estresse de presidir um país prestes a se dividir, parece ter exacerbado seu abuso de longa data do álcool.

Ele morreu de doenças relacionadas à insuficiência hepática, segundo o biógrafo Michael F. Holt.

Calvin Coolidge assumiu o cargo como um líder otimista, trabalhador e enérgico.

Mas no verão de 1924 seu filho de 16 anos, Calvin Jr, foi jogar na quadra de tênis da Casa Branca, usando tênis sem meias.

O menino teve uma bolha no dedo do pé, que infeccionou, e ele morreu de infecção generalizada.

De acordo com a biografia de Amity Shales, Coolidge se culpou pela morte do adolescente.

Ele ordenou a construção de lápides para si mesmo, sua esposa e filho sobrevivente, John, além de uma para Calvin Jr.

“Sempre que olho pela janela”, dizia o presidente, “vejo meu garoto jogando tênis naquela quadra”.

Seu comportamento tornou-se cada vez mais errático. Ele explodia com convidados, ajudantes e familiares.

Durante um jantar na Casa Branca, ficou fixado em um retrato do presidente John Adams, comentando que sua cabeça parecia muito brilhante.

Coolidge ordenou a um empregado que esfregasse um trapo nas cinzas da lareira, subisse em uma escada e aplicasse as cinzas na pintura para escurecer a cabeça de Adams.

(John Quincy Adams também sofria de depressão e costumava vagar em torno da Casa Branca, jogando bilhar e irritando sua esposa britânica, segundo uma biografia de Harlow Giles Unger.)

Coolidge praticamente se retirou da vida política. O mais preocupante era sua ignorância sobre alarmes econômicos um ano antes da quebra da Bolsa de Valores americana em 1929.

Quando algum tipo de legislação foi considerada para refrear a crescente especulação de ações, ele disse aos repórteres: “Eu não sei o que é ou quais são suas provisões ou qual tem sido a discussão”.

Em sua autobiografia, o 30º presidente escreveu: “Quando ele [meu filho] partiu, o poder e a glória da Presidência foram com ele.”

“Eu não sei por que tal preço foi exigido por ocupar a Casa Branca.”

Outros presidentes foram capazes de se recuperar da tragédia pessoal do luto.

Theodore Roosevelt lutou contra depressão severa no início de sua carreira política após a morte de sua jovem esposa no Dia dos Namorados de 1884.

Ele partiu por dois anos para o território de Badlands, na Dakota do Sul, onde construiu um rancho, caçou búfalos, prendeu ladrões e nocauteou um pistoleiro em um bar.

Propensão à melancolia
Abraham Lincoln foi propenso durante toda sua vida à melancolia, segundo o biógrafo David Herbert Donald.

Em 1841, em Springfield, Illinois, enquanto atuava como legislador estadual, Lincoln rompeu seu noivado com Mary Todd (eles eventualmente se casaram) e mergulhou em profunda depressão.

Um amigo colocou-o sob supervisão antisuicida, removendo navalhas e facas de seu quarto.

Havia rumores na capital do Estado de que ele havia enlouquecido.

Dada sua morosidade, os assessores devem ter temido a maneira como ele lidaria, durante a Guerra Civil Americana, com a morte de seu filho de 11 anos, Willie, provavelmente de febre tifoide, na Casa Branca em fevereiro de 1862.

Mais tarde naquele ano, após outra derrota humilhante, desta vez na Segunda Batalha de Bull Run, Lincoln disse ao seu gabinete que se sentia quase pronto para se enforcar, segundo o livro de Donald.

Apesar do luto, o 16º presidente conseguiu se manter equilibrado e o país, unido.

Foi só depois da morte de Willie que Lincoln finalmente demitiu seu vacilante comandante militar, George McLellan.

Ele o substituiu por um homem depressivo, tímido e provavelmente alcoólatra, que ficava enjoado ao ver sangue. Ulysses Grant, no entanto, levaria o Exército da União, ou do Norte – contrário à política escravagista e à divisão do território americano de acordo com ela – à vitória.

Presidentes “psicopatas”
Apesar do estigma persistente da doença mental, alguns especialistas acreditam que essas descobertas possam ajudar alguns líderes – até um certo ponto.

Um estudo de 2012 realizado por psicólogos da Universidade Emory, no Estado americano da Geórgia, revelou que vários presidentes exibiam traços psicopáticos, incluindo Bill Clinton.

Os dois considerados mais psicopatas foram Lyndon Baines Johnson (1963-1969) e Andrew Jackson (1829-1837), o herói de Trump.

Atributos psicopáticos foram identificados pela equipe de Emory como charme superficial, egocentrismo, desonestidade, insensibilidade, tomada de riscos, mau controle dos impulsos e falta de medo.

A pesquisa cobriu todos os presidentes, exceto o atual e o antecessor, Barack Obama.

O professor Scott Lilienfeld, que liderou o estudo, diz: “Eu suspeito que, no longo prazo, essas características vão chegar a (outras) pessoas. Então, sim, elas podem permitir que pessoas subam a posições de liderança.”

“Mas estou menos confiante de que elas resultarão em melhor liderança geral, especialmente a longo prazo.”

Johnson, por exemplo, tinha um ego do tamanho de seu Ese roubou sua eleição ao Senado em 1948, e depois ainda mais descaradamente fez piadas sobre isso, de acordo com a biografia de Robert Caro.

Johnson não se constrangia ao casualmente colocar a mão debaixo da saia de outra mulher enquanto sua esposa, Lady Bird, estava sentada a seu lado.

Ele gostava de humilhar os subordinados, convocando-os a tomarem nota de suas palavras enquanto urinava na pia ou defecava no banheiro.

No entanto, Johnson pode ter causado seu próprio Alamo político ao mentir para o povo americano sobre uma falsa briga naval no Golfo de Tonkin em 1964.

Ele usou o incidente para escalar a guerra dos EUA no Vietnã.

Mas em meio à hecatombe da Ofensiva do Tet, quatro anos depois – um ataque lançado pelos norte-vietnamitas e vietcongues contra as forças americanas e sul-vietnamitas – Johnson anunciou que não concorreria a um segundo mandato.

Já o presidente Andrew Jackson – que assinou a Lei de Remoção Indígena, uma ato de limpeza étnica – é lembrado hoje mais por sua crueldade do que pela invejável realização de ser o único presidente a pagar integralmente a dívida nacional.

E a reputação de Bill Clinton, é claro, foi deixada em farrapos por sua impulsividade sexual.

Alguns presidentes lidaram com as tensões do Salão Oval de forma pior do que outros.

Ainda como vice-presidente, Richard Nixon tomava medicamentos para ansiedade e depressão juntamente com comprimidos para dormir regados por álcool.

A biografia escrita por John A. Farrell detalha como o instável líder que viria a ser derrubado da Presidência pelo caso Watergate (escândalo político que levou à sua renúncia) bebeu excessivamente ao longo de seu mandato.

Fitas da Casa Branca gravaram-no falando enrolado em meio ao tilintar dos cubos de gelo.

Henry Kissinger, seu principal diplomata, disse certa vez que Nixon não poderia atender ao primeiro-ministro britânico durante uma crise no Oriente Médio porque ele estava “muito bêbado”.

Seu psicoterapeuta, Dr. Arnold Hutschnecker, era o único profissional de saúde mental conhecido por ter tratado um presidente na Casa Branca.

Ele disse que Nixon tinha “uma boa parte dos sintomas neuróticos”.

E Donald Trump?
O diagnóstico à distância do professor Davidson, da Duke, diz que o presidente americano não está mentalmente doente. Ele cita o debate internacional entre psiquiatras sobre se o narcisismo – uma característica tantas vezes atribuída ao atual presidente – é um distúrbio de personalidade genuíno.

Nassir Ghaemi, autor de A First-Rate Madness: Uncovering the Links Between Leadership and Mental Illness (Uma Loucura de Primeira Linha: Descobrindo as Ligações entre a Liderança e a Doença Mental, ainda sem tradução no Brasil), afirma que o presidente Trump tem “sintomas maníacos clássicos”.

O professor de psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade Tufts, em Boston, diz: “Ele não dorme muito. Ele tem um nível de energia física muito alto”.

“Ele é muito impulsivo com os gastos, sexualmente impulsivo, não consegue se concentrar. Seus traços foram mais benéficos para ele durante a campanha presidencial, onde ele foi extremamente criativo”, continua.

“Ele foi capaz de captar coisas que pessoas normais, mentalmente saudáveis e estáveis, como Hillary Clinton, por exemplo, não conseguiram.”

A Presidência de Trump, como dizem muitas vezes, quebrou normas históricas.

Mas as vidas estranhas e perturbadas dos líderes americanos sugerem outra questão: o que é normal?

29 de abril de 2019

O FUTURO SOMBRIO DAS CIDADES!

(Luiz Fernando Janot – O Globo, 27) Não são poucas as controvérsias quando se especula sobre o futuro das cidades. Para o bem ou para o mal, intervenções urbanas são feitas para adequá-las às imposições de cada época. Para se compreender uma cidade é necessário conhecer seus encantos e reconhecer suas mazelas. Toda cidade é formada por um conjunto diferenciado de espaços que reflete o modo de vida da sua gente. Vejam as grandes metrópoles europeias com suas periferias repletas de imigrantes de diversas nacionalidades. Ou as cidades africanas cuja população sobrevive abaixo da linha de pobreza.

Sem falar na Índia, onde cerca de um terço da sua população nasce, vive e morre nas ruas.

Teorias sociológicas que tratam dessas questões não oferecem soluções factíveis para resolver tais impasses. No Brasil, o problema da moradia popular esbarra na inexistência de programas habitacionais adequados às características de cada grupamento social. Sem essa contribuição do Estado, dificilmente haverá moradia digna para quem não possui condições financeiras para adquiri-la no mercado oficial. Temos, como agravante, a concentração da riqueza mundial nas últimas décadas entre os segmentos mais ricos da sociedade. Por outro lado, observa-se o achatamento da base da pirâmide social. Lamentavelmente, vemos a política do bem-estar social, implantada após a Segunda Guerra Mundial, ser esvaziada e responsabilizada pelo desequilíbrio financeiro das nações. Para compensar a perda dos benefícios sociais, oferecem planos privados de seguridade social. De certo modo, os problemas atuais são transferidos para as próximas gerações. Quem assegura que esses planos serão honrados futuramente? Já teve empresa conceituada fechando as portas sob a alegação de prejuízos e desinteresse comercial. Se nada for feito, certamente, teremos um futuro sombrio pairando sobre nossas cidades. Pelos contrastes aparentes, o Rio faz parte de um grupo de cidades com abismos sociais difíceis de serem superados. As favelas incrustadas nos morros, as aglomerações informais periféricas e a quantidade de gente dormindo nas ruas são provas incontestáveis de que a pobreza e a miséria crescem em proporções alarmantes. Soluções de curto prazo para problemas complexos geralmente acabam em frustrações decepcionantes. Não dá para adiar por mais tempo a criação de políticas públicas destinadas a viabilizar projetos habitacionais de qualidade para as populações de baixa renda. Sem a participação e a colaboração das comunidades não será possível apresentar soluções adequadas para melhorar a ambiência dessas localidades.

Chega de projetos demagógicos que se encerram ao final de cada governo. É preciso criar uma estrutura de planejamento urbano e de política habitacional como função de Estado. Projetos de médio e longo prazo devem se contrapor aos pragmatismos de resultados imediatos que resultam na expansão descontrolada das construções informais à revelia ou com a conivência disfarçada do poder público. Infelizmente, estamos atrelados a uma ordem mundial que tem como prioridade os resultados financeiros. Trabalho, educação e saúde — pilares de sustentação das sociedades — são desprezados ao ponto de comprometer o futuro da humanidade. Que lições extrair dessas questões que afetam diretamente a vida nas cidades? Sirvo-me de uma das mais belas citações contidas no livro “Cidades Invisíveis”, de Ítalo Calvino, para responder a tal indagação: “De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas; ou as perguntas que fazemos para nos obrigar a responder.”

Portanto, é preciso refletir com absoluta serenidade para compreender as profundas transformações sociais, econômicas e culturais que estão ocorrendo no mundo de hoje, de modo a não nos deixarmos levar por propostas derivadas de preconceitos sociais arraigados ou de visões ideológicas ultrapassadas. Há que se agir enquanto é tempo.

Não dá para adiar por mais tempo as políticas públicas destinadas a viabilizar projetos habitacionais de qualidade para as populações de baixa renda.

26 de abril de 2019

MACRON PRESENTA SU RECETA CONTRA EL MALESTAR SOCIAL TRAS LA CRISIS DE LOS ‘CHALECOS AMARILLOS’!

(El País, 25) El presidente francés anuncia este jueves las medidas tras dos meses de un debate nacional en los que miles de ciudadanos han opinado sobre cómo mejorar el país

Una rueda de prensa no era la forma en que Emmanuel Macron había previsto presentar las medidas con las que espera calmar a la Francia de los chalecos amarillos. Tampoco la fecha, retrasada por el incendio el 15 de abril de la catedral de Notre Dame en París, era la preferida del presidente francés. Pero estos son solo nuevos inconvenientes de una crisis más tortuosa y profunda de lo que nadie en el Gobierno —y más allá— se esperaban cuando los primeros franceses empezaron, a mediados de noviembre, a ocupar rotondas de todo el país y protestar, cada sábado desde entonces, en las principales ciudades francesas. La verdadera cuestión, más allá de formatos y fechas, es si las medidas que ha preparado Macron y que desvelará este jueves lograrán apaciguar la ira social que ha mantenido en jaque a su Gobierno durante los últimos cinco meses. La filtración de las primeras propuestas sobre bajada de impuestos y ayudas sociales, difundidas por la prensa poco antes del incendio de Notre Dame y nunca desmentidas por el Elíseo, no impidieron que los chalecos amarilloslanzaran un nuevo ultimátum el sábado pasado al Ejecutivo.

Desde luego, no será un discurso más. Ni una conferencia de prensa —formato que ha evitado siempre que ha podido, hasta el punto que es la primera de este estilo que ofrece en el Elíseo— al uso. Pero es que no es un momento cualquiera. De lo que anuncie Macron esta jornada se perfilará probablemente cómo se desarrolla el resto de su mandato cuando no ha alcanzado siquiera su ecuador. Debería permitir avistar si se atreve a continuar la senda reformista que inició nada más llegar al Elíseo —que ya ha redundado en una reforma laboral y otra de la simbólica SNCF, la compañía nacional de ferrocarriles— y que tiene aún pendiente temas espinosos, como las pensiones, el seguro del paro y hasta el propio sector público. ¿Se atreverá también a tocar el tema de la edad de jubilación, cuestión casi tabú entre muchos franceses? Ninguna filtración ha logrado confirmar este extremo.

Según ha adelantado el Elíseo, antes de responder a preguntas de la prensa, a partir de las 18.00, el mandatario pronunciará un discurso de unos 20 minutos. Allí presentará “las perspectivas y el rumbo” a tomar tras la crisis de los chalecos amarillos y el gran debate nacional que, durante dos meses, entre marzo y abril, permitió a miles de franceses debatir sus prioridades políticas y proponer medidas.

La idea, acotó la víspera la portavoz del Gobierno, Sibeth Ndiaye, es “preparar rápidamente el orden de batalla para definir un calendario” de puesta en marcha de las medidas. El primer ministro, Édouard Philippe, tiene de hecho previsto celebrar un “seminario” con sus ministros el lunes próximo para empezar a preparar la puesta en marcha de las medidas que anuncie Macron.

Hay pocas dudas sobre que las medidas girarán, sobre todo, en torno a una bajada de impuestos. “Debemos bajar los impuestos lo más rápido posible”, dijo ya Philippe cuando, a comienzos de mes, presentó los resultados del gran debate nacional que el Gobierno se ha comprometido a transformar en iniciativas y políticas.

Entre las propuestas que se han filtrado está una moratoria sobre el incremento de los impuestos y una bajada del impuesto sobre la renta de las clases medias. Macron también tendría previsto, de acuerdo con la prensa francesa, anunciar medidas dirigidas a otros dos sectores activos en las protestas de los últimos meses, las madres solteras y los pensionistas. Para las primeras, se trata de la asunción por la Administración de las pensiones alimentarias impagadas. Para los jubilados, el presidente habría decidido, siempre según las filtraciones, indexar las pensiones inferiores a los 2.000 euros con la inflación. Otra de las medidas esperadas es la promesa de no cerrar ni escuelas ni hospitales —una de las demandas de los chalecos amarillos— hasta el fin de su mandato.

Por el contrario, Macron podría haber echado marcha atrás en una de las medidas filtradas que más revuelo han provocado: su presunta intención de anunciar la supresión de la Escuela Nacional de Administración (ENA), el vivero de donde hoy en día salen prácticamente todos los altos funcionarios franceses, Macron y buena parte de su equipo incluido, pero percibida popularmente, al menos en estos tiempos de chalecos amarillos, como un símbolo de las élites.

El calendario de Macron es ajustado. No solo las medidas son anunciadas a horas de la próxima jornada de protesta de los chalecos amarillos, el sábado, sino a escasos días del Primero de Mayo, día tradicional de manifestaciones de los trabajadores. Y a casi un mes de las elecciones europeas, la primera llamada a las urnas desde que Macron accedió al poder.

25 de abril de 2019

CESAR MAIA: ‘MEU FILHO NA PRESIDÊNCIA DA CÂMARA É UM PRÊMIO PARA BOLSONARO’!

(BBC News Brasil, 18) Um curto-circuito ocorreu no fim de março, quando Rodrigo Maia e Bolsonaro protagonizaram uma queda de braços política, e Maia, irritado com a falta de articulação para aprovar a Reforma da Previdência no Congresso, afirmou que o presidente estava “brincando de governar”.

‘O governo tem três vetores que funcionam. O econômico-financeiro, o da segurança e o vetor administrativo. No quarto vetor, que é meio espalhado, acontecem coisas inacreditáveis’, diz Cesar Maia.

Para o ex-prefeito e vereador Cesar Maia (DEM-RJ), o governo do presidente Jair Bolsonaro tem “três vetores que funcionam”, um quarto onde acontecem coisas “inacreditáveis”, e um trunfo.

Os “que funcionam”, segundo disse em entrevista à BBC News Brasil, são “o econômico-financeiro, que é o (ministro da Economia) Paulo Guedes; o da segurança, que é do (ministro da Justiça Sergio) Moro; e o vetor administrativo, que são os militares no Planalto”.

O vetor “desorganizado” tem representantes como o ministério da Educação, que seriam alvo de influência “inacreditável” de olavistas – como são conhecidos os seguidores do escritor Olavo de Carvalho.

Já o trunfo atende por seu sobrenome e herança genética: o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Segundo Maia pai, o filho é um político com rara capacidade de ouvir e talento para negociar, conciliar, articular.

“Isso é um prêmio para o presidente da República”, diz Maia pai, comparando a relação com o que o deputado do antigo PFL (hoje DEM) Luís Eduardo Magalhães foi para o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Ele tem esse estilo de negociação, de convencimento, de argumentação, e ele (Bolsonaro) pode discutir coisas que têm que caminhar, e aí elas andam. Só que aí de repente você tem um curto-circuito…”

Para Cesar, entretanto, a crise não teve consequências mais graves porque Rodrigo “sabe ouvir por uma orelha e deixar sair pela outra”. “Ele dá o troco dele no momento certo, como já deu”, diz o ex-prefeito. Em meio à crise, a Câmara aprovou, de supetão, uma proposta que torna obrigatória a liberação de verbas para custear iniciativas de emendas de parlamentares incluídas no Orçamento, impondo uma derrota ao governo.

Prefeito mais longevo do Rio, com três mandatos (1993-1996 e 2001-2008), Cesar Maia recebeu a reportagem em seu gabinete na Câmara dos Vereadores do Rio. Vestia um blazer xadrez sobre uma camisa listrada, calça de malha esportiva e tênis de corrida. A casa está às voltas com um processo de impeachment contra o atual alcaide, Marcelo Crivella (PRB-RJ).

Na entrevista à BBC News Brasil, Maia disse que o processo foi ensejado pelo próprio Crivella, que considera inexperiente, que o novo governador do Rio, Wilson Witzel (PSC-RJ), é um “fantasma” que “ainda não disse a que veio” e que Bolsonaro tem que adquirir “um perfil mais presidencial”.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil – Como o senhor avalia os cem primeiros dias do governo Bolsonaro?

Cesar Maia – O governo tem três vetores que funcionam. O econômico-financeiro, que é o (ministro da Economia) Paulo Guedes; o da segurança, que é do (ministro da Justiça Sergio) Moro; e o vetor administrativo, que são os militares no Planalto.

No quarto vetor, que é meio espalhado, acontecem coisas inacreditáveis como essa do ministro de Educação (o ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez foi exonerado, substituído por Abraham Weintraub), a briga com os grupos olavistas.

BBC News Brasil – O que essas rusgas trazem para o governo?

Maia – Desorganização. Como é que um ministro pode ter colocado em seu gabinete pessoas ligadas ao Olavo (de Carvalho)? Isso mostra que falta comando.

Esses três vetores são o suficiente para levar um governo para a frente? Pode ser. Mas para isso é necessário que o Bolsonaro adquira um perfil mais presidencial.

BBC News Brasil – Mais presidencial como?

Maia – Na postura, né? Na relação com o Congresso. Como o Fernando Henrique Cardoso disse, todo presidente na História do Brasil que resolveu confrontar o Congresso perdeu, e às vezes saiu. Ele tem que tomar cuidado. Ter um perfil mais presidencial. Agora pelo menos já está de terno e gravata.

BBC News Brasil – Na semana passada, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu para o STF prorrogar inquérito investigando se o senhor e seu filho teriam recebido pagamentos ilícitos da Odebrecht. Uma perícia da Polícia Federal encontrou registros indicando pagamentos de R$ 1,4 milhão pela Odebrecht para codinomes associados ao senhor e ao seu. O que o senhor tem a dizer sobre o inquérito?

Maia – O diretor da Odebrecht, em seu depoimento no Lava Jato, foi enfático. Cesar Maia, em nenhum momento. Veja o vídeo (faz referência ao depoimento do ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, que diz não ter feito pagamentos a Cesar Maia nem a Rodrigo Maia).

BBC News Brasil – Como vê o papel que seu filho tem desempenhado na presidência da Câmara?

Maia – O Rodrigo tem um personagem muito diferente do meu. Eu sou um personagem de papel, lápis, máquina de calcular. O Rodrigo é um personagem de articulação, de conversa.

Ele é dos poucos políticos que conheço com enorme poder de audiência. Ele ouve. Não sei como consegue tempo para receber tantos deputados e senadores. Passou a ter confiabilidade entre seus pares, independentemente do partido político, e tem um poder de articulação de negociação muito grande. A palavra dele passou a valer.

Isso é um prêmio para o presidente da República. É como foi com o Luís Eduardo Magalhães para o Fernando Henrique Cardoso. Ele tem esse estilo de negociação, de convencimento, de argumentação, e ele (Bolsonaro) pode discutir coisas que têm que caminhar, e aí elas andam. Só que aí de repente você tem um curto circuito…

BBC News Brasil – Quais são as consequências da briga entre ele Bolsonaro?

Maia – Se não fosse o Rodrigo, eu diria que seriam graves. Mas com o estilo do Rodrigo, vai entrar por aqui, sai por ali (aponta para a orelha). Ele dá o troco dele no momento certo, como já deu.

BBC News Brasil – O troco foi verbal ou foi a votação da PEC do Orçamento Impositivo?

Maia – Foi a ausência, por exemplo. Depois daquilo ali (as trocas de farpas recentes), a primeira vez que esteve com o presidente foi semana passada, com os prefeitos. O Rodrigo gerou um convencimento no Congresso entre todos os setores, (da) esquerda à direita, dizendo que a tarefa nesse momento é fortalecer o Congresso. Aí aprovou aquela medida (do Orçamento Impositivo). Mas vem mais coisa aí. Aguardemos.

BBC News Brasil – O senhor votou a favor da abertura do processo de impeachment do prefeito Marcelo Crivella na Câmara dos Vereadores do Rio. Acha que ele corre o risco de perder o mandato?

Maia – O tema não é tão significativo. Acho que ele vai virar os votos que precisa. Mas ouço que esse processo ainda não é o final. Pode ser que venha outro.

BBC News Brasil – Como ele chegou a essa situação?

Maia – Acho foi uma montagem de seu próprio governo. Pelas mudanças, pelas trocas que ele fez. Ele indica e depois exonera. Nomear indicados de vereador e depois retirar é uma coisa pesada para o vereador. E estou falando de vereadores de porte aqui dentro, com muitos anos de casa.

Isso foi gerando uma desorganização e uma relação muito ruim. Foi desmontando (sua base de apoio). Mesmo dentro da política de clientela, ele foi perdendo autoridade juntos aos vereadores.

BBC News Brasil – Como o senhor vê sua gestão?

Maia – Ele (o Crivella) foi pastor da Igreja Universal por muitos anos, virou cantor famoso de igreja, os discos vendiam um milhão de cópias, era um troço grande. Ficou muito popular e se candidatou a senador. Foi eleito, outra vez foi eleito. Mas a especialidade dele não é essa.

BBC News Brasil – Não é o quê, a política?

Maia – É ser pastor, fazer disco. Isso ele faz bem. Falta experiência para ele enfrentar uma prefeitura como a do Rio, com todos os problemas que tem.

Então ele foi perdendo crédito junto aos seus. A maior perda que ele teve foi a de credibilidade junto aos funcionários da prefeitura. Ele não tem controle sobre o pessoal, não mobiliza o seu pessoal.

BBC News Brasil – As chuvas desta semana atrapalharam mais, aumentam o desgaste?

Maia – Claro. Ele está cercado de pessoas que não têm experiência política. Ele apareceu na TV sempre arrumadinho, procurando falar de uma forma tranquila. Mas você não via ele na rua.

BBC News Brasil – As chuvas na semana passada levaram ao desabamento de dois prédios na comunidade da Muzema, em área dominada por milícias. De quem é a culpa?

Maia – Do construtor, e por isso deve pagar.

BBC News Brasil – O senhor foi acusado condescendência em relação a milícias como prefeito. Acha que falhou ao não tomar ações para combater a atuação desses grupos durante a sua gestão?

Maia – De Lampião até hoje, tivemos as milícias, a polícia mineira, o cangaço etc. São 400 anos dessa prática. Atuei ao nível de minhas responsabilidades, que não eram policiais.

BBC News Brasil – Como o senhor vê as coincidências que surgiram entre o senador Flavio Bolsonaro e milicianos? Como deputado, ele homenageou PMs hoje denunciados como milicianos, e contratou em seu gabinete a mãe e a esposa de um deles (o ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, foragido, acusado de comandar milícias em Rio das Pedras e na Muzema).

Maia – Acho que com o tipo de política que eles fazem, de agressividade, de “prende, arrebenta”, suas relações são com pessoas que pensavam como eles. Não sei se isso significa que eram milicianos.

No caso do Flavio, são muitos casos. Tem os recursos tirados do gabinete, aquele um milhão (o R$ 1,2 milhão movimentado por Fabricio Queiroz, que foi motorista e segurança de Flávio Bolsonaro). Mas para isso tem polícia e Ministério Público. O MP prosseguiu com a investigação. Vamos ver o que vão fazer.

BBC News Brasil – Mas o senhor vê algum tipo de proximidade?

Maia – Aí depende do que você chama de milícia. Porque milícia tem uma curva de reconhecimento por parte dos moradores de que era uma necessidade. Estou falando de 15, 18 anos atrás, quando as milícias entravam e proibiam o tráfico de entrar na comunidade. Então eram vistas positivamente. O policial tinha um risco grande de morar em um lugar e ser assassinado pelo tráfico. Em função disso, foram construindo uma autodefesa, com policiais aposentados, combatendo o tráfico, defendendo suas famílias.

Depois passaram a ter uma ação de ganhos, financeira, de extorsão. Devem ter percebido que era mais fácil do que imaginavam, e aí entra essa curva de extorsão que a gente está vivendo aí, com todos os problemas.

O tráfico trabalha numa comunidade vendendo drogas para pessoas de fora. Milícia é diferente. Ela produz algum tipo de benefício para as pessoas de dentro, casa, carro, motoboys…

BBC News Brasil – Quando prefeito, o senhor dizia que as milícias eram melhores que o tráfico. Elas estão superando o tráfico como o grande problema do Rio?

Maia – Não. Continua sendo tráfico. As milícias passaram a ser um problema porque fazem extorsão.

BBC News Brasil – Mas podem ter mais facilidade de se misturar ao poder do Estado e entrar na política. Isso não pode representar uma ameaça maior?

Maia – O tráfico trabalha numa comunidade vendendo drogas para pessoas de fora. Milícia é diferente. Ela produz algum tipo de benefício para as pessoas de dentro, casa, carro, motoboys… O tráfico é percebido como um problema gravíssimo, enquanto a milícia é percebida, parcialmente, não como um problema, mas como uma solução para a garotada, arranjar negócio de moto, e tal…

BBC News Brasil – As milícias também são um problema gravíssimo. Extorquem, banem moradores, executam quem vai contra.

Maia – O que eu estou dizendo é por que elas têm voto. É porque, dentro da comunidade, elas também produzem benefício. O tráfico não produz benefício nenhum, porque o negócio deles vem de fora para dentro. O negócio da milícia é de dentro pra dentro. Se não, não teria voto.

BBC News Brasil – Existem vereadores na Câmara ligados à milícia?

Maia – Eu não sei. Se eu soubesse, eu ia lá no Ministério Público e denunciava.

BBC News Brasil – Na semana passada se completaram cem dias da gestão de Wilson Witzel. Como vê o início de seu governo?

Maia – Impossível dizer. Eu nunca tinha ouvido falar no senhor Witzel (pronuncia ‘Uitzel’). E olha que estou na política desde garoto e tenho 73 anos. Fui surpreendido quando apareceu no debate na TV um senhor Witzel. Ele tinha 1 ou 2% de intenções de votos, nem se deu bola. Não posso opinar sobre um fantasma.

Agora que ele começou a governar, deixa de ser um fantasma. Vamos esperar. Não dá para antecipar o que vai ser.

BBC News Brasil – Ele tem posturas polêmicas sobre segurança pública, defendendo a atuação de snipers para matar bandidos.

Maia – Ele fica falando em dar tiros na cabeça, deve achar isso um elemento de promoção. Agora mesmo com o caso dos 80 tiros (o músico Evaldo dos Santos Rosa morreu depois que militares do Exército fuzilaram o carro em que ia com a família para um chá de bebê), ele disse não queria fazer juízo de valor.

Você tem o prefeito da capital que é uma figura meio inerte. Você tem o governador que ainda não disse a que veio. O que vai acontecer com o Estado?

BBC News Brasil – No enterro de Evaldo, amigos associaram seu assassinato ao discurso agressivo do presidente. O senhor acha que as posturas de Bolsonaro e Witzel podem fomentar violência entre agentes do Estado?

Maia – Havendo esse tipo de discurso, a associação é inevitável. É provável que os soldados tenham atirado mobilizados pela ideia de que nada vai acontecer, porque esse é o clima que cerca o governo do Estado e o governo federal. Os caras podem ter se animado com o que estão vendo na televisão. Espero que coloquem um freio nessa ideia, com uma investigação contundente sobre a ação do Exército.

Se os soldados forem presos, condenados, os outros que estão entusiasmados em ser o sniper da vez vão pensar: “Peraí. Eles dizem essas coisas, mas não protegem a gente. Vou ficar na minha.”

Vão ver que não é assim, não. Que não é: “Mata e fica por isso mesmo”. Esse caso é emblemático e exige esclarecimento o mais rápido possível. Não é tão difícil assim, né. São 80 tiros, afinal de contas. Que esclareçam, para ficar como referência.

24 de abril de 2019

O QUE FAZ A ECONOMIA DO PERU CRESCER FORTE MESMO APÓS ESCÂNDALO ODEBRECHT ARRASTAR 4 EX-PRESIDENTES?

(BBC News Brasil, 18) Na quarta-feira, desdobramentos da operação em território peruano tiveram um momento marcante com o suicídio do ex-presidente Alan García, quando a polícia tentava prendê-lo. Ele era acusado de receber propina da empreiteira Odebrecht durante seu segundo mandato, entre 2006 e 2011 – o que García negava.

Em um cenário bem diferente do visto no Brasil, as acusações de corrupção surgidas da operação Lava Jato no Peru não parecem ter afetado de forma contundente a economia do país – uma das que mais crescem na América Latina.

No entanto, mesmo com as complicações políticas trazidas pela Lava Jato desde o início de 2017, quando ela se expandiu para países vizinhos – e que levaram a acusações de corrupção contra quatro ex-presidentes – , no ano passado, a economia do país cresceu 4%, segundo o Banco Central local. Para 2019, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima uma expansão de 3,9%, ficando atrás – na América Latina – só da Bolívia, seu vizinho, com crescimento estimado de 4%.

Já a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) prevê um crescimento de 3,6% neste ano. De qualquer forma, o índice é muito acima do 1,3% previsto para a região e do tímido 1,8% estimado para o Brasil.

Os números mostram que a economia peruana não saiu dos trilhos, mesmo com ramificações locais dos escândalos envolvendo obras públicas, campanhas políticas e propinas que ocorreram no Brasil.

Além de Alan García (1949-2019), que governou o país duas vezes (1985-1990) e (2006-2011), os ex-presidentes Alejandro Toledo (2001-2006), Ollanta Humala (2011-2016) e Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018) respondem judicialmente a processos decorrentes das investigações da Lava Jato. Uma das principais líderes da oposição, Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, também foi acusada de receber irregularmente dinheiro da Odebrecht para suas campanhas políticas.

Nesse cenário conturbado, no ano passado a economia peruana completou vinte anos consecutivos de crescimento e estabilidade, como observaram analistas e fontes do governo ouvidos pela BBC News Brasil. Ou seja, a queda do ex-presidente Pedro Pablo Kuczynski, que foi substituído, no ano passado, pelo seu vice, Martín Vizcarra, também não teve impacto significativo sobre a saúde da economia.

Entrevistados apontaram como uma das razões para a trajetória de crescimento o fato de que Toledo, García, Humala e Kuczynski terem mantido os principais pilares econômicos do país: abertura do mercado, ambiente de previsibilidade para investimentos estrangeiros, livre comércio, inflação e gastos baixos.

Outra chave para a estabilidade estaria no comércio exterior.

País com cerca de 32 milhões de habitantes e Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de US$ 211 bilhões, segundo dados oficiais, o Peru diversificou sua lista de exportações nos últimos anos.

Além do seu histórico setor da mineração, passou a exportar ouro, incrementado por empresas chinesas instaladas em seu território, e produtos do ramo agroindustrial – o Peru é hoje um dos maiores exportadores mundiais de abacate, aspargos e uvas.

“Há quem diga que o problema é que estamos dependentes demais do mercado asiático, para onde são enviadas 47% das exportações do país. Sendo que somente cerca de 30% deste total vão para a China. Mas também é verdade que nestes vinte anos, passamos a exportar para outros mercados como o europeu, por exemplo. A economia peruana ganhou diversidade nesses anos de estabilidade”, explicou o economista Carlos Aquino, da Universidade de San Marcos, de Lima.

Segundo ele, ao contrário da Venezuela, que depende do petróleo, e do México, que se apoia nos EUA para suas exportações, a economia peruana diversificou sua produção e mercados.

Outro setor que cresceu bastante foi o do turismo.

Infraestrutura
Mas Aquino acredita que houve impacto, sim, da Lava Jato sobre os rumos da economia do país.

“Se não fosse a Lava Jato, poderíamos estar crescendo em torno de 6% e não 4%”, disse.

Ele observou que o setor de obras públicas não está entre as principais atividades do país, mas que não deixa de ser um motor para o crescimento.

“O setor de obras públicas não chega sequer a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) peruano e este é um dos motivos para que a economia continue crescendo, mesmo que menos do que poderia alcançar se não fosse (a Lava Jato).”

Uma fonte do governo observou que as obras afetadas pela operação seriam fundamentais para melhorar a fraca infraestrutura do país. “Com mais estradas e portos, o país poderia ampliar suas exportações”, observou.

O analista político Alfredo Torres, diretor do instituto IPSOS de Peru, no entanto, disse à BBC News Brasil acreditar que “foram feitas obras que não eram prioridade”.

“Foram gerados empregos, mas em estradas pouco usadas, por exemplo. Agora, com as investigações, algumas obras foram paralisadas e o processo de licitações ficou mais complexo, o que estancou o investimento público e as associações público-privadas na área de infraestrutura.”

Para ele, “naturalmente” este freio tem consequências econômica e social. Ele explica: “um ponto a menos no Produto Interno Bruto (PIB), como resultado deste freio nas obras públicas, significa menos emprego e menor arrecadação fiscal para programas sociais, por exemplo”.

Informalidade
Apesar do crescimento estável, o Peru enfrenta problemas profundos, que vão além da falta de infraestrutura, como altos índices de pobreza e de informalidade, mesmo num ambiente propício para investimentos e taxas baixas de inflação e de juros.

Em 2004, o índice de pobreza era de 58,7% no país, segundo dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística e Informática (INEI). No ano passado, 2018, este índice era de 21,7% – muito mais baixo que em 2004, porém acima dos 20,7% de 2016, o que gerou preocupação em setores públicos do país.

Outro desafio permanente para os peruanos é o mercado de trabalho informal. Em 2004, a informalidade chegava a 80%. No ano passado, estava em 65%, ainda de acordo com dados oficiais.

“A informalidade vinha caindo todos os anos desde 2004. A má notícia é que parou de cair em 2018”, disse ao jornal El Comercio, de Lima, o economista Elmer Cuba, da consultoria Macroconsult.

A economia local conta com inflação baixa (cerca de 2% anual) e o câmbio tem histórico recente de pouca variação.

Obras da Odebrecht no Peru
Entre as obras da Odebrecht citadas em casos de corrupção no Peru está a rodovia Interoceânica Sul, que liga o país ao Brasil e foi concluída em 2010. O presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, revelou ter pago propinas para conseguir os contratos do projeto durante o governo do ex-presidente Toledo, segundo a imprensa peruana. Toledo mora nos Estados Unidos e, em maio do ano passado, o Peru apresentou aos EUA um pedido de extradição do ex-presidente.

Além da Interoceânica e do metrô de Lima, cujas acusações envolviam o ex-presidente Alan García, a Odebrecht tem “em torno de vinte obras públicas em todo o país”, segundo fontes do governo peruano. A lista inclui o gasoduto de Casemira e o porto petroquímico, cujas obras ficaram congelados depois do início das investigações contra a empresa.

Procurada, a Odebrecht não respondeu aos contatos da reportagem para esclarecer que obras possui no país e quais estariam paralisadas ou foram modificadas após as investigações.

Fontes do governo disseram à BBC News Brasil que a empresa “vem colocando freio” nos seus investimentos no Peru desde que as autoridades passaram a investigar o chamado “Clube da Construção”, como ficou conhecido um cartel que envolveria a empreiteira brasileira e representantes locais do setor de obras públicas.

A Odebrecht admitiu ter pago US$ 29 milhões de propina no Peru, entre 2005 e 2014, em troca da obtenção de contratos.

Em fevereiro deste ano, a empreiteira assinou um acordo de colaboração com os promotores da Lava Jato no país, no qual se comprometeu a fornecer informações e pagar uma indenização de cerca de US$ 230 milhões.

Para o analista político Alfredo Torres, “é uma novidade” o fato de a Justiça não ter recebido “interferência” dos setores políticos.

23 de abril de 2019

DISCURSO DE ÓDIO EXTRAPOLA A INTERNET E ALIMENTA NOVOS MONSTROS!

(Olga Tokarczuk, romancista, ensaísta e roteirista polonesa, autora de “Flights – New York Times/Folha de S.Paulo) Autora narra como ‘inimigos da nação’ e Judiciário vêm sendo atacados na Polônia.

[RESUMO] Na Polônia, morte de prefeito no início do ano escancarou a presença da linguagem intolerante no dia a dia, com manifestações que desumanizam ‘inimigos da nação’ e aviltamento do Judiciário.

Em Gdansk, psicólogos foram convocados para ajudar a população, tão grande foi o choque provocado pelo assassinato do prefeito da cidade, Pawel Adamowicz, em janeiro deste ano —transmitido ao vivo pela televisão no horário nobre sob o olhar de milhões de pessoas.

O homem de 27 anos acusado de matar o prefeito havia sido solto da prisão alguns meses antes. Ele planejara cada detalhe do ataque televisionado. Após apunhalar o prefeito no coração, ele gritou no microfone que matara Adamowicz para se vingar da Plataforma Centrista, partido político de oposição de centro que o teria encarcerado injustamente.

Dezenas de milhares de pessoas foram às ruas de Gdansk em 20 de janeiro para se despedir do prefeito. Houve reuniões espontâneas em outras cidades polonesas. Por uma vez, pelo menos, boa parte do país pareceu estar unida —em choque e dor.

Para compreender a situação mais amplamente é preciso conhecer o contexto. Adamowicz foi assassinado na Grande Orquestra de Natal, que há 27 anos acontece logo após as festas de fim de ano. Maior evento de caridade do país, a Orquestra recolhe dinheiro para os hospitais poloneses. Nos dias que a antecedem, as ruas ficam cheias dos corações vermelhos que as pessoas ganham em troca de seus donativos, e os poloneses tratam uns aos outros com gentileza.

Ao mesmo tempo, porém, poucos eventos são alvos de tanto ódio. Os críticos da Orquestra, em sua maioria de direita, não aprovam o estilo do evento —levemente anarquista, evidentemente de esquerda— e não gostam da música que é tocada, porque esse evento beneficente é também um grande concerto.

As críticas se intensificaram nos últimos anos, sobretudo após a vitória do Partido Lei e Justiça, de direita, nas eleições parlamentares de 2015. Um jornalista escreveu há pouco tempo que o líder da Orquestra propagava o mal; a mídia direitista o descreveu como um “anão asqueroso”, uma marionete nas mãos de políticos corruptos.

Para a maioria avassaladora dos poloneses, porém, a Orquestra tem sido um símbolo do país que lutamos para construir desde a década de 1990 com um capitalismo tosco porém esperançoso, da Polônia que entrou para a Otan, da Polônia que votou pelo ingresso na União Europeia. A Orquestra é símbolo de três décadas de transformação civilizacional e avanços rumo a um mundo melhor, mais pacífico, próspero e livre.

A Orquestra também passou a simbolizar respeito mútuo e generosidade, nem que seja só em um dia do ano. Ela permitiu que os poloneses, de modo geral soturnos, se aquecessem ao fogo da comunidade. Eu não teria nada contra se a Orquestra se declarasse uma nação independente. Ficaria feliz em ser sua cidadã.

Conservador moderno e político excelente, Adamowicz representava tudo que o Partido Lei e Justiça não é. Apesar de tradicionalista, se opunha ao paroquialismo, com abertura plena de coração e mente. Tinha coragem rara e sensibilidade social.

Junto com outros prefeitos, Adamowicz se posicionou contra a política do governo nacional, convidando imigrantes a mudarem-se para sua cidade e prometendo-lhes apoio, trabalho e moradia. Seu assassinato representa um ataque à visão de uma Polônia liberal e progressista.

Poderíamos nos perguntar o que motivou o assassino de Adamowicz. As autoridades o descreveram como sendo mentalmente perturbado. Mas nenhum ato ocorre no vazio.

A televisão estatal, da qual muitos poloneses recebem as notícias, denigre constantemente, em linguagem agressiva e difamatória, a oposição política e qualquer pessoa que discorde do partido governista. O prefeito assassinado já fora tachado de ladrão, alemão, mafioso e favorável a homossexuais.

Nos últimos três anos a propaganda política na TV vem aviltando o sistema judiciário, dizendo que é prejudicial aos cidadãos e carece de uma troca completa da guarda; juízes são acusados de formar uma casta que estaria acima da lei. De sua cela na prisão, o assassino do prefeito deve ter visto essas mensagens sobre vilões e necessidade de soluções radicais.

O noticiário na Polônia de hoje parece um novo tipo de monstro, um monstro de Frankenstein que saiu do controle online e se metamorfoseou em discurso de ódio que, partindo da internet, pode ser encontrado também em todos os outros lugares. Abra seu e-mail e você lerá “você é um lixo e vai morrer”, “sabemos onde você mora”, “vamos cortar fora essa cabeça estúpida”. A violência permeia a internet.

O corpo reage às agressões verbais com reflexos. Ele se encurva, se fecha e começa a transpirar, com a adrenalina bombando. Quando isso acontece com muitas pessoas ao mesmo tempo, estamos em estado de guerra mental, onde em vez de balas disparam-se palavras. Acredito que as palavras devem ser tratadas como armas concretas, que cada invectiva ou ameaça deve ser encarada como violência e agressão.

Na Polônia, infelizmente, o discurso de ódio vem se proliferando e ninguém é responsabilizado por isso. A polícia ouve os depoimentos das pessoas e as manda embora. Esse consentimento tácito desmoraliza mentes enfraquecidas. A linguagem do ódio vem permeando o discurso público, e o rebaixamento dos padrões vem ficando mais e mais visível. Deputados postam diatribes carregadas de ódio, cientes de que, quanto maior a brutalidade e emoção contida em um tuíte, mais amplamente ele circulará.

Os populistas empregam linguagem agressiva e carregada de ódio. Procuram bodes expiatórios. Na Polônia, esses bodes expiatórios são os chamados esquerdistas malucos, pessoas que gostam de gays, alemães, judeus, fantoches da União Europeia, feministas, liberais e qualquer pessoa que dê apoio a imigrantes.

Some-se a isso o silêncio e cinismo do clero, a propaganda política agressiva e tosca difundida na televisão estatal, o consentimento da política com excessos antissemitas, as manifestações públicas que desumanizam os “inimigos da nação”, o aviltamento da autoridade do Judiciário e a imperdoável destruição ambiental, e o resultado é uma atmosfera sufocante de ódio, um impasse carregado de emoção em que só podem existir traidores ou heróis.

Em uma sociedade sadia e normal as pessoas podem discordar, podem até ter pontos de vista diametralmente opostas, e isso não significa de maneira alguma que precisem odiar umas às outras. Mas as autoridades fizeram da divisão dos poloneses sua tarefa primordial.

A agressão está no ar. As emoções desencadeadas pela escalada da linguagem do debate político podem facilmente converter-se em atos, e então essa agressão passa a se dirigir contra um alvo específico. Basta uma pessoa iludida. Quando é tensionada ao máximo, a corda arrebenta no ponto mais fraco.

Preocupo-me com o futuro imediato. Vamos voltar a como eram as coisas antes desta morte sem sentido? Ou de alguma maneira ela nos levará a refletir com mais serenidade?

22 de abril de 2019

A CIDADE E OS BÁRBAROS!

(Luiz Sérgio Henriques, tradutor e ensaísta, autor de ‘Reformismo De Esquerda E Democracia Política’ – O Estado de S.Paulo) É preciso tornar à ideia da grande aliança contra os que corroem as bases da democracia liberal.

No ato final do comunismo histórico, a partir de 1989, um breve e conhecido texto de Norberto Bobbio, O reverso da utopia, conseguiu dar forma e sentido ao espantoso espetáculo que então se encenava. O mais radical dos sonhos políticos da História – dizia Bobbio – havia se transformado em distopia à moda do pesadelo imaginado por Orwell. Mesmo distantes dos grandes crimes do stalinismo, os regimes inspirados na revolução bolchevique, a URSS em primeiro lugar, arrastavam-se penosamente num quadro de ineficiência econômica, pasmaceira social e autoritarismo político, no qual se abria um fosso insuperável entre ideia e realidade, palavras e fatos, grandes ideais e realidades prosaicas da vida.

As populações submetidas sublevaram-se, em geral pacificamente, em torno das mais elementares – e insubstituíveis – consignas democráticas, como a liberdade de pensamento ou de reunião. As tentativas de autorreforma, como a glasnost (transparência) e a perestroika (reestruturação), mostraram-se afinal incapazes de dar um sopro de vida a regimes esclerosados, ainda que possivelmente tenham contribuído para a saída relativamente indolor de uma situação histórica difícil. Vivia-se o momento inaugural de um mundo que os mais otimistas, ou os mais ingênuos, julgavam livre dos conflitos abertos por uma restrita e quase inapelável visão bipolar. Como sabemos, ser adepto do comunismo ou do capitalismo era mais do que ter um credo político: implicava escolhas de vida, definia destinos individuais, de um lado ou de outro da “cortina de ferro”.

A sabedoria do velho Bobbio, contudo, não descartava pura e simplesmente o comunismo e os comunistas. Estes seriam, como no extraordinário poema de Kaváfis, os bárbaros cuja presença ameaçadora, às portas da cidade, condicionava a rotina de todos, paralisava as ações, congelava tudo numa atmosfera de ansiedade e medo. E, agora, a ausência dos bárbaros – pois subitamente a notícia é que não mais viriam – implicava um chamamento brutal à realidade. Não havia mais inimigos e a vida, como requer outro verso notável, devia ser vivida como uma ordem, sem mistificação.

Num plano mais geral – perguntava-se ainda o filósofo –, as democracias saberiam dali por diante responder aos imensos problemas que tinham gerado a utopia que, no curso do tempo, se transformara no seu exato contrário e fora vencida? Conseguiriam por si sós, sem o medo incutido pelo adversário temível, ampliar as liberdades, enfrentar novas e velhas desigualdades que dividiam norte e sul do planeta e, ao mesmo tempo, voltavam a se ampliar no interior de cada sociedade, mesmo as do Ocidente desenvolvido?

Bárbaros e habitantes da cidade, para seguirmos a sugestão do sábio e a metáfora do poeta, não haviam sido jamais seres indiferentes uns aos outros. Os bárbaros de 1917, ao assaltarem os céus, invocavam frequentemente o extremismo jacobino da revolução burguesa de 1789. Distinguiam-se com veemência dos girondinos do próprio campo. A velha social-democracia, afinal, era o tronco comum de que agora se afastavam ruidosamente os bolcheviques, para quem todos os outros passavam a ser “renegados” da causa proletária. E sobre esses traidores deveria recair um anátema ainda mais virulento do que o dedicado aos inimigos de classe. Uma esquerda afeita ao confronto nascia aí, motivando seus gestos extremados com a expectativa messiânica da revolução mundial.

Nos anos 1930, em textos até mesmo de comunistas heréticos, impressiona o uso mais ou menos corrente de palavras como “total” ou “totalitário”. O seu marxismo, ainda que se desviasse da ortodoxia, também se pretendia a matriz integral de uma nova civilização. Ele bastava a si mesmo, recusava acréscimos externos. O Estado soviético, que parecia imune a crises como a de 1929, podia ter uma forma política tosca, primitiva. Não importava: havia quem dissesse, pragmaticamente, que a pior ditadura do proletariado era sempre preferível à melhor democracia burguesa…

A similitude com o Estado hitlerista era patente. O partido único, a arregimentação militarista das massas, o culto irracional ao líder carismático, entre outros elementos aterradores, confirmavam a semelhança e pretendiam atestar a obsolescência das formas democráticas. A superioridade racial apregoada de um lado parecia corresponder, grosso modo, à situação do lado adversário, em que uma classe supostamente universal construía seu próprio Estado e se arrogava o direito de submeter – ou liquidar, como no caso dos camponeses – grupos sociais inteiros.

No entanto, a esquerda jacobina convertida em Estado, que dividia o mundo em campos inconciliáveis e, por isso, era bárbara, tinha elementos que a levavam além do confronto e do desafio sectário. Às vezes, como no caso das frentes populares antifascistas, aproximava-se dos socialistas e dos “democratas burgueses” e via-se obrigada a questionar seus próprios dogmas, a imaginar caminhos diferentes do que tomara em 1917 e a levara a condescender com formas “totais” de poder. Apesar de si mesma – isto é, apesar dos traços odiosos da sua rudimentar construção estatal –, esteve maciçamente ao lado do Ocidente democrático e contribuiu de modo inestimável para vencer o mal absoluto. Stalin à parte, todo democrata em algum momento se sentiu drummondianamente irmanado “com o russo em Berlim”.

Esta breve memória talvez ajude a entender por que, depois do comunismo, há múltiplas razões para uma esquerda agora sem a menor complacência com as sociedades “totais”, sem excluir as que resistem anacronicamente. Nos países democráticos, as fúrias voltam a se desatar, os moedeiros falsos retomam o labor de sempre e os demagogos desempoeiram velhos figurinos. Por isso é preciso tornar à ideia da grande aliança contra todos os que se mobilizam para corroer as bases da democracia liberal.

18 de abril de 2019

FÓRUM DA JUVENTUDE DA UNIÃO DEMOCRATA INTERNACIONAL – RABAT, MARROCOS – 10 A 13/04/2019.

Relatório de Bruno Kazuhiro
Juventude Democratas
Presidente Nacional

Dia 1 (10/04)

Jantar de Recepção, com presença do Secretário Nacional de Investimentos, Othmane El Ferdaous

Palavras de boas-vindas de Majid Fassi Fihri, anfitrião do evento no Marrocos e Presidente da Juventude da União Democratas Internacional (J-IDU ou IYDU em inglês).

Palestra de Othmane El Ferdaous:

– Para se ter uma noção de como o Marrocos é diverso, a seleção marroquina de futebol é a mais tradicional do mundo. 61% dos jogadores nasceram em outros países ou seus pais.

– A maior companhia estrangeira empregadora em Marrocos hoje não é francesa nem espanhola como se poderia pensar. É uma montadora japonesa.

– A África tem a média mais jovem de idade do mundo. A economia mundial precisa integrar a África.

– A cada 3 dias as crianças africanas ganham mais 1 dia de expectativa de vida.

– A transição gradual e estável para a democracia ajudou o Marrocos a crescer continuamente.

– O problema da África é fazer avançar sua integração e reduzir a fragmentação enorme. São dezenas de países com a maior distância no mundo entre as suas maiores cidades e a maior duração de voos entre as metrópoles.

– O PIB africano inteiro é igual ao PIB da Alemanha.

– A África é o continente com mais zonas de livre comércio regional. São 16.

– 80 países hoje pedem visto para visitantes vindos de países africanos. É muito.

– Marrocos é o segundo maior investidor em outros países africanos sendo forte em áreas como bancos, farmacêuticas, agricultura, etc.

– 39 das 500 maiores empresas do mundo abriram o seu escritório da África/Oriente Médio em Casablanca. Hoje Casablanca compete com Dubai e Johanesburgo.

– Apenas 8 milhas separam Marrocos da Espanha. Temos que explorar mais esse potencial.

– O novo porto de Tânger tem capacidade igual aos de Los Angeles e Yokohama.

– Hoje o Marrocos tem mais exportação, poupança e investimentos do que os vizinhos.

– O risco de terrorismo é mínimo no país, sendo igual ao da Noruega ou de Portugal.

– O rating mundial de risco de Marrocos é mais próximo da economia espanhola do que da economia do Egito

– Tanto para europeus ou africanos ou islâmicos o Marrocos é mais ou menos próximo a eles mas não é exatamente a mesma coisa que eles. Somos um país multicultural.

– Dirham marroquino é moeda estável nas últimas duas décadas.

– O aumento do salário chinês está gerando novas fábricas em Marrocos. 400 mil empregos desde 2014. Queremos avançar na indústria e aproveitar esse espaço.

– O envelhecimento da população europeia está gerando falta de mão-de-obra. Queremos atrair as fábricas para Marrocos ao invés de enviar marroquinos para Europa.

– Valor agregado dos produtos marroquinos subiu 31% na última década.

– Marrocos é o segundo maior produtor de carros da África, atrás apenas da África do Sul. Produzimos peças para aviões Boeing, Airbus, Embraer e Bombardier.

– Painéis de captação de energia solar colocados no deserto marroquino têm somados o tamanho da superfície de Paris. 30% da energia já é renovável. Queremos chegar a 50% em 2030.

– O rei, por ser uma liderança estável, facilita o planejamento do país a longo prazo.

– Fábrica chinesa de carros elétricos BYD está produzindo no Marrocos as baterias para seus carros. BYD tem 17000 funcionários apenas em pesquisa.

– Pergunto sobre como está a integração africana. Resposta: Existem conversas atualmente sobre um acordo de livre comércio africano e já foi assinado um acordo preliminar por todos os países do continente menos Nigéria e Eritréia. Os acordos regionais dentro do continente serão fundamentais para que haja mais profundidade já que acordos que envolvem toda a África acabam prejudicados por interesses conflitantes.

– O Marrocos teve sempre os Estados Unidos e o Reino Unido como modelos de democracia mas hoje vemos o Partido Conservador colocando a si mesmo à frente da nação com o Brexit e os Estados Unidos se isolando dos outros países.

– O Banco Mundial previu que entre 2005 e 2015 o Marrocos cresceria 30% e Argélia também, mas disse que se os países fossem integrados cresceriam 100% cada um. Temos que avançar nisso, não podemos mais desperdiçar dinheiro. Temos hoje uma relação ruim, como se fosse a relação de Colômbia e Venezuela.

Dia 2 (11/4)

Cerimônia de Abertura no Congresso Nacional do Marrocos

Secretária-Geral da Juventude IDU, Charlotte Kude (Reino Unido), dá as boas-vindas.

Abertura com Majid Fassi Fihri, Presidente da Juventude IDU, e Nizar Baraka, Secretário-Geral do partido Istiqlal (Independência), anfitrião do evento.

Majid Fassi Fihri:

– É a primeira vez que a juventude da IDU é presidida por um africano.

– A visita do Papa a Marrocos mostrou o nosso esforço pela cooperação e pela tolerância, sem extremismos. Marrocos também está atento ao mundo, que precisa ser mais tolerante, diverso e sustentável. Somos um país pacifista.

– Somos hoje referência na África sobre os temas ambientais e o combate ao aquecimento global.

Nizar Baraka:

– 80% da migração africana ocorrem entre os próprios países africanos.

– Temos que nos preparar para enfrentar esse desafio em 4 áreas: a) a segurança contra a migração clandestina feita com más intenções, como tráfico de pessoas; b) a defesa dos direitos humanos (recebemos milhares de migrantes subsaariana, para os quais fornecemos documentos para trabalhar); c) a luta contra o extremismo (incentivamos e treinamos os Imãs, professores do Islã, para transmitir tolerância aos fiéis); d) cooperação com o mundo árabe e africano para o crescimento econômico e institucional.

– A Royal Air Maroc, companhia aérea marroquina, foi a única empresa aérea que manteve a conexão dos africanos com os outros continentes durante a crise do ebola, respeitando a África.

– Empresas marroquinas trabalham para minimizar o impacto das mudanças climáticas na agricultura de toda a África.

Painel sobre Energia com Anne Vassara (Embaixadora da Finlândia no Marrocos), Said Mouline (Agência Marroquina de Eficácia Climática) e David Golwy (pesquisador da Universidade Sorbonne)

Anne Vassara:

– A descentralização da geração de energia é inevitável. Iremos da energia constante de uma fonte para a intermitente de várias fontes. Mudaremos do combustível fóssil para o baixo carbono.

– A biomassa é uma alternativa dominante nos dias atuais com relação às energias renováveis.

– Na Finlândia o consumidor final já pode decidir qual energia está comprando, de qual origem. A energia limpa é um pouco mais cara, mas muitos preferem.

– Há uma redução do desperdício nas usinas e uso do lixo para gerar energia.

Said Mouline:

– 600 milhões de Africanos não têm eletricidade hoje.

– Todos os países têm algum potencial de energia renovável. As energias não renováveis geraram guerras.

– O recurso renovável normalmente não se pode estocar. Se não se usa, ele se perde.

– Uma das maiores instalações solares do mundo está no interior do Marrocos e ainda há um grande campo eólico em Tânger.

– A África tem o maior potencial hidrelétrico do mundo.

David Golwy:

– A escassez também é uma oportunidade às vezes. No interior de Marrocos alguns vilarejos produzem sua própria energia por falta de conexão com as grandes cidades. Mas falta solidariedade para repartir essa energia com os mais idosos que não podem trabalhar.

– Paleoinovação: Conceito de formas de inovação que buscam gastar menos energia a partir de recursos que já existem, como usar a luz solar para iluminar os cômodos da casa e economizar energia.

Visita Guiada pelo Parlamento marroquino e almoço no local

– Parlamento marroquino é bicameral e tem dois períodos de quatro meses de sessões plenárias no ano, na primavera e no outono.

– O rei abre cada período com os membros das duas casas presentes.

– O prédio do parlamento era a Corte de Justiça, depois foi a Faculdade de Ciências e por fim foi adaptado para o Parlamento.

– O Parlamento possui comissões temáticas como no Brasil.

– Os plenários foram desenhados com apoio de Oscar Niemeyer, com inspiração nos plenários do Congresso Brasileiro, um com cúpula côncava e outra convexa. Os marroquinos conheceram Niemeyer na construção da embaixada marroquina em Brasília.

Painel sobre Migração com Abdelkrim Benatiq (Ministro da Migração) e Abdelfattah Ezzine (pesquisador da Universidade Mohamed V)

Abdelkrim Benatiq:

– As migrações pelas mudanças climáticas são cada vez mais comuns. A desertificação por exemplo causa muitas migrações.

– O Mediterrâneo vê hoje muitas imigrações do norte da África para a Europa, especialmente saindo da Líbia.

– O Marrocos já teve muita gente se dirigindo à França, mas atualmente é o Marrocos que recebe pessoas de outros países africanos.

– Temos a obrigação de combater o tráfico de pessoas. Quadrilhas transportam mulheres e crianças. É hoje um setor de grande faturamento para o crime organizado.

Abdelfattah Ezzine:

– Hoje a migração não é só de corpos, mas também de cérebros.

– A migração é colocada como um problema e não como uma realidade social.

– O debate da migração gira em torno dos interesses dos Estados Unidos e da Europa, mas países como México, Brasil e Austrália foram criados pela imigração.

– Esperamos que a imigração deixe de ser uma situação onde quem migra está em risco. Por isso a educação e a tolerância são fundamentais.

– Não podemos só debater qual mundo deixaremos para a juventude, mas também qual juventude vamos deixar para o mundo.

Jantar típico marroquino com apresentação de dança e comida marroquina

Dia 3 (12/4)

Visita à Universidade Internacional de Rabat

– 30% dos alunos da Universidade Internacional de Rabat possuem bolsas de estudo sociais ou de mérito acadêmico.

– São atualmente 4000 alunos.

– O foco é se tornar uma universidade de referência para africanos de diferentes países e gerar intercâmbios com a Europa e os Estados Unidos.

– As obras foram iniciadas em 2010, com apoio do rei.

– As instalações têm certificado de eficiência ambiental, painéis de energia solar, equipamentos modernos de laboratório e ginásios de prática de esporte.

– A instituição é uma sociedade de economia mista com o governo marroquino como maior acionista. Isso permite que os salários pagos estejam no nível do mercado internacional e hoje a universidade reúne professores de origem marroquina que foram lecionar em grandes universidades do mundo e agora retornam para trabalhar em seu país.

– Já são mais de 300 patentes produzidas na universidade, sendo 20% destas patentes internacionais.

Almoço oferecido pela Universidade Internacional de Rabat

Visita à área do Palácio Real do Marrocos e conversa com Primeiro-Ministro Saadeddine Othmani.

– O primeiro-ministro conversou por 40 minutos em reunião reservada com a executiva da Juventude IDU.

– Estivemos com ele eu como tesoureiro, o presidente Majid (Marrocos), a secretária Charlotte (Reino Unido) e alguns dos vice-presidentes.

– Conversamos sobre o desenvolvimento econômico do Marrocos atualmente, as relações exteriores entre o país, a África, a Europa e o resto do mundo e o pesado investimento do Marrocos em energias renováveis.

– Primeiro-ministro marroquino mencionou que esteve no Brasil em janeiro na cerimônia de posse do presidente.

– Após a conversa reservada, o Sr Othmani foi ao saguão do palácio e cumprimentou todos os participantes do evento e tirou uma foto com o grupo.

Jantar oferecido pelo anfitrião, presidente da Juventude IDU Majid Fassi Fihri, em sua residência

Dia 4 (13/4)

Reunião da Executiva da Juventude IDU

– Ficou definido que será feito um evento conjunto com a juventude da UPLA no final de agosto, na Bolívia, repetindo o sucesso de eventos conjuntos realizados nos últimos anos.

– Debatida a iniciativa do Partido Conservador britânico de oferecer patrocínio para um projeto de mentoria onde jovens da Juventude IDU poderão se reunir por Skype com políticos dos partidos da IDU e receber apoio para comparecer a seminários com ajuda da Westminster Foundation.

– Será aberta uma nova conta bancária da Juventude IDU para retomar a coleta de doações e contribuições após a reunificação da instituição realizada no final de 2017. Essa conta será aberta na Alemanha, onde fica o escritório da IDU, ou no Canadá, onde está o presidente da IDU.

Saída dos Participantes

Entrevista de Cesar Maia à BBC News Brasil

CM Camara

 

CESAR MAIA: ‘MEU FILHO NA PRESIDÊNCIA DA CÂMARA É UM PRÊMIO PARA BOLSONARO’!

Um curto-circuito ocorreu no fim de março, quando Rodrigo Maia e Bolsonaro protagonizaram uma queda de braços política, e Maia, irritado com a falta de articulação para aprovar a Reforma da Previdência no Congresso, afirmou que o presidente estava “brincando de governar”.

‘O governo tem três vetores que funcionam. O econômico-financeiro, o da segurança e o vetor administrativo. No quarto vetor, que é meio espalhado, acontecem coisas inacreditáveis’, diz Cesar Maia.

Para o ex-prefeito e vereador Cesar Maia (DEM-RJ), o governo do presidente Jair Bolsonaro tem “três vetores que funcionam”, um quarto onde acontecem coisas “inacreditáveis”, e um trunfo.

Os “que funcionam”, segundo disse em entrevista à BBC News Brasil, são “o econômico-financeiro, que é o (ministro da Economia) Paulo Guedes; o da segurança, que é do (ministro da Justiça Sergio) Moro; e o vetor administrativo, que são os militares no Planalto”.

O vetor “desorganizado” tem representantes como o ministério da Educação, que seriam alvo de influência “inacreditável” de olavistas – como são conhecidos os seguidores do escritor Olavo de Carvalho.

Já o trunfo atende por seu sobrenome e herança genética: o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Segundo Maia pai, o filho é um político com rara capacidade de ouvir e talento para negociar, conciliar, articular.

“Isso é um prêmio para o presidente da República”, diz Maia pai, comparando a relação com o que o deputado do antigo PFL (hoje DEM) Luís Eduardo Magalhães foi para o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Ele tem esse estilo de negociação, de convencimento, de argumentação, e ele (Bolsonaro) pode discutir coisas que têm que caminhar, e aí elas andam. Só que aí de repente você tem um curto-circuito…”

Para Cesar, entretanto, a crise não teve consequências mais graves porque Rodrigo “sabe ouvir por uma orelha e deixar sair pela outra”. “Ele dá o troco dele no momento certo, como já deu”, diz o ex-prefeito. Em meio à crise, a Câmara aprovou, de supetão, uma proposta que torna obrigatória a liberação de verbas para custear iniciativas de emendas de parlamentares incluídas no Orçamento, impondo uma derrota ao governo.

Prefeito mais longevo do Rio, com três mandatos (1993-1996 e 2001-2008), Cesar Maia recebeu a reportagem em seu gabinete na Câmara dos Vereadores do Rio. Vestia um blazer xadrez sobre uma camisa listrada, calça de malha esportiva e tênis de corrida. A casa está às voltas com um processo de impeachment contra o atual alcaide, Marcelo Crivella (PRB-RJ).

Na entrevista à BBC News Brasil, Maia disse que o processo foi ensejado pelo próprio Crivella, que considera inexperiente, que o novo governador do Rio, Wilson Witzel (PSC-RJ), é um “fantasma” que “ainda não disse a que veio” e que Bolsonaro tem que adquirir “um perfil mais presidencial”.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil – Como o senhor avalia os cem primeiros dias do governo Bolsonaro?

Cesar Maia – O governo tem três vetores que funcionam. O econômico-financeiro, que é o (ministro da Economia) Paulo Guedes; o da segurança, que é do (ministro da Justiça Sergio) Moro; e o vetor administrativo, que são os militares no Planalto.

No quarto vetor, que é meio espalhado, acontecem coisas inacreditáveis como essa do ministro de Educação (o ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez foi exonerado, substituído por Abraham Weintraub), a briga com os grupos olavistas.

BBC News Brasil – O que essas rusgas trazem para o governo?

Maia – Desorganização. Como é que um ministro pode ter colocado em seu gabinete pessoas ligadas ao Olavo (de Carvalho)? Isso mostra que falta comando.

Esses três vetores são o suficiente para levar um governo para a frente? Pode ser. Mas para isso é necessário que o Bolsonaro adquira um perfil mais presidencial.

BBC News Brasil – Mais presidencial como?

Maia – Na postura, né? Na relação com o Congresso. Como o Fernando Henrique Cardoso disse, todo presidente na História do Brasil que resolveu confrontar o Congresso perdeu, e às vezes saiu. Ele tem que tomar cuidado. Ter um perfil mais presidencial. Agora pelo menos já está de terno e gravata.

BBC News Brasil – Na semana passada, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu para o STF prorrogar inquérito investigando se o senhor e seu filho teriam recebido pagamentos ilícitos da Odebrecht. Uma perícia da Polícia Federal encontrou registros indicando pagamentos de R$ 1,4 milhão pela Odebrecht para codinomes associados ao senhor e ao seu. O que o senhor tem a dizer sobre o inquérito?

Maia – O diretor da Odebrecht, em seu depoimento no Lava Jato, foi enfático. Cesar Maia, em nenhum momento. Veja o vídeo (faz referência ao depoimento do ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, que diz não ter feito pagamentos a Cesar Maia nem a Rodrigo Maia).

BBC News Brasil – Como vê o papel que seu filho tem desempenhado na presidência da Câmara?

Maia – O Rodrigo tem um personagem muito diferente do meu. Eu sou um personagem de papel, lápis, máquina de calcular. O Rodrigo é um personagem de articulação, de conversa.

Ele é dos poucos políticos que conheço com enorme poder de audiência. Ele ouve. Não sei como consegue tempo para receber tantos deputados e senadores. Passou a ter confiabilidade entre seus pares, independentemente do partido político, e tem um poder de articulação de negociação muito grande. A palavra dele passou a valer.

Isso é um prêmio para o presidente da República. É como foi com o Luís Eduardo Magalhães para o Fernando Henrique Cardoso. Ele tem esse estilo de negociação, de convencimento, de argumentação, e ele (Bolsonaro) pode discutir coisas que têm que caminhar, e aí elas andam. Só que aí de repente você tem um curto circuito…

BBC News Brasil – Quais são as consequências da briga entre ele Bolsonaro?

Maia – Se não fosse o Rodrigo, eu diria que seriam graves. Mas com o estilo do Rodrigo, vai entrar por aqui, sai por ali (aponta para a orelha). Ele dá o troco dele no momento certo, como já deu.

BBC News Brasil – O troco foi verbal ou foi a votação da PEC do Orçamento Impositivo?

Maia – Foi a ausência, por exemplo. Depois daquilo ali (as trocas de farpas recentes), a primeira vez que esteve com o presidente foi semana passada, com os prefeitos. O Rodrigo gerou um convencimento no Congresso entre todos os setores, (da) esquerda à direita, dizendo que a tarefa nesse momento é fortalecer o Congresso. Aí aprovou aquela medida (do Orçamento Impositivo). Mas vem mais coisa aí. Aguardemos.

BBC News Brasil – O senhor votou a favor da abertura do processo de impeachment do prefeito Marcelo Crivella na Câmara dos Vereadores do Rio. Acha que ele corre o risco de perder o mandato?

Maia – O tema não é tão significativo. Acho que ele vai virar os votos que precisa. Mas ouço que esse processo ainda não é o final. Pode ser que venha outro.

BBC News Brasil – Como ele chegou a essa situação?

Maia – Acho foi uma montagem de seu próprio governo. Pelas mudanças, pelas trocas que ele fez. Ele indica e depois exonera. Nomear indicados de vereador e depois retirar é uma coisa pesada para o vereador. E estou falando de vereadores de porte aqui dentro, com muitos anos de casa.

Isso foi gerando uma desorganização e uma relação muito ruim. Foi desmontando (sua base de apoio). Mesmo dentro da política de clientela, ele foi perdendo autoridade juntos aos vereadores.

BBC News Brasil – Como o senhor vê sua gestão?

Maia – Ele (o Crivella) foi pastor da Igreja Universal por muitos anos, virou cantor famoso de igreja, os discos vendiam um milhão de cópias, era um troço grande. Ficou muito popular e se candidatou a senador. Foi eleito, outra vez foi eleito. Mas a especialidade dele não é essa.

BBC News Brasil – Não é o quê, a política?

Maia – É ser pastor, fazer disco. Isso ele faz bem. Falta experiência para ele enfrentar uma prefeitura como a do Rio, com todos os problemas que tem.

Então ele foi perdendo crédito junto aos seus. A maior perda que ele teve foi a de credibilidade junto aos funcionários da prefeitura. Ele não tem controle sobre o pessoal, não mobiliza o seu pessoal.

BBC News Brasil – As chuvas desta semana atrapalharam mais, aumentam o desgaste?

Maia – Claro. Ele está cercado de pessoas que não têm experiência política. Ele apareceu na TV sempre arrumadinho, procurando falar de uma forma tranquila. Mas você não via ele na rua.

BBC News Brasil – As chuvas na semana passada levaram ao desabamento de dois prédios na comunidade da Muzema, em área dominada por milícias. De quem é a culpa?

Maia – Do construtor, e por isso deve pagar.

BBC News Brasil – O senhor foi acusado condescendência em relação a milícias como prefeito. Acha que falhou ao não tomar ações para combater a atuação desses grupos durante a sua gestão?

Maia – De Lampião até hoje, tivemos as milícias, a polícia mineira, o cangaço etc. São 400 anos dessa prática. Atuei ao nível de minhas responsabilidades, que não eram policiais.

BBC News Brasil – Como o senhor vê as coincidências que surgiram entre o senador Flavio Bolsonaro e milicianos? Como deputado, ele homenageou PMs hoje denunciados como milicianos, e contratou em seu gabinete a mãe e a esposa de um deles (o ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, foragido, acusado de comandar milícias em Rio das Pedras e na Muzema).

Maia – Acho que com o tipo de política que eles fazem, de agressividade, de “prende, arrebenta”, suas relações são com pessoas que pensavam como eles. Não sei se isso significa que eram milicianos.

No caso do Flavio, são muitos casos. Tem os recursos tirados do gabinete, aquele um milhão (o R$ 1,2 milhão movimentado por Fabricio Queiroz, que foi motorista e segurança de Flávio Bolsonaro). Mas para isso tem polícia e Ministério Público. O MP prosseguiu com a investigação. Vamos ver o que vão fazer.

BBC News Brasil – Mas o senhor vê algum tipo de proximidade?

Maia – Aí depende do que você chama de milícia. Porque milícia tem uma curva de reconhecimento por parte dos moradores de que era uma necessidade. Estou falando de 15, 18 anos atrás, quando as milícias entravam e proibiam o tráfico de entrar na comunidade. Então eram vistas positivamente. O policial tinha um risco grande de morar em um lugar e ser assassinado pelo tráfico. Em função disso, foram construindo uma autodefesa, com policiais aposentados, combatendo o tráfico, defendendo suas famílias.

Depois passaram a ter uma ação de ganhos, financeira, de extorsão. Devem ter percebido que era mais fácil do que imaginavam, e aí entra essa curva de extorsão que a gente está vivendo aí, com todos os problemas.

O tráfico trabalha numa comunidade vendendo drogas para pessoas de fora. Milícia é diferente. Ela produz algum tipo de benefício para as pessoas de dentro, casa, carro, motoboys…

BBC News Brasil – Quando prefeito, o senhor dizia que as milícias eram melhores que o tráfico. Elas estão superando o tráfico como o grande problema do Rio?

Maia – Não. Continua sendo tráfico. As milícias passaram a ser um problema porque fazem extorsão.

BBC News Brasil – Mas podem ter mais facilidade de se misturar ao poder do Estado e entrar na política. Isso não pode representar uma ameaça maior?

Maia – O tráfico trabalha numa comunidade vendendo drogas para pessoas de fora. Milícia é diferente. Ela produz algum tipo de benefício para as pessoas de dentro, casa, carro, motoboys… O tráfico é percebido como um problema gravíssimo, enquanto a milícia é percebida, parcialmente, não como um problema, mas como uma solução para a garotada, arranjar negócio de moto, e tal…

BBC News Brasil – As milícias também são um problema gravíssimo. Extorquem, banem moradores, executam quem vai contra.

Maia – O que eu estou dizendo é por que elas têm voto. É porque, dentro da comunidade, elas também produzem benefício. O tráfico não produz benefício nenhum, porque o negócio deles vem de fora para dentro. O negócio da milícia é de dentro pra dentro. Se não, não teria voto.

BBC News Brasil – Existem vereadores na Câmara ligados à milícia?

Maia – Eu não sei. Se eu soubesse, eu ia lá no Ministério Público e denunciava.

BBC News Brasil – Na semana passada se completaram cem dias da gestão de Wilson Witzel. Como vê o início de seu governo?

Maia – Impossível dizer. Eu nunca tinha ouvido falar no senhor Witzel (pronuncia ‘Uitzel’). E olha que estou na política desde garoto e tenho 73 anos. Fui surpreendido quando apareceu no debate na TV um senhor Witzel. Ele tinha 1 ou 2% de intenções de votos, nem se deu bola. Não posso opinar sobre um fantasma.

Agora que ele começou a governar, deixa de ser um fantasma. Vamos esperar. Não dá para antecipar o que vai ser.

BBC News Brasil – Ele tem posturas polêmicas sobre segurança pública, defendendo a atuação de snipers para matar bandidos.

Maia – Ele fica falando em dar tiros na cabeça, deve achar isso um elemento de promoção. Agora mesmo com o caso dos 80 tiros (o músico Evaldo dos Santos Rosa morreu depois que militares do Exército fuzilaram o carro em que ia com a família para um chá de bebê), ele disse não queria fazer juízo de valor.

Você tem o prefeito da capital que é uma figura meio inerte. Você tem o governador que ainda não disse a que veio. O que vai acontecer com o Estado?

BBC News Brasil – No enterro de Evaldo, amigos associaram seu assassinato ao discurso agressivo do presidente. O senhor acha que as posturas de Bolsonaro e Witzel podem fomentar violência entre agentes do Estado?

Maia – Havendo esse tipo de discurso, a associação é inevitável. É provável que os soldados tenham atirado mobilizados pela ideia de que nada vai acontecer, porque esse é o clima que cerca o governo do Estado e o governo federal. Os caras podem ter se animado com o que estão vendo na televisão. Espero que coloquem um freio nessa ideia, com uma investigação contundente sobre a ação do Exército.

Se os soldados forem presos, condenados, os outros que estão entusiasmados em ser o sniper da vez vão pensar: “Peraí. Eles dizem essas coisas, mas não protegem a gente. Vou ficar na minha.”

Vão ver que não é assim, não. Que não é: “Mata e fica por isso mesmo”. Esse caso é emblemático e exige esclarecimento o mais rápido possível. Não é tão difícil assim, né. São 80 tiros, afinal de contas. Que esclareçam, para ficar como referência.

17 de abril de 2019

DISSIDENTES DE GUERRILHAS DA COLÔMBIA FORTALECEM MADURO. PRESENÇA DE EX-MEMBROS DAS FARC E DO ELN NA VENEZUELA SERVEM DE ESCUDO A DITADOR!

(Sylvia Colombo – Folha de S.Paulo, 15) A presença cada vez mais numerosa de dissidentes da ex-guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e de combatentes do ELN (Exército de Libertação Nacional) em território venezuelano ameaça complicar ainda mais a relação turbulenta entre Colômbia e Venezuela, ao mesmo tempo em que serve de escudo para o ditador Nicolás Maduro.

Esse aumento vem sendo registrado por ONGs como a InSight Crime e a FundaRedes, e pelos serviços de inteligência colombianos. Estes estimam que já há 1.400 ex-guerrilheiros das Farc que não entraram no acordo de paz aprovado no final de 2016 e seguem na atividade criminosa —cerca de 800 deles estariam do lado venezuelano da fronteira.

O ELN, cujo número de guerrilheiros vêm crescendo desde que o presidente colombiano, Iván Duque, cancelou as negociações de paz que estavam em andamento com o grupo, conta agora com cerca de 2.000 combatentes —metade estaria do lado venezuelano.

Os números, porém, variam, uma vez que, na Venezuela, há acampamentos e campos de treinamento para organizar operações que, depois, são efetuadas na Colômbia.

Segundo o Ideam, um instituto ligado ao Sistema Nacional Ambiental colombiano, novas “trochas” têm sido criadas. Esses caminhos clandestinos atravessam a fronteira em locais inóspitos ou de florestas, longe dos centros de controle fronteiriço. A passagem clandestina de guerrilheiros de um país a outro se dá por essas vias.

“Colhemos informação das comunidades da região. Elas nos contam que são os guerrilheiros que estão abrindo mais ‘trochas’ e ampliando as que já existem”, afirma Ederson Cabrera, do Ideam.

Já outra ONG, Paz & Reconciliación, vem fazendo um levantamento de recrutamentos organizados pelos insurgentes na fronteira. Segundo a ONG, os que mais recrutam são os do ELN, prometendo aos que cruzam a fronteira falsos trabalhos ou locais para se hospedar e conseguir comida.

De acordo com a FundaRedes, em 2018, 1.068 venezuelanos desapareceram tentando cruzar a divisa até a Colômbia. A ONG diz crer que muitos deles podem ter sido recrutados pelo ELN.

Nos últimos meses, os alertas se intensificaram, porque os líderes Gentil Duarte (ex-Farc) e Gustavo Aníbal Giraldo, conhecido como ‘Pablito’ (ELN), foram localizados pelas Forças Armadas colombianas nos estados venezuelanos de Amazonas e de Apure. Ambos estariam controlando as ações de seus grupos a partir daí, onde estão escondidos e protegidos pelas autoridades venezuelanas.

Com o rompimento de relações que Maduro decretou com a Colômbia, não é possível mais pedir permissão ao governo venezuelano para buscar esses criminosos do outro lado da fronteira, muito menos pedir colaboração, como já ocorreu no passado.

“A presença de ambas as guerrilhas colombianas na Venezuela é antiga, remonta aos anos 1970, mas ganhou força durante a gestão de Hugo Chávez (1999-2013), que via nesses grupos afinidades ideológicas”, diz à Folha o cientista político Juan Gabriel Tokatlian.

“Com Maduro, houve dois momentos. Um em que, na tentativa de ter a Colômbia como amiga diplomática, Maduro ajudou Juan Manuel Santos nas negociações do acordo de paz com as Farc. Agora que se vê acuado, Maduro considera essas forças acampadas em território venezuelano um escudo contra uma possível ameaça internacional.”

A Farc (Força Alternativa Revolucionária do Comum), hoje um partido político com dez cadeiras no Congresso, renega seus dissidentes. Um de seus líderes, Iván Márquez, afirmou que eles estariam proibidos de usar o nome Farc, pois a ex-guerrilha agora usa a sigla para identificar o partido político.

Os homens a mando de Gentil Duarte estão mais focados em manter as antigas rotas de narcotráfico do qual a guerrilha se alimentou por muitos anos.

Conhecido por ter muitos contatos, Duarte tem dialogado com o cartel mexicano de Sinaloa, que leva a droga da Colômbia até os EUA, e com grupos de crime organizado brasileiros, equatorianos e peruanos.

Já o ELN, com presença em 12 dos 24 Estados da Venezuela, realiza ações de apoio mais direto à ditadura de Maduro, ajudando, por exemplo, na distribuição de cestas básicas e de outros benefícios do governo à populaçao.

“O poder deles é enorme. Estão na mineração ilegal, recrutam venezuelanos que tentam fugir do país, controlam os moradores pelo uso da força”, afirma a líder opositora venezuelana María Corina Machado.
Tanto nos acampamentos do ELN quanto nos da ex-Farc na Venezuela foram reportadas a presença de oficiais da Guarda Nacional Bolivariana e do Sebin (serviço de inteligência venezuelano), que vai a esses lugares para receber treinamento das duas guerrilhas mais experientes da América Latina.

“Aprendem as técnicas, depois usam contra o povo venezuelano. Nós registramos agentes da Força de Ações Especiais da Venezuela nos campos da guerrilha”, afirma Javier Tarazona, da FundaRedes.

Para Tokatlian, “a presença da insurgência dá a Maduro uma segurança de que a Colômbia não avançaria tão facilmente sobre seu território”.

“[O presidente colombiano] Iván Duque cometeu muitos erros para não merecer mais a confiança dos ex-guerrilheiros das Farc e do ELN ao querer limitar a Justiça Especial aos primeiros, e ao interromper o diálogo com o segundo. A situação ficou mais grave devido às suas decisões políticas equivocadas”, diz Tokatlian.

16 de abril de 2019

BOLSONARO É A VELHA DIREITA E MERECE NOTA 6 ATÉ AGORA!

(Folha de S.Paulo, 15) O ex-prefeito do Rio de Janeiro e hoje vereador, Cesar Maia (DEM), dá nota seis —ou seis e meio— para os cem primeiros dias de governo de Jair Bolsonaro (PSDB). Na entrevista à Folha, concedida neste domingo (14), ele também chama o presidente de líder sindical e representante da velha direita.

Pai do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), o ex-prefeito do Rio critica a articulação política de Bolsonaro. Para ele, é uma confusão. Cesar também questionou a capacidade do presidente de escalação de ministros. “Qual é a informação Bolsonaro acumulou para fazer as escolhas certas?”

Na semana passada, a Procuradoria-geral da República remeteu ao STF (Supremo Tribunal Federal) pedido de prorrogação do inquérito sobre Cesar Maia e seu filho. Perícia da PF encontrou, no sistema da Odebrecht, registro de pagamento de R$ 1,5 milhão aos dois.

Folha de S.Paulo: Na semana passada, foi remetido ao Supremo um relatório de janeiro da Polícia Federal indicando repasses da Odebrecht para o sr e seu filho. Acha que é retaliação?
Cesar Maia: São procedimentos. A gente sabia desses prazos. Ficávamos torcendo para a [Raquel] Dodge —ou, agora, o [Edson] Fachin— entender que aquilo era uma porcariazinha de caixa dois. Aí, não encaminha para frente e arquiva. Vários foram arquivados assim, né? A gente estava com expectativa de arquivamento. Mas tinha que acontecer.

F: Foi prorrogada a investigação. Mas o senhor tinha a expectativa que fosse arquivado.
CM: Todo réu em potencial acha que vai ser arquivado. Primeiro eu já não era prefeito. Eles falam 2008, 2010 e 2014. Um deles era meu último ano de governo e eles acusam meu chefe de gabinete de ter pedido dinheiro para a campanha da Solange Amaral. Eu nem sabia. Até porque eles eram proibidos por mim e por lei. Quem está no governo não pode fazer campanha eleitoral. Eles falam que teria sido feito pedido a Odebrecht para ajudar, por caixa dois, a campanha de senador. Eu era candidato porque o partido me pedia. Não tratava de captação de recursos.

F: Como o sr avalia articulação do governo Bolsonaro?
CM: Parece que está começando agora. O Bolsonaro disse que a aprovação da reforma era coisa do Congresso. Mas passou. É um projeto de lei dele e o Poder Executivo tem que capitanear, articular.

F: O presidente finalmente está assumindo a responsabilidade?
CM: Obrigatoriamente. Como o Rodrigo disse, a responsabilidade é dele. E ele vai ter que chamar os líderes para conversar. Perderam prazos, perderam tempo. Uma coisa que já deveria ter sido votada pela CCJ vai ser votada na semana que vem, se for.

F: A intenção era votar antes da Páscoa. Mas o Rodrigo Maia definiu que, nesta semana, terá o Orçamento impositivo…
CM: Os jornais publicaram um estudo da relação de poder entre Legislativo e Executivo. O Brasil era o segundo onde o Executivo tinha mais poder sobre o Legislativo em uma lista de, sei lá, 30 países. O caso do Brasil era um caso de 91%, um número desses. O que está acontecendo e vai acontecer —e seria inevitável, fosse o Bolsonaro, fosse quem fosse— é que o Legislativo vai dizer “nesse número não pode ficar. Vamos reduzir para 70%”.  Uma primeira medida é o Orçamento impositivo.

F: Mas teve um mal-estar porque o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), disse ter acertado com o Rodrigo que a Previdência seria antes.
CM: O Onyx não é exatamente um articulador. Era um deputado nosso, do PFL. Representava a indústria de armas do Rio Grande do Sul. E teve uma bobeira ali em que os procuradores apresentam as leis de anticorrupção. Ninguém sabe por que o Onix foi nomeado relator. Uma vez relator, ele resolveu ser o representante dos procuradores. Nem no Supremo passava aquele relatório dele… O Legislativo, não é o Rodrigo, é qualquer que estivesse ali, tem que pensar que outras medidas precisa tomar de maneira a reduzir a disparidade de poder entre Executivo e Legislativo. Só no Brasil, um país democrático, se tem esses instrumentos. Esses vão ser rediscutidos.

F: Quais?
CM: Medidas Provisórias, por exemplo. Isso gera consenso no Congresso. Viu o que aconteceu com o Orçamento impositivo? Não tinha direita e esquerda. Coisas desse tipo, que extrapolam o poder do Executivo sobre o Legislativo, tendem a ser corrigidas.

F: Se até hoje não mudou, por que teria essa uma tendência?
CM: É o momento em que o perfil do Executivo não gera expectativas de diálogo por parte do Legislativo. E é verdade. Qual expectativa pode ter um deputado ou outro? Quem é que fala em nome do presidente? Hoje um major [Vitor Hugo (PSL-GO)] diz que o Rodrigo é o primeiro-ministro. Está louco. Esse é um líder do partido dele. Isso é uma confusão.

F: O sr. acha que, obrigatoriamente, tem que deter essas medidas porque não existe diálogo com o governo Bolsonaro?
CM: Isso leva a deputados e senadores terem ideias e proporem dentro do Legislativo porque eles se sentem “desempoderados”. Propõem medidas que possam corrigir essa distorção.

F: O sr. fala do Onyx. Mas ele é o canal.
CM: Ele cumpriu aquela função junto ao conjunto de procuradores e ganhou a confiança do Bolsonaro. O Bolsonaro foi eleito pela Lava Jato. Não tem nada a ver com rede social… A Lava Jato que empurrou o Bolsonaro para a vitória. Agora ele tem que se lembrar que a Lava Jato não é um Poder Legislativo. Na hora que a Lava Jato está dentro do governo e que vai tomar medidas, tem que ter tramitação. Ele deve chiar “porra, não se pode governar”. Mas, tendo a experiência de governo, ele vai ter que se ajustar.

F: O Bolsonaro foi deputado.
CM: Mas era um líder sindical. Foram sete mandatos. Ele representa os militares e os policiais. Era só isso que fazia. Quando eu era deputado, fui procurado por almirantes me pedindo que fosse elaborado um projeto de Lei criando uma gratificação de militares em geral. Eu disse que era inconstitucional. “Não vai passar. Mas vai ser discutido”. Apresentei. Aí, o Bolsonaro veio me procurar. “Está querendo entrar na minha área?” Ele não foi descortês. Mas estava muito nervoso. Assim que ele se comportava quando alguém entrava no campo dele. Ele representa isso. O que aconteceu com os caminhoneiros? Ele é um líder sindical dos caminhoneiros e foi lá. Ele andava atrás dos caminhões, cumprimentava a gente, levava cafezinho… É assim que ele funciona.

F: O que o senhor achou do controle do preço do Diesel?
CM: Mostra amadorismo. Custava esperar o Paulo Guedes voltar? Isso gera uma expectativa de que pressão pode produzir resultado junto ao presidente. A própria reforma agora.

F: Dá para passar a reforma da Previdência como está?
CM: Achava isso. Agora não sei. Essa confusão de quem faz coordenação, declaração dos líderes de governo… Esse tipo de confusão que foi produzida tem que se exigir atenção.

F: O sr. diz que há uma tentativa de articulação do presidente com o Congresso, mas que há uma desarticulação…
CM: A articulação é uma questão rápida. Quem é que conduz esse processo? Eles têm os dois presidentes da Casa, o ministro da Fazenda poderoso, o próprio Moro. Precisam escolher os quadros que vão fazer o trabalho de jantar, de almoçar…

F: O sr. foi exilado, preso político no Chile. Como vê essa tentativa do presidente de revisão histórica, querendo comemorar o golpe de 64?
CM: Ele não entendeu. Há uns quatro, cinco anos atrás, estava lendo a respeito da nova direita brasileira. Que Olavo [de Carvalho] é apenas um personagem. Nesses estudos havia um ponto em comum, que a direita ia continuar a crescer. Mas sempre dissociada do golpe de 64. A associação com o golpe de 64 tirava força dessa nova direita. Para que introduzir um tema que dificulta você ser um novo líder da direita? O Bolsonaro é um antigo líder da direita na hora em que toca esse tema. Ele vai ao Chile, ele e Onyx, e elogiam o Pinochet. Ninguém no Chile elogia o Pinochet. Ele vai a Israel e usa uma expressão considerada absurda pelos judeus [de que seria possível perdoar o Holocausto]. Pode ter falado uma besteira dessas? Então, ele vai sendo a velha direita. Assim como ele fala da nova política, da velha política, Bolsonaro é a velha direita.

F: Mas o sr. acha que ele, ao menos, pode encarnar a nova política?
CM: Se estou dizendo que as declarações desmedidas que ele tomou são da velha direita, ele não pode ser a nova política. Nova política é não nomear indicados por deputados? Isso é um nada.

F: Há alguém que encarne essa nova direita aqui?
CM: O Rodrigo poderia ser. Ele está sendo firme, está sendo coerente. Ele está trabalhando isso no ponto de vista de imagem. Os convites que tem recebido, como presidente da Câmara, para ir ao exterior, são muitos. E o Rodrigo não fala inglês. Ele balbucia inglês. Isso tira dele mobilidade. Sabe disso. Disse que vai fazer um intensivão.

F: O sr. acredita em seu potencial de articulação, diz que tem capacidade de ouvir. Acha que o credencia para a Presidência?
CM: Ainda não. Até porque o estilo dele não é de produzir impactos populares. Ao contrário. Fez uma campanha eleitoral aqui, com todos os riscos, defendendo reformas liberais e teve uma votação proporcional ao que defendeu: 70 mil votos. Não precisou fazer uma campanha populista.

F: Muitas vezes as promessas de campanha de Bolsonaro eram incompatíveis com a tese de redução de gastos.
CM: Não tinham nada que ver as ideias do Bolsonaro com a eleição dele. Era o Lava Jato. O que é o governo do Bolsonaro? São quatro vetores: econômico-financeiro, Paulo Guedes; segurança, Moro; um grupo administrativo, que é muito bom, de militares dentro do Planalto; e o quarto um pouco solto. Uma boa ministra da Agricultura; por enquanto, um bom ministro da Saúde. E, enfim, essas coisas que a gente está vendo por aí. O quarto grupo é disperso.

F: O que o sr. diria desses cem primeiros dias do governo?
CM: Que a expectativa que se tinha foi frustrada. As ideias basilares que estavam nutrindo o Bolsonaro não foram aplicadas.

F: E o que acha das críticas do Olavo de Carvalho aos militares?
CM: Ele não entendeu direito o sucesso dele. O sucesso subiu à cabeça. Ele passou a achar uma coisa que não é, que é um influenciador do governo. Não é. Ele é influenciador do ministro da Fazenda? Do Moro? Ele é influenciador de quê? Do ministro das Relações Exteriores? Para baixo, né?

F: Como assim para baixo?
CM: Essa sempre foi uma área em que o Brasil teve um destaque muito grande. De repente entra esse personagem e a política externa vira alvo de desconfiança. Está todo mundo perplexo [elogia chanceleres dos governos petistas, e o assessor especial Marco Aurélio Garcia]. Agora, parece que o articulador é o deputado filho do Bolsonaro. Mas articulador de quê? De elogiar os Estados Unidos? O que o Eduardo Bolsonaro tem a dizer a respeito da América Latina, do México? Nada. Tem elogios ao Trump. Será que alguma coisa que Bolsonaro tem dito no exterior tem ajudado o governo? Agora ele vai conversar com Macri, que está com uma baixa popularidade.

F: Que está em queda.
CM: Nosso líder liberal Macri, com inflação lá em cima. Agora, vai enfrentar uma greve geral. Os caminhoneiros param o país todo. E ele vai lá. Falta de informação também. É um homem inteligente. Não tenho dúvida. É o presidente da República. Mas é culto? Não. Tem cultura política? Não. Bolsonaro ficou esses anos todos aí como deputado. Que atividade internacional foi a dele?

F: Ele pode delegar.
CM: Para delegar, tem que saber o que e para quem. Em um pais como Brasil, em uma América Latina confusa como essa, não saber a quem delegar e como…

F: Acredita que ele escalou mal os ministros?
CM: Disse que são três vetores: economia, segurança e a parte administrativa entregue aos militares. Isso está muito bem. É o que segura. Aí são pontos.

F: O que o sr. acha dessa opção por se manifestar pelas redes sociais? O Carlos Bolsonaro teve um embate pesado com o Rodrigo.
CM: E daí? Você acha que isso gerou algum tipo de formação de opinião? Claro que uma coisa inusitada como essa, a imprensa dá uma relevância muito grande. Qual é a importância disso para o governo?

F: Fica complicado para articulação quando o filho do presidente faz contrapontos nas redes sociais ao presidente da Câmara em um momento tão delicado.
CM: Será que é ele mesmo? Será que jantam junto e o pai não dá um empurra, “já que eu não posso falar, fala você”? Qual é a permanência disso?

F: O sr. acha que os posts do Carlos refletem o pensamento do pai?
CM: Não sei porque não conheço os posts do Carlos. Não dou relevância a isso. Não acho que é um personagem. Não estou dizendo que não seja, Mas não acho que seja um personagem político relevante. Acho que essa intensidade termina não ajudando o pai.

F: O sr. dá uma nota para esses primeiros cem dias do governo Bolsonaro?
CM: Estou dizendo que existem três vetores positivos. Como são muito importantes, vamos dizer nota seis, nota seis e meio? Graças a esses três vetores.

Bolsonaro é a velha direita e merece nota 6 até agora, diz Cesar Maia

CM azul

O ex-prefeito do Rio de Janeiro e hoje vereador, Cesar Maia (DEM), dá nota seis —ou seis e meio— para os cem primeiros dias de governo de Jair Bolsonaro (PSDB). Na entrevista à Folha, concedida neste domingo (14), ele também chama o presidente de líder sindical e representante da velha direita.

Pai do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), o ex-prefeito do Rio critica a articulação política de Bolsonaro. Para ele, é uma confusão. Cesar também questionou a capacidade do presidente de escalação de ministros. “Qual é a informação Bolsonaro acumulou para fazer as escolhas certas?”

Na semana passada, a Procuradoria-geral da República remeteu ao STF (Supremo Tribunal Federal) pedido de prorrogação do inquérito sobre Cesar Maia e seu filho. Perícia da PF encontrou, no sistema da Odebrecht, registro de pagamento de R$ 1,5 milhão aos dois.

Folha de S.Paulo: Na semana passada, foi remetido ao Supremo um relatório de janeiro da Polícia Federal indicando repasses da Odebrecht para o sr e seu filho. Acha que é retaliação?
Cesar Maia: São procedimentos. A gente sabia desses prazos. Ficávamos torcendo para a [Raquel] Dodge —ou, agora, o [Edson] Fachin— entender que aquilo era uma porcariazinha de caixa dois. Aí, não encaminha para frente e arquiva. Vários foram arquivados assim, né? A gente estava com expectativa de arquivamento. Mas tinha que acontecer.

F: Foi prorrogada a investigação. Mas o senhor tinha a expectativa que fosse arquivado.
CM: Todo réu em potencial acha que vai ser arquivado. Primeiro eu já não era prefeito. Eles falam 2008, 2010 e 2014. Um deles era meu último ano de governo e eles acusam meu chefe de gabinete de ter pedido dinheiro para a campanha da Solange Amaral. Eu nem sabia. Até porque eles eram proibidos por mim e por lei. Quem está no governo não pode fazer campanha eleitoral. Eles falam que teria sido feito pedido a Odebrecht para ajudar, por caixa dois, a campanha de senador. Eu era candidato porque o partido me pedia. Não tratava de captação de recursos.

F: Como o sr avalia articulação do governo Bolsonaro?
CM: Parece que está começando agora. O Bolsonaro disse que a aprovação da reforma era coisa do Congresso. Mas passou. É um projeto de lei dele e o Poder Executivo tem que capitanear, articular.

F: O presidente finalmente está assumindo a responsabilidade?
CM: Obrigatoriamente. Como o Rodrigo disse, a responsabilidade é dele. E ele vai ter que chamar os líderes para conversar. Perderam prazos, perderam tempo. Uma coisa que já deveria ter sido votada pela CCJ vai ser votada na semana que vem, se for.

F: A intenção era votar antes da Páscoa. Mas o Rodrigo Maia definiu que, nesta semana, terá o Orçamento impositivo…
CM: Os jornais publicaram um estudo da relação de poder entre Legislativo e Executivo. O Brasil era o segundo onde o Executivo tinha mais poder sobre o Legislativo em uma lista de, sei lá, 30 países. O caso do Brasil era um caso de 91%, um número desses. O que está acontecendo e vai acontecer —e seria inevitável, fosse o Bolsonaro, fosse quem fosse— é que o Legislativo vai dizer “nesse número não pode ficar. Vamos reduzir para 70%”.  Uma primeira medida é o Orçamento impositivo.

F: Mas teve um mal-estar porque o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), disse ter acertado com o Rodrigo que a Previdência seria antes.
CM: O Onyx não é exatamente um articulador. Era um deputado nosso, do PFL. Representava a indústria de armas do Rio Grande do Sul. E teve uma bobeira ali em que os procuradores apresentam as leis de anticorrupção. Ninguém sabe por que o Onix foi nomeado relator. Uma vez relator, ele resolveu ser o representante dos procuradores. Nem no Supremo passava aquele relatório dele… O Legislativo, não é o Rodrigo, é qualquer que estivesse ali, tem que pensar que outras medidas precisa tomar de maneira a reduzir a disparidade de poder entre Executivo e Legislativo. Só no Brasil, um país democrático, se tem esses instrumentos. Esses vão ser rediscutidos.

F: Quais?
CM: Medidas Provisórias, por exemplo. Isso gera consenso no Congresso. Viu o que aconteceu com o Orçamento impositivo? Não tinha direita e esquerda. Coisas desse tipo, que extrapolam o poder do Executivo sobre o Legislativo, tendem a ser corrigidas.

F: Se até hoje não mudou, por que teria essa uma tendência?
CM: É o momento em que o perfil do Executivo não gera expectativas de diálogo por parte do Legislativo. E é verdade. Qual expectativa pode ter um deputado ou outro? Quem é que fala em nome do presidente? Hoje um major [Vitor Hugo (PSL-GO)] diz que o Rodrigo é o primeiro-ministro. Está louco. Esse é um líder do partido dele. Isso é uma confusão.

F: O sr. acha que, obrigatoriamente, tem que deter essas medidas porque não existe diálogo com o governo Bolsonaro?
CM: Isso leva a deputados e senadores terem ideias e proporem dentro do Legislativo porque eles se sentem “desempoderados”. Propõem medidas que possam corrigir essa distorção.

F: O sr. fala do Onyx. Mas ele é o canal.
CM: Ele cumpriu aquela função junto ao conjunto de procuradores e ganhou a confiança do Bolsonaro. O Bolsonaro foi eleito pela Lava Jato. Não tem nada a ver com rede social… A Lava Jato que empurrou o Bolsonaro para a vitória. Agora ele tem que se lembrar que a Lava Jato não é um Poder Legislativo. Na hora que a Lava Jato está dentro do governo e que vai tomar medidas, tem que ter tramitação. Ele deve chiar “porra, não se pode governar”. Mas, tendo a experiência de governo, ele vai ter que se ajustar.

F: O Bolsonaro foi deputado.
CM: Mas era um líder sindical. Foram sete mandatos. Ele representa os militares e os policiais. Era só isso que fazia. Quando eu era deputado, fui procurado por almirantes me pedindo que fosse elaborado um projeto de Lei criando uma gratificação de militares em geral. Eu disse que era inconstitucional. “Não vai passar. Mas vai ser discutido”. Apresentei. Aí, o Bolsonaro veio me procurar. “Está querendo entrar na minha área?” Ele não foi descortês. Mas estava muito nervoso. Assim que ele se comportava quando alguém entrava no campo dele. Ele representa isso. O que aconteceu com os caminhoneiros? Ele é um líder sindical dos caminhoneiros e foi lá. Ele andava atrás dos caminhões, cumprimentava a gente, levava cafezinho… É assim que ele funciona.

F: O que o senhor achou do controle do preço do Diesel?
CM: Mostra amadorismo. Custava esperar o Paulo Guedes voltar? Isso gera uma expectativa de que pressão pode produzir resultado junto ao presidente. A própria reforma agora.

F: Dá para passar a reforma da Previdência como está?
CM: Achava isso. Agora não sei. Essa confusão de quem faz coordenação, declaração dos líderes de governo… Esse tipo de confusão que foi produzida tem que se exigir atenção.

F: O sr. diz que há uma tentativa de articulação do presidente com o Congresso, mas que há uma desarticulação…
CM: A articulação é uma questão rápida. Quem é que conduz esse processo? Eles têm os dois presidentes da Casa, o ministro da Fazenda poderoso, o próprio Moro. Precisam escolher os quadros que vão fazer o trabalho de jantar, de almoçar…

F: O sr. foi exilado, preso político no Chile. Como vê essa tentativa do presidente de revisão histórica, querendo comemorar o golpe de 64?
CM: Ele não entendeu. Há uns quatro, cinco anos atrás, estava lendo a respeito da nova direita brasileira. Que Olavo [de Carvalho] é apenas um personagem. Nesses estudos havia um ponto em comum, que a direita ia continuar a crescer. Mas sempre dissociada do golpe de 64. A associação com o golpe de 64 tirava força dessa nova direita. Para que introduzir um tema que dificulta você ser um novo líder da direita? O Bolsonaro é um antigo líder da direita na hora em que toca esse tema. Ele vai ao Chile, ele e Onyx, e elogiam o Pinochet. Ninguém no Chile elogia o Pinochet. Ele vai a Israel e usa uma expressão considerada absurda pelos judeus [de que seria possível perdoar o Holocausto]. Pode ter falado uma besteira dessas? Então, ele vai sendo a velha direita. Assim como ele fala da nova política, da velha política, Bolsonaro é a velha direita.

F: Mas o sr. acha que ele, ao menos, pode encarnar a nova política?
CM: Se estou dizendo que as declarações desmedidas que ele tomou são da velha direita, ele não pode ser a nova política. Nova política é não nomear indicados por deputados? Isso é um nada.

F: Há alguém que encarne essa nova direita aqui?
CM: O Rodrigo poderia ser. Ele está sendo firme, está sendo coerente. Ele está trabalhando isso no ponto de vista de imagem. Os convites que tem recebido, como presidente da Câmara, para ir ao exterior, são muitos. E o Rodrigo não fala inglês. Ele balbucia inglês. Isso tira dele mobilidade. Sabe disso. Disse que vai fazer um intensivão.

F: O sr. acredita em seu potencial de articulação, diz que tem capacidade de ouvir. Acha que o credencia para a Presidência?
CM: Ainda não. Até porque o estilo dele não é de produzir impactos populares. Ao contrário. Fez uma campanha eleitoral aqui, com todos os riscos, defendendo reformas liberais e teve uma votação proporcional ao que defendeu: 70 mil votos. Não precisou fazer uma campanha populista.

F: Muitas vezes as promessas de campanha de Bolsonaro eram incompatíveis com a tese de redução de gastos.
CM: Não tinham nada que ver as ideias do Bolsonaro com a eleição dele. Era o Lava Jato. O que é o governo do Bolsonaro? São quatro vetores: econômico-financeiro, Paulo Guedes; segurança, Moro; um grupo administrativo, que é muito bom, de militares dentro do Planalto; e o quarto um pouco solto. Uma boa ministra da Agricultura; por enquanto, um bom ministro da Saúde. E, enfim, essas coisas que a gente está vendo por aí. O quarto grupo é disperso.

F: O que o sr. diria desses cem primeiros dias do governo?
CM: Que a expectativa que se tinha foi frustrada. As ideias basilares que estavam nutrindo o Bolsonaro não foram aplicadas.

F: E o que acha das críticas do Olavo de Carvalho aos militares?
CM: Ele não entendeu direito o sucesso dele. O sucesso subiu à cabeça. Ele passou a achar uma coisa que não é, que é um influenciador do governo. Não é. Ele é influenciador do ministro da Fazenda? Do Moro? Ele é influenciador de quê? Do ministro das Relações Exteriores? Para baixo, né?

F: Como assim para baixo?
CM: Essa sempre foi uma área em que o Brasil teve um destaque muito grande. De repente entra esse personagem e a política externa vira alvo de desconfiança. Está todo mundo perplexo [elogia chanceleres dos governos petistas, e o assessor especial Marco Aurélio Garcia]. Agora, parece que o articulador é o deputado filho do Bolsonaro. Mas articulador de quê? De elogiar os Estados Unidos? O que o Eduardo Bolsonaro tem a dizer a respeito da América Latina, do México? Nada. Tem elogios ao Trump. Será que alguma coisa que Bolsonaro tem dito no exterior tem ajudado o governo? Agora ele vai conversar com Macri, que está com uma baixa popularidade.

F: Que está em queda.
CM: Nosso líder liberal Macri, com inflação lá em cima. Agora, vai enfrentar uma greve geral. Os caminhoneiros param o país todo. E ele vai lá. Falta de informação também. É um homem inteligente. Não tenho dúvida. É o presidente da República. Mas é culto? Não. Tem cultura política? Não. Bolsonaro ficou esses anos todos aí como deputado. Que atividade internacional foi a dele?

F: Ele pode delegar.
CM: Para delegar, tem que saber o que e para quem. Em um pais como Brasil, em uma América Latina confusa como essa, não saber a quem delegar e como…

F: Acredita que ele escalou mal os ministros?
CM: Disse que são três vetores: economia, segurança e a parte administrativa entregue aos militares. Isso está muito bem. É o que segura. Aí são pontos.

F: O que o sr. acha dessa opção por se manifestar pelas redes sociais? O Carlos Bolsonaro teve um embate pesado com o Rodrigo.
CM: E daí? Você acha que isso gerou algum tipo de formação de opinião? Claro que uma coisa inusitada como essa, a imprensa dá uma relevância muito grande. Qual é a importância disso para o governo?

F: Fica complicado para articulação quando o filho do presidente faz contrapontos nas redes sociais ao presidente da Câmara em um momento tão delicado.
CM: Será que é ele mesmo? Será que jantam junto e o pai não dá um empurra, “já que eu não posso falar, fala você”? Qual é a permanência disso?

F: O sr. acha que os posts do Carlos refletem o pensamento do pai?
CM: Não sei porque não conheço os posts do Carlos. Não dou relevância a isso. Não acho que é um personagem. Não estou dizendo que não seja, Mas não acho que seja um personagem político relevante. Acho que essa intensidade termina não ajudando o pai.

F: O sr. dá uma nota para esses primeiros cem dias do governo Bolsonaro?
CM: Estou dizendo que existem três vetores positivos. Como são muito importantes, vamos dizer nota seis, nota seis e meio? Graças a esses três vetores.

15 de abril de 2019

“HORIZONTE DA ELITE NÃO É UMA SOCIEDADE JUSTA, É ECONOMIA PUJANTE “

(Angela Alonso, professora de Sociologia da USP – Ilustrissima – Folha de S.Paulo, 14) A elite social brasileira é branca, educada e cosmopolita. E assim é desde que o país começou. É também violenta, embora se veja como generosa para com subalternos, todos negros, mas “como se fossem da família.” Não são.

Nem na vida ganham acesso às relações abridoras de portas nem na morte herdam patrimônio. A próxima geração segue onde estava a antecedente, numa estrutura social secular, com os mesmos sobrenomes usufruindo a vista da cobertura, enquanto os sem nome limpam cozinhas e latrinas.

Ao contrário do que pregam a adversários, é raro que membros da elite façam autocrítica de erros políticos, como a eleição de Fernando Collor. Muito menos reconhecem seu papel ativo na reprodução intergeracional da desigualdade. Alguns dos seus, os “bem intencionados”, atuam nas franjas, com iniciativas para premiar o “talento” de alguns humildes, como Carlinhos Brown, que foi da favela ao estrelato.

Esta fresta para o alto não altera os mecanismos de distribuição de recursos e acessos. Mas é o suficiente para os cidadãos de bem, reconfortados pelo argumento liberal de que oportunidades individuais bastam para corrigir problemas estruturais.

É que o horizonte desta elite não é uma sociedade justa, é uma economia pujante. Para obter a segunda, abre mão da primeira. Nunca titubeou em pagar o preço, fosse a escravidão, regimes de trabalho avizinhados ou ditaduras, como a que o presidente comemorou. Tudo aceitável, se a locomotiva seguir acelerada.

Essa gente de bem pensa em si como o vagão que puxa o trem, que carrega o fardo do país e pena o alto custo trabalhista de mão de obra sem qualificação. São empreendedores incansáveis, prejudicados pelo povo caro e ignorante —que reclama de barriga cheia, pois muitos pesam, disse o presidente, várias arrobas.

O raciocínio do “custo Brasil” omite que as mazelas nacionais sucessivas resultaram de decisões políticas tomadas pelos que estão no alto, enquanto o sacrifício é sempre exigido dos de baixo. Assim foi na reforma trabalhista, assim se anuncia na previdenciária e a tributária não avançará imposto sobre grandes fortunas e transmissão intergeracional de riquezas.

E, convenhamos, não se exige de quem adentra essa elite o refinamento da antiga aristocracia. Veja-se o novo ministro da Educação: é branco, tem diploma superior e renda que garantem moradia em andar alto da pirâmide nacional. E, no entanto, emite juízos explicáveis apenas pela ignorância.

Já havia o precedente do “nazismo de esquerda”, mas rotular banqueiros de comunistas compete à altura. Nenhuma destas pérolas ministeriais espanta, considerando a língua presidencial. Mas choca que parcela tão gorda do topo social siga firme no apoio à obscurantista, autoritária e até aqui ineficiente “nova política”.

Apoio registrado no último Datafolha: capaz de os banqueiros que o ministro menciona estarem entre os 36% de homens com diploma superior e os 41% com renda acima de dez salários mínimos que acham “ótima” a administração mitológica.

A aprovação (ótimo/bom) é ampla entre os que vivem bem: 47% dos profissionais liberais, 57% dos empresários e 71% dos rentistas, como se dizia antigamente. Os bem postos na vida estão satisfeitos com o governo.

Mesmo com critério exigente, a alegria não se desmancha: 46% do empresariado e 44% dos que vivem de renda dão nota 8 ou mais para a administração bolsonarista. Parte dos eleitores do mito é impenitente e está infenso a três meses de barbaridades. Mas nem todo votante de conveniência, o antipetista, repudia: 54% dos que se declaram PSDBistas seguem achando tudo ótimo. É que se a reforma da Previdência passar, os tuítes ensandecidos do Palácio do Planalto serão perdoados, porque o país —ou parte dele— usufruirá das bênçãos do mercado.

A maioria destes cidadãos de bem apoia também embalada por outra promessa, a da reforma penal.

É preciso mais que comprar armas para se defender de meliantes. Precisa encarcerá-los antes que atinjam a idade adulta. Claro, alguns escaparão de celas de extermínio precoce, e poucos talentosos serão escolhidos, como Brown, para cantar no Lollapalooza.

Aos remanescentes, resta a prontidão das forças da ordem, a postos para abater suspeitos. Suspeitos naturalmente negros, como muitos dos executores, como negros eram tantos capitães do mato.

Estão a serviço, mas tampouco serão admitidos às fortificações medievais onde a gente de bem dorme tranquila. Não se pode acordá-la com choro de órfãos, mães e viúvas, nem com o ruído de 80 tiros.

12 de abril de 2019

RIO NÃO TERÁ COMO PAGAR A DÍVIDA COM A UNIÃO, DIZ SECRETÁRIO!

(Valor, 08) Mesmo se o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) for renovado até 2023, a dívida do Estado do Rio de Janeiro com a União é “impagável” a menos que haja uma alteração estrutural na economia fluminense, segundo o secretário estadual da Fazenda, Luiz Cláudio Rodrigues de Carvalho.

A declaração do secretário é baseada em projeções feitas por técnicos da pasta: no fim de 2023 o endividamento bruto alcançaria R$ 170 bilhões, o equivalente a 237% da Receita Corrente Líquida (RCL). O teto definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é de 200% da RCL e o Estado teria apenas oito meses para se readequar ao limite.

O prazo seria insuficiente, conforme indicam as projeções da Fazenda fluminense. Ao fim de 2024, o endividamento do Estado equivaleria a 221% da RCL. Na Receita Corrente Líquida são computadas todas as receitas menos as transferências previstas na Constituição para os municípios. “O Rio tem de reestruturar completamente a sua economia. Se não houver crescimento significativo da economia do Estado e, na verdade, da do Brasil inteiro, essa dívida é impagável”, afirmou Carvalho ao Valor.

A dívida consolidada do governo fluminense fechou o ano passado em R$ 153 bilhões, o que correspondia a 265,3% da RCL. “Dado o cenário atual, as finanças do Rio melhoram por causa das medidas que estamos adotando e vamos aprofundar. Só que essas medidas, no escopo atual, na situação atual não são suficientes para que o Estado se reestruture a ponto de, em 2023, passar a honrar o serviço da dívida legada, aquela que se forma depois desses anos todos sem pagamento”, sustentou Carvalho.

O Regime de Recuperação Fiscal, ao qual o Rio de Janeiro aderiu em 2017, tem duração prevista de três anos, podendo ser prorrogado por mais três. Durante o período, ficam suspensos os pagamentos da dívida com a União. Se, por um lado, a interrupção dos pagamentos contribui para aliviar o aperto sobre o caixa estadual, por outro, aumenta o endividamento em termos absolutos, uma vez que os juros e os encargos continuam a incidir sobre o valor principal.

“O problema foi empurrado para 2024”, resumiu o promotor Vinicius Cavalleiro, coordenador do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Sonegação Fiscal e aos Ilícitos contra a Ordem Tributária (Gaesf), do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). Cavalleiro atribui a crise fiscal enfrentada pelo Estado ao estrangulamento financeiro causado pela escalada do endividamento e pela multiplicação indiscriminada de benefícios fiscais.

Dados compilados pelo MPRJ indicam que entre 2010 e 2015, o governo fluminense contratou R$ 24,7 bilhões em operações de crédito. Desse total, quase um terço (R$ 7,9 bilhões) foi aplicado na implantação de novas linhas de metrô. O segundo maior volume de empréstimos – R$ 5,3 bilhões ou 21,5% das operações de crédito no período – foi destinado à amortização de dívidas.

No período analisado, a dívida consolidada saltou de R$ 59,2 bilhões para R$ 107,6 bilhões, alta de mais de 80%, impulsionada pelo aval do governo federal ao endividamento dos Estados.

A interrupção do fluxo de pagamentos à União, como resultado do RRF, tende a elevar a pressão financeira sobre as contas fluminenses, conforme indicam informações da Secretaria estadual de Fazenda compiladas pelo MPRJ. Entre 2017 e 2023, o Rio teria de desembolsar mais de R$ 8 bilhões por ano para a amortização e o pagamento de encargos da sua dívida consolidada.

“Em 2024, se não tivermos outra musculatura [financeira], não sei o que vai acontecer”, questionou Cavalleiro. “Temos de prestar atenção na receita, e não nas despesas”, argumentou o promotor. Segundo dados informados pela Fazenda estadual ao MPRJ, os benefícios fiscais concedidos pelo governo fluminense resultaram em uma renúncia de receita efetiva de R$ 73,08 bilhões entre 2007 e 2017.

Em 2017, por exemplo, já num cenário agudo de crise fiscal no Estado, a renúncia efetiva de receitas alcançou R$ 10,21 bilhões. Em documento endereçado à 3ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital, de 4 de abril, o MPRJ diz que a metodologia usada pela secretaria para contabilizar a renúncia de receita “não reflete números reais”. “A Sefaz [Secretaria de Fazenda] não tem rotina de fiscalização de benefícios.”

O Cavalleiro cita dados da Fazenda fluminense para afirmar que o total de CNPJs ativos que usufruem de benefícios fiscais concedidos pelo Estado do Rio é de aproximadamente 3 mil. Já o universo potencial de empresas que poderiam ser beneficiadas chega a 40 mil. A base restrita cria um desequilíbrio na competição entre empresas, o que estimula a sonegação de impostos entre aquelas que não contam com incentivos, além de restringir a arrecadação.

A saída, para o promotor, seria investir na modernização tecnológica da Fazenda, ampliando o combate à sonegação e verificando os valores apurados de incentivos.

Apesar do quadro desfavorável, o secretário Luiz Cláudio Rodrigues de Carvalho não vê a renegociação da dívida como solução para a crise fiscal. “Não é repactuar a dívida, não. É a União dar condições para que o Estado cresça. Fazendo concessões da infraestrutura que é federal aqui no Estado, criando condições macroeconômicas para o desenvolvimento do país”, disse Carvalho, que no, ano passado, foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo na gestão de Márcio França (PSB).

11 de abril de 2019

RELATÓRIO – LANÇAMENTO REDE INTERNACIONAL ADENAUER!

Bruno Kazuhiro, presidente Juventude Democratas Brasil

Rede permanente de 24 jovens de diferentes países que se encontrara periodicamente e debaterá os principais temas da atualidade política. A ideia é preparar e integrar os membros para o futuro.  O lançamento ocorreu na última semana, em Berlim, entre domingo e quinta-feira. Segue abaixo relatório.

Dia 1 (31/3)

Chegada dos participantes e jantar de recepção com a coordenadora da Rede, Franziska Fislage do escritório central da Fundação Konrad Adenauer

Dia 2 (01/04)

Abertura do evento com palestra do Sr. Gerhard Wahlers, secretário-geral adjunto da Fundação Adenauer.

Gerhard Wahlers, KAS Alemanha:

– Redes são fundamentais para nós. Universidade da Pensilvânia nos coloca como think tank de maior networking no mundo. Somos por exemplo a única fundação alemã na Austrália.

– Nos últimos dois meses visitei Indonésia, Bulgária e Brasil. Temos aqui um brasileiro, Bruno. Estive com membros do seu partido, o presidente da Câmara e o do Senado brasileiros, além dos ministros Guedes e Moro.

– 3 pontos me chamam a atenção atualmente: Qual o papel atual das novas mídias e notícias para a política? Como atender às demandas de uma população que atualmente quer resultados rápidos e não entende o tempo da política? É possível haver diferentes sistemas, com diferentes níveis de participação do governo, e serem todos democráticos?

– Os europeus não devem mais se surpreender ao perder a disputa contra a China no âmbito de ser o principal parceiro comercial de algum país. É irreversível. E a China investe pesado em infraestrutura em países em desenvolvimento.

– As empresas chinesas são cada vez mais fortes na Alemanha e nós queremos vender para o mercado chinês.

– A China é hoje tópico de todas as minhas conversas. O mundo mudou. Não existe mais apenas EUA e Europa.

– Um dos principais temas econômicos hoje é a inovação. Todos debatem como ser mais competitivos na inteligência artificial, na digitalização e nos novos meios de produção.

– Temos um mundo veloz, em transformação e com mudanças mais difíceis de entender do que 20 anos atrás. Para entender melhor essas mudanças em casa país é que fundamos a Rede Internacional Adenauer com jovens líderes.

– Queremos debater mídias sociais, sistemas políticos, novos rumos de cada região, globalização, digitalização, enfim, o futuro do planeta.

Palestra da especialista americana em sistemas políticos,Torey Taussig

Torey Taussig, EUA, pesquisadora:

– Governo Trump mudou a linha de política internacional não apenas pelas visões do presidente mas por focar mais nos conflitos com outros países como a China do que na ameaça terrorista.

– Mitt Romney, candidato derrotado a presidente em 2012, disse na sua campanha que a Rússia era novamente o principal oponente americanos. Riram dela e depois pararam de rir quando a Rússia anexou a Criméia.

– Temos também que atualizar nossa visão sobre outros pontos como o fato de que o número de democracias na África dobrou nos últimos 20 anos e reduzir o pessimismo existente hoje por conta de problemas com a democracia na Europa, por exemplo.

– A globalização e digitalização deixaram a economia mais rápida e muitos não se adaptaram. A desigualdade cresceu e consequentemente a indignação com os sistemas políticos. A democracia não consegue melhorar a vida de todos e isso a enfraquece. Surge contestação do modelo, ao invés da cooperação que avançou após a Guerra Fria. Os EUA, por exemplo, eram modelo e hoje são mal vistos.

– Hoje existe o autoritarismo até mesmo digital, que enfraquece o nível de informação, a liberdade na rede e a democracia.

– A possibilidade de cooperação entre EUA e China será fundamental para a paz no século XXI.

– XI Jinping tem sido uma força autoritária e de fechamento do regime chinês.

– Hoje os EUA atacam as organizações multilaterais mas foram a ONU e a UE que mantiveram a paz nos últimos 70 anos.

– Em geral a América Latina foi uma região positiva em democratização nas últimas décadas.

– Bruno Kazuhiro comenta os casos de corrupção e a Lava-Jato no Brasil. Resposta: “Brasil e México vêem a corrupção e a violência interpretando importante papel na desqualificação, pela população, da política como forma de atingir a qualidade de vida da sociedade.

– Temos hoje na Europa o maior fluxo migratório desde o final da Guerra Fria.

– Jovem de Gana comenta que a China está investindo em infraestrutua também na África. Já está deixando de haver um equilíbrio entre grandes países, passando os chineses a serem lá principais investidores.

– Jovem húngaro defende o governo atual do país e afirma que agenda de Orban não é autoritária, apenas diferente da elite mundial. Resposta: Pesquisadora responde que enquanto o poder executivo húngara atentar contra a independência do judiciário, não será só uma diferença de agenda, mas sim algo concreto.

Almoço com Norbert Lammert, presidente da Fundação Adenauer e ex-presidente do parlamento alemão.

Norbert Lammert:

– Hoje é um dia histórico (1/4). É aniversário de Bismarck. Ele foi a pessoa mais importante para a existência da Alemanha. Liderou a região por 40 anos. Já que falaremos de sistemas políticos, citemos Bismarck.

– As mudanças na Europa foram sempre criadas pela guerra durante a história. O Império Alemão só se consolidou após vencer a França em uma guerra.

– O que gerou a primeira e a segunda guerras foi a vontade de europeus de definir qual deles era o chefe ao invés de cooperar por um futuro comum.

– A primeira guerra foi o ponto que marcou o fim da dominação europeia no mundo. Deixamos de ser os protagonistas e foi necessária a segunda guerra para convencer os europeus que só seriam relevantes unidos. Daí surge a União Europeia.

– Konrad Adenauer teve papel fundamental nessa união, sendo figura de peso assim como Bismarck. Mas teve apoio de nomes como Churchill, que defendeu a reconciliação entre França e Alemanha.

– Atualmente grupos lutam contra instituições como a União Europeia, obtendo apoio de parcelas da população que se ressentem das rápidas e profundas mudanças mundiais. A Alemanha, em menor escala, sente os efeitos no surgimento da AFD.

– A situação atual não é simples. Países querem retomar uma soberania que cada vez representa menos no mundo globalizado e o passado ao qual se quer voltar não existe mais.

– Será que os europeus têm direito hoje de dizer que a China precisa ter um sistema de governo semelhante ao nosso? Temos menos de 7% da população mundial.

– Não somos mais o coração do mundo. A Itália deixou de ser uma das economias top. França e Reino Unido irão deixar também. A Alemanha está buscando se manter.
Nesse cenário a União Europeia faz todo sentido. Só faremos diferença juntos, mas alguns querem voltar ao século XIX.

– Bruno Kazuhiro pergunta qual a maior prioridade hoje da política externa da União Europeia como um todo. Resposta: Temos uma união de estados e não um estado só. Os estados querem manter sua soberania formal e a Comissão Europeia, que deveria ser um governo europeu, hoje é uma negociadora de interesses de 28 membros levando em conta seus interesses claros e também os secretos, tentando gerar consensos. A verdade é que não há uma prioridade clara. A prioridade deveria ser antes de tudo construir metas comuns.

– Vale citar que o sistema político não avança sem progresso econômico e social. É preciso uma combinação mas você não transporta uma história de sucesso de um país para o outro. Muitos dizem que irão copiar regras do sistema alemão. Normalmente respondo que cada país deve construir as suas soluções a partir da sua história.

– O cristianismo venceu o histórico desafio de professar sua religião sem radicalismo. Infelizmente essa ainda não é a verdade para todas as demais religiões.

– Uma fundação política não pode ser poderosa. Poderoso é o partido. A fundação deve ser influente e deve ter contato direto com o público. Não debatemos estratégias de campanha, isso é papel do partido. Debatemos valores e propostas.

– Pela primeira vez na história da Europa todos os seus países têm governos eleitos democraticamente e nenhuma guerra externa ou interna. Um momento privilegiado. Mas faltam consensos sobre qual caminhos a seguir a partir de agora.

Visita guiada ao Museu Alemão da Espionagem

– Trata-se de Museu 90% digital, com 2 anos de funcionamento.

– Há espiões desde antes de Cristo e sempre com três características: identidade secreta, busca de informação e trabalho a serviço de um contratante.

– No século XVI o Reino Unido funda o primeiro Serviço Secreto oficial.

– Museu mostra equipamentos usados para espionagem e tem uma das máquinas originais do Enigma, usado pelos nazistas para criptografar informações. Contam como Alan Turing decifrou o Enigma, história contada no filme O Jogo da Imitação.

Palestra de Jens Lehmann, deputado da CDU e ex-ciclista medalhista olímpico, sobre esporte e política

– A Alemanha tem escolas esportivas que recebem talentos e formam as crianças no ensino médio e no treinamento de alto rendimento no esporte específico de cada um ao mesmo tempo.

– O esporte é meritocrático e há uma busca de talentos no país.

– O jovem quer ser um grande esportista por prazer e também para ter uma vida melhor.

– Hoje como deputado debato o incentivo e as políticas sobre o esporte. Me reúno com federações e busco ajudar que as seleções alemães sejam competitivas.

– Queremos criar um museu dos esportes em Leipzig. Seria o segundo pois já existe um em Colônia.

– Sou da antiga Alemanha Oriental e nunca fui contactado pela polícia secreta. Mas sei que havia um dossiê sobre mim nos arquivos que descobri anos depois. Eles registravam todas as minhas viagens ao exterior.

– Eu digo sempre aos jovens que o esporte tem sua função social, de ascenção, mas deve ser feito com motivação, com prazer, e não só para tentar ser um milionário.

– Perguntei como os alemães vêem um político que foi esportista. Resposta: Eu luto contra o preconceito de ser um ex-esportista na política. Ele existe. Faço questão de participar de comissões sobre outros temas. Não fui eleito pelo clube que defendi como ciclista ou pelos seus torcedores, mas admito que a popularidade me ajudou. Cito outros temas em minha campanha, minhas medalhas ficam em casa e meu interesse é ser um político produtivo. Enfrenta o ceticismo e fui eleito 3 vezes por fazer um bom trabalho.

Dia 3 (02/04)

Dinâmicas de integração do grupo de participantes e análise de cenário político mundial

– Consultoria PlanPolitik realiza workshops simulando situações selecionadas pela instituição ou empresa. A convite da Adenauer trabalhou com os participantes a tentativa de prever o cenário político de 2019 até 2030.

– O foco é sempre o planejamento estratégico, com planos de contingência e diferentes possibilidades a partir de premissas concretas. As discussões são organizadas com cenários de crise e recomendação de soluções e alternativas.

– Os participantes são divididos em 3 grupos, cada um debaterá um cenário alternativo: democracia liberal como sistema dominante, democracia liberal e autoritarismo convivendo e competindo e autoritarismo como sistema dominante.

– Em cada cenário se analisa quais são as premissas básicas que fazem chegar a ele, as forças determinantes para tal. No cenário positivo se busca sugestões de como incentivar que ocorra. No negativo sugestões de como impedir que ocorra.

– Se desenha primeiro o objetivo final e depois o caminho, levando em conta fatores como sociedade, tecnologia, meio ambiente, política e economia.

– As premissas precisam ser definidas a partir de perguntas claras: Como estará a distribuição de poder militar do mundo? Como estará a distribuição de poder econômico? O mundo será unipolar, bipolar, tripolar ou multipolar?

– Cada grupo ao final apresenta os cenários, como eles se constituíram e sugestões para acelerar ou evitar.

Jantar com painel de debates sobre partidos tradicionais x movimentos sociais

Isabelle Negrier, República em Marcha (Macron), núcleo Alemanha

– REM tem núcleos em outros países além da França.

– Sempre gostei de política mas fui dona de casa e mãe de 3 filhos, embora sempre debatendo política. Os partidos tradicionais não abririam portas para mim tão tarde. Mas o En Marche abriu e com as ideias inspiradoras de Macron.

– Creio que o povo francês também busca novos políticos que possam oferecer integridade e identificação. No passado havia uma tolerância com os casos de corrupção ou tráfico de influência e hoje mudou. E também há uma vontade de cada um de ver gente como si mesmo no parlamento.

– Temos que perguntar às pessoas o que elas desejam. Diretamente. Ouvir mesmo que não vá fazer ou não possa fazer o que elas querem. Não podemos “dormir depois de vencer”.

– A França está centralizada demais e com pouco poder local. Isso não é bom. Temos muito o que mudar.

– Partido ou movimento não é a questão. Movimento é mais flexível e reage melhor à velocidade das mudanças atualmente. E atualmente discute mais com as pessoas, se aproxima. Mas REM hoje se tornou um partido. Pois só um partido pode atuar em algo concreto. Contudo, mantemos a ideia de que esquerda x direita acabou. Cada partido precisa mudar.

– Nosso partido tem hoje militantes em 16 países. Núcleos fora da França que pretendem disputar eleições no futuro.

Coordenadora do evento, Franziska Fislage pergunta: Macron perguntou às pessoas o que fazer depois da vitória? R: No início errou e não fez isso. Agora está fazendo.

Perguntei : A falta de experiência e de conteúdo parece ser louvada pelo movimento como algo que representa novidade e identidade com o povo, mas não seria isso um problema na hora de gerir o país e fazer leis? R: REM está fazendo cursos para os que foram eleitos e formando mais os novos parlamentares. Mas temos sim a preocupação de que alguns parlamentares defendam apenas os interesses de sua categoria. Dizemos a eles que não se trata de um sindicato, mas sim do interesse público.

Pergunta do coordenador da Fundação Adenauer na África, presente no debate: Como funciona o sistema político com movimentos que não tem posições claras? Na hora de governar, o que será feito? R: Socialismo, liberalismo, são posições do século XIX. O povo quer soluções. Vamos criar um novo meio de fazer política que trabalha diariamente e que aceita abrir espaço se surgir alguém melhor e mais preparado ao invés de se agarrar ao poder.

Julie Hamann, Conselho Alemão de Relações Exteriores

– A população crê atualmente que diferentes governos de diferentes partidos não mudaram nada nas últimas décadas. Algo novo seria uma boa alternativa.

– Partidos tradicionais não representam as pessoas hoje em dia na sua opinião. Naturalmente isso abre portas para novos movimentos.

– Os movimentos se apresentam como uma possibilidade de participação real e influência nos rumos.

– Os coletes amarelos ficaram tão fortes na França talvez pela frustração das pessoas com a não realização de uma nova política por Macron. Ele não cumpriu essa promessa totalmente. No parlamento francês muitos eleitos pelo REM nunca fizeram política na vida mas quem manda no parlamento são os políticos experientes. A população passa a pensar que tudo se repete.

– É natural que políticos inexperientes demorem para construir algo concreto mas após vencer dizendo que fará diferente e ouvirá as pessoas, o que o parlamentar faz com o poder na prática? O que se faz agora, após vencer?

– Partidos e movimentos são coisas distintas em países diferentes. Na Alemanha o sistema é estável e creio que movimentos não venceriam eleições. De toda forma os partidos em outros países devem perceber o cenário fluido. No futuro um partido de um país pode não ter mais um partido correspondente em outro país como atualmente nas famílias políticas.

– A força dos movimentos é na verdade relembrar o sentido original dos partidos. Afinal, os partidos a nível local deveriam estar em contato com as pessoas, certo?

Volker Ullrich, deputado federal alemão da CSU, Baviera

– Alguns tratam os movimentos e os novos partidos crescendo como um fenomeno novo. Mas tivemos partidos semelhantes e movimentos semelhantes surgindo na Alemanha e em outros países nas últimas décadas. Contudo, nunca duraram muito tempo.

– Creio que atualmente a chance de se manterem existindo é a soma da crise migratória com a crise identitária.

– Na França o surgimento de um candidato a presidente lançado por um movimento e que vence as eleições só ocorre pelo sistema francês permitir o voto direto para presidente. Na Alemanha o sistema político e eleitoral parlamentarista protege contra isso.

– No primeiro turno, a vitória de Macron foi por margem muito apertada. E qualquer um venceria o segundo turno contra Marine Le Pen.

– Não foi apenas falta de representação pelos partidos tradicionais. Foi também uma falha do sistema político.

– Não temos que dar conselhos à França, até por questões históricas. Não nos cabe essa posição de ensinar. Apenas penso que o presidente Hollande cometeu erros no passado ao mudar as regras da representação local e regional. Mudou a forma de fazer política e de como as pessoas veem a política.

– 10 anos atrás ninguém diria que Merkel ficaria no poder 16 anos e que Trump seria presidente. É muito difícil então prever os próximos 10 anos. Mas espero que tenhamos uma UE coesa e unida e que tenha vencido o populismo e descentralizado o poder.

– Se formos pela linha da democracia direta, tudo será resumido a perguntas de sim ou não. Vejam o que o sim ou não fez com o Reino Unido no Brexit.

Dia 4 (03/04)

Continuação da dinâmica de grupo e debates sobre cenários com aprofundamento das discussões e apresentação de conclusões.

Debate de Feedback

– Feedback com debate sobre o que pode ser melhorado, quais partes do programa foram positivas ou negativas, recomendações para o próximo evento.

– Próximo encontro dos participantes da rede será em outubro ou novembro. Local será definido a partir do tema escolhido. Temas possíveis: avanço do populismo; política em tempos de novas mídias; inovação, digitalização e inteligência artificial ou modernização dos partidos políticos.

Visita guiada ao antigo aeroporto Tempelhof

– Aeroporto serviu aos americanos durante a Guerra Fria para vôos comerciais e chegada de suprimentos, fica em Berlim Ocidental. Hoje está desativado.

– Área tinha base da Força Aérea americana e hoje se sabe que na base haviam instalações da CIA que operavam escutas telefônicas e de rádio.

– Aeroporto hoje recebe eventos e pista se tornou parque.

Dia 5 (04/04)

Saída dos participantes ao longo do dia. Muitos voltaram a se reunir para debates no café da manhã e almoço.

10 de abril de 2019

NA AMÉRICA LATINA, O BRASIL É ONDE O PODER EXECUTIVO MAIS DOMINA O LEGISLATIVO NO PROCESSO ORÇAMENTÁRIO!

(Marcus André Melo – Folha de S.Paulo, 08) No Brasil, o Poder Executivo domina o Legislativo no processo orçamentário. Mas isso também acontece no Reino Unido ou França. O papel preponderante do Executivo reflete o padrão geral das relações Executivo–Legislativo.

Na América Latina, o Brasil ostenta o escore mais elevado (0.91) no índice de “poder orçamentário” do Poder Executivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento. O Chile (0.73) é o país que chega mais perto do Brasil, mas Argentina (0.45), Colômbia e Uruguai (0.64) e México (0.36) têm escores bem mais baixos.

O índice é calculado com base em fatores que garantem preponderância ao Executivo, como iniciativa exclusiva de matéria orçamentária, veto parcial, limites ao emendamento, discricionariedade na execução orçamentária, dentre outros.

Esse arranjo institucional foi escolhido pelos constituintes em 1988. Representa delegação mais que usurpação de poder: é forma eficiente de resolver problemas de ação coletiva conhecidos na literatura como a “tragédia dos comuns fiscal”.

Os parlamentares têm incentivos para elevar o gasto concentrando-o nos distritos em que são eleitos, mas não arcam com os custos políticos de desequilíbrios orçamentários (ou de suas formas de resolução: inflação, recessão, crise cambial), os quais os eleitores atribuem ao presidente, o único ator que os internaliza (partidos políticos robustos também o fariam). Essa assimetria de incentivos produz a tragédia fiscal.

Essa delegação adquire caráter extremo nos países que adotam o modelo de Westminster (parlamentarismo e regra eleitoral majoritária). Neles as emendas ao Orçamento são proibidas. Austrália, França, Reino Unido, Irlanda e Chile têm escores extremamente baixos (cerca de 20, em uma escala de 1 a 100) no índice de poder orçamentário do Legislativo (uma espécie de inverso do índice anterior), elaborado pelo cientista político Joachim Wehner (LSE).

O Brasil não consta do índice, mas estaria próximo do cluster desses países. O caso polar que contrasta radicalmente é o dos Estados Unidos (escore 88, quatro vezes o do grupo): o Congresso pode alterar tudo, inclusive o valor total do Orçamento, que é impositivo. Suécia e Holanda estão também nesse grupo de países onde o poder orçamentário do Executivo é fraco.

Não há assim uma régua única para aferir quão democrático é o Orçamento porque outros fatores entram em jogo, conformando “equilíbrios institucionais globais”, decorrentes de outras características do sistema político. No nosso caso, o arranjo consolidado em meados dos 90 produziu equilíbrio fiscal por mais de uma década. Alteração do equilíbrio local sem mudança global pode ser o pior dos mundos.

09 de abril de 2019

ENFRENTANDO A IMOBILIDADE URBANA!

(Mauricio Costa Romao, PHD – Illinois University) Todas as grandes cidades do mundo têm experimentado nas últimas décadas expressivo crescimento populacional e desenvolvimento urbano. Algumas delas se expandiram tanto que se metropolizaram, integrando populações e áreas urbanas circunvizinhas num intenso processo de conurbação.

Não sem razão que a maioria dessas cidades perpassa crises de mobilidade urbana, em particular, devidas aos imensos congestionamentos de veículos automotivos nos seus espaços viários.

No Brasil a situação é agravada por conta da desoneração fiscal na produção de veículos, criando mais pressão sobre o uso do espaço urbano, relativamente invariante.

Só em 2018 foram produzidos no país 2 milhões e 881 mil veículos (os carros representam 95%) e exportados somente 629 mil. O saldo foi adicionado à frota existente. Mais: a expectativa do mercado é de que a produção automotiva brasileira cresça 11,3% em 2019.

A frota do Recife, por exemplo, é de 687 mil veículos, à qual tem que se adicionar parte da frota dos outros municípios da RMR que se desloca diariamente para a capital e retorna para seus redutos de origem. Considerando apenas uma fração dos veículos vindos de Jaboatão, Olinda e Paulista – a quantidade de veículos circulando nas ruas do Recife ultrapassa um milhão de unidades.

Em cálculos aproximados, dos 102 mil novos veículos chegados a Pernambuco no ano passado, não menos que 30 mil estão circulando na malha viária da capital (talvez mais 35 mil até o final de 2019).

Há consenso entre os especialistas de que a busca de mobilidade urbana sustentável passa por uma mudança de cultura, onde o transporte coletivo tem prioridade sobre a locomoção individual motorizada.

Cientes dessa filosofia, mas impossibilitadas de melhorar os modais alternativos de transporte, as administrações municipais recorrem às clássicas soluções de gestão de congestionamentos, através de intervenções tópicas de engenharia de tráfego no fluxo do trânsito (sincronização de semáforos, mudança de sentido de ruas, desvios de tráfego, proibição de estacionamento, etc.).

Como é sabido e sentido pelos cidadãos no seu cotidiano, essas intervenções mitigadoras apenas aliviam a fluidez de determinados gargalos de tráfego, não constituindo soluções duradouras para os congestionamentos recorrentes.

A gravidade do problema requer mudança de paradigma. A instituição de pedágio urbano, por exemplo, passa a ser uma opção à ortodoxia da engenharia viária.

Com efeito, a solução de longo prazo para a mobilidade urbana já é conhecida: dar absoluta prioridade aos modais sustentáveis, transporte público, bicicleta e andar a pé. Isso implica em desincentivar o uso de automóvel como modal preferencial.

O pedágio urbano (“congestion charging”, “urban toll” ou “congestion pricing”) é uma maneira de promover esse desestímulo. O mecanismo consiste em cobrar uma tarifa aos condutores de veículos que circulem em determinadas áreas da cidade (semelhante ao modelo de cobrança de pedágio nas rodovias concessionadas). Em geral, os veículos coletivos ficam isentos de pagamento.

A idéia por trás da instituição da tarifa é a de que a imobilidade urbana é causada em larga escala pelo maior demandante do espaço viário e maior gerador de tráfego: o transporte motorizado individual.  Seu uso desenfreado acarreta prejuízos materiais, sociais, ambientais e de saúde, e são injustamente socializados. Portanto, esse transporte tem que ser parte da solução do problema.

É uma questão de desequilíbrio entre oferta limitada do espaço viário e excesso de demanda pelo seu uso, protagonizado pelo automóvel. O preço (a tarifa do pedágio) vai ajudar a desestimular a demanda.

O pedágio urbano, além de reduzir a quantidade de automóveis circulando na malha viária, tem uma vantagem adicional: gera receitas para serem aplicadas em sustentabilidade urbana, particularmente, em transportes coletivos. Daí existir entre os especialistas visível preferência por essa modalidade vis-à-vis o rodízio de automóveis.

O rodízio (adotado em São Paulo e em outras grandes cidades como, México, Santiago, Bogotá, Quito, Pequim, Atenas, etc.) busca reduzir o congestionamento mediante restrições à circulação de automóveis (relação entre dias da semana e finais das placas) em certos horários do dia, mas não gera recursos para o ente público, nem tampouco induz a mudanças de cultura ou de hábitos.

O modelo de pedágio urbano é antigo: foi implantado pela primeira vez em 1975, em Cingapura. São várias as cidades, entre grandes, médias e até pequenas, que têm adotado o pedágio urbano depois do exemplo exitoso de Cingapura: Londres, Estocolmo, Milão, Durham, Oslo, Bergen, etc., mas só recentemente é que Buenos Aires se tornou a primeira cidade da América Latina a implantar a modalidade.

Desde 15 de maio de 2018, Buenos Aires adotou o pedágio urbano, abrangendo 70 quadras, numa área de 2 km2. O entorno pedagiado é vigiado por 80 câmaras com período de restrição de 11:00h as 16:00h, de segunda a sexta-feira. São esperados 35 mil veículos a menos na zona demarcada, metade do volume que circulava antes.

Devido à aceitação popular da experiência, o governo da cidade portenha decidiu estender o perímetro pedagiado de 70 para 142 quadras, a partir de outubro de 2019, além de alargar o horário de circulação paga, passando de 9:00h as 18:00h.

As cidades que adotaram o pedágio urbano têm usado diferentes modelagens no sistema quanto (a) às tecnologias empregadas; (b) à abrangência da área pedagiada; (c) ao destino dos recursos arrecadados com as tarifas; (d) aos tipos de veículos sujeitos à cobrança, etc.

Mas o objetivo comum a ser alcançado é sempre o mesmo: diminuir os congestionamentos recorrentes, desacelerar o agravamento da situação ambiental e arrecadar recursos para destinação em transportes de massa, em síntese, buscar a sustentabilidade urbana.

Outro traço comum é o de que o pedágio urbano sempre gerou imensa controvérsia onde foi implantado, o que o torna um desincentivo para os políticos adotá-lo.  As críticas em geral são: (1) o tráfego desordenado é um problema do governo, não do cidadão; (2) o sistema é injusto, pois penaliza mais os usuários de menor renda; (3) há violação do direito de ir e vir do cidadão; (4) trata-se, na verdade, de um novo imposto; (5) não há garantia de que os recursos arrecadados canalizem-se para sustentabilidade urbana, etc.

Entretanto, há inúmeras constatações de que a aceitação pública aumenta sobremaneira à medida que o sistema se vai consolidando e a coletividade vai sentindo seus benefícios. Diz-se até que o maior aliado do pedágio urbano é a sua própria existência.

Tanto assim é que um prefeito de Londres, Ken Livingstone, em 2004, não obstante tremenda resistência de pequenos empresários do centro da cidade, teve como principal bandeira de campanha à sua reeleição expandir a zona demarcada da cidade e aumentar o valor do pedágio. Foi reeleito para um segundo mandato.

Desnecessário dizer que cidades como Londres e outras onde o pedágio urbano foi implantado, têm realidades socioeconômicas e urbanas diferentes de cidades como a do Recife, por exemplo. Ainda assim, vale à pena testar esse modelo alternativo de gestão de demanda para melhorar o trânsito e minimizar os congestionamentos da capital pernambucana, pari passu com continuados incentivos ao uso dos modais sustentáveis de transporte.

O enfrentamento do problema requer medida disruptiva. A mudança de paradigma começa pela taxação do carro particular.

08 de abril de 2019

VIVA O POVO BRASILEIRO!

(Luiz Werneck Vianna – Estado de S.Paulo, 07) Em memória de João Ubaldo Ribeiro

Sob cerrada pancadaria o governo Bolsonaro se lança com as velas pandas em alto-mar em busca do Santo Graal, antes perseguido sem êxito por alguns, sempre na crença de que deslocar o leito da nossa História do seu curso de 500 anos é matéria afeta apenas a uma acendrada vontade política que não recue diante de circunstâncias adversas. Trata-se, sob o governo de Bolsonaro, de um plano de guerra sem quartel com a intenção de remover obstáculos à sua imposição, sejam políticos, econômicos ou culturais. Tais obstáculos estariam dispostos em camadas, acumulados ao longo de gerações, e se antes funcionais como a ação indutora da economia pela política, estariam agora travando o desenvolvimento do capitalismo, cujas forças de mercado estariam a exigir plena liberdade de movimentação. A declaração do ministro da Economia, sr. Paulo Guedes, nesse encontro de Washington, ao identificar no condestável do regime, Olavo de Carvalho, o chefe de uma revolução que estaria em curso não poderia ser mais esclarecedora.

Para o condestável do governo Bolsonaro, as bêtes noires a serem removidas para o sucesso da revolução em marcha seriam as vetustas corporações que conformaram o corpo e a alma da História do País, a saber, os militares, os juízes, o corpo diplomático do Itamaraty e a instituição da Igreja Católica; cada qual teria repassado em boa medida seus valores a um fundo que teria como que constituído o cerne da nacionalidade, em comum a todos eles, embora com pesos variados, a distância dos valores capitalistas. O diagnóstico não é original, pois vem rondando a tópica do pensamento social brasileiro, ao menos, talvez, de Tavares Bastos, um americanista e feroz anti-ibérico de notável talento, que defendia, entre outros temas, a erradicação do catolicismo em favor da doutrinação protestante, segundo ele, mais propícia a uma cultura de liberdades e de um regime de livre-iniciativa. Notar que Tavares Bastos, cultor da obra de Tocqueville, era como ele um cultor da liberdade e jamais, em sua curta e prolífica vida, se associou a projetos autoritários em defesa de suas posições doutrinárias.

Como se sabe, o seu grande antagonista na publicística brasileira foi Oliveira Vianna, um cultor da obra do visconde de Uruguai, discípulo do estadista Guizot, especialista em Direito Administrativo e ministro de Estado sob o regime da Restauração na França, das primeiras décadas do século 19. Nas pegadas de Guizot e do visconde de Uruguai, Oliveira Vianna mobilizou sua crítica ao regime da Primeira República em torno de dois grandes eixos: a crítica da descentralização – tema maior de Tavares Bastos, que lhe dedicou seu importante ensaio A Província – e do idealismo constitucional na forma em que foi arquitetada a primeira Constituição republicana, em 1891, sob a inspiração de Ruy Barbosa.

A Revolução de 30 atestaria o fracasso da experiência constitucional anterior, com o retorno às políticas de centralização administrativa, herdadas do Império, e a partir dela o Estado passa a exercer de modelagem da sociedade civil por meio não só da legislação, como de práticas administrativas. A modernização do País torna-se o eixo orientador das ações estatais; os militares fornecem quadros qualificados e de suas lideranças são selecionados muitos dirigentes das empresas estatais que então são criadas para o esforço da industrialização, são recrutados do seu meio; não se pode falar da Petrobrás, talvez a mais estratégica das estatais, sem o papel decisivo da corporação militar na sua criação. No desbravamento do hinterland, com que se começou a incorporação do oeste ao processo de modernização capitalista, somente concluído no recente regime militar com as estradas que abriram os sertões à ocupação do que viria a se tornar o agronegócio e a pecuária de hoje, essas foram obras que contaram com sua participação, inclusive na política de colonização levada a efeito naquela região, conforme registra a bibliografia especializada.

Tal história de construção do capitalismo brasileiro, que conheceu momentos épicos, como, entre outros, as jornadas do marechal Rondon sertão adentro e a construção de Brasília, não conheceu Henry Ford e Nelson Rockefeller, que aqui não encontrariam território fácil para prosperarem. Nossos heróis empreendedores não vieram do mercado, salvo honrosas exceções, mas de agentes do Estado, como sanitaristas, engenheiros e militares, não se podendo omitir os cientistas e técnicos que criaram a Embraer e a Embrapa. Nesse sentido, é quase assustador que nosso ministro da Economia, que jamais produziu um prego, ouça sem protestar declarações inóspitas à rica História do País de um ideólogo capaz de subir nas tamancas e chamar de idiota um general do Exército Brasileiro, aliás, atual vice-presidente da República.

Outra peça forte de sustentação da tradição brasileira é a sua magistratura, cuja história está bem descrita pelo historiador José Murilo de Carvalho em Construção da Ordem. A Regência, com sua política de descentralização, tinha exposto o País a rebeliões que ameaçavam a unidade territorial, objetivo estratégico do Estado imperial, que tinha braços curtos, na caracterização do visconde de Uruguai, sem ter meios de alcançar os longínquos rincões, confiados aos poderosos locais, que ignoravam as políticas e as leis do poder central, favorecendo a emergência do caudilhismo como na América hispânica, perigo maior a ser evitado. O remédio heroico para esses males foi a criação de uma magistratura de Estado, desvinculada dos poderes locais, que agora passariam a conhecer o braço longo do Estado.

O enraizamento do Judiciário aprofundou-se na vida social com a modernização que nos trouxeram, depois da Revolução de 30, a Justiça do Trabalho e a Justiça Eleitoral, ambas hoje inerradicáveis, pelas nossas circunstâncias, do nosso tecido institucional.

Por fim a Igreja Católica, mas essa tem 2 mil anos, é uma pedra que não se remove. E não cabe do bico do ideólogo.

A Nossos heróis empreendedores não vieram do mercado, salvo honrosas exceções.

05 de abril de 2019

CAPITAL POLÍTICO!

(Elinor Brito) 1. O Presidente da Câmara está cada vez mais se cacifando e acumulando capital político. Sua posição sobre a questão previdenciária — nem tanto 100% modelo de capitalização proposto pelo Ministro Paulo Guedes, nem tanto 100% modelo atual da Constituição de 1988 — vai aglutinar e fazer a diferença entre o “novo” e “velho”, no tabuleiro de xadrez da política brasileira.

2. Caso Michel Foucault estivesse na sua assessoria política direta, em Brasília, certamente lhe recomendaria: Rodrigo, siga firme em frente, pois “onde há poder ele se exerce; ninguém é propriamente falando o seu titular; entretanto ele é sempre exercido com uns de um lado e outros do outro; não se sabe ao certo quem o detém, mas se sabe ao certo quem não o possui”… Assim, “o novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta”, acrescentaria Foucault.

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ELES NÃO ENVELHECERÃO! 

Direção de Peter Jackson, com pesquisadores e restauradores.

Documentário inglês do “cotidiano” da Primeira Guerra Mundial, da euforia do alistamento, ao processo de deslocamento, ao campo de batalha, as batalhas de trincheiras, de campo aberto, a chacina, dilaceração dos corpos, ao término dos combates com os prisioneiros alemães e a convivência até o retorno em que os sobreviventes sentem que não eram importantes e que a ninguém interessava as histórias e os heróis e, finalmente, ao desemprego. Morreram 1 milhão de britânicos e do império. Um documentário que leva a total rejeição à Guerra e suas atrocidades.

Sugiro assistir de dia, porque à noite não se conseguirá dormir.

04 de abril de 2019

REDESCOBRINDO O CENTRO!

(Monica de Bolle – Estado de S.Paulo, 03) Já sabemos que o centro político implodiu não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. Mesmo nos sistemas majoritariamente ou completamente bipartidários, como o Reino Unido e os EUA, partidos estão fragmentados pois as rupturas internas têm levado pedaços aos extremos. O caso mais eloquente é o do Reino Unido, onde não há consenso sobre o que quer que seja, enquanto todos observam atônitos a incansável novela do Brexit. A falta de centro no espectro político resulta, em parte, da destruição das regras de transitividade que sustentam qualquer reflexão racional: se eu prefiro a opção A à opção B e a opção B à opção C, então deveria preferir a opção A à opção C. Contudo, hoje, a transitividade já não vale. Quem prefere A à B e B à C prefere C à A. Quando isso acontece, não há possibilidade de encontrar formas de resgatar a racionalidade sobre qual se apoia o centro político.

Algo semelhante está acontecendo na economia: se a preferência é pelo Estado mínimo em vez do Estado que regula os mercados e se circunscreve a ser forte na área social e pelo Estado que regula os mercados e se circunscreve a ser forte na área social ao Estado desenvolvimentista, então dever-se-ia preferir o Estado mínimo ao desenvolvimentista. Mas, não é isso o que querem os brasileiros, como revelam as discussões sobre as reformas necessárias para o País. Paulo Guedes pode gostar de Estado mínimo mais do que qualquer outra coisa, mas o eleitorado que elegeu Bolsonaro está se lixando para essa discussão. O eleitorado que elegeu Bolsonaro quer ver redução dos 13,1 milhões de desempregados, quer pagar menos impostos, quer ter acesso a serviços públicos de alta qualidade, quer segurança, para não falar de vastidão de outros desejos que necessitam da participação ativa do Estado. Qual é, portanto, o centro de gravidade econômico que tem sido ignorado em prol da discussão sobre a reforma da Previdência – necessária, porém longe de ser bala de prata para quem é minimamente honesto sobre os problemas do Brasil?

Penso ser assim: não há dúvida de que o Estado tem tido papel oneroso para o investimento privado. Gastos mal geridos e dívida em ascensão pressionam a taxa de juros e reduzem o espaço para empreendedores. Para resolver isso, é preciso avaliar como se gasta – o Banco Mundial já tem extensa documentação sobre isso – e racionalizar as despesas, incluindo por uma reforma da Previdência sensata, que garanta equilíbrio com justiça social. É preciso também remover o Estado de certas atividades inclusive por meio de privatizações. Dar mais espaço para a atuação dos mercados fortalecendo o arsenal regulatório pois os

mercados não são perfeitos deveria ser um dos focos da discussão. Não chegaríamos ao Estado mínimo, ideia ultrapassada, mas a um Estado mais enxuto e moderno, que não obstruísse a capacidade de investimento do mercado. Já na área social, não podemos prescindir de um Estado forte e bem equipado para lidar com as inúmeras desigualdades brasileiras. Precisamos de um Estado que garanta igualdade de oportunidades na educação e na saúde, que seja provedor de saneamento básico, que esteja preparado para enfrentar injustiças perenes como o racismo nas mais diversas esferas da vida pública e a disparidade de gêneros amplamente documentada – no Brasil e no mundo.

A concepção econômica do centro passa pelo reconhecimento de que o Estado como indutor do crescimento, como

Não chegaríamos ao Estado mínimo, ideia ultrapassada, mas a um Estado mais enxuto e moderno

propulsor de políticas industriais, leva a resultados que podem ser ou subótimos ou absolutamente desastrosos, como vimos na era Dilma. Contudo, passa também pela percepção de que o mercado, por si, jamais foi instrumento para reduzir desigualdades, prover bens públicos, ou atuar para reduzir injustiças sociais que jamais foram adequadamente enfrentadas ao longo de décadas. Em resumo, o Estado deve ter mecanismos de monitoramento dos gastos para mantê-los eficazes e compatíveis com a estabilidade dos preços e os juros necessários para alcançá-la, precisa devolver atividades ao mercado e regulá-las adequadamente, e ser forte e atuante na área social. Deixando de lado a balbúrdia que tende a levar o debate para a troca de acusações, tal concepção do centro econômico nada tem de “direita” ou de “esquerda”, mas simplesmente parte de uma observação sobre o que é o Brasil e do que o País necessita.

Se todos estivéssemos pensando assim, talvez chegássemos à conclusão de que antes de sermos comunistas, esquerdopatas, de extrema-direita, ou bolsonaristas, somos pessoas que buscam desesperadamente o centro da discussão. Fica o apelo para que pessoas que compreendem essa necessidade unamse para o bem do País.