06 de janeiro de 2020

‘FALTA UM CÓDIGO DE CONDUTA PARA AS REDES’!

(O Estado de S. Paulo, 04) Em 2018 e 2019 a discussão sobre o uso da internet e as redes sociais se popularizou. Disparos em massa pelo WhatsApp, disseminação de fake news e o uso de dados pessoais por empresas de tecnologia estão na pauta e, pelo visto, não devem sair tão cedo. Estudioso do assunto, Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab – centro de pesquisa em direito e tecnologia –, conversou com a coluna sobre as perspectivas dessas questões em 2020. A seguir, trechos da entrevista.

Acredita que no ano que vem as pessoas vão ter mais consciência sobre o uso de seus dados pelas empresas de tecnologia?

Sim. No campo do uso de dados pessoais 2020 será um ano superimportante, porque começa a entrar em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Essa lei foi discutida durante longo tempo, teve consulta pública e a colaboração de uma comunidade de especialistas. Quando temos um momento como esse, no qual uma grande lei vai impactar todo mundo, existe também um salto de consciência da importância desses direitos, da cultura da privacidade.

Como vê o cenário atual?

Estamos vivendo a transição da privacidade como ideia do direito de estar só, de não ser perturbado, para uma noção de privacidade que é o controle de suas informações. Como elas estão circulando por aí. Daqui por diante, isso vai ser ainda mais dinâmico.

A ideia da liberdade de expressão é muito usada pelas empresas para justificar o livre conteúdo. O que pensa a respeito?

O uso que faz uma empresa sobre a liberdade de expressão não é vazio. Porque o modelo de negócio dessas empresas é muito diferente, é um modelo que anda entrelaçado com a liberdade de expressão. Mesmo assim, muitas empresas já retiram milhares de conteúdos por dia. A discussão é: como os termos de uso conseguem ser aplicados de maneira transparente e com respeito aos direitos do usuário.

Tem algum exemplo de medidas que as empresas estão tomando nesse sentido?

O Facebook anuncia que vai criar uma espécie de “suprema corte” para atuar nos casos difíceis. Trata-se, ao que parece, de um coletivo de juristas, jornalistas e outros profissionais que vão analisar o conteúdo, o contexto local, o timing e tomar uma decisão de um jeito coerente. Estamos caminhando para maior transparência, mas ela não virá sem uma pressão decidida da sociedade.

Precisa existir regulação de conteúdo? Em caso positivo, qual é o critério?

Precisa ter regulação, mas também se deve tomar cuidado porque, se todo mundo que ficar ofendido com qualquer conteúdo conseguir retirá-lo de circulação, dá para imaginar? Em 2020 será julgado o caso da constitucionalidade desse modelo, que foi construído com muita participação. Fraturar esse modelo, achando que se está resolvendo um problema das fake news e dos discursos de ódio, pode levar a criar um ainda maior – em um momento no qual a manifestação é muito importante e em que ameaças a ela não vão faltar.

Como vê o uso das redes sociais pelos políticos no Brasil?

Antes os políticos eram performers de TV. Agora, são performers de rede social. Acho que talvez seja necessário pensar um código de conduta para servidores públicos no uso das redes, por exemplo. Isso não é uma discussão para as empresas de tecnologia, quem tem de fazê-la é a sociedade brasileira. Um assessor de parlamentar pode ter um perfil falso e controlar esse perfil durante o horário de trabalho? Ele tem alguma diligência? Não são questões fáceis, mas é uma discussão importante de trilhar, que vale para quem é de direita ou esquerda. Regulamos a comunicação pública na TV e no rádio. Existem padrões éticos, licitações e práticas institucionais que modulam o assunto. No caso das redes sociais ainda não temos. É preciso rever isso.