11 de julho de 2022

O CÍRCULO VICIOSO LATINO-AMERICANO!

(O Estado de S. Paulo, 08) O grupo The Economist produziu um dossiê sobre a América Latina. O tema rendeu uma matéria de capa na revista. O título não poderia ser mais eloquente: Como as democracias declinam – Estagnação econômica, frustração popular e polarização política estão reforçando umas às outras.

Há não muito tempo o futuro era promissor. O superciclo das commodities possibilitou novos programas sociais. A redução da desigualdade reforçava a redemocratização. Mas os governantes não empenharam seu capital político em modernizações estruturais (políticas, tributárias, administrativas) e desperdiçaram o capital físico que deveria ser investido nas engrenagens de um crescimento sustentável, como infraestrutura, educação, produtividade e diversificação econômica.

Se aquele círculo virtuoso era frágil, o atual círculo vicioso é forte. Uma década de estagnação acentuou a frustração, especialmente entre os jovens, com a falta de oportunidades. A ira popular se voltou não só contra os incumbentes políticos, mas contra a política. A esperança em salvacionistas autoritários cresce. Mas, além de serem tão ou mais ineficientes que seus pares moderados, eles dilapidam o Estado Democrático de Direito. Mesmo países que logravam um razoável desenvolvimento econômico e, em parte, social, como Chile, Peru ou Colômbia, foram tomados pela febre populista.

O Financial Times publicou um editorial com um título igualmente sugestivo: O tumulto político na América Latina durará até que suas economias sejam reformadas. Com efeito, a combinação de privilégios oligopolistas e protecionismo perpetua a baixa produtividade do setor privado e a falta de investimentos e inovação que são chave para a mistura tóxica de desigualdade e baixo crescimento – tornada explosiva pela violência política, criminal e social.

Mas, na esfera pública, o centro desmorona, a direita, em nome da “liberdade”, se aferra a regalias elitistas e a esquerda, em nome da “igualdade”, a manias utopistas e ultrarregulatórias (exacerbadas quase a ponto da caricatura, por exemplo, na Constituinte do Chile).

“A política está marcada não apenas pela polarização, mas também pela fragmentação e a extrema fraqueza dos partidos políticos, tornando difícil congregar maiorias governantes estáveis”, diagnostica a Economist. “Essa espiral descendente é acelerada pela influência maligna das redes sociais e pela importação de políticas identitárias do Norte.”

O Brasil é um caso exemplar do círculo vicioso latino-americano. Exasperados com a precariedade dos serviços públicos, a corrupção e a deterioração socioeconômica, os brasileiros elegeram o (supostamente) anti-establishment Jair Bolsonaro. Mas a sua mistura de autoritarismo político e indigência administrativa só piorou essas condições. Para sustentar seu mandato ele franqueou as cartas do Executivo aos fisiologistas do Congresso, e para renová-lo inflama sua ideologia reacionária e disruptiva. Resta pouca esperança quando o favorito às eleições, Lula da Silva, só tem a oferecer os mesmos hábitos e ideias retrógrados que gestaram as condições para a ascensão de Bolsonaro.

A armadilha do subdesenvolvimento latino-americano é tanto mais dramática porque não faltam recursos para desarmá-la. Afastada de conflitos geopolíticos graves, a região é rica em culturas multiétnicas e em alimentos, minérios e energia renovável que a colocam em uma posição-chave para tirar proveito de grandes tendências políticas e econômicas globais, como a disputa entre China e EUA ou a alta das commodities, e solucionar grandes desafios do século 21, como a segurança alimentar ou as mudanças climáticas.

“A tentação será ignorar o mal-estar econômico e político e simplesmente surfar no novo boom das commodities detonado pela guerra na Ucrânia. Isso seria um erro”, adverte a Economist. “Não há atalhos. Os latino-americanos precisam reconstruir suas democracias de baixo para cima. Se a região não redescobrir a vocação para a política como um serviço público e reaprender o hábito de forjar consensos, seu destino só piorará.”