12 de abril de 2019

RIO NÃO TERÁ COMO PAGAR A DÍVIDA COM A UNIÃO, DIZ SECRETÁRIO!

(Valor, 08) Mesmo se o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) for renovado até 2023, a dívida do Estado do Rio de Janeiro com a União é “impagável” a menos que haja uma alteração estrutural na economia fluminense, segundo o secretário estadual da Fazenda, Luiz Cláudio Rodrigues de Carvalho.

A declaração do secretário é baseada em projeções feitas por técnicos da pasta: no fim de 2023 o endividamento bruto alcançaria R$ 170 bilhões, o equivalente a 237% da Receita Corrente Líquida (RCL). O teto definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é de 200% da RCL e o Estado teria apenas oito meses para se readequar ao limite.

O prazo seria insuficiente, conforme indicam as projeções da Fazenda fluminense. Ao fim de 2024, o endividamento do Estado equivaleria a 221% da RCL. Na Receita Corrente Líquida são computadas todas as receitas menos as transferências previstas na Constituição para os municípios. “O Rio tem de reestruturar completamente a sua economia. Se não houver crescimento significativo da economia do Estado e, na verdade, da do Brasil inteiro, essa dívida é impagável”, afirmou Carvalho ao Valor.

A dívida consolidada do governo fluminense fechou o ano passado em R$ 153 bilhões, o que correspondia a 265,3% da RCL. “Dado o cenário atual, as finanças do Rio melhoram por causa das medidas que estamos adotando e vamos aprofundar. Só que essas medidas, no escopo atual, na situação atual não são suficientes para que o Estado se reestruture a ponto de, em 2023, passar a honrar o serviço da dívida legada, aquela que se forma depois desses anos todos sem pagamento”, sustentou Carvalho.

O Regime de Recuperação Fiscal, ao qual o Rio de Janeiro aderiu em 2017, tem duração prevista de três anos, podendo ser prorrogado por mais três. Durante o período, ficam suspensos os pagamentos da dívida com a União. Se, por um lado, a interrupção dos pagamentos contribui para aliviar o aperto sobre o caixa estadual, por outro, aumenta o endividamento em termos absolutos, uma vez que os juros e os encargos continuam a incidir sobre o valor principal.

“O problema foi empurrado para 2024”, resumiu o promotor Vinicius Cavalleiro, coordenador do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Sonegação Fiscal e aos Ilícitos contra a Ordem Tributária (Gaesf), do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). Cavalleiro atribui a crise fiscal enfrentada pelo Estado ao estrangulamento financeiro causado pela escalada do endividamento e pela multiplicação indiscriminada de benefícios fiscais.

Dados compilados pelo MPRJ indicam que entre 2010 e 2015, o governo fluminense contratou R$ 24,7 bilhões em operações de crédito. Desse total, quase um terço (R$ 7,9 bilhões) foi aplicado na implantação de novas linhas de metrô. O segundo maior volume de empréstimos – R$ 5,3 bilhões ou 21,5% das operações de crédito no período – foi destinado à amortização de dívidas.

No período analisado, a dívida consolidada saltou de R$ 59,2 bilhões para R$ 107,6 bilhões, alta de mais de 80%, impulsionada pelo aval do governo federal ao endividamento dos Estados.

A interrupção do fluxo de pagamentos à União, como resultado do RRF, tende a elevar a pressão financeira sobre as contas fluminenses, conforme indicam informações da Secretaria estadual de Fazenda compiladas pelo MPRJ. Entre 2017 e 2023, o Rio teria de desembolsar mais de R$ 8 bilhões por ano para a amortização e o pagamento de encargos da sua dívida consolidada.

“Em 2024, se não tivermos outra musculatura [financeira], não sei o que vai acontecer”, questionou Cavalleiro. “Temos de prestar atenção na receita, e não nas despesas”, argumentou o promotor. Segundo dados informados pela Fazenda estadual ao MPRJ, os benefícios fiscais concedidos pelo governo fluminense resultaram em uma renúncia de receita efetiva de R$ 73,08 bilhões entre 2007 e 2017.

Em 2017, por exemplo, já num cenário agudo de crise fiscal no Estado, a renúncia efetiva de receitas alcançou R$ 10,21 bilhões. Em documento endereçado à 3ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital, de 4 de abril, o MPRJ diz que a metodologia usada pela secretaria para contabilizar a renúncia de receita “não reflete números reais”. “A Sefaz [Secretaria de Fazenda] não tem rotina de fiscalização de benefícios.”

O Cavalleiro cita dados da Fazenda fluminense para afirmar que o total de CNPJs ativos que usufruem de benefícios fiscais concedidos pelo Estado do Rio é de aproximadamente 3 mil. Já o universo potencial de empresas que poderiam ser beneficiadas chega a 40 mil. A base restrita cria um desequilíbrio na competição entre empresas, o que estimula a sonegação de impostos entre aquelas que não contam com incentivos, além de restringir a arrecadação.

A saída, para o promotor, seria investir na modernização tecnológica da Fazenda, ampliando o combate à sonegação e verificando os valores apurados de incentivos.

Apesar do quadro desfavorável, o secretário Luiz Cláudio Rodrigues de Carvalho não vê a renegociação da dívida como solução para a crise fiscal. “Não é repactuar a dívida, não. É a União dar condições para que o Estado cresça. Fazendo concessões da infraestrutura que é federal aqui no Estado, criando condições macroeconômicas para o desenvolvimento do país”, disse Carvalho, que no, ano passado, foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo na gestão de Márcio França (PSB).