16 de maio de 2019

EROSÃO DOS PARTIDOS E DA CRENÇA EM FUTURO MELHOR É INÉDITA, DIZ CIENTISTA POLÍTICO!

(Walter Porto – Folha de S.Paulo, 15) O cientista político polonês Adam Przeworski, primeiro conferencista do seminário que celebra os 50 anos do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), iniciado nesta terça (14), não poderia abordar outro assunto que não a crise da democracia no mundo —tanto por ser esta a especialidade pela qual ele é reconhecido mundialmente, quanto porque não se fala de outra coisa.

Ao estilo dos pesquisadores de ciências humanas, ele não veio para explicar, mas para confundir —ou, na linguagem acadêmica, para levantar algumas dúvidas pertinentes. Ao analisar as razões pelas quais uma direita de traços autoritários e xenofóbicos tem emergido vitoriosa na Europa e nos EUA, o professor da Universidade de Nova York (NYU) se diz incerto sobre a predominância de causas econômicas, culturais ou políticas.

Mas há alguns fatores sem precedentes, segundo estudos exibidos por Przeworski, que ele aposta como determinantes para a análise do atual contexto.

A erosão dos partidos políticos tradicionais, dominantes desde o começo do século 20, é um deles. Ele identifica uma grande mobilidade entre eleitores de partidos antigos para legendas novas e uma alta abstenção nas urnas, simultânea a um aumento da votação para partidos de direita mais radical, nos países ocidentais estudados.

Outro aspecto é a estagnação econômica —Przeworski mostra que, nos Estados Unidos, enquanto a taxa de produtividade por trabalhador cresceu desde os anos 1970, a remuneração pelo trabalho pouco mudou. O que leva a outro fator inédito, a queda na crença de que a próxima geração terá condições de vida melhores que esta.

Tudo isso aponta para o rompimento do que ele chama de “um compromisso de classe” no qual o governo conseguia mediar bem as relações entre trabalhadores e empresários. A soma de tudo isso pode indicar bons motivos para se deixar de confiar nas boas e velhas instituições.

Analisando colapsos de democracias bem estabelecidas no século 20, o cientista político aponta a posição contrária às instituições como um sinal de que o compromisso democrático está ruindo. O crescimento da violência contra o Estado e por parte dele também é mau agouro.

Crises econômicas e políticas são graves, mas não mortais, na concepção do pesquisador. No entanto, ele aponta a paralisia política, “quando governos não conseguem governar”, como um fator “extremamente perigoso”.

Nesses momentos de virada, ele afirma que costumam surgir os populistas —que são “tão antigos quanto a democracia”, já que vocalizam a falha de um sistema político tradicional na hora em que ele passa a deixar de funcionar.

O colapso da democracia, hoje, ocorre por meios mais furtivos, segundo Przeworski —de dentro para fora, em vez de com marcadores temporais claros. “Você pode destruir a democracia democraticamente, e é um tanto imperceptível”.

Ele afirma que, “se olhar as estatísticas” sobre o fim de democracias consolidadas, “não há muito o que temer”. Apenas 11 dos 88 regimes estudados por ele ao longo do século 20 colapsaram de forma clara. “Mas por que ainda estamos nervosos? Talvez porque agora elas periguem morrer de forma diferente”.

Se o cientista político evitou falar do caso brasileiro (um de seus slides dizia “desculpe, sem Brasil!”), a presidente do Cebrap, Angela Alonso, abordou a situação do país de forma velada em sua fala institucional de abertura do evento.

Rememorando a história do instituto, fundado meses depois do AI-5, em 1969, a socióloga e colunista da Folha afirmou que o Cebrap “nasceu na resistência ao obscurantismo e ao autoritarismo. E meio século depois, é ainda este espirito que nos anima e ilumina.”

Apesar de não mencionar diretamente o presidente Jair Bolsonaro (PSL), ela registrou que o instituto está preparado para “tempos difíceis” e saudou sua persistência em momentos de maior gravidade. “Nós vingamos, não de parto natural, mas a fórceps”, assertou. “Para quem nasceu nas trevas da exceção, a longevidade em si é um feito”.