Cesar Maia fala sobre a Assembleia Constituinte de 1988

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Ex-Blog: Você tem sublinhado a importância de contextualizar a Constituinte de 87/88 (AC-88). Por quê?

Cesar Maia: Há que se levar em conta 3 fatores. O primeiro foi a previsibilidade. As etapas do processo de redemocratização foram geridas pelo próprio regime militar, especialmente pela emenda constitucional 11/78, que revogou o AI-5, da lavra do ministro Petrônio Portela (que faleceu jovem, 55 anos, em seguida). Portanto, a participação do partido do regime na eleição de 1986 foi contínua, sem constrangimentos.

Ex-Blog: E os outros 2 fatores? 

CM: O segundo foi o plano cruzado, quando o PMDB elegeu 22 entre 23 governadores. 38 de 47 senadores e 260 de 487 deputados. Mas a força do PMDB-SP com Ulysses Guimarães levou o PMDB a se dividir ao meio, do ponto de vista ideológico na AC-88, diluindo sua expressão eleitoral. E, durante a AC-88, com a proximidade da queda do Muro de Berlim um ano depois, as teses em superação, da esquerda, ainda estavam vivas e explicam dispositivos que depois foram chamados de atraso, mas que na verdade foram a expressão daquele momento.

Ex-Blog: O que destacaria no processo constituinte? 

CM: Claro, a sua dinâmica. Todas as Constituintes têm como preliminar uma comissão que elabora o documento-base. E, a partir daí, a AC se organiza por temas que fazem emendas e depois todo o conjunto vai ser votado e –se for o caso- reemendado em plenário. Mas a AC-88 foi um caso único. O presidente Sarney criou a Comissão Arinos. Quando chegamos em fevereiro de 1987 recebemos o documento. Houve uma rejeição majoritária por três questões mais importantes: o parlamentarismo, a centralização federal do ICM (ganhou um S na AC-88) e a criação do ministério da defesa (aliás, criado anos depois).

Ex-Blog: E o processo em si? 

CM: Sem documento básico decidiu-se criar comissões temáticas e estas, subcomissões que escreveriam os respectivos capítulos da constituição. Seriam documentos básicos desarticulados. Por isso –após esse trabalho- criou-se uma Comissão de Sistematização, com sessões plenárias e votação para consolidar o texto básico. E esse foi submetido ao Plenário Geral para receber emendas e ser votado dispositivo por dispositivo sem limitações. Um processo de baixo para cima, que explica tanto o alto grau democrático conseguido, como os acertos para votação que culminaram em uma grande quantidade de dispositivos que teriam que ser regulamentados posteriormente por leis complementares, até hoje não finalizadas.

Ex-Blog: Como foi a divisão de força na AC-88? 

CM: Formou-se um “partido/frente parlamentar” para dar base ao governo: o Centrão. A esquerda teve hegemonia na oposição, bem articulada e com uma forte presença dos movimentos sociais. E os independentes. Com isso, quase todas as votações eram imprevisíveis. A ideia do parlamentarismo cresceu e o texto –no final- reduziu os poderes do executivo, o que levou à previsão de um plebiscito sobre sistema/regime de governo uns anos depois, que reafirmou o presidencialismo. E se criou a Medida Provisória para substituir o Decreto Lei, um desvio que minimizou o legislativo posteriormente.

Ex-Blog: E as críticas do governo que aquela Constituição quebraria o governo?

CM: O deputado Nelson Jobim (sub-relator geral) dizia que o Brasil não tinha uma Assembleia do Povo, mas uma Câmara dos Estados, com voto por distrito (estados) e dentro de cada um, voto proporcional aberto. Com isso, o bolo tributário depois de distribuído ficou em 40% para o Governo Federal/Previdência Social, 40% para os Estados e 20% para os Municípios. Com aquele argumento, o Governo Federal passou a usar o artificio de Contribuições, driblando a Constituição e alterando em dois anos a distribuição aprovada. Hoje são mais ou menos 50% para a esfera federal, 18% para a municipal e 32% para a estadual.

Ex-Blog: E o Estado do Rio? 

CM: Perdemos a votação de cobrança do ICM sobre operações interestaduais de petróleo. Mas a negociação sobre as compensações terminou ampliando bastante as receitas do Estado e da Capital. Os 3 impostos Únicos sobre Combustíveis, Energia Elétrica e Telecomunicações, que eram federais e repassados em uma pequena fração a Estados e Municípios, foram extintos e transformados em ICM –e por isso o S: ICMS. Um ganho importante para os Estados e o nosso em particular. Basta ver hoje o quanto representam da arrecadação. E –claro- a inclusão dos Royalties do Petróleo na Constituição. Antes havia uma lei que alocava ainda modestamente estes recursos.

Ex-Blog: Mais alguma coisa? 

CM: O mais importante da AC-88 é que deu ao país estabilidade e previsibilidade institucionais e esse é um elemento básico para o desenvolvimento. Lembro a normalidade no afastamento de Collor e, apesar dos constituintes do PT não terem assinado a Constituição de 1988, a eleição de Lula se deu neste novo marco institucional, o que não permitiu que os radicais do partido prevalecessem.