“O DEM não se juntará ao PMDB”

O polêmico ex-prefeito rejeita fusão de legendas e garante que a oposição vai se fortalecer ao longo do ano.

O ex-prefeito do Rio de Janeiro Cesar Maia (DEM) dá como certa a vitória do candidato à presidência dos Democratas José Agripino Maia na convenção do partido do dia 15 de março para sacramentar o novo líder do legenda.

Pai de Rodrigo, atual presidente do DEM, e primo de Agripino, Cesar é um dos opositores à candidatura de Marco Maciel, apoiada pela ala de Jorge e Paulo Bornhausen.

Aos 65 anos, Maia vive uma invernada do poder desde que deixou a prefeitura em 2008. Ficou em quarto lugar na disputa ao Senado pelo Rio, com 1,6 milhão de votos (11%) no estado e 834 mil na capital fluminense (14,5% dos votos válidos na cidade).

Ele está de olho em uma das 37 vagas que o Brasil deverá ter no Parlamento do Mercosul (Parlasul) e descarta concorrer em 2012 à Prefeitura do Rio. “Acho que não vale a pena.”

Como apaziguar os atritos para decidir a presidência do DEM?

Está se disputando uma coisa que tem valor. Se não tivesse, faríamos uma convenção, alteraríamos uma cláusula do programa e sairia quem quer. Uma das razões desse valor é que o DEM está sendo muito procurado para ver de que maneira se pode aderir para ser candidato a prefeito.

O senhor apoia José Agripino para presidente do partido?

Não apoio ninguém. Nunca participei de disputa partidária. É uma perda de tempo. Estive com Zé Agripino no dia 31 de dezembro e ele disse ter certeza que vai unificar o partido. Fizeram convite ao Marco Maciel para ser candidato a presidente, mas ele é um santo, não pode entrar em disputa, é imortal da Academia Brasileira de Letras. Teria que ser ungido e montar um grupo de vice-presidentes para tocar a máquina partidária.

Então qual a chance de a ala que se opõe a Agripino vencer?

A única coisa que gerou disputa dentro do DEM é que se falou que há um grupo (que eu não acredito), liderado pelo prefeito Gilberto Kassab, cujo projeto era assumir a direção do DEM para promover fusão com o PMDB. Mas grande maioria do partido não quer fusão com ninguém. Se é verdade, essa tese se tornou perdedora no DEM.

Qual deve ser o foco da atuação política do DEM neste ano?

A curva da economia e da política ao longo de 2011 é declinante para o governo. Portanto, se desenha uma situação em que a oposição tem que entrar e agir.

O senhor será candidato a prefeito em 2012?

Quero ser deputado do Parlamento do Mercosul [com eleição prevista para 2012 ou 2014]. Estou esperando apenas que o Congresso aprove as regras, parece que vai ser voto em lista. Conheço a América Latina bem, seria natural caminhar nessa direção. Não existirão condições para que eu possa ser candidato a prefeito. Não posso ser candidato com 20% dos votos, que é o que eu tenho na cidade do Rio. Acho que não vale a pena disputar a prefeitura.

Então quem seria o candidato do partido para prefeito?

Há quatro vetores competitivos no Rio. O primeiro são os evangélicos. Existe uma esquerda light, que mais uma vez terá um candidato que vai ganhar na Zona Sul. Tem o PMDB, uma candidatura da máquina. E tem a gente, e espero que venha o PSDB junto. Nosso grupo tem três nomes competitivos: Otávio Leite (PSDB), Rodrigo Maia e Índio da Costa. Independentemente de quem for o candidato, posso contribuir com a base eleitoral que tenho.

A corte dos anjos

Folha de São Paulo – 22/01/2011

“Governar é fazer crer”, dizia Maquiavel. As lideranças míticas, sejam políticas, sociais ou religiosas, se afirmam por dois caminhos distintos.

De um lado, os líderes cuja autoridade se afirma como guias de seus povos. São os detentores da legitimidade pelas ideias que conduzirão seus povos ao paraíso. Perón e Vargas são exemplos.

Outras lideranças legitimam a sua autoridade pela ausência. Representam divindades. O que os legitima está ausente deles, está em outro plano. padre Cícero, no Ceará, e Santa Dica, em Goiás, são exemplos. Maria de Araújo, beata de padre Cícero, em transe, ao meio de milagres, conversava com os anjos.

Santa Dica, em transe, ia até a “corte dos anjos” e voltava com as orientações a serem seguidas. Padre Cícero elegia e elegeu-se. Santa Dica elegeu seu companheiro. O monopólio da legitimação pela ausência trouxe e traz conflitos interreligiosos.

A autoridade legitimada pela ausência não é restrita à esfera religiosa. Líderes políticos, em diversas épocas, ao se incluir no universo dos deuses, assim se legitimavam.

Ramsés 2º, Júlio Cesar e Hirohito são exemplos. Em outros, a própria nação é uma divindade. Agitam com símbolos milenares, cenografia e coreografia relativas. Representam essa divindade-nação ausente. Hitler (a raça germânica superior) é um caso.

Outras vezes, essa divindade é um autor cujas ideias são estruturadas como dogmas. A legitimação pela ausência se refere a eles e a suas ideias. O líder é quem representa essas ideias da forma mais autêntica. Marx foi usado assim. Depois vieram as suplementações de legitimação derivada: leninismo, stalinismo…

Outro tipo de legitimação da autoridade se dá pela contra-ausência. Ou seja uma ausência que coloca em risco o país e exige a delegação de todos ao líder. O “perigo vermelho” foi usado assim, legitimando líderes e ditadores. “O imperialismo ianque”, idem.

Mas há um tipo de liderança mítica que se parece com a do tipo guia dos povos. Apenas se parece. Na verdade, legitima-se também pela ausência. O povo, em abstrato, passa a ser uma divindade. Um povo amalgamado que incorpora todos os valores de fé, justiça e de esperança. E de dentro desse amálgama surge o líder, que é ele, o próprio povo, encarnado em sua pessoa, como redentor. As lideranças míticas são desintegráveis pelo fracasso, pela desmistificação (falsos profetas), pela força ou por outros tipos de líderes míticos. Num regime democrático, a força se exclui. Quando a alternância acontece em uma conjuntura de sucesso, a desmistificação não é tarefa simples. Nessas condições, um líder racional alternativo precisaria de alguma dose de legitimação de sua autoridade pela ausência.

Quaisquer delas.

Entrevista: Cesar Maia fala sobre as disputas no DEM

Ex-Blog entrevista Cesar Maia:

EB- Como vê as disputas internas no DEM?

CM- Se há disputa, e se ela é tão intensa como aparece na imprensa, é porque a importância do DEM continua grande. Ninguém disputaria assim sem achar que vale a pena. São 43 deputados federais, 6 senadores, 500 prefeitos, milhares de vereadores e deputados estaduais.

EB- Fala-se que, se um lado vencer, haveria a fusão com o PMDB.

CM- A executiva do DEM, por unanimidade, em dezembro, decidiu que não haverá nenhuma fusão.

EB- Mas é o que se divulga.

CM- Se for fato, os que estão contra qualquer fusão se somariam e passariam a ser quase a totalidade do DEM. Por isso, não acredito em fusão.

EB- Mas o prefeito Kassab tem mostrado seu incômodo.

CM- Nesse sentido acho que ele tem toda a razão, pois a política em SP tem sido binária entre PSDB e PT. O PMDB elegeu apenas um deputado federal; seu presidente faleceu e se abriu um vácuo. Com estes elementos, é natural que um prefeito bem sucedido como Kassab desenvolva suas estratégias com vistas a 2012 e 2014. Mas isso não produz nenhuma divergência no DEM. Fortalecer o prefeito é interesse de todos.

EB- Falou-se em várias candidaturas a presidente do DEM para a convenção de 15 de março. Como será a disputa?

CM- Pelas últimas informações, o senador José Agripino aceitou a candidatura independente de surgir outro candidato. Essa decisão do senador, e nosso líder no senado, elimina disputas. Ele disse, nesta semana, aos jornais: “Aceito a disputa como missão para reunificar o partido”. Ele usou a expressão “disputa”. Do meu ponto de vista, essa decisão do senador -desde já-, produz a unidade do DEM. E a convergência das correntes passa a ser um fato. Elimina a “disputa”.

EB- Mas a convivência dessas correntes no DEM não será incômoda?

CM- Em todas as convenções do PT suas diversas correntes disputam, adotando até nomes diferentes. E isso é visto por todos como um sintoma de fortalecimento do PT. Por que a mesma coisa não seria um sintoma de fortalecimento do DEM?

EB- Mas em 1 de fevereiro haverá a disputa para a liderança do DEM na Câmara de Deputados. A disputa estaria acirrada.

CM- Independente do favoritismo do deputado ACM Neto, o mais votado do partido no país, e membro atual da mesa diretora, um último fato, carregado de injustiça, em relação ao outro nome que vinha sendo colocado, terminou por antecipar a convergência de nossa bancada em torno de ACM Neto. E em respeito àquele. Pelo menos é o que vejo de longe.

EB- A oposição não ficou muito esvaziada depois da eleição?

CM- Lembro que Brizola dizia que, numa eleição, quem ganha tudo, leva tudo, inclusive os problemas e os conflitos internos que serão inevitáveis. No DEM, temos visto um surpreendente fluxo de contatos de quem pretende ser candidato a prefeito e a vereador pelo Brasil todo. Deputados -da chamada base aliada- dizem que suas lideranças locais estão sendo atropeladas e que, se vier uma “janela”, migram para o DEM, já. Imagino que para o PSDB também. E são dezenas.

EB- Alguma conclusão mais?

CM- É um quadro paradoxal, mas comum em política. Vitórias esmagadoras são quase sempre o prelúdio de conflitos intransponíveis. Sempre é bom vencer. Mas de forma avassaladora atrai desintegração interna dos vencedores, ruídos, tremores e terremotos.

A oposição política

Publicado em 08.1.2011 em Folha de São Paulo

A oposição aos governos se dá de três formas.

A primeira é a clássica oposição ideológica, em que um partido se opõe ao governo por suas ideias (esquerda-direita, liberalismo-socialismo…). Era a oposição clássica nos séculos 19 e 20. Aponta a sua própria base eleitoral. E tende a afirmar a base ideológica do governo.

A segunda é a função constitucional de fiscalização e legislação. Aqui, a oposição procura destacar os desvios constitucionais, a conduta do governo e as contradições entre o que diz e o que faz e separar propaganda da realidade.

É como uma guerrilha política, parlamentar e judicial, que desgasta progressivamente o governo por seus desvios, afetando a sua imagem.

A terceira forma é a mais importante do ponto de vista político-eleitoral e a mais abrangente, pois amplia a base de apoio da oposição. Depende das circunstâncias, e não da vontade da oposição.

Numa conjuntura de problemas que enfrente o governo (econômica, moral…), a oposição deve estressar os problemas e estender, no tempo, o debate sobre eles. Mas não é a oposição que os cria.

Para isso, deve estar atenta aos problemas no nascedouro e dar oxigênio para a opinião pública e a imprensa.

Os valores, por exemplo, cabem na primeira forma, mas podem surgir na terceira.

A questão do aborto no Brasil em 2010 é um exemplo. Era questão fora do debate. Mas o PNDH-3 reabriu a discussão. A oposição chegou atrasada, e o tema veio de baixo para cima, pelas igrejas.

Transformou-se em “hit” da terceira forma em 2010 e reforçou a identidade conservadora.

Nos EUA, os republicanos em 2009/2010 mostraram maestria ao trabalhar nas três frentes: ideológica, parlamentar e conjuntural, explorando os pontos frágeis de Obama e a economia. A vitória foi tripla.

Exemplo da segunda forma são as sistemáticas invasões de competência do Executivo sobre o Senado, em que a oposição tem se mantido passiva.
As questões temáticas (saúde, segurança, educação…) devem ser tratadas simultaneamente nas três formas. Por exemplo, as políticas públicas relativas à regulamentação da emenda 29 na saúde, os resultados pífios da educação, o aumento da violência.

2011 anima a oposição. Os problemas de gestão política serão inevitáveis num governo montado por cotas. Virão ampliados num ano frágil economicamente, vis a vis a lembrança do mito. Abrem um amplo espaço à oposição.

Se fatos passam a ter cobertura da imprensa em forma de campanha, mais fácil será multiplicar em direção à sociedade e galopar os espaços abertos. E a artilharia deve ser sistemática e diversificada, à moda europeia. Nunca se sabe qual é o “tipping point”.

Oposição Deprimida

Publicado em 01/01/2011 em Folha de São Paulo 

Se há uma rotina na política são as crises de bolso que ocorrem nos partidos que perdem as eleições. Em geral, duram o tempo dos partidos entenderem que exacerbar os conflitos pela perda de uma eleição é perder duas vezes.

Afinal, as circunstâncias criaram um ambiente eleitoral de difícil superação, pelo crescimento reativo da economia após um ano de recessão, o uso e o abuso de recursos gobbellsianos, o descolamento do presidente de seu próprio governo. Para quem gosta de sofrer, vale lembrar que os problemas ocorreram nos anos anteriores às eleições: em 2005 o mensalão e em 2009 a recessão. Se fosse um ano depois, o quadro poderia ter sido diferente. Mas não foi.

É verdade que a oposição cometeu erros, e não foram poucos. Entre eles, ignorar a pré-campanha, não coordenar os Estados, imaginar que uma continuidade do tipo “o Brasil pode mais” seria percebida como alternativa, exaltar a condição de “estadista” do principal adversário, monotematizar a saúde e, finalmente, entrar nos escândalos na lógica da imprensa.

Mas com uma campanha sem esses erros, o resultado seria o mesmo. Talvez com uma diferença menor e com um sofrimento maior.

E por que a oposição está tão deprimida? Porque supervaloriza a popularidade do presidente e começa a antecipar outra derrota em 2014.

Alguns dizem assim: se o governo eleito for bem, vai ganhar, e, se for mal, volta Lula como salvador. Raciocínio que estimula os mais afoitos a correr para a ampla “base aliada”. Aí pelos Estados, há cargos disponíveis à vontade.

A história política mostra que não há nenhuma razão para supervalorizar a popularidade. Não falo de superpopularidade conjuntural, como a de Sarney durante o Plano Cruzado. Ou Jango, líder popular que sucedeu Getúlio e que perdeu a eleição para senador no Rio Grande do Sul um mês e dez dias depois do suicídio que mobilizou o país.

Falo de popularidades estruturais. Clemenceau, chefe de governo francês, líder e mito na Primeira Guerra Mundial, que, um ano depois do encerramento dessa guerra, perdeu a eleição e o governo. E Churchill, chefe de governo na Grã-Bretanha, herói da Segunda Guerra Mundial, a quem o mundo deve tanto. Perdeu a eleição e o governo seis meses depois do fim da guerra.

Mitos na política são solúveis em qualquer prazo. Mais ainda quando a popularidade é construída como essas pirâmides financeiras, por meio de derivativos de sabão.

Mas os solventes devem vir do próprio processo político, aplicados pela oposição. Claro, uma oposição ativa e otimista, que saia rápido do divã e vá às r

Uma mulher presidente

Publicado em 25/12/2010 em Folha de São Paulo

Em 2010, cumpriram-se os 250 anos do nascimento da primeira mulher presidente no Brasil, Bárbara de Alencar.

Ela nasceu em Exu (PE), em 1760. Mudou-se para o Crato (CE) depois do casamento, em 1782, com José Gonçalves dos Santos, comerciante de tecidos naquela vila, com quem teve quatro filhos.

Foi a primeira mulher a se envolver, para valer, em política no Brasil -durante a revolução pernambucana de 1817, com vistas à independência e à República. O Ceará e outras províncias limítrofes aderiram -no Ceará, especialmente na região do Cariri.
Bárbara de Alencar liderou esse movimento no Crato, ampliando a revolução em Pernambuco. Ela declara a independência e proclama a República do Crato, assumindo a presidência. Com a derrota em Pernambuco, a rebeldia nas demais províncias foi sendo desmontada pelas forças do Conde dos Arcos, governador da Bahia, a mando de dom João 6º.

Bárbara foi presa em Fortaleza. Por quatro anos, foi mantida presa em Fortaleza, Recife e Salvador. Ganha a liberdade no ato de anistia geral de novembro de 1821. Teve quatro filhos, três homens.

Em 1824, outra revolução em Pernambuco: a Confederação do Equador, liderada por Frei Caneca. No âmbito desse movimento, no Ceará, Crato, Icó e Quixeramobim aderiram.
Seus três filhos homens se envolveram. Em 26 de agosto de 1824, foi declarada a República do Ceará e designado presidente Tristão de Alencar, um dos filhos de Bárbara.

A repressão das forças imperiais culminou com a morte de dois de seus filhos: Tristão e Carlos. José Martiniano de Alencar sobreviveu e, mais tarde, terminou se credenciando como deputado às cortes constitucionais de Lisboa.

Foi governador do Ceará e senador. Seu filho José de Alencar foi escritor, poeta e fundador do indianismo com seu “O Guarani”.

A força da memória de Bárbara de Alencar ressurgiu em 1869, na escolha de senador em uma lista tríplice. Os conselheiros de dom Pedro 2º sugeriram o veto a José de Alencar, apesar de ele ter sido ministro da Justiça pouco tempo antes. O temor era que as ideias republicanas que começavam a ser reativadas pudessem coincidir com o DNA de José de Alencar.

Neste ano de 2010, em que o Brasil registra e comemora a assunção de uma mulher ao cargo de presidente da República, faltaram as comemorações em memória de Bárbara de Alencar, primeira mulher política brasileira, primeira presidente de República, do Crato, e mãe de outro presidente de República, do Ceará.

E, quem sabe, ancestral de outro cearense Alencar presidente: Humberto. A conferir.

CESAR MAIA escreve aos sábados nesta coluna.