02 de agosto de 2018

ALIÁS/ESTADO DE S.PAULO (22/07) ENTREVISTA MANUEL CASTELLS! “HOJE, NO BRASIL, A QUESTÃO NÃO É ESQUERDA OU DIREITA, E SIM PARTIDOS DEMOCRÁTICOS CONTRA COALIZÃO NEOAUTORITÁRIA”!

ESP: O senhor crê na possibilidade de candidatos de partidos sem muita capilaridade venceram a eleição presidencial brasileira mesmo com o peso das máquinas partidárias? Muitos apostam em uma queda gradual de Jair Bolsonaro e Marina Silva no decorrer da campanha.

Castells: As máquinas regionais são decisivas por sua capilaridade e porque são a base do clientelismo e, portanto, da corrupção. Creio que tem razão quando diz que Bolsonaro irá cair – o poder econômico brasileiro não é aventureiro. No entanto, a política tem sua lógica própria e uma campanha demagógica em plena confusão e com crise econômica pode causar uma hecatombe institucional. O manifesto dos partidos de centro liderado por (Fernando Henrique) Cardoso é uma chamada de atenção ao perigo que representa Bolsonaro, e creio que pode ser um fator decisivo para deter a crise da institucionalidade. Hoje, no Brasil, a grande questão não é esquerda ou direita, e sim partidos democráticos (ainda que corruptos) contra uma coalizão neoautoritária apoiada por grupos de interesses ideológico extremistas internacionais.

ESP: Apesar de toda a inovação do Podemos, quem volta ao poder enquanto esquerda na Espanha é o tradicional PSOE. Quão influente é a existência do Podemos para o novo governo de Pedro Sánchez?

Castells: Há uma nova política na Espanha que surge do movimento 15-M. Não só o Podemos surge do 15-M, como Pedro Sánchez afirma se inspirar em muitos dos valores desse movimento. A aliança parlamentar entre PSOE e Podemos já é um feito e só mediante essa colaboração pode se desenrolar o novo projeto reformista e democrático espanhol. Tudo depende de que nos anos até as eleições essa aliança possa aprovar políticas sociais progressistas a fim de se consolidar no poder por meio das eleições. Há uma convergência explícita entre Sánchez e Iglesias (líder do Podemos), algo semelhante ao que ocorre em Portugal, o país europeu que melhor funciona política e economicamente no momento. O grande problema segue sendo a Catalunha, difícil de resolver por causa do radicalismo do presidente catalão e a utilização desse radicalismo por parte do nacionalismo espanhol representado pelo partido Ciudadanos, cuja base de apoio se alimenta da oposição a Catalunha. Sánchez está tentando dialogar e conciliar, mas os nacionalismos dificultam.

ESP: O sr. crê na possibilidade de Portugal e Espanha, que historicamente não têm muito peso na União Europeia, influenciarem a política de Bruxelas por meio da negação da austeridade? Quão simbólica é a posse de Mário Centeno, o ministro das finanças portuguesas, como presidente do Eurogrupo?

Castells: Portugal está demonstrando que uma política sem austeridade, mas com rigor fiscal, é mais adequada para o sul da Europa, e Centeno tem cada vez mais respeito entre seus colegas. Sánchez quer avançar nessa direção, mas agora precisa reformar as instituições, corroídas pela corrupção sistêmica do PP. Até agora, Sánchez conseguiu formar uma aliança estratégica com Merkel e Macron para dar uma resposta humanitária conjunta à gravíssima crise dos refugiados, agravada pelo fascismo italiano. Em menos de um mês de governo, Sánchez mudou o clima político na Espanha, que é a quarta economia da União Europeia, e na Europa. Prepara-se uma confrontação com os regimes neofascistas da Polônia, Hungria, República Checa, Áustria e Itália, os ‘bolsonaros’ europeus. Estamos em uma situação de emergência e Sánchez e António Costa (primeiro-ministro português), junto com Merkel e Macron, são a esperança da sobrevivência dos valores democráticos na Europa.