04 de dezembro de 2019

CRISE DERRUBA POPULARIDADES!

(Fernanda Simas  – O Estado de S. Paulo, 03) De cunho político ou econômico, onda antiestablishment que atingiu países sul-americanos derrubou a popularidade dos presidentes do Chile, da Bolívia, do Equador e da Colômbia. Confrontos deixaram ao menos 38 mortos e 4.700 feridos.

Desde outubro, uma onda antiestablishment atingiu a América do Sul, agravando a crise de governos tanto de esquerda quanto de direita. A insatisfação, de cunho econômico ou político, derrubou a popularidade de quatro presidentes sul-americanos, o que ajudou a colocar ainda mais lenha na fogueira dos confrontos, que deixaram ao menos 38 mortos e 4.700 feridos.

“Já tivemos outros governos com pouca aprovação, mas sem protestos desse tamanho. Agora, a baixa popularidade é uma causa e uma consequência. Há uma correlação”, disse ao Estado o cientista político Frédéric Massé, da Universidade Externado da Colômbia, de Bogotá.

No Chile, o presidente Sebastián Piñera assumiu o cargo em 2018 com 51% de aprovação. Em outubro, pouco antes dos protestos, o índice era de 31%. O estopim da insatisfação foi de cunho econômico, o aumento do preço da passagem de ônibus: de 800 pesos (R$ 4,10) para 830 pesos (R$ 4,26). Ao longo das manifestações, a crise se somou a outras demandas populares, como a mudança da Constituição – que data da ditadura de Augusto Pinochet. Hoje, a popularidade de Piñera está em 12%.

No Equador, o estopim foi o anúncio do corte dos subsídios no preço do combustível, em vigor há 40 anos, e a redução dos benefícios do setor público. O presidente Lenín Moreno, que contava com 65% de aprovação quando assumiu o cargo, em 2017, chegou a 31% após adotar ajustes econômicos coordenados com o FMI.

A insatisfação popular também derrubou a popularidade de Iván Duque, presidente da Colômbia, e de Evo Morales, da Bolívia. Em ambos os casos, a crise é mais política do que econômica.

Na Colômbia, Duque assumiu em 2018 com 53,8% de aprovação. Após deixar de cumprir partes do acordo de paz fechado por seu antecessor com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e ser acusado de negligenciar políticas voltadas para líderes camponeses, perdeu apoio. Pouco antes de os protestos começarem, ele tinha aprovação de apenas 26% dos colombianos.

Na Bolívia, o desgaste com o governo de Evo, que durou quase 14 anos, culminou com acusações de fraude na eleição de 20 de outubro – as denúncias foram comprovadas por uma missão da OEA. Isolado pelos protestos de rua, pela pressão do empresariado de Santa Cruz e sem apoio dos militares, ele renunciou e partiu para o exílio no México.

A onda atual de protestos de largo espectro desafia também a análise tradicionalmente simplificada da história latino-americana. Nos anos 60, era a cruzada socialista de Fidel Castro contra o imperialismo ianque. Nos anos 80, houve a “década perdida” da estagnação econômica. Nos anos 90, a virada do neoliberalismo, seguida por uma “maré rosa” de governos esquerdistas, nos anos 2000.

O pêndulo político que oscilava entre esquerda e direita parece ter desaparecido. A onda de protestos tem obrigado os acadêmicos a superar a simplificação histórica e buscar análises mais sofisticadas.

Michael Shifter, do centro de estudos Diálogo Interamericano, aponta o papel do celular nas manifestações recentes na América do Sul. Além de ajudar a concentrar multidões, a era da informação trouxe exemplos de outros cantos do mundo, como Hong Kong, França e Iraque, e apresentou um padrão de vida que muitos na região deixaram de ter.

“É um ressentimento generalizado contra quem detém serviços”, lembra Shifter. “Essas pessoas querem mais direitos e, muitas vezes, são questões difíceis de quantificar, como o acesso à Justiça e a serviços públicos de qualidade.”

Em paralelo, segundo ele, as bolhas e a disseminação de notícias falsas aumentam a radicalização política. “As pessoas estão com muita raiva, em um nível poucas vezes visto”, afirma Shifter. “Além disso, parecem dispostas a tolerar um alto grau de violência.”

Para Massé, as manifestações estão sendo instrumentalizadas por elementos extremos, mas analisar a crise exige muito mais do que isso. “São protestos contra diferentes tipos de governos. Os fatores em comum são a insatisfação e a vontade de ter mais voz dentro da política.”