04 de fevereiro de 2019

“O RIO ENTRE A BELEZA E O CAOS”!

(Luiz Fernando Janot – Globo, 02) As cidades costumam refletir em seu território as sociedades estratificadas ao longo da sua história. A qualidade do espaço urbano está intimamente ligada aos interesses do poder público e da sociedade. Na verdade, nas cidades brasileiras essa relação nunca foi harmoniosa. Ainda hoje se vê presente em nossas cidades o estigma da “casagrande e senzala”.

As favelas que se espalham pelos morros e outras áreas devolutas revelam o abismo que distingue e separa as nossas classes sociais. Os barracões de madeira com tetos de zinco, conhecidos como tradição do nosso país, não passavam de uma visão romantizada da perversa divisão social e da falta de recursos de uma parte significativa da população.

Há que se reconhecer que os espaços urbanos são extensões naturais da moradia, e, como tal, acolhem formas diversificadas de expressão cultural. Quando a habitação não oferece, de fato, condições adequadas para abrigar com dignidade os seus moradores, certamente, o conjunto delas formará um quadro de pobreza no contexto urbano.

É verdade que algumas políticas habitacionais foram criadas ao longo do tempo para atender às camadas mais pobres da população. No entanto, os conjuntos habitacionais correspondentes, em sua grande maioria, foram construídos em áreas periféricas desprovidas de infraestrutura urbana. Em decorrência, os moradores se viram obrigados a enfrentar, diariamente e por horas a fio, longos trajetos até os seus locais de trabalho. Para muitos, esse sacrifício deixou de valer a pena e, aos poucos, uma parte deles voltou a ocupar os morros e outras áreas disponíveis. O Rio é paradigma neste tipo de ocupação informal do solo. O desinteresse do poder público em atuar urbanisticamente nas favelas e dotá-las de equipamentos sociais e de infraestrutura vem facilitando o domínio desses territórios pelas facções do tráfico de drogas e pelas poderosas milícias. Aos poucos, essas forças paramilitares passaram a controlar o comércio ilegal de gás, água, luz, internet, mototáxis, vans piratas e outros serviços comunitários. Hoje, os seus negócios se expandem através da construção irregular de prédios nas próprias comunidades e em terrenos grilados nas áreas de expansão da cidade. Enquanto isso, o poder público permanece impassível frente ao crescimento das favelas e da expansão informal do tecido urbano. Diante desse quadro preocupante, indaga-se por que nenhum projeto de urbanização foi apresentado pela prefeitura para minimizar o sacrifício dessa população espoliada por bandidos? E o que levou o novo governador a não incluir entre as suas metas um plano para impedir a atuação dessas milícias? Felizmente, o Ministério Público tomou a iniciativa de investigar a ação criminosa dos milicianos. Vamos acompanhar os desdobramentos para ver o alcance desse processo.

De qualquer forma, cabe um alerta: a permanecer do jeito que está, teremos em breve uma cidade sitiada pela violência, pela miséria e por guetos de pobreza. O poder público não pode continuar indiferente à vida nas favelas e muito menos ao crescimento e ocupação descontrolada da cidade. Estejam certos de que, para o Rio continuar sendo admirado por todos, será preciso recuperar a urbanidade perdida. Entre a beleza e o caos, não há como fazer a escolha errada. Como os mais ricos podem se mudar para o exterior e parte da classe média já se enclausura em condomínio fechados, chegou a hora de o conjunto da população rejeitar a demagogia, a incompetência e a prevaricação das nossas autoridades.

Se não houver melhores condições de vida, dificilmente veremos a harmonia voltar a prevalecer na cidade. Ainda há tempo para o Rio enfrentar os seus complexos desafios e cobrar soluções de curto, médio e longo prazo para reverter essa situação desabonadora da imagem da cidade. Não dá mais para protelar uma ação efetiva que reverta a anomia que predomina no cotidiano da cidade. É agora ou nunca.