04 de julho de 2022

POR QUE OS REPUBLICANOS FICARAM TÃO EXTREMISTAS?!

(Paul Krugman – New York Times/O Estado de S. Paulo, 01) Muito antes de os republicanos indicarem Donald Trump para concorrer à presidência – e de Trump se recusar a aceitar a derrota eleitoral –, os estudiosos do Congresso Thomas Mann e Norman Ornstein declararam que o partido havia se tornado “uma aberração insurgente”, que rejeita “fatos, evidências, a ciência” e não aceita a legitimidade da oposição.

Em 2019, em uma pesquisa, especialistas graduaram partidos de todo o mundo em relação ao seu comprometimento com princípios básicos da democracia e direitos de minorias. Constatou-se que o Partido Republicano não tem nada a ver com a centro-direita de outros países ocidentais. Ele é parecido, em vez disso, com partidos autoritários, como o húngaro Fidesz e o turco AKP.

Tais análises com frequência foram rejeitadas, classificadas como exageradas e alarmistas. Mesmo neste momento, em que republicanos expressam abertamente admiração pelo governo de partido único de Viktor Orbán, encontro pessoas insistindo que o Partido Republicano não é comparável ao Fidesz.

EXTREMISMO. Por quê? Os republicanos têm manipulado legislaturas estaduais para assegurar seu controle mesmo se perderem feio no voto popular, o que segue diretamente a cartilha de Orbán. Além disso, como apontou recentemente Edward Luce no Financial Times, “em cada encruzilhada ao longo dos últimos 20 anos, os ‘alarmistas’ dos EUA estiveram corretos”.

Nos dias recentes, recebemos ainda mais lembretes do grau de extremismo que passou a acometer os republicanos. As audiências sobre o 6 de Janeiro têm constatado, com abundante detalhe, que o ataque contra o Capitólio foi parte de um esquema maior destinado a reverter o resultado da eleição, comandado de cima.

Uma Suprema Corte cheia de republicanos tem produzido um legado de decisões partidárias sobre aborto e controle de armas. Ontem, a corte limitou a capacidade do governo de proteger o meio ambiente.

A dúvida que me incomoda – à parte a dúvida sobre a própria sobrevivência da democracia americana – é por qual motivo. De onde vem esse extremismo? Comparações com a ascensão do fascismo na Europa do entreguerras são inevitáveis, mas não muito úteis.

Primeiramente, por pior que tenha sido, Trump não foi outro Hitler, nem mesmo outro Mussolini. É verdade que republicanos como Marco Rubio rotineiramente qualificam os democratas – que são social-democratas – como marxistas, e é tentador concordar com a hipérbole. A realidade, no entanto, já é ruim o suficiente e não precisa ser exagerada.

E há outro problema com comparações com o fascismo. O extremismo de direita na Europa do entreguerras irrompeu de cinzas de catástrofes nacionais: a derrota na 1.ª Guerra – ou, no caso da Itália, uma vitória pírrica com sabor de derrota, hiperinflação e recessão.

Nada disso aconteceu por aqui. Sim, tivemos uma grave crise financeira em 2008, seguida por uma recuperação indolente. Sim, existem desigualdades com consequências terríveis – desemprego, declínio social, até suicídios e vício em drogas – nas regiões abandonadas. Mas os EUA já enfrentaram coisa pior no passado sem ver um de seus grandes partidos virar as costas para a democracia.

HISTÓRICO. A guinada dos republicanos ao extremismo começou nos anos 90. Muita gente se esqueceu da caça às bruxas e das delirantes teorias de conspiração (como a que Hillary assassinou Vince Foster); das tentativas de chantagear Bill Clinton para que ele fizesse concessões políticas. E tudo isso aconteceu em um período bom, com a maioria dos americanos indicando que o país estava no rumo certo.

É um enigma. Ultimamente, passei muito tempo procurando precedentes na história – casos em que o extremismo de direita ascendeu mesmo em face à paz e prosperidade. E acho que encontrei um: a ascensão da Ku Klux Klan nos anos 1920.

É importante perceber que, ainda que essa organização tenha tomado o nome do grupo pós-Guerra Civil, ela era um movimento novo – nacionalista branco, mas muito mais aceito do que uma organização puramente terrorista. E ela chegou ao pico de seu poder – efetivamente controlando vários Estados – em um ambiente de paz e crescimento econômico.

O que é essa nova KKK? Andei lendo The Second Coming of the KKK (“A segunda vinda da KKK”), de Linda Gordon, que retrata a “política do ressentimento”, impulsionada pela revolta dos americanos brancos, rurais e habitantes de cidades pequenas contra um país em transformação. A KKK odiava imigrantes e “elites urbanas”; caracterizava-se por “suspeitar da ciência” e por “um antiintelectualismo”. Soa familiar?

Ok, o Partido Republicano não é tão ruim quanto a KKK. Mas o extremismo republicano obtém sua energia das mesmas fontes. E, em razão de ser alimentado por ressentimento contra as coisas que tornam os EUA um grande país – diversidade e tolerância – não pode haver apaziguamento ou concessão. A única alternativa é derrotá-lo.