07 de outubro de 2021

POLÍTICA AFUNDA NOS EUA!

(Fareed Zakaria – Washington Post/O Estado de S. Paulo, 04) A fraqueza dos EUA é sua política. Seus líderes não conseguem pagar as contas nacionais sem fazer um drama.

Os problemas de uma empresa da qual ninguém nunca tinha ouvido falar agora fazem as pessoas se preocuparem com mais uma crise econômica global. A Evergrande é a incorporadora chinesa com a duvidosa distinção de ser a empresa imobiliária mais endividada do mundo, com mais de US$ 300 bilhões em empréstimos pendentes.

Por enquanto, pelo menos, parece improvável que as dificuldades da empresa tumultuem a economia global. Mas sua crise destaca uma fragilidade crucial na economia chinesa. A dívida privada da China (dinheiro devido por famílias e empresas) está em mais de 260% do produto interno bruto do país, de longe a mais alta do mundo para qualquer nação em desenvolvimento.

A trajetória de crescimento da China está desacelerando. Ficou muito mais difícil sustentar seu modelo voltado para a exportação à medida que os salários aumentaram, tornando o país menos competitivo. Enquanto isso, os gastos internos não estão crescendo rápido o suficiente para substituir o boom das exportações. O ataque do governo ao setor de tecnologia provavelmente desacelerará o crescimento até então explosivo nesse setor.

E ofuscando tudo isso está a demografia. A China vem envelhecendo e seus cidadãos estão tendo menos filhos. A taxa de natalidade caiu impressionantes 20% no ano passado, apesar dos esforços do governo para reverter a política de “filho único” e encorajar as pessoas a terem mais filhos.

Olhando ao redor, vemos problemas na maioria das principais economias. A chanceler alemã, Angela Merkel, está prestes a deixar o cargo depois de 16 anos de liderança estável e sábia. Em uma época de dramas populistas, ódio, emoção e injúrias, ela tem sido um oásis de tranquilidade. Mas deixou muitos dos problemas econômicos da Alemanha se agravarem. O país vem passando fome de investimento público, o que ocasionou a deterioração de sua infraestrutura em quase todas as áreas.

O sistema de pensões da Alemanha não foi reformado e corre o risco de passar por uma crise grave. Suas políticas de energia são uma estranha colcha de retalhos de novas e velhas tecnologias. O país baniu a energia nuclear e, por isso, vem obtendo 44% de sua eletricidade de combustíveis fósseis – uma das taxas mais altas da União Europeia.

De forma mais ampla, a Alemanha continua sendo uma retardatária da era digital. Sua tão alardeada indústria data da Segunda Revolução Industrial: carros, produtos químicos e maquinário. No mundo digital, a Alemanha possui apenas uma grande empresa, a SAP, que já tem quase 50 anos. E, assim como a chinesa, a demografia alemã enfrenta uma perspectiva sombria. Em 2020, pela primeira vez em uma década, sua população encolheu de fato.
Regra.

Não se trata de exemplos isolados. Se você olhar para as outras grandes economias do mundo – Japão, Grãbretanha, Índia – vai ver fraquezas e fragilidades estruturais semelhantes. O Japão continua crescendo a um ritmo de lesma. Algumas décadas atrás, os indianos sempre falavam de ultrapassar a China. Hoje, a economia chinesa é cinco vezes maior que a indiana. A Grã-bretanha vai passar os próximos anos pagando o preço pelo Brexit, como demonstra sua atual crise de combustível.

Então, chegamos aos EUA. A inequívoca vencedora da última década foi aquela que Ruchir Sharma chamou de “a nação da retomada” em um artigo perspicaz na revista Foreign Affairs. Os EUA foram se recuperando da crise de 2008 e nunca mais olharam para trás – mesmo levando em conta a recessão provocada pela pandemia. Hoje, em meio a conversas sobre declínio, a maioria dos americanos ficaria chocada ao saber que seu país tem quase a mesma parcela do PIB global que tinha 40 anos atrás: 25%. Suas empresas dominam o mundo como nunca antes.

Sete das dez maiores empresas do planeta por capitalização de mercado são americanas. Os EUA continuam a liderar na maioria das indústrias do futuro, da biotecnologia à nanotecnologia passando pela inteligência artificial. O dólar é dominante como moeda de reserva global como nenhuma outra na história, sendo usado em quase 90% das transações internacionais. E o país ainda tem a demografia mais saudável de qualquer uma das cinco maiores economias do mundo, graças à imigração.

Em algum nível instintivo, os americanos parecem sentir tudo isso. O Gallup periodicamente pergunta às pessoas sobre suas vidas, para determinar que parcela da população está “prosperando”. Esse número chegou a 59% neste verão, o maior em 13 anos de pesquisa. Em janeiro de 2020, 90% dos americanos disseram que estavam satisfeitos com suas vidas, outro recorde desde que a pergunta foi feita pela primeira vez, em 1979 (depois o número caiu um pouco, presumivelmente por causa da pandemia).

Mas não é o que parece em Washington. A fraqueza dos EUA é sua política. Apesar de suas extraordinárias vantagens estruturais, seus líderes políticos não conseguem pagar as contas nacionais sem fazer um grande drama. Eles ainda estão se debatendo com gastos de infraestrutura que os três últimos presidentes disseram que eram urgentes e uma grande maioria da população apoia. Centenas de cargos-chave no governo estão vagos, com dezenas nas mãos de senadores, por motivos que não têm nada a ver com a administração pública.

E um dos dois grandes partidos – instigado por seu líder demagógico – está empenhado em romper o conjunto de instituições, leis e normas que garantem eleições livres e justas, preparando o país para uma grande crise política em 2024.

Na mesa do mundo, a América recebeu, de longe, a melhor das mãos. Mas, como qualquer jogador de pôquer está cansado de saber, se você jogar mal, ainda corre o risco de perder tudo.