08 de outubro de 2018

‘A CLASSE MÉDIA FOI AFASTADA DA POLÍTICA. NOS AFASTARAM’.

(Estado de SP, 07) Antropólogo acredita que houve um processo de perda de contato com as instituições e os agentes públicos

O antropólogo Roberto DaMatta acredita que parte dos brasileiros foi afastada da política pela falta de contato com o universo político e é justamente essa desconexão uma das causadoras da polarização vivida pelo País. Para DaMatta, os dois líderes nas pesquisas de intenção de voto, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), não são os melhores candidatos para o momento atual. “É votar numa eleição para a frente com duas possibilidades de retorno ao passado”, disse.

Para ele, o novo presidente vai precisar redefinir posições tradicionais, como a influência do Estado na vida do cidadão, e a relação do governo com o mercado.

Autor de livros como O que faz o Brasil, Brasil e Carnaval, Malandros e Heróis, o antropólogo afirmou que uma nova Constituinte seria bem-vinda e a eleição não acaba após os brasileiros irem às urnas. “A responsabilidade é muito maior depois”. Ele acredita que o País passou a ser uma República sem dispensar os vícios da Monarquia. “Estamos acostumados a sempre ter alguém para responsabilizar pelos nos erros.” Após as eleições, DaMatta espera uma pacificação nacional.

Como chegamos ao atual cenário político e social, com um País praticamente dividido?

Houve um processo de perda de contato com as instituições e os políticos. A classe média foi afastada da política. Não é questão de não querer, mas os políticos nos afastaram. Somos uma sociedade que transitou para uma República sem compreender o que é uma República. Reproduzimos na administração pública o sistema monárquico, mas a democracia é um regime que tem contabilidade e as pessoas são cobradas pelo que fazem. No Brasil, temos o lado pessoal que canibaliza o que deveria funcionar na base do mérito, sem raiva, favores e preconceitos. Não podemos deixar de ter numa sociedade moderna a regra da lei. E isso exige uma visão de mundo mais sofisticada do que a visão vigente por aqui. A sociedade não se emancipou de sua mentalidade escravocrata, de ter sempre alguém que faça algo por você, de responsabilizar alguém pelos erros que cometeu. Em todas as situações e setores da vida.

Como isso se reflete na política atual?

A estrela do nosso cenário político é o Lula e ele está preso. A candidatura Haddad atrai porque é uma maneira de pessoas que são petistas ou simpáticas ao Lula usarem isso como uma espécie de revanche. Além disso, o Haddad introduz em um partido carismático elementos racionais e tecnológicos, um discurso tranquilo. Já o Bolsonaro representa um possível retorno ao regime militar. Ele não tem papas na língua, não tem muita sofisticação, e é justamente esse avesso que atrai, essa liberdade. É um candidato que diz hoje uma coisa e amanhã “desdiz” aquilo. Como, à essa altura do campeonato, um candidato a presidente faz isso? E tem ainda a facada, um tipo de atentado que nunca aconteceu antes no Brasil, agora em um momento com meios de difusão extraordinariamente poderosos.

O que esses candidatos significam?

No fundo, Fernando Haddad e Jair Bolsonaro são dois retornos. É votar numa eleição para a frente com duas possibilidades de retorno ao passado. Gostamos de celebridades, precisamos de heróis intocáveis, de pessoas que fazem sempre tudo dar certo. Mas só com boas intenções não se faz um governo. No Brasil, acho que temos uma certa alergia ao igualitarismo. Para perceber isso, basta ver como se reage em situações em que somos obrigados a sermos igualitários: “Você sabe com quem está falando?”, dizemos. Essa é a chave da campanha de Fernando Haddad: o Lula livre. É como se ele não pudesse ser preso, como o Getúlio Vargas, que também não podia.