12 de setembro de 2022

A AMÉRICA LATINA DIANTE DA GUERRA NA UCRÂNIA! 

(Lucas Carlos Lima – O Estado de S. Paulo, 12) Seis meses se passaram desde o início da autodesignada operação militar especial russa em solo ucraniano, caracterizada pela Assembleia-geral da ONU como uma agressão. De lá para cá, fóruns e instituições internacionais condenaram de diferentes maneiras as graves violações ao Direito Internacional cometidas.

Sabemos que houve uma violação da Carta da ONU,O grande pacto contra o uso da força do pós-segunda Guerra, vedação prevista desde seu artigo 2.4. Com base nessa proibição, a Corte Internacional de Justiça já ordenou uma cessação da operação russa. No presente momento, crimes de guerra e crimes contra a humanidade continuam ocorrendo e as Convenções de Genebra continuam sendo desrespeitadas em relação a civis e alvos não militares. Já conhecemos este lado da história. Além disso, começa-se a negociar a aquisição de território pela força militar – algo banido do Direito Internacional pós-1945 – e, possivelmente, violando o dever de não reconhecimento imposto aos Estados pelas obrigações derivadas do regime de responsabilidade internacional dos Estados por atos ilícitos. Quanto a esses pontos, graves como são, não há muita divergência entre países latino-americanos. Contudo, parece haver divergência de comportamento em reação a essas crônicas de violações anunciadas.
No discurso, os Estados latino-americanos defendem o respeito ao Direito e às instituições internacionais. Na prática, poucos estão efetivamente dispostos a adotar sanções ou medidas mais significativas para impactar, cessar ou até mesmo mediar o conflito. Há, entre os Estados latino-americanos, até mesmo uma divergência quanto à eficácia e a necessidade de aplicar sanções contra a Rússia. Para além do discurso, estamos divididos sobre o quanto queremos mobilizar nossas economias para reagir às violações. Alguns Estados parecem estar mais dispostos do que outros, assim como alguns Estados parecem mais afetados economicamente do que outros em virtude da guerra.

Há Estados latino-americanos que assumem um tom mais duro em relação a Moscou.

Diante da violação de normas fundamentais à ordem global, não era esperada, passados seis meses, uma reação mais articulada da AL?

O México propôs resoluções no Conselho de Segurança e o Chile aderiu moderadamente a sanções. E há outros que, como o Brasil, parecem ambicionar uma equidistância pragmática que garantiria bons termos com os diferentes grupos envolvidos. Há, também, aqueles que se apoiam na Rússia por diversas razões e, por isso, preferem condenar um Ocidente não engajado no conflito, mas fonte de suporte indireto à Ucrânia. Venezuela e Nicarágua estão entre estes últimos. Os interesses relativos às posições e interesses de cada Estado parecem variar de acordo com uma série de fatores. Entre eles, a posição política do atual governo, a tradição diplomática e jurídica, os interesses econômicos e, também, a posição em relação aos valores jurídicos que a guerra na Ucrânia representa. Mas há, ainda, muita ambiguidade, alguma contradição e posicionamentos antagônicos.

A posição jurídica assumida pelos Estados diante de tais eventos é fundamental porque também nos oferece indicativos das reações que merece a violação dessas normas. Um exemplo vem da seara judicial. Alguns Estados decidiram participar, como terceiros interventores, do processo perante a Corte Internacional de Justiça relacionado à Convenção contra o Genocídio movido pela Ucrânia contra a Rússia, como o Reino Unido, a Nova Zelândia, Letônia e Lituânia. Até o momento, nenhum Estado da América Latina decidiu intervir nesse processo judicial. Até que ponto estamos dispostos a defender certos valores jurídicos?

A fragmentação das políticas externas latino-americanas não é necessariamente nova na história de nossa região. Uma posição de pragmatismo (ou pluralismo, segundo Juan Pablo Scarfi) é uma das mais proeminentes tradições diplomáticas do subcontinente.

Desse modo, os países americanos mobilizam o multilateralismo e o Direito Internacional para, então, conter alinhamentos automáticos contra seus interesses nacionais, defender a pluralidade de valores na ordem internacional e proteger a diversidade de regimes políticos. No frigir dos ovos, os interesses nacionais, as relações comerciais e uma contestável posição de conforto são preferíveis à confrontação direta. Há muito mais em jogo no labirinto de Borges.

Adotar uma posição comum e acordada talvez não seja um caminho imprescindível. Contudo, devemos refletir sobre o significado de nossas posições sobre as regras em jogo neste conflito: a proibição da anexação territorial, a proibição do uso da força, a autodeterminação dos povos e os princípios básicos do direito humanitário. Aceitaremos que qualquer tipo de referendo seja suficiente para garantir a secessão e anexação no Direito Internacional? Qual será o papel da América Latina e do Brasil nos próximos (e talvez inevitáveis) seis meses de guerra?

Algumas das regras violadas nesta guerra são regras superiores, fundamentais à ordem global e expressam valores da própria comunidade internacional como um todo. Diante da violação de tais normas, não era esperada, passados seis meses, uma reação mais articulada da América Latina?