14 de maio de 2019

PUTIN FAZ RÚSSIA LIDERAR NOVA CORRIDA DO OURO!

(Igor Gielow – Folha de S.Paulo, 12) A Rússia de Vladimir Putin fez a maior compra de ouro de sua história em 2018, adquirindo 42% de todo o metal vendido a bancos centrais do mundo.

Com isso, a China de Xi Jinping parece também ter aderido a essa corrida nos primeiros meses de 2019.

Foram 274,7 toneladas para os cofres russos, a maioria de produção doméstica, quase 70% a mais do que em 2017, o que levou o país a ultrapassar Pequim como maior comprador e assumir o sexto lugar mundial de reservas do metal.

Os dados são do World Gold Council, o órgão da indústria que monitora e regula o mercado do ouro. E a tendência parece ter criado uma corrida, com a China retomando suas compras neste ano, após dois anos de virtual inatividade.

Assim, o primeiro bimestre de 2019 registrou o maior volume de aquisição do metal por governos desde o mesmo período de 2008, quando os países começaram a se proteger contra o que viria a ser a maior crise econômica do século 21 até aqui.

Só em janeiro, a Rússia comprou 30 toneladas de ouro, sendo seguida pela China, com um terço disso.

Há respostas multifacetadas para essa nova corrida do ouro. “As crescentes instabilidades geopolíticas e incertezas econômicas”, resume o analista Krishan Gopaul, do World Gold Council. O caso russo, contudo, possui particularidades.

Mais importante que aumentar as quantidades de ouro, Putin reduziu sua exposição ao dólar americano. Hoje o metal responde por 19% de suas reservas internacionais —enquanto a moeda dos EUA viu sua porcentagem cair de 44% para 20% de 2017 para cá.

Segundo dados do Banco Central russo, também aumentaram as posições em moedas chinesa e japonesa.

O movimento é algo análogo à ideia de Putin de testar uma desconexão do país da internet, um feito tecnológico bastante complicado de ser executado à perfeição e que leva a questões diversas: ele quer proteger sua infraestrutura e economia ou exercer domínio completo sobre ela?

É preciso lembrar que Moscou está sob sanções econômicas do Ocidente desde 2014, quando promoveu a anexação da Crimeia após o governo pró-Kremlin da Ucrânia ser derrubado.

Ainda assim, economistas ponderam que o efeito das punições é mais político do que efetivo sobre o PIB do país.

“A questão é que a Rússia sempre defendeu alternativas ao mercado lastreado ao dólar”, afirma Pavel Pronin, analista financeiro do banco moscovita Globus.

Mas foi um artigo publicado no mês passado no jornal The Moscow Times por um ex-ministro de Assuntos Europeus de Portugal que gerou certo frisson especulativo sobre o tema na Rússia.

Para Bruno Maçães, Putin e também Xi podem estar se preparando para lançar uma criptomoeda concorrente ao bitcoin, lastreada em ouro, para concorrer com o dólar.

Ele lembra que a Rússia está particularmente avançada no domínio da tecnologia que visa dar segurança às transações, a chamada blockchain, e afirma que essa privacidade e o lastro em ouro é “um casamento feito no céu”.

Especialistas no tema são céticos, contudo, sobre tal plano —assim como são seus pares no mundo da internet sobre o plano de uma “Rusnet” independente.

O site Bitcoinist entrevistou um economista ligado ao Kremlin chamado Vladislav Ginko, e ele descartou por completo a ideia, dizendo que Moscou tende a preferir a própria bitcoin ante o ouro.

“Bitcoin está indo bem. A Rússia não considera lançar uma criptomoeda lastreada em ouro porque o metal é um ativo baseado em dólar. Como a experiência na Venezuela mostra, em caso de sanções americanas, vender o ouro seria impossível porque o acordo precisa de transações em dólar”, afirmou ao site.

De fato, a ditadura de Nicolás Maduro tem tido dificuldade de levantar dinheiro com seu ouro no mercado internacional —em 2018, conseguiu vender estimadas 20 toneladas à Turquia, país que, como a Rússia, apoia o regime.

Os americanos comandam o mercado mundial de ouro em poder de governos. Guardam consigo as maiores quantidades físicas, 8.133,5 toneladas estáveis há anos, que correspondem a 74,9% de suas reservas internacionais.

Num distante segundo lugar, com 3.369,70 toneladas, vem a Alemanha, seguida pelo Fundo Monetário Internacional (2.814 toneladas).
Itália, França e Rússia vêm na sequência, praticamente empatadas. O Brasil é um nanico no clube, em 43º lugar (67 toneladas, apenas 0,8% de suas reservas internacionais).

Os motivos para a manutenção das reservas variam de país para país. O World Gold Council fez uma pesquisa neste ano com 22 bancos centrais e identificou que a maioria absoluta aposta na segurança do metal como razão do investimento.

Até a crise de 1929, vigorava no mundo o chamado padrão-ouro, segundo o qual moedas nacionais precisavam do lastro no metal.

Depois, até 1971, havia a convertibilidade entre o preço do ouro e do dólar, que acabou extinta. Mas o metal segue cumprindo papel de destaque na economia, como se vê. Governos são os terceiros maiores compradores de ouro no mundo.

Em 2018, a maioria das aquisições (2.200 toneladas) foi para o mercado de joias. Investimentos ficaram em segundo, com 1.159 toneladas, e só então vêm bancos centrais, com 651 toneladas ao todo.