17 de dezembro de 2019

POLARIZAÇÃO FAZ ELEITOR VOTAR EM QUEM O CANSE MENOS!

(David Brooks – O Estado de S. Paulo, 15) Hoje há dois blocos de poder impulsionando a política. O primeiro é o proletariado. São os eleitores da classe operária que vão aos comícios de Donald Trump, nos Estados Unidos, e impulsionaram o Brexit e a campanha de Boris Johnson, no Reino Unido. Eles sentem que o seu mundo, que consideram o máximo, está desaparecendo, e querem um sujeito duro que traga esse mundo de volta.

O segundo é o “precariado”, formado pelos eleitores jovens e formados, presos na armadilha de uma economia alternativa de trabalhos temporários que não têm nenhuma segurança na carreira. Eles apoiam líderes como Bernie Sanders e Jeremy Corbyn, que prometem políticas inclusivas – faculdade gratuita, internet grátis, creches – para se sentirem mais seguros.

Esses dois grupos são diferentes em alguns aspectos. Quando os proletários atacam seus inimigos, eles o fazer a partir de uma aparente posição de inferioridade social, de maneira que tais ataques são rancorosos e brutais. Quando o precariado ataca, ele o faz de uma aparente posição de superioridade moral. Seus ataques estão cobertos de escárnio, zombarias e desdém.

Mas os dois movimentos têm paralelos. Ambos são movidos pelo medo do futuro e pelo temor recíproco. Ambos tendem a adotar visões apocalípticas e catastróficas da ruína que nos cerca. A distopia se torna o opiáceo da classe ativista.

Atormentados pela insegurança econômica, eles tolerarão qualquer pecado do seu líder – racismo, antissemitismo, desonestidade –, desde que essa pessoa se disponha a lutar e esteja do seu lado. Ambos apoiam propostas políticas irrealistas, radicais, porque rejeitam a ideia de que política é simplesmente uma maneira confusa de solucionar as diferenças com pessoas com as quais discordamos.

Esses dois blocos poderosos estão orientando o debate e estabelecendo a agenda. Mas existe outro grupo de pessoas que se tornou a parte mais interessante do eleitorado, nos Estados Unidos e no Reino Unido. São os 75% de eleitores que estão exaustos, pessoas definidas não por qualquer ideologia comum, mas por um estado afetivo – simplesmente estão cansados da guerra sem fim entre aqueles dois exércitos. A exaustão se tornou uma força independente na política moderna. Muitas pessoas votam no candidato, seja lá quem for, que as canse menos.

A eleição britânica foi definida pelo fato de muitos eleitores simplesmente não terem nenhum entusiasmo por Johnson ou Corbyn. A revista The Economist chamou a eleição de “Pesadelo britânico antes do Natal”.

Escrevendo no Guardian, Rafael Behr observou: “Convivemos com a frustração e o pavor. Estamos fixados nestes sentimentos, como se estivéssemos vendo mãos calejadas revolvendo uma gaveta privada onde uma identidade emaranhada, delicada, está guardada, e tentando extraí-la. É como se fosse o exílio.”

As pessoas no campo dos exaustos estão cansadas de ter a pressão à sua frente toda hora. Como concluiu Ryan Streeter, do American Enterprise Institute, “os jovens que, de vez em quando, estão sós têm sete vezes mais probabilidade de se tornarem ativos na política do que aqueles com intensa vida social”. “Os que estão exaustos têm outras coisas para fazer. Eles querem recolocar a política no seu lugar correto e encontrar significado, ligação, entretenimento e moralidade em algo além das guerras no Twitter e campanhas eleitorais”, escreveu.

Anos e anos de exaustão também tornaram essas pessoas desgastadas, céticas e indignadas. A exaustão, como sempre, provoca uma espécie de pessimismo, sentimento que vivemos em épocas terríveis, uma espécie de desânimo da alma. Como Peter Stockland, do centro de estudos Cardus, definiu: “O efeito combinado do medo e da exaustão está produzindo um ceticismo tão profundo, tenebroso e tóxico que beira o pecado de prestar falso testemunho contra a realidade”.

Mas a característica principal dos eleitores desse grupo de exaustos é a timidez. Eles não extraem energia do conflito da maneira como Trump o faz. Sua tendência é abaixar a cabeça e sobreviver a essa loucura.

Nos câmpus universitários, 10% dos estudantes são capazes de intimidar os outros 90%, que não querem dizer a coisa errada. No Congresso, os “trumpianos” intimidam os membros que percebem que Trump é um problema. As pessoas nos dois grandes blocos de poder não conseguem vencer a guerra que travam um contra o outro, mas são boas em intimidar os moderados dentro do próprio campo.

Deste modo, os que estão no campo dos exaustos perpetuam a própria miséria. Eles se queixam das terríveis opções em cada ciclo eleitoral, mas nunca se organizam ou se tornam imaginativos o bastante para oferecer alguma coisa que eles desejariam.

No Reino Unido, eles tiraram os recursos financeiros da política, mas ainda assim tiveram uma eleição pior e mais polarizada do que a americana. No final, Johnson venceu facilmente, em parte porque os eleitores exaustos oscilaram para a demagogia nacionalista de Trump e de Johnson, uma vez que a última alternativa seria uma guerra de classes de Corbyn e de Sanders.

Nos Estados Unidos, os eleitores terão a chance de virar a página emocional e eleger uma pessoa que mostre que é possível ser progressista ou conservador sem transformar a política numa guerra perpétua. Pete Buttigieg vem crescendo e o apoio a Joe Biden é resiliente, exatamente porque eles não são fatigantes.

A pergunta interessante é se, no calor da batalha, os eleitores exaustos superarão sua fadiga, ceticismo e timidez e defenderão seus interesses na disputa.

A exaustão se tornou uma força independente. Muitas pessoas votam em seja lá quem for que as canse menos.