22 de julho de 2020

ARBITRAGEM E PRECEDENTES JUDICIAIS!

(Luis Felipe Salomão e Rodrigo Fux – O Globo, 21) O novo coronavírus apavorou o mundo ao trazer o gene da incerteza e insegurança. No campo da Medicina, o conhecimento humano se viu imerso em dúvidas quanto à terapêutica mais eficaz para combater o vírus.

No ambiente jurídico, o desafio está no dimensionamento preciso e justo das repercussões da pandemia. No plano das obrigações e dos contratos, inúmeros impasses a respeito das implicações quanto à estabilidade do tráfego negocial já surgiram, e outros tantos logo eclodirão, impulsionando uma onda de novos litígios.

É verdade que estes novos conflitos experimentarão um grau de imprevisibilidade ampliado pelo ineditismo do cenário e pela realidade social crítica decorrente da pandemia, desafiando algumas soluções emergenciais e menos ortodoxas.

Cenários permeados por incertezas que alargam o cálculo de imprevisibilidade, como parece ser o da pandemia, colocam na pauta de discussões a importância de o julgador (magistrado ou árbitro) resolver a disputa que lhe é submetida com observância de precedentes.

O Novo CPC (Código Fux), dentre outras mudanças que implementou com a intenção de aprimorar a prestação jurisdicional e promover os valores de segurança jurídica e igualdade, instituiu um sistema de precedentes adaptado à realidade brasileira, reunindo precedentes com eficácia normativa (vinculantes) e aqueles com eficácia persuasiva. Esses últimos, embora sem produzir efeitos processuais fora das demandas que se relacionam, desempenham função argumentativa e de convencimento dos julgadores. Já os primeiros são de observância obrigatória e ostentam mecanismos para a preservação de sua força vinculante.

A nova lei, ao modificar a forma como se compreende a jurisprudência, realçou o seu atributo de fonte de direito e a supremacia da Constituição Federal no ordenamento jurídico. O sistema brasileiro de precedentes busca otimizar o trabalho dos julgadores, garantindo a todos a segurança jurídica almejada e prometida na Constituição. Casos iguais recebem soluções homogêneas.

A jurisdição se exerce nos moldes desejados pelas partes: a resolução do conflito pode ser entregue ao Judiciário, à arbitragem (nos casos em que a lei permitir), à mediação, dentre outras. O sistema de arbitragem, acolhido pela Constituição como há muito já reconheceu o Supremo Tribunal Federal, se apoia em princípios informativos próprios, mas está inserido no ordenamento jurídico nacional. Portanto, tanto o magistrado togado quanto o árbitro escolhido para atuar em arbitragem de direito e com escolha da lei brasileira — ficam de fora arbitragens por equidade e arbitragens com escolha de lei estrangeira — estão obrigados a respeitar os precedentes vinculantes e aplicar as razões fundamentais do precedente (ratio decidendi) ao caso em julgamento. Também por força do sistema de precedentes, o julgador deve levar em consideração os precedentes persuasivos para a solução dos casos.

O julgador (magistrado ou árbitro) deve levar a sério o sistema brasileiro de precedentes. Do contrário, coloca-se em risco a previsibilidade das decisões e a imprescindível segurança jurídica, o que, além de ferir de morte as legítimas expectativas daqueles que buscam justiça, afeta a imagem de nosso país perante o mercado internacional.