26 de maio de 2020

VÍRUS E O AQUECIMENTO!

(The Economist/O Estado de S. Paulo, 25) Acompanhar essa pandemia é como assistir à crise climática com o dedo no botão de avanço rápido. O vírus e os gases do efeito estufa pouco se importam com as fronteiras, o que torna ambos flagelos globais. Os dois expõem os pobres e os vulneráveis a um risco maior do que as elites, e exigem ação dos governos em uma escala talvez nunca antes vista em tempos de paz. Com a liderança da China concentrada somente em seu próprio benefício e os EUA desprezando tanto a Organização Mundial da Saúde quanto o acordo climático de Paris, nenhuma das duas calamidades está recebendo a resposta internacional coordenada que merecem.

As duas crises não são apenas parecidas: elas interagem entre si. A paralisação de grande parte da economia levou a uma imensa queda nas produção de gases. Na primeira semana de abril, as emissões diárias em todo o mundo estavam 17% abaixo do observado no ano passado. A Agência Internacional de Energia espera que as emissões industriais de gases-estufa sejam 8% mais baixas em 2020 do que o observado em 2019, a segunda maior queda anual desde a 2ª Guerra.

Essa queda revela uma verdade fundamental a respeito da crise climática. Trata-se de um fenômeno grande demais para ser combatido com o abandono de aviões, trens e automóveis. Mesmo se as pessoas fizerem grandes mudanças no seu estilo de vida, essa triste experiência mostrou que o mundo ainda teria pela frente mais de 90% do processo de abandono do carbono necessário para alcançar a meta mais ambiciosa do acordo de Paris, limitando o aumento na temperatura a apenas 1,5°C em relação ao nível anterior à Revolução Industrial.

A pandemia cria uma oportunidade única para a aprovação de políticas governamentais que afastem a economia do consumo do carbono a um custo social, político e financeiro mais baixo do que o calculado anteriormente. O baixíssimo preço da energia facilita o corte dos subsídios aos combustíveis fósseis e a introdução de um imposto sobre o carbono.

A receita proveniente desse imposto na próxima década pode ajudar a reparar as complicadas finanças dos governos. As indústrias no coração da economia dos combustíveis fósseis – petróleo e gás natural, siderurgia, automóveis – já estão passando pela agonia de reduzir sua capacidade e suas vagas de trabalho no longo prazo. A tarefa de reativar economias induzidas ao coma é uma circunstância perfeita para o investimento em infraestrutura sustentável, que pode fomentar o crescimento e gerar novos empregos. Com os juros baixos, a conta será barata.

Taxação. Pensemos primeiro no preço adicional sobre o carbono. Há muito celebrado pelos economistas, um esquema desse tipo usaria o poder do mercado para incentivar consumidores e empresas a reduzir suas emissões, garantindo assim que o abandono do carbono ocorra da maneira mais eficiente possível.

No passado, era possível argumentar que, por mais que os preços dessem vantagem ao gás, mais limpo em relação ao carvão, as tecnologias renováveis estariam ainda em um estágio imaturo e, assim, não se beneficiariam disso. Ao longo da última década, o custo das energias eólica e solar despencou.

Entre os políticos, a adoção de uma taxação adicional sobre o carbono é menos popular do que entre os economistas, razão pela qual esse modelo é raro. Mas, mesmo antes da covid-19, havia indícios apontando que seu momento estava chegando. A Europa planeja a expansão do seu sistema de cobrança de um preço adicional para o carbono, o mais abrangente do mundo. A China está instituindo um novo.

O candidato democrata à presidência americana, Joe Biden, que defendeu este sistema quando era vice-presidente, voltará a fazê-lo na sua campanha presidencial – e ao menos parte da direita vai concordar com a proposta. A receita proveniente de um imposto sobre o carbono pode captar mais de 1% do PIB nos primeiros estágios, caindo gradualmente nas décadas seguintes. O dinheiro poderia ser pago como dividendo ao público ou, como parece mais provável agora, poderia ajudar a reduzir o endividamento do governo, que já tem previsão de alcançar em média 122% do PIB dos países ricos este ano.

Sozinha, é improvável que a medida crie uma rede de pontos de recarga para veículos elétricos, mais usinas nucleares para complementar a energia barata mas intermitente das fontes renováveis e programas de reforma de edifícios ineficientes. Nessas áreas, os subsídios e o investimento direto do governo são necessários para garantir que o consumidor e as empresas de amanhã tenham à disposição as tecnologias que a cobrança adicional sobre o carbono vai incentivar.

Alguns governos se esforçaram para dar um caráter mais sustentável às propostas de resgate econômico em consequência da covid-19. A Air France foi orientada a abrir mão das rotas domésticas que disputam com os trens de alta velocidade, impulsionados pela energia nuclear, ou então esquecer a ajuda do contribuinte.

Em outros países, o risco é de políticas que prejudiquem o clima. Os EUA vêm relaxando a regulamentação climática ainda mais durante a pandemia. A China – cujo estímulo à indústria pesada fez aumentar muito as emissões após a crise financeira global – segue construindo novas usinas de carvão.

A paralisação causada pela covid19 não é inerentemente benéfica para o meio ambiente. Os países precisam conduzi-la nessa direção. O objetivo deve ser mostrar, já em 2021, quando se reunirem para avaliar o progresso obtido desde o Acordo de Paris e se comprometer com reformas mais profundas, que a pandemia foi o catalisador de uma revolução ambiental.

A covid-19 demonstrou que os alicerces da prosperidade são precários. Desastres há muito imaginados, diante dos quais pouco agimos, podem se materializar sem aviso, colocando a vida de pernas para o ar e abalando tudo que parecia estável. Os danos causados pela mudança climática serão mais lentos que a pandemia, mas seu efeito será pior e mais duradouro.