27 de fevereiro de 2020

CRÉDITO DE LONGO PRAZO ESTÁ SE CONSOLIDANDO!

(José Roberto Mendonça de Barros e Antonio Sellare, sócios da MB Associados – O Estado de S. Paulo, 26) A queda nas taxas nominais e reais de juros ocorrida nos últimos anos tem produzido alterações nos mecanismos de financiamento de longo prazo utilizados pelas empresas no Brasil.

Estamos hoje com a taxa Selic mais baixa de toda a história, aliada a uma percepção dos agentes de que os níveis atuais de juros vieram para ficar. Além do nível nominal baixo, o juro real medido sobre o IPCA também atingiu níveis nunca experimentado após o Plano Real.

Após terem atingido 7% ao ano em 2014 e em 2015, os juros reais da taxa Selic declinaram de forma marcante para 1,6% em 2019. Nossa expectativa para 2020 é de que o juro real poderá ficar abaixo de 1%.

Esse movimento e as mudanças na operação do BNDES têm tido como efeito uma maior procura por financiamentos via mercado de capitais, em especial pela emissão de debêntures.

Do lado do investidor, também existem mudanças: parte dos recursos tem sido destinada à aquisição de papéis corporativos em substituição a aplicações em títulos públicos em busca de juro real maior.

O afastamento do BNDES pode ser constatado pelos desembolsos feitos nos últimos anos. Entre 2012 e 2015, os desembolsos totais em moeda corrente tiveram uma média anual de R$ 168 bilhões. Nos anos de 2016 a 2018, esses números caíram para R$ 76 bilhões. Para infraestrutura, setor que demanda financiamentos de prazos mais longos, a média anual de 2012 a 2015 foi de R$ 60 bilhões e nos três anos seguintes de R$ 28 bilhões. Em 2019 até setembro, último dado disponível, foram liberados apenas R$ 17 bilhões.

Por sua vez, nota-se no mercado de debêntures tendência em sentido oposto. Entre 2016 e 2019, o número de operações de emissão de debêntures, corrigidas pelo CDI, cresceu continuamente de 202 para 372 e os seus valores passaram de 73 para 146 milhões. Também cresceu o número de operações com debêntures, corrigidas pelo IPCA, de 40 para 112 em 2019, com valores que atingiram R$ 37 milhões.

Embora haja emissões em CDI de prazo longo, é entre as emissões indexadas no IPCA que se encontram maturidades longas com mais frequência e é esse mercado que pode apresentar crescimento ainda maior nos próximos anos, pois se ajusta à grande maioria dos fluxos dos tomadores e atende à demanda de investidores por juros reais melhores que aqueles pagos por títulos semelhantes emitidos pelo governo.

Trabalho divulgado pelo Ministério da Economia em janeiro deste ano aponta que em apenas dois anos, de dezembro de 2017 a dezembro de 2019, o volume mensal negociado no mercado secundário incluindo todos os tipos de debêntures cresceu de R$ 9 bilhões para R$ 20 bilhões. No caso das debêntures incentivadas, majoritariamente indexadas ao IPCA e destinadas a financiamentos de longo prazo de infraestrutura, o volume cresceu de R$ 1,8 bilhão para mais de R$ 5 bilhões.

Estudo recente da MB Associados, com base em dados da Anbima envolvendo debêntures em IPCA de prazo mais longo (maturidade a partir de oito anos) e de alta qualidade de crédito (rating pelo menos AA-), também mostrou crescimento notável. Em janeiro de 2017, foram negociados apenas R$ 111 milhões e em dezembro de 2019 R$ 2,1 bilhões.

Como se percebe, o número de negócios também cresceu substancialmente; de 739 em janeiro de 2017 para quase 10 mil em dezembro de 2019.

No estudo mencionado da MB Associados, foi também calculada a taxa média de negociação dos títulos com base em alguns dias do mês de dezembro de 2019, sempre com informações da Anbima. Considerando apenas os títulos em IPCA de rating elevado e com pelo menos oito anos de maturidade, foi encontrada taxa média de 4,25% ao ano e “duration” (definido como o prazo médio do papel ajustado pelas amortizações) de 5,7 anos.

O mesmo exercício feito para dezembro de 2017 indicou “duration” média de 4,1 anos e taxa média de 6,09%. Para 2018, apuramos “duration” média de 4,4 anos e taxa média de 5,29%. Devemos esperar por um aumento dos prazos médios para os próximos anos para que essas emissões possam abarcar empreendimentos de retorno de mais longo prazo.

Como se nota, a evolução do mercado observada em especial nos dois últimos anos mostra que temos um mercado ativo e estruturado, tendo havido um crescimento acentuado no volume de novas emissões e nos negócios no mercado secundário.

As condições atuais de mercado, que se espera estejam presentes por um longo período, e a crise fiscal do Estado deverão atuar de forma acentuada para um crescimento ainda maior do mercado de debêntures nos próximos anos.

As companhias brasileiras terão de se adaptar a essa situação e dependerão mais de sua competência e governança e menos de proximidade do poder.

As bases do crescimento serão mais sólidas.