10 de novembro de 2017

ESTADOS UNIDOS: PESQUISAS ELEITORAIS PRECISAM MUDAR!
(The New York Times/Folha de São Paulo, 08) 1. Um ano depois que as pesquisas eleitorais superestimaram largamente a força de Hillary Clinton nos Estados do velho cinturão industrial dos Estados Unidos que provaram ser o campo de batalha decisivo da eleição presidencial, os principais especialistas e analistas de pesquisas eleitorais chegaram a um amplo quase consenso sobre muitas das causas de seus erros na eleição de 2016. Mas até agora, as organizações públicas de pesquisas eleitorais —tipicamente veículos noticiosos e universidades— não mudaram muito sua abordagem.
2. Poucas, se alguma, das organizações de pesquisa que conduziram levantamentos antes das eleições desta terça-feira (7) para os governos estaduais da Virgínia e Nova Jersey parecem ter adotado mudanças significativas de metodologia a fim de representar melhor os eleitores brancos de áreas rurais e nível mais baixo de educação que os pesquisadores acreditam terem sido sub-representados nas pesquisas anteriores à eleição de 2016. Por outro lado, os serviços privados de pesquisa —tipicamente empregados por organizações de campanha e partidos— já começaram a realizar mudanças. Isso vale especialmente para os democratas, atordoados pela inesperada vitória de Donald Trump, mas os republicanos também estão mudando. Os ajustes já estão exercendo efeito na eleição da Virgínia, que dará aos pesquisadores uma das primeiras chances para testar as mudanças adotadas depois de 2016.
3. “A Virgínia servirá como teste importante para que os pesquisadores experimentem novos métodos, dados alguns dos problemas nos levantamentos eleitorais estaduais de 2016”, disse Nick Gourevitch, que comanda pesquisas para o Partido Democrata no Global Strategy Group, uma empresa que presta serviços à Associação dos Governadores Democratas e vai usar a eleição da Virgínia para fazer uma sintonia fina nas mudanças adotadas depois da eleição de 2016, e para experimentar novas abordagens. Quase todos os especialistas em pesquisas entrevistados para o artigo no mínimo começaram a fazer alguma coisa quanto à representação de nível educacional. Quase todos concordam em que os eleitores brancos de nível de educação mais baixo tiveram representação insuficiente nas pesquisas, e que isso explica ao menos em parte por que as pesquisas eleitorais do ano passado favoreciam os democratas.
4. A questão deve continuar importante, pelo menos enquanto existir uma divisão tão forte entre os eleitores brancos em linhas educacionais. O relatório da Associação Americana de Pesquisa de Opinião Pública, a principal organização setorial dos pesquisadores de opinião dos EUA, chegou a conclusão semelhante sobre a eleição de 2016. Uma possível correção é ponderar os resultados com base em níveis educacionais, a fim de conferir maior ou menor peso às respostas de determinados respondentes, o que garantiria que a estimativa final dê o peso apropriado ao eleitorado branco de nível eleitoral mais baixo. Ponderar os resultados com base em nível educacional faria muita diferença, em muitas pesquisas de opinião pública. O método poderia alterar em até quatro pontos percentuais, em favor dos republicanos, o resultado padrão de uma pesquisa eleitoral na Virgínia, por exemplo, tomando por base uma análise da mais recente pesquisa Upshot/Sienna College. Já que o democrata Ralph Northam detinha liderança modesta na maioria das pesquisas, essa alteração poderia bastar para mudar o líder em diversas pesquisas no Estado.
5. Algumas das pesquisas eleitorais conduzidas na Virgínia, como a do jornal “Washington Post” e a Universidade Quinnipiac, ponderam seus resultados com base em níveis educacionais, e o fizeram também antes da eleição presidencial de 2016. A maioria dos demais levantamentos não ponderou suas estimativas com base em nível educacional no ano passado, e continua a não fazê-lo este ano. Na pesquisa final da Universidade Christopher Newport sobre a eleição da Virgínia, 69% dos prováveis eleitores eram listados como portadores de diploma superior, muito acima da estimativa de 49% a 52% nas estimativas da pesquisa Upshot. Northam tinha sete pontos percentuais de vantagem na pesquisa da Christopher Newport. Uma pesquisa da Gravis, que mostrava vantagem de 5% para Northam, estimava que 60% dos eleitores da Virgínia têm diploma de curso superior de quatro anos. Uma pesquisa da Roanoke que mostrava empate técnico entre os candidatos estimava a porção do eleitorado que conta com diploma universitário em 57%.
6. O fato de que as pesquisas públicas tenham mudado pouco não significa que as pesquisas eleitorais na Virgínia estejam condenadas a errar por margem semelhante à de 2016. A maior parte dos relatos concorda em que um erro das dimensões do cometido em 2016 requer uma tempestade perfeita: quase tudo que poderia ter beneficiado Trump na eleição parece ter feito exatamente isso. Da próxima vez, pode ser que os democratas é que se beneficiem de um comparecimento maior às urnas, e que sejam eles que conquistem os votos dos indecisos. Também não existe garantia de que a acentuada divisão educacional entre os eleitores do pleito de 2016 venha a ser tão proeminente se Trump não constar da chapa, ou se terá importância comparável nas eleições legislativas de meio de mandato presidencial, que tendem a atrair um eleitorado com nível educacional mais elevado.
7. Mas a falta de mudanças indica uma possibilidade desanimadora: um descompasso entre a escala do desafio que o setor de pesquisas de opinião enfrenta e a capacidade de muitas das organizações de pesquisa para responder a ele. Pode parece óbvio que a eleição de 2016 leve as organizações públicas de pesquisa a promover grandes mudanças. Mas muitos pesquisadores individuais ficaram razoavelmente satisfeitos com os seus resultados, ainda que o setor como um todo tenha errado. Isso é razoável, até certo ponto. O erro nas pesquisas do ano passado foi muito estranho. Teve a distribuição praticamente ideal, nos Estados mais disputados, para maximizar as consequências eleitorais. Houve grandes erros em alguns poucos Estados nos quais Hillary Clinton mostrava grande vantagem, como o Wisconsin e Michigan. Mas em outros lugares os erros foram mais típicos, ou nem existiram.
8. A Virgínia foi um desses Estados. Hillary tinha vantagem de cinco a seis pontos percentuais em todas as pesquisas finais; e venceu a eleição com vantagem de 5,3%. Se os pesquisadores não tivessem conduzido levantamentos na região centro-oeste, quase todos os seus resultados teriam provavelmente ficado dentro da margem de erro. As previsões deles indicariam vitória de Hillary, como as de todo mundo mais, mas o erro seria explicável. Há muitas indicações de que os eleitores indecisos terminaram optando majoritariamente por Trump. E a maioria das organizações públicas de pesquisa não conduziu levantamentos suficientes, tarde o suficiente na campanha, para aferir o quanto estavam se saindo bem, ou mal, em suas previsões.
9. Algumas organizações de pesquisa realizaram levantamentos suficientes na porção final da campanha, e isso as levou a reavaliar seus números, mas elas não consideraram que o nível de educação fosse decisivo. Patrick Murphy, da Universidade Monmouth, por exemplo, constatou que ponderar os resultados com base no nível educacional compensaria apenas 1% da distorção em seus levantamentos. Mas talvez a questão mais importante seja que a educação é um mistério. Descobrir que eles estão errando já é bem difícil para os pesquisadores, e descobrir como consertar o erro, ainda mais. “Não pondero os números com base em nível de educação porque é difícil encontrar referências para um perfil provável de eleitor que tome por base a educação”, disse Matthew Towery, da Opinion Savvy, uma firma que conduz pesquisas eleitorais em diversos Estados usando um sistema de telefonemas automatizados. “Isso não é algo que seja fácil de determinar, na maioria das ocasiões.”
10. A combinação entre a incerteza sobre a verdadeira composição educacional do eleitorado e a relutância em ponderar os resultados de pesquisas baseadas nos registros eleitorais tomando como referência um fator autoinformado (o nível educacional do respondente) bastou para impedir que muitas pesquisas baseadas nos registros eleitorais ponderassem seus resultados com base em nível de educação. Os mesmos fatores representam um desafio para organizações privadas de pesquisa. Mas o ritmo de mudança vem mesmo assim sendo mais rápido, nelas.
11. Nove dos 10 pesquisadores de organizações privadas entrevistados para este artigo já começaram a incorporar dados sobre nível de educação às suas pesquisas, quer ponderando os números, quer de outras maneiras. “Essa é a primeira vez que ponderei os números sobre nível de educação, me preparando para as eleições de 2018”, disse Glen Bloger, pesquisador da Public Opinion Strategies, uma conhecida organização de pesquisas de opinião ligada ao Partido Republicano, “porque o nível de educação é um ótimo fator de previsão”. Nas organizações privadas de pesquisa, há aceitação maior do problema —e mais aceitação de que elas simplesmente erraram, especialmente do lado democrata.
12. As grandes empresas privadas de pesquisa conduziram pesquisas mais que suficientes, em número de Estados suficiente, e tarde o suficiente na campanha, para não ter ilusões sobre distorções significativas em seus resultados. O debate entre os pesquisadores do setor privado, especialmente do lado democrata, avançou, em lugar disso, para um estágio diferente: determinar se ponderar os números com base na educação é suficiente. A causa do debate é simples: ponderar os resultados com base no nível educacional não bastaria para conferir a Trump uma vantagem nas pesquisas. Uma possibilidade, mencionada com frequência por empresas mais tradicionais, é de que o erro residual seja explicável por flutuações no comparecimento às urnas ou viradas nas preferências dos indecisos.
13. Mas existe uma possibilidade mais ameaçadora: a de que as pesquisas não só não tenham registrado as opiniões de número suficiente de eleitores brancos com nível de educação mais baixo, mas que não tenham registrado a opinião dos eleitores brancos de baixo nível educacional certos. Talvez as pesquisas tenham ignorado os eleitores com educação inferior na maioria das áreas rurais. Talvez tenham desconsiderado eleitores que não trabalhem em escritórios, em setores da velha economia como a indústria ou agricultura. Ou talvez tenham ignorado eleitores com grau inferior de confiança social e menos inclinação a fazer trabalho voluntário, que sempre apresentaram probabilidade mais baixa de responder a pesquisas e talvez tenham se inclinado mais a apoiar Trump em 2016.
14. Pesquisas quanto a isso parecem destinadas a continuar pelo futuro previsível. Mas a maioria desses esforços está ocorrendo longe dos olhos das organizações de pesquisa públicas. Se houver algo de mais profundamente errado com as pesquisas públicas do que a representação insuficiente dos eleitores com nível educacional mais baixo, é difícil descobrir o que a maioria das organizações de pesquisa públicas poderia fazer a respeito.