17 de junho de 2021

IRÃ DRIBLOU TRUMP E NETANYAHU!

(Guga Chacra – O Globo, 17) Ao longo de seus 12 anos no poder em Israel, Benjamin Netanyahu aproveitou quase todas as oportunidades em que teve um interlocutor ou uma audiência estrangeira para mencionar a suposta ameaça nuclear iraniana. Todos os anos, no palanque da Assembleia Geral das Nações Unidas, dizia que o Irã estava a poucos meses de uma bomba atômica se nada fosse feito. Chegou a levar um desenho em um de seus discursos para dar o seu show.

Até o último minuto de seu governo em Israel, insistiu na ameaça iraniana em discurso na Knesset (Parlamento de Israel). Disse que seria um erro o retorno dos EUA ao JCPOA, como é conhecido o acordo nuclear entre o Irã e as grandes potências. Agora na oposição, certamente continuará com essa sua “cruzada” contra os iranianos e o novo governo americano. Obviamente, também contra o novo governo israelense, embora este já tenha se posicionado contra o acordo nuclear.

O problema é que Netanyahu perdeu. Não apenas em Israel. Também na questão nuclear iraniana. Toda a sua estratégia foi focada em derrotar os democratas nas eleições de 2016 e provar que seria possível um acordo melhor do que o negociado por Obama, caso sanções ainda mais duras fossem aplicadas. Bibi, como é conhecido o premier israelense, atingiu seu objetivo com a chegada de Donald Trump ao poder e sua decisão de retirar os EUA do JCPOA, apesar de o Irã estar respeitando as regras segundo os serviços de inteligência dos EUA e dos outros signatários, além da própria Agência Internacional de Energia Atômico.

Parecia uma vitória do líder israelense, mas esse experimento dele e de Trump fracassou, como sabemos. O Irã não se rendeu, apesar de as sanções terem sufocado ainda mais a economia iraniana, afetando acima de tudo a população mais pobre. Ao contrário, o regime de Teerã passou a enriquecer e armazenar urânio bem acima dos patamares permitidos pelo JCPOA. Nos próximos meses, deve voltar a respeitar as regras com o provável retorno dos EUA, agora governados por Biden, ao acordo nuclear. Afinal, Netanyahu também perdeu em Washington, com a derrota de seu aliado republicano na tentativa de se reeleger.

Tampouco o Irã reduziu sua influência no Oriente Médio, ao contrário do que previam Netanyahu e Trump. Mesmo com a ação dos EUA para matar Qassem Suleimani, principal líder das Guardas Revolucionárias, os iranianos têm saído vitoriosos nos principais conflitos na região. Na Síria, Bashar al-Assad venceu a guerra com a ajuda do Irã e da Rússia. A oposição jihadista ligada à al-Qaeda controla apenas uma província. Os americanos também estão praticamente fora do Iraque, onde as milícias xiitas pró-Irã se fortaleceram. O Hezbollah mantém sua aliança com os cristãos libaneses da Frente Patriótica Nacional do presidente Michel Aoun no Líbano, além de possuírem um arsenal de dezenas de milhares de mísseis apontados contra Israel. O Hamas, no último conflito em Gaza, mostrou ser capaz de atingir Tel Aviv. Os houthis, por sua vez, seguem no poder no Iêmen.

Para completar, Netanyahu e Trump ajudaram indiretamente a linha dura iraniana. Desta vez, não há candidatos fortes reformistas, como o ex-presidente Mohammad Khatami, ou moderados, como o atual, Hassan Rouhani. A tendência é que seja eleito o conservador Ebrahim Raisi, chefe da Justiça iraniana e cotado para ser líder supremo no futuro no lugar do aiatolá Khamenei.