21 de agosto de 2018

“O DILEMA DO PORTO MARAVILHA”!

(Luiz Fernando Janot – Globo, 18) 1. No século passado, o Rio passou por grandes transformações urbanas. Arrasaram morros, criaram aterros, derrubaram casas, alargaram ruas, abriram avenidas, perfuraram túneis, construíram parques, praças e jardins; enfim, um conjunto de obras que fez do Rio a “Cidade Maravilhosa”. Após um período de marasmo, novas oportunidades surgiram com a realização dos Jogos Olímpicos. Havia grande expectativa quanto ao legado que esse evento deixaria para a cidade. A expansão do metrô, a criação das linhas do BRT, a implantação do VLT e a ampliação do Elevado do Joá fizeram da mobilidade urbana o principal legado.

2. Mas as obras que mais despertavam preocupação eram a derrubada do Elevado da Perimetral e a construção dos túneis subterrâneos para absorver o tráfego de veículos. Graças a tal iniciativa, foi possível reurbanizar a antiga região portuária e criar a Orla Conde, com sua bela paisagem litorânea desde a Praça Quinze até a Praça Mauá. Para viabilizar as obras do Porto Maravilha, a prefeitura elaborou uma sofisticada operação financeira destinada a captar recursos junto à iniciativa privada.

3. Criou os Certificados de Potencial Aditivo de Construção (Cepacs), que asseguravam aos seus adquirentes o direito de construir além dos parâmetros mínimos fixados para ocupação do solo. Ou seja, a possibilidade de edificar prédios com até 50 pavimentos. Apesar desse atrativo, ninguém se interessou em adquirir tais certificados nos leilões realizados. O fracasso dessa iniciativa obrigou a prefeitura a recorrer a políticos influentes para convencer a Caixa Econômica Federal a adquirir a totalidade dos certificados. Assim foi feito, e as obras puderam ser realizadas. Todavia, esses títulos permanecem até hoje encalhados, sem perspectiva de comercialização.

4. Equivocou-se a prefeitura ao privilegiar o viés econômico em detrimento dos conceitos de planejamento urbano utilizados para a ocupação gradativa de territórios com grandes dimensões. O imediatismo, mais uma vez, falou mais alto. Em consequência, os poucos prédios empresariais ali construídos permanecem desocupados, gerando um espaço inóspito no seu entorno.

5. Se não existia demanda para ocupar as salas vazias no Centro da cidade, como achar que aqueles imensos edifícios seriam ocupados simultaneamente? Na verdade, se tal ocupação ocorresse, estaríamos hoje assistindo ao esvaziamento irreversível do Centro Histórico da cidade. É preciso ficar claro que o desenvolvimento de uma localidade jamais pode ser feito à custa da decadência de outras.

6. Para superar essa encrenca, será preciso rever o quanto antes o plano de ocupação do Porto Maravilha à luz de critérios diferentes dos que foram utilizados. Uma das saídas seria privilegiar no novo projeto urbano a construção planejada de edificações residenciais tipologicamente diferenciadas e entremeadas por equipamentos comerciais com usos diversificados. Enquanto se planeja metodologicamente essa transformação, seria de bom tom retomar a construção do conjunto de edifícios de apartamentos e espaços comerciais que fazem parte do que foi chamado de Porto Olímpico, cuja obra se encontra paralisada desde que foi decidido transferir para a Barra da Tijuca todas as unidades residenciais relacionadas com a Olimpíada.

7. A recuperação desse interessante conjunto arquitetônico — resultante de um concurso de projeto organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil —ajudaria a resgatar a confiança dos investidores e proporcionar um novo alento para a ocupação progressiva da área. Não dá mais para insistir em soluções improvisadas ou invencionices de curto prazo, que não correspondem à realidade desse território.

8. Chega de pragmatismo de resultados imediatos. A cidade precisa voltar a ser pensada de maneira integrada, para evitar novas e desnecessárias decepções. O momento atual parece propício para incorporar ao planejamento urbano alguns projetos voltados para o desenvolvimento harmonioso dessa área privilegiada da cidade. Não há tempo a perder, é agora ou nunca.

9. Se não havia demanda para as salas vazias no Centro, como achar que aqueles imensos edifícios seriam ocupados ao mesmo tempo?