21 de junho de 2022

1822: O PRIMEIRO JORNALISTA NO BANCO DOS RÉUS!

(Isabel Lustosa, pesquisadora do Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa – Folha de SP, 20) Quem estava vivo e ativo em 1984 ainda se lembra do clima que tomou o Brasil durante a campanha pelas Diretas Já. O comício da Candelária, no Rio, foi uma experiencia emocional e sensorial intensa até para quem estava em algum lugar distante do palanque. Era um tempo de esperança em um futuro melhor, o final de um período sombrio que nos tinha sufocado por mais de duas décadas.

Pode-se dizer que um clima parecido, em bem menores proporções, foi experimentado pelos que, às vésperas da Independência, passaram a ter acesso aos jornais e panfletos publicados pela imprensa, que fora liberada no Brasil em 1821. Essa imprensa livre, ainda que incipiente, levou adiante o movimento pelo “fico” (9 de janeiro de 1822) e fez a campanha pela primeira Constituinte brasileira.

Em maio daquele ano, o jornalista João Soares Lisboa, editor do Correio do Rio de Janeiro, fez correr na cidade um abaixo-assinado e colheu 6.000 assinaturas pedindo eleições para uma Assembleia Constituinte brasileira. No mesmo documento recomendava aos subscritores que indicassem se queriam que as eleições fossem diretas ou indiretas. Dom Pedro 1º aceitou o pedido de uma Constituinte, mas não o das eleições diretas pelo qual a maior parte dos assinantes havia optado. O jornalista protestou, questionando: “Quem autorizou Sua Alteza Real a determinar o contrário do que lhe pediu o povo?”.

O protesto, publicado na edição de número 64 do Correio, em 1º de julho de 1822, levou Soares Lisboa a ser julgado por ofensa grave ao chefe do Poder Executivo, crime previsto na lei sobre abuso da liberdade de imprensa. O caso inaugurou o sistema de jurados no Brasil, que foi criado justa e exclusivamente para julgar aquele tipo de crime. João Soares Lisboa foi absolvido e, assim como os seus leitores, comemorou a vitória como prova de que o Brasil entrara de fato na era das luzes e dos direitos.

Interessante contrastar aquele longínquo julho de 1822 com o clima que o Brasil viveu com o fim da ditadura. Entre 1983 e 1984, muito mais do que 6.000 brasileiros se manifestaram pelas Diretas Já nas grandes cidades do país. Enorme foi também a nossa frustração com a escolha da eleição indireta para o pleito de 1985. Mas essa frustração foi superada pela Assembleia Constituinte, que promulgou a Constituição de 1988, dando forma de lei aos direitos reprimidos pela ditadura.

A alegria dos liberais brasileiros da Independência durou menos que a nossa. Antes mesmo do final de 1822, João Soares Lisboa e seus companheiros foram presos ou tiveram que fugir para o exterior. Exilado em Buenos Aires, Soares Lisboa pôde voltar ao Rio de Janeiro quando a Assembleia Constituinte foi inaugurada, em 3 de maio de 1823. Partiu novamente depois que, por um golpe de força, o imperador dissolveu a Assembleia, em 12 de novembro. Por ironia da história, os perseguidores do jornalista de 1822 passaram a ser perseguidos juntamente com ele em 1823.

Nós, que acreditávamos que nossos direitos estavam garantidos por leis estabelecidas há décadas, os vimos sabotados por juízes e promotores midiáticos, os quais hoje estão desmascarados e desmoralizados. No entanto nem podemos comemorar tais derrotas. Os abusos cometidos por eles criaram um ambiente de insegurança jurídica que estimula o governo que aí está a desobedecer às leis, ofender as instituições democráticas e ameaçar romper a ordem pelo uso das Forças Armadas.

João Soares Lisboa seguiu para o Recife revolucionado pela Confederação do Equador e se juntou a seu amigo Frei Caneca na luta por aquela outra independência, a do Nordeste. Homem do comércio e das letras, amante romântico dos ideais de liberdade impulsionados pelo Iluminismo, João Soares Lisboa preferiu morrer no campo de batalha a se submeter a um governo arbitrário.