22 de novembro de 2019

‘THE CROWN’: LIÇÃO PARA LULA E BOLSONARO!

(Ascânio Seleme  – O Globo, 21) Todo governante deveria ler livros de História antes de assumir seu cargo e ao longo do exercício do seu mandato. Nunca é demais aprender com acertos e erros do passado para melhorar o presente e enriquecer o futuro. Há governantes que não conseguem ler, ficam com sono e preguiça. Outros odeiam livros. Para estes, existem muitos bons documentários, excelentes filmes históricos e séries imperdíveis, como “The Crown”, cuja terceira temporada está disponível na Netflix desde domingo passado.

Na série, há um diálogo educativo, muito útil para os dias de hoje, entre a rainha Elizabeth II e o primeiro-ministro Harold Wilson, que foi o chefe do governo britânico por dois mandatos, de 1964 a 1970 e de 1974 a 1976. A rainha acabara de voltar de uma visita a Aberfan, uma cidade no País de Gales, onde um acidente em uma mina de carvão resultou em 144 mortos, sendo 116 crianças da escolinha local. Ela se queixa ao primeiro-ministro por não ter chorado, lamentando não conseguir oferecer emoção aos seus súditos que sofriam com tamanha perda.

Elizabeth disse ainda a Wilson não ter chorado quando visitou com seu pai, o rei George VI, as ruínas de um ataque alemão a Londres na Segunda Guerra, ou na morte da sua avó, a rainha Mary. Tampouco derramou qualquer lágrima de emoção no nascimento de seu primeiro filho, disse ela. O primeiro-ministro respondeu com uma clareza impressionante. Iniciou o diálogo mostrando que é político e como tal deve cumprir papéis que às vezes não se encaixam ao seu perfil. Depois, explicou à rainha o que as pessoas precisam encontrar em seus líderes.

— Essas reuniões são confidenciais, certo? — certificou-se Wilson, antes de prosseguir.

—Eu nunca fiz um dia sequer de trabalho manual em minha vida. Sou um acadêmico, um privilegiado de Oxford, não um trabalhador — disse o líder trabalhista, o primeiro trabalhista do reinado de Elizabeth II.

—Eu não gosto de cerveja, prefiro conhaque. Eu prefiro salmão selvagem a salmão enlatado. Prefiro um Chateubriand a uma torta de bife com rim — acrescentou, mostrando ter gosto mais sofisticado do que o eleitor que então votava no Partido Trabalhista britânico.

—Eu não gosto de cachimbo, prefiro muito mais um charuto. Mas charutos são símbolo de privilégio capitalista. Então eu fumo cachimbos durante as campanhas eleitorais e na televisão. Me deixa mais próximo das pessoas —disse Wilson, que tem mais fotos na internet com um cachimbo nas mãos ou na boca do que sem ele.

— Nós não podemos ser tudo o que todos querem e ainda assim sermos verdadeiros conosco mesmos. Nós fazemos o que temos de fazer como líderes. Esse é o nosso trabalho. Nosso trabalho é mais acalmar crises do que as criar. Esse é o nosso trabalho. E (Vossa Majestade) o faz muito bem.

Além de mostrar a ambiguidade do político, Harold Wilson explicava a Elizabeth os meandros que formavam uma reputação. Não é possível, nas suas palavras, agradar a todos a todo momento e ainda assim manter-se inalterado. Na série, a extraordinária atriz Olivia Colman mantém Elizabeth II com um ar próximo à estupefação enquanto a soberana ouve as explicações do primeiro-ministro.

As palavras de Wilson pretendiam acalmar Elizabeth, que lamentara não conseguir chorar nem mesmo diante de uma tragédia. E a frase final do diálogo é estupenda, deveria ser impressa, enquadrada e pendurada no terceiro andar do Palácio do Planalto.

—De certa forma, a ausência de emoção (de Vossa Majestade) é uma bênção. Ninguém precisa de histeria num chefe de Estado.

Momentos de sabedoria como esse permeiam a história política da humanidade. Para os principais líderes brasileiros, nunca é tarde para beber em boas fontes. As palavras de Harold Wilson servem muito bem ao presidente Jair Bolsonaro e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O primeiro, passa muitas vezes do ponto da histeria, causando enorme impacto no cotidiano dos brasileiros. O segundo, desde que abandonou o Lulinha paz e amor na cadeia, gera muitas vezes mais estresse do que calma mesmo entre os seus próprios seguidores. Nossos líderes precisam de exemplos. É fácil encontrá-los na História.