27 de março de 2018

“TRÂNSITO É DESAFIO METEMÁTICO, DIZ CIENTISTAS”! 

As cidades são organismos vivos. Desenvolvem tendências históricas de ocupação. As ações dos governos devem potencializar as dinâmicas positivas e desestimular as negativas. Contrariar a lógica urbana construída pelos cidadãos por muitas décadas, é apostar no fracasso. Exemplos de intervenções positivas que potencializam a cidade gestada vêm desde Pereira Passos, que inaugura no Rio aquilo que anos mais tarde foi batizada de Rio-Cidade e Favela-Bairro. Exemplos de intervenção negativa, contrariando a lógica urbana histórica, é o chamado Porto Maravilha, que tentou criar artificialmente um bairro de escritórios e fracassou. E as intervenções recentes no Centro do Rio, que esvaziaram sua dinâmica comercial.

(Estado de S.Paulo, 22) 1. Soluções dependem de se estudar as razões dos deslocamentos. No início dos anos 2000, o físico inglês Stephen Hawking, morto no último dia 14, deu uma palestra em Cambridge sobre o que era possível esperar do século que se iniciava. Para ele, uma palavra caracterizaria a nova era: complexidade. Na plateia, estava o cientista Fábio Gandour, especialista em inovação que trabalhou durante 28 anos na IBM. A fala inspirou Gandour a buscar alternativas para lidar com os novos tempos. Foi quando começou a refletir sobre a relação entre ciência e mobilidade.

2. Para Gandour, engana-se quem pensa que o mundo digital pode, por si só, resolver problemas reais. Em tempos de Big Data e celulares, os dados são cada vez mais vistos como matéria-prima para criar soluções, mas essa é só uma parte do caminho. “As pessoas se esquecem de que não adianta ter dados se não houver quem conheça estatística e saiba explorá-los”, diz Gandour, que vai participar do Summit Mobilidade Urbana Latam 2018, realizado pelo Estado.

3. É fundamental, para ele, ir além dos dados e promover relações de causa e efeito, algo com que a ciência pode contribuir. “Mobilidade é uma questão muito bem definida em um capítulo da matemática chamado topologias, que busca estabelecer percursos entre pontos A e B.”

4. A seção, considerada uma extensão da geometria, cria modelos de transporte A e B possam ir um ao encontro do outro ou então se unirem em um terceiro ponto C. Uma questão fundamental, segundo Gando, é saber o que emotiva A e B a quererem ir um ao encontro do outro ou irem até C.

5. Este raciocínio motivou um dos principais projetos de urbanismo do mundo muito antes do dos celulares, do Big Data e mesmo da telefonia. Trata-se da reforma de Paris por Georges-Eugène Haussmann, que administrou a cidade de 1853 a 1870. É dele o conceito de arrondissement, as divisões administrativas que reúnem em seus perímetros ampla variedade de residências, comércio e serviços. Assim, o parisiense pode resolver a maioria de suas demandas em um raio de poucos metros e há menos deslocamentos.

6. A praça central do plano era o Arco do Triunfo, de onde era possível partir a pé para qualquer ponto da cidade. “Haussmann criou um plano topológico em que todos– A, B e C– vão encontrar elementos para suprir suas necessidades de sobrevivência”, diz Gandour. Este tipo de resposta, afirma, é mais eficiente para lidar com demandas por deslocamento do que qualquer medida originada pela tecnologia.

7. Para Gandour, os métodos tradicionais de gestão de problemas falham quando a complexidade aumenta. “A metodologia científica, por outro lado, lida bem com esse cenário”, diz. Isso o motivou a requerer a criação do Brazilian Research Lab da IBM, a principal divisão de pesquisas da empresa. O pedido foi feito à matriz em 2006 e, quatro anos depois, o laboratório foi inaugurado. Sua pedra fundamental era pensar na ciência como negócio. Soluções desenvolvidas por cientistas passaram a ser vistas como geradoras de patentes, que por sua vez criam negócios que impulsionam a economia. Gandour foi o cientista chefe da IBM até se desligar da empresa no mês passado, após quase três décadas de serviços prestados. Agora, tem se dedicado a palestras e projetos pessoais.