Cesar Maia destaca a mudança na dinâmica das manifestações sociais e democracia direta

Semana passada, sublinhei minha preocupação ao ler daqui um artigo do importante, destacado cientista político Fabiano Santos, do IESP e UERJ, a respeito das manifestações sociais nas ruas, mobilizadas pelas redes sociais. Ontem, abri o ex-blog com uma nota a respeito do artigo do eminente professor, e o fiz porque houve uma convergência de opinião entre ele e outros líderes ditos de esquerda sobre essas manifestações. O Professor e essas lideranças iniciaram afirmativas quase que coincidentes, quase que reproduzindo os mesmos parágrafos umas das outras, dizendo que havia uma enorme preocupação com a dinâmica fascista dessas manifestações. E que essa dinâmica era crescente e estava tomando um papel condutor dessas manifestações, cujo aspecto mais evidente seria a violência, perpetrada em pólos dessas manifestações.

No sábado, o ex-Presidente Lula, num discurso numa homenagem – mais uma que recebeu – ele reproduz literalmente esses parágrafos. A dinâmica dessas manifestações começa a preocupar em função de ter uma mobilização fascista. No domingo, o Jornal O Globo, em manchete, reproduziu essas declarações do ex-Presidente Lula. Provavelmente, querendo sincronizar isso que ele disse com os pólos de violência que têm ocorrido nessas manifestações como ocorreu ontem, na questão da privatização parcial do campo de petróleo de Libra.

Isso é perigoso. O que eu coloquei na nota de segunda-feira é que os partidos tradicionais de esquerda e a dita chamada sociedade civil organizada – sindicatos, associações – mostram a sua preocupação de perderem a liderança das ruas. Ora, em vez de estarem preocupados com a liderança que tinham – e o Fabiano Santos cita que algumas bandeiras foram rasgadas, líderes foram xingados – eles deviam entender que a vida continua.

Eu imagino que quando apenas se tinha como elemento mobilizador a voz, o papel, é claro que o tipo de organização político-social no século XIX não era o mesmo da época do rádio, da época de impressoras de alta velocidade, coloridas. E da televisão. E agora, da internet. Eles deviam saber por que as redes sociais avançaram tanto e eles ficaram parados no mesmo lugar, num tipo de organização vertical, estratificada, em que eles tinham o monopólio da interlocução. E que agora eles não têm interlocutor nas redes sociais.

Que processo é esse? Que dinâmica é essa? De que maneira eles têm que entrar de forma a que essa dinâmica – que ninguém vai segurar – caminhe pelo melhor trilho, e não pelo trilho com que eles mostram tanta preocupação.

Primeiro, é uma bobagem conceitual enorme! É fácil. Você quer xingar alguém na política, chama de fascista, chama de nazista. Pelo amor de Deus! O fascismo e o nazismo eram movimentos de massa rigorosamente organizados, centralizados, hierarquizados, com bandeiras conhecidas e defraudadas! Perseguição aos judeus, por exemplo. Não podem ser fascistas mobilizações via redes, que são desierarquizadas, que são horizontais, que não têm lideranças de interlocução. Não tem nada que ver uma coisa com a outra.

Bem, se quiser chamar de anarquistas, não cabe, porque o anarquismo tinha a bandeira de nenhum estado, nenhuma lei. Não há nada parecido no fascismo e no nazismo com essas manifestações. O que eu registro é o temor, pânico presente na CUT, no PT, e no próprio PSOL, porque o vereador Eliomar Coelho esteve aqui, semana passada, repetindo, exatamente, esse mesmo trecho: “Cuidado que o fascismo está começando a liderar as manifestações de rua”. Igualzinho. O Fabiano Santos, que é um grande politólogo, arrumou isso de uma forma elegante; o Lula, depois. A esquerda, Sra. Presidente, esquerda tradicional, está surpreendida pelas ruas que não controla, que não lidera, que não dirige.

O que nos cabe é não deixar, não permitir que esse tipo de discurso caminhe sem a crítica, caminhe sem a disjuntiva, sem o esclarecimento, sem a oposição. Porque, se os meios de comunicação, como todos nós, estão preocupados com a violência, se a violência se dirige a símbolos do capitalismo, segundo os black-blocs, entre eles os próprios meios de comunicação, como um carro da TV Record – absurdamente virado, enfim, assaltado, ontem-, e os problemas que vem vivendo a Rede Globo, todos nós somos solidários a isso. Agora, não é entrar nesses fatos e tomá-los como um todo, porque isso significa fazer o jogo daqueles que, por décadas, tiveram o comando e a liderança centralizada, hierarquizada, dogmatizada, pautada, embandeirada, e que estão perdendo essa liderança.

O que cabe a todos é entender, como já disse, aqui, Sra. Presidente, outras vezes, entender que a democracia direta está mudando, não a democracia representativa, que é sempre impulsionada por esses movimentos de massa, sempre, desde a Revolução Francesa. Ela muda para melhor, em função dos movimentos de massa. É a democracia direta, que deixa de ser associativa, centralizada, hierarquizada, pautada, e se torna uma democracia direta eletrônica, sem hierarquia, horizontal, sem pontos de interlocução: a quem eu vou entrevistar? Até tentaram. Na primeira manifestação, por preços de passagens, tarifas de ônibus, tentou-se localizar quem eram os líderes. E se foi entrevistar o líder. Cinco dias depois, ninguém sabia nem quem eram esses líderes, porque estavam perdidos, ou, – perdidos, não! -, estavam encontrados, mas dissolvidos no meio de manifestações massivas.

O que nos cabe, a nós, democratas, é acompanhar esse processo e buscar a melhor vertente para que a sua impulsão produza elementos de democracia direta que aprofundem, intensifiquem, que acrescentem à questão democrática, e não a resistência que esses segmentos citados iniciam organicamente, fazendo, imaginando que, através dessa denúncia de que são fascistas, de que são nazistas, impressionando os meios de comunicação, eles vão conseguir inibir a manifestação que vem impulsionada pelas redes sociais.

Citei aqui um grande politólogo, Fabiano dos Santos, em seu artigo, na Revista Inteligência, do ultimo trimestre. O próprio Vereador Eliomar também repetiu esse discurso, bem como outras lideranças de esquerda, através de redes, de comentários, de artigos.

O próprio Presidente Lula praticamente repetiu, palavra por palavra, aquele mesmo discurso sobre os fascistas. Nunca vi fascista sem centralidade, sem hierarquia, sem bandeira. Fascista e nazista estão lá com as bandeiras antijudeu, anti-isso, anti-aquilo, todos eles organizados. Até as SA, as organizações de assalto de fascistas e nazistas, tinham uma condição militar organizada, hierarquizada. O que temos que fazer, nós, democratas, é entrar, trabalhar nas redes, discutir, porque não vamos ser livres dela nunca. Porque a lógica delas é não ter essa hierarquia.

Gostaria de sublinhar: por sorte, comentei o artigo do Dr. Prof. Fabiano dos Santos, e depois veio a sequência. Um dia atrás do outro. Cuidado! Na hora de utilizar tempos de violência das manifestações, cuidado, porque são pontos, são partes, não é o todo.