Direita-esquerda

Publicado em 27/02/2010 em Folha de São Paulo

UNS MESES antes da eleição presidencial francesa de 2007, o instituto Ipsos realizou com a revista “Nouvel Observateur” uma pesquisa de opinião para conhecer o perfil ideológico do eleitorado francês. A ideia era deixar de lado a autodefinição do eleitor. Propunha duas questões: economia e valores.
Eram feitas diversas perguntas. O eleitor apontava com o que concordava ou do que discordava. Partia da ideia de que ser de esquerda em matéria econômica era querer mais intervenção estatal. Ser de direita seria dar ao mercado maior peso. Para garantir a coerência das respostas, as diversas perguntas eram misturadas. O programa as separava para a apuração nestes dois vetores: Estado e mercado.
Da mesma forma em relação a valores. Ser de direita, no modelo, seria a adoção de valores conservadores em relação ao sexo, à vida (aborto), à família, à lei… Ser de esquerda seria adotar valores liberais. O resultado mostrou que o “partido majoritário” na França era um misto: de esquerda em relação à economia e de direita em relação a valores. Um gráfico com os dois eixos (Estado e valores) ia graduando de menos a mais. No final, o quadrante da maioria do eleitorado era o superior mais afastado do eixo vertical: mais Estado e mais valores conservadores.
O instituto GPP repetiu para o Brasil a mesma pesquisa, adaptando-a às questões mais conhecidas dos eleitores brasileiros, dentro das mesma duas questões. Da mesma forma, agrupou as respostas em função do que seriam visões de economia e valores, de esquerda ou de direita.
Exatamente como na França, o “partido majoritário” no Brasil era um misto: de esquerda em relação à economia (mais Estado) e de direita (posição conservadora) em relação a valores. Num ponto -“propriedade”-, ambas as pesquisas mostraram que havia uma mistura ou cruzamento: na economia, como um elemento de esquerda em relação à não privatização, e nos valores, como de direita em relação ao direito de propriedade.
O direito de propriedade é visto pela grande maioria da população como um bem e uma conquista: seu aparelho de som ou TV, sua pequena casa, seu pequeno negócio, sua pequena propriedade, suas roupas, seus CDs… No Chile de Allende, quando a população passou a achar que a estatização chegaria a suas “propriedades” individuais, a base da oposição não apenas cresceu mas foi para as ruas. De passiva, passou a ativa, incluindo, na linha de frente, caminhoneiros, taxistas, lojistas, pequenos proprietários rurais, vindo em seguida setores médios e populares.
A surpresa quanto à passividade social em relação ao golpe veio depois explicada por este fator: a propriedade como um valor.