03 de maio de 2017

“FRANÇA: PRIMEIRO TURNO MARCOU O COMEÇO DO FIM DA QUINTA REPÚBLICA, FUNDADA POR DE GAULLE EM 1958”!

Entrevista de Daniel Cohn-Bendit à Folha de S. Paulo (01/05). Cohn-Bendit é uma referência da esquerda europeia desde 1968, quando despontou como um dos líderes do movimento social e cultural que sacudiu a França e o mundo.

1. Não estamos perante o cenário clássico, em que o eleitorado legitimista dá ao presidente eleito uma maioria no Parlamento. A história destas presidenciais só poderá começar a ser contada depois do segundo turno das legislativas. Tradicionalmente, quando dois candidatos de centro direita e esquerda enfrentam um candidato de extrema direita no segundo turno das legislativas, o candidato que estiver atrás nas sondagens desiste para ajudar a barrar a extrema direita [nas eleições para deputados, o segundo turno é garantido. Todos os candidatos com mais de 12,5% dos votos se qualificam automaticamente. Se nenhum atingir essa marca, os dois primeiros colocados se apresentam no segundo turno.

2. Um agravante seria a multiplicação de quadrangulares, ou seja, a qualificação de quatro candidatos para o segundo turno. Isso teria consequências imprevisíveis. Se uma eleição para presidente com quatro favoritos foi complicada, imagine 577 eleições de deputados com quatro finalistas.

3. No social, é possível definir o que é ser de direita e de esquerda. Esquematicamente, a direita defende mais individualismo, e a esquerda, mais solidariedade. Em outros temas, não é assim tão evidente. Na Europa, você tem um nacionalismo de esquerda, e outro de direita. Nos direitos humanos, você pode ser de esquerda como o Jean-Luc Mélenchon, e ao mesmo tempo defender o presidente Nicolás Maduro, da Venezuela. Você é de esquerda quando defende Maduro? Quando Mélenchon e Marine Le Pen se apresentam como pró-Vladimir Putin [presidente russo] e Bashar al-Assad [ditador sírio], onde está a esquerda e onde está a direita?

4. Certo é que o primeiro turno marca o começo do fim da Quinta República [fundada por Charles de Gaulle em 1958], porque os dois partidos que estruturaram a vida política foram eliminados no primeiro turno. Não se trata apenas do fracasso do Partido Socialista e da socialdemocracia, também estamos vendo o colapso da direita parlamentar. Os tapas na mesa de Jean-Luc Mélenchon, Marine Le Pen e Emmanuel Macron fragilizaram totalmente o sistema político.

5. Embora de orientações diferentes, duas formações “movimentistas”, os Insubmissos, de Jean-Luc Mélenchon, e o En Marche!, de Emmanuel Macron, dinamitaram a paisagem política. Resta saber se essa tendência se confirmará nas eleições legislativas. Não fazemos a menor ideia se os eleitores regressarão aos espaços políticos tradicionais ou optarão por continuar sacudindo o espaço político e apoiando os novos movimentos. Essa é uma incógnita que não temos como antecipar. Os nossos instrumentos de análise política são inúteis no cenário atual.

6. O problema do Partido dos Trabalhadores do Brasil, e da socialdemocracia em geral, é que, uma vez no poder, acredita que tudo lhe pertence, que pode fazer tudo. De certa forma, a esquerda no poder contribui para uma despolitização da sociedade. A lição do governo François Hollande é que não se pode prometer tudo numa campanha. A campanha é a explicação pedagógica do possível e do impossível, senão é a desilusão garantida. Hollande teve uma maioria que nenhum presidente teve. Teve a maioria no Congresso, no Senado, e nas regiões. Por que não funcionou? Porque não havia consenso político, não só programático, mas também sobre a necessidade de inovar em situações que ninguém podia antecipar. Nesses casos, a esquerda preferiu se esconder atrás da ideologia e negar a realidade.