09 de fevereiro de 2022

LIBERDADE ECONÔMICA NÃO É IGUAL À LIBERALIDADE URBANÍSTICA!

(Sonia Rabello, 04) Está aberto à consulta pública, até a próxima segunda-feira, dia 7 de fevereiro, no site do Ministério da Economia, um espaço para sugestões para uma nova Resolução daquela pasta que, com base na Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), visa interferir no licenciamento de alvarás urbanísticos municipais. E como? Aplicando, de cima para baixo – do federal para o municipal – uma classificação de atividades urbanísticas de “baixo risco” que não mais necessitariam, em princípio, de prévia aquiescência (alvará) das Prefeituras.

O site da consulta mostra que, até o momento, o número de contribuições recebidas é igual a zero ! Deve ser porque o assunto não teve qualquer divulgação, pois a resolução anterior (Resolução CGSIM nº 64/2020) foi revogada após levantar enorme polêmica e oposição dos órgãos profissionais e acadêmicos de arquitetura e urbanismo.

Neste mesmo mês, enquanto circula novamente a proposta de liberar do controle prévio dos municípios de “construções unifamiliares de um pavimento, finalizada há mais de cinco anos, e localizada em área predominantemente ocupada por população de baixa renda”, viu-se o despencar de habitações em várias cidades brasileiras, construídas exatamente com essas características.

Fica a pergunta: o que precisamos é mais liberação ou, ao contrário, mais controle e assistência técnica para essa tipologia de habitação?

O surpreendente e pretensioso

O Ministério da Economia, completamente alienado quanto ao drama das condições habitacionais das cidades brasileiras, ainda insiste em resolver, de cima para baixo, um suposto entrave econômico no licenciamento habitacional, área na qual ele não tem qualquer jurisdição de competência funcional. Tenta fazê-lo travestindo o tema das regras urbanísticas, e das formas de seu controle, em assunto de liberdade econômica!

Normatizar regras de controle urbanismo como tema econômico – de liberdade econômica – é de um contorcionismo jurídico maquiavélico. Pois, ao fim e ao cabo, está reduzindo todas as atividades humanas ao tema econômico e, assim, usurpando a competência de qualquer outro ministério: o tema agricultura é econômico, o tema ambiental (e seu licenciamento) é econômico, o tema trabalho é econômico, o tema cultura e tecnologia é econômico, o tema saúde e a vigilância de atividades é também econômico.

Todos esses temas dizem respeito à restrição da liberdade do indivíduo e de suas atividades econômicas em função de interesses públicos. E, nem por isso, um comitê do Ministério da Economia pode arvorar-se como detentor e senhor das normas a serem ditadas e obedecidas por Estados e Municípios, e pelos outros ministérios sobre todas essas matérias. Senão, bastaria haver somente um enorme e soberano Ministério da Economia, reduzindo todo e qualquer outro interesse público ao suposto bom desempenho de setores da Economia.

O mais surpreendente é que este assunto volta à baila justo quando as mortes por desabamentos nas cidades acontecem do Nordeste ao Sudeste brasileiro. E o Ministério da Economia não apresenta nenhuma proposta de repasses para projetos de ordenação territorial, investimentos em infraestrutura de serviços urbanos ou em programas de habitação social.

E Franco da Rocha pode liberar o licenciamento prévio?

Só na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) há 5.211 áreas de risco mapeadas, – leia-se, perigosas para se habitar. E os Municípios campeões são São Bernardo do Campo, com 616 áreas, Santo André, com 510 áreas, e São Paulo (Capital) com 490 áreas mapeadas (vejam a excelente reportagem a respeito aqui).

Franco da Rocha é o quarto município dentro da enorme Região Metropolitana de São Paulo, com 39 municípios, que tem mais habitações em áreas de risco. São trezentas e oitenta e duas áreas de risco neste Município com 156,4 mil habitantes! Comparando com a favela da Rocinha, no Rio, teríamos números de habitantes em áreas não urbanizadas bastante semelhantes. Segundo os registros da Light, a Rocinha teria cerca de 120 mil habitantes e 150 mil pelo censo dos moradores. Então, Franco da Rocha caberia numa Rocinha? Ou a Rocinha caberia em Franco da Rocha? Tudo em risco? Um risco habitacional colossal, no Brasil, especialmente em suas capitais metropolitanas.

E aí, é inacreditável que autoridades do Ministério da Economia do Brasil pensem e insistam que, além da economia brasileira, eles tenham também competência para meter o bedelho no assunto de urbanismo, como se este tema-problema tivesse algo a ver com liberdade econômica! Sonham, talvez, como o retorno ao “laissez-faire” para salvar a economia brasileira do buraco negro? Tudo isto implantando o regime de liberalidade no já rudimentar planejamento urbano brasileiro?

Lamentável pelo nível de ignorância que a pretensão do saber traz aos gestores brasileiros!