11 de maio de 2021

EMBATES ENTRE EXECUTIVO E JUDICIÁRIO SE MULTIPLICAM NA AMÉRICA LATINA E PREOCUPAM JURISTAS E ONGS!

(O Globo, 10) Depois da decisão da Assembleia Nacional de El Salvador, de maioria governista, de destituir todos os juízes da Câmara Constitucional da Corte Suprema de Justiça e o procurador-geral, o governo da Argentina redobrou na semana passada os ataques à Corte Suprema de Justiça, que deu aval ao funcionamento presencial das escolas da cidade de Buenos Aires, derrubando um ponto central de recente decreto do presidente Alberto Fernández e se alinhando com a política sanitária do prefeito opositor Horacio Rodríguez Larreta. Para a vice-presidente argentina, Cristina Kirchner, a ação da Corte foi um “golpe institucional”.

Os embates entre os Poderes Executivo e Judiciário em países da região, entre eles o Brasil, preocupam juristas e organizações como a Human Rights Watch (HRW), que observam uma tendência autoritária de governos eleitos. Na visão de José Miguel Vivanco, diretor da divisão das Américas da HRW, “não se trata de casos isolados. Pouco a pouco, está se impondo um discurso autoritário, de caudilhos que tentam convencer as sociedades de que devem ter a última palavra”.

— Estão sendo desafiados princípios básicos da democracia nos últimos três séculos, entre eles o da separação de Poderes — enfatiza Vivanco, em entrevista ao GLOBO.

Depois de anunciada a decisão do Supremo argentino sobre as escolas, Fernández afirmou que a resolução refletia a “decrepitude” da Justiça.

— A Justiça causou muito dano, o Estado de Direito precisa de uma institucionalidade adequada. Escolham o candidato a presidente que quiserem, mas não usem as sentenças para favorecer seus candidatos — declarou Fernández, em referência à suposta tendência da corte em favor do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019).

Já Cristina, que enfrenta oito processos por suposta corrupção e nos últimos meses intensificou sua ofensiva contra os tribunais, escreveu em sua conta no Twitter que “está muito claro que os golpes contra as instituições democráticas eleitas pelo voto popular já não são como antes”.

A Associação de Magistrados e Funcionários da Justiça Nacional, o Colégio de Advogados e a ONG Seremos Justiça divulgaram comunicados repudiando a atitude da Casa Rosada. O presidente da Associação de Magistrados, Marcelo Gallo Tagle, disse sentir “profunda preocupação pela sucessão e o estilo de declarações das mais altas autoridades políticas da nação”.

Na opinião de Daniel Sabsay, professor de Direito Constitucional da Universidade Nacional de Buenos Aires, “pela primeira a Corte Suprema tratou de atos de um governo em exercício, de forma constitucional, porque a sociedade está farta desse tipo de decretos e a palavra do presidente perdeu autoridade”.

— A cidade de Buenos Aires é autônoma, está em nossa Constituição. Várias câmaras inferiores deram razão ao chefe de governo portenho, e a corte simplesmente deu a última palavra — explica Sabsay.

O jurista lamenta que a vice-presidente “ataque para tentar garantir sua impunidade”.

— O maior problema de Cristina é que o governo não tem maioria parlamentar para lhe dar proteção e promover, por exemplo, uma ampliação do número de membros da Corte ou alguma outra reforma — diz Sabsay. — A Argentina é mais um exemplo de tentativa de cooptação do Judiciário na região.

A tensão entre Executivo e Judiciário tem se acentuado em vários países latino-americanos. Dirigentes de esquerda e direita questionam as decisões e posicionamentos dos mais altos tribunais de seus países. No México, o presidente de esquerda Andrés Manuel López Obrador, o AMLO, conseguiu aprovar uma reforma do Judiciário que ampliou o período de mandato do presidente da Corte Suprema, hoje seu aliado, de quatro para seis anos. A oposição considera a reforma inconstitucional.

— Cada vez que a corte faz alguma coisa que AMLO não aprova, o presidente acusa o tribunal de ser neoliberal e corrupto. Os presidentes da região têm um cardápio de ataques a serem usados contra os tribunais — ressalta Vivanco.

Segundo o diretor da HRW, governos como os de Bolsonaro, Fernández e Nayib Bukele, em El Salvador, “usam argumentos fraudulentos para questionar os que colocam pedras em seu caminho” . Para este tipo de líderes, disse Vivanco, “quem ganha uma eleição leva tudo. (Hugo) Chávez foi o grande precursor da tese”.

— As democracias têm uma legitimidade de origem, que é o voto popular, mas também uma legitimidade que deve ser preservada no exercício do poder. Caso contrário, os presidentes viram tiranos.

Ele lembrou que, na Bolívia, 90% dos juízes são provisórios, o que torna o Judiciário dependente dos governos de turno. No Brasil, onde o presidente Jair Bolsonaro voltou a ameaçar o Supremo de baixar um decreto para garantir a circulação de pessoas na pandemia, desautorizando prefeitos e governadores, Vivanco acredita que “a democracia está sólida, em grande medida, pela atuação do STF frente a um governo despótico”.

Na eleição presidencial peruana, também está em debate a independência dos tribunais. Antes do primeiro turno, o candidato de extrema esquerda, Pedro Castillo, que disputará o segundo turno com Keiko Fujimori em 6 de junho, prometeu “desativar o Tribunal Constitucional” e promover a eleição popular de novos juízes e promotores.