30 de junho de 2020

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA A GESTÃO DA JUSTIÇA!

(Luis Felipe Salomão, Elton Leme e Renata Braga * – O Estado de S.Paulo, 29) As grandes questões que envolvem a eficiência da Justiça passam obrigatoriamente pela ideia de gestão. Nesse campo, o uso de ferramentas tecnológicas, no universo da computação, ganhou força no início dos anos 2000.

A onda tecnológica foi rápida e não tardou a reconhecer a imprescindibilidade dos novos avanços da ciência da computação na gestão da Justiça, agora inserida na era digital.

A “inteligência artificial” destacou-se nos últimos anos na otimização e no controle de processos, na aprendizagem, no planejamento e no escalonamento de atuações e no desenvolvimento de bancos de dados dedutivos, dentre muitas outras funcionalidades. No entanto, quais são essas outras tarefas? Qual o melhor uso da inteligência artificial na gestão do sistema de justiça? Quais os campos prioritários de ação para fazer frente às demandas da sociedade por justiça?

Para responder a essas e muitas outras questões foi criado, em 2019, o Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Concebido como um “laboratório de ideias”, de natureza privada, sua missão é identificar, entender, sistematizar, desenvolver e aprimorar soluções voltadas para o aperfeiçoamento da Justiça.

O centro da FGV pretende contribuir com o nosso país para a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, documento obtido na reunião dos representantes de 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) em setembro de 2015. Nele há o compromisso dos países com a adoção de medidas para promover o desenvolvimento sustentável até 2030. A publicação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 da Agenda 2030 ampliou um movimento que já vinha ganhando corpo nas pesquisas acadêmicas e nos levantamentos realizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ): o estudo da gestão do sistema de Justiça.

Diante do indiscutível boom digital, uma das pesquisas desenvolvidas pelo centro da FGV intitula-se Tecnologia aplicada à gestão dos conflitos no âmbito do poder judiciário: o estudo das experiências brasileiras de inteligência artificial. Seu objetivo é pesquisar o estado da arte e as experiências nacionais de aplicação de tecnologia com a utilização de inteligência artificial nos tribunais brasileiros. O levantamento inclui dados do Supremo Tribunal Federal (STF) e envolve os demais tribunais e instâncias do País.

A amostra atual – representada até aqui por 85% dos tribunais brasileiros – permitiu identificar 28 projetos de inteligência artificial no sistema de Justiça brasileiro. A pesquisa já apontou que, atualmente, o espectro da automação do Judiciário possibilita aplicações como o cadastro, a classificação e a organização da informação, o agrupamento de casos por similaridade, assim como a utilização de algoritmos para tornar a Justiça mais eficiente e otimizar a sua administração.

Interessantes achados dessa pesquisa já podem ser compartilhados. Verificou-se que soluções colaborativas têm sido desenvolvidas pelo Judiciário brasileiro. Em 2018, o Conselho Nacional de Justiça firmou termo de cooperação com o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO) para o desenvolvimento e o uso colaborativo de soluções em inteligência artificial com o objetivo de nacionalizar tais sistemas. Já no âmbito da Justiça do Trabalho há um órgão central no Tribunal Superior do Trabalho (TST) que otimiza esforços e custos dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) para criar projetos de desenvolvimento de inteligência artificial em parceria com os diversos tribunais. A cooperação entre os tribunais também tem a finalidade de aprimorar a alocação de mão de obra especializada em inteligência artificial, que é difícil de ser encontrada.

Para ter a ideia da dimensão do avanço que a inteligência artificial pode proporcionar, a experiência desenvolvida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) é reveladora. Nesse tribunal, as execuções fiscais representam um terço dos processos. Em abril de 2019 foi implantado na Vara de Execução Fiscal o sistema Hórus, que realiza em cerca de dez segundos diversas atividades que levariam muito mais tempo pelo sistema convencional. A meta inicial era a de trabalhar com 48 mil processos e o Hórus já superou essa meta, distribuindo automatizadamente mais de 275 mil processos da Vara de Execução Fiscal.

Para analisar e debater essas e outras experiências o centro da FGV realizará, virtualmente, o I Fórum sobre Direito e Tecnologia, hoje, 29 de junho, e na próxima quinta-feira, dia 2 de julho.

Em tempos de pandemia, mais do que nunca, o uso da tecnologia para atender às novas demandas da sociedade em geral e do sistema de justiça em particular revela toda a sua importância estratégica. Vem em boa hora a pesquisa para a construção do conhecimento que estimule a celeridade processual e a cooperação interinstitucional.

* RESPECTIVAMENTE, MINISTRO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ); DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO (TJRJ); E PESQUISADORA COLABORADORA DO CENTRO DE INOVAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PESQUISA DO JUDICIÁRIO-FGV, PROFESSORA DE DIREITO DA UFF-VR

29 de junho de 2020

NAVEGANDO A CRISE E CONSTRUINDO O FUTURO!

(Arminio Fraga – Folha de S.Paulo , 28) Tudo indica que ao final de 2020 o PIB terá tido duas quedas acumuladas de 7% ou mais em apenas sete anos. A renda per capita terá caído cerca de 14%. Trata-se do maior fiasco econômico de nossa história. Disparado. O que fazer para sobreviver à pandemia e voltar a crescer?

Desde a chegada do vírus venho defendendo uma linha geral de inspiração keynesiana e humanitária: aumentar o gasto público, com foco na assistência social e na saúde, expandir o crédito e reduzir a taxa de juros. O governo merece crítica por falhas de execução e pela falta de estratégia e planejamento, mas o gasto aumentou expressivamente e o BC vem fazendo a sua parte.

Essa resposta é necessária, mas tem custos. Há risco de exagero no gasto, em virtude da duração prolongada da crise e de uma guinada do governo em direção a um engajamento político fisiológico.

O Estado brasileiro está tomando emprestado para cobrir o buraco corrente e os juros devidos. A dívida voltou a crescer em bola de neve, a despeito da enorme queda da taxa de juros. Com o colapso da economia a relação dívida/PIB deve chegar a 100% no final do ano.

Cabe registrar que o crescimento recente do endividamento decorre da aplicação do receituário fiscal correto para se lidar com um problema temporário, no caso a pandemia: expansão fiscal forte no curto prazo, compensada por um ajuste previsível e diluído no tempo, para suavizar o impacto sobre a atividade econômica.

Mas, passada a crise, será, sim, necessário que se reduza o endividamento. Por quê? Para recompor um colchão de segurança que permita lidar com o que a ciência prevê que serão desastres naturais maiores e mais frequentes, como novas pandemias e mudanças climáticas, e também para evitar descontrole macroeconômico, uma doença crônica aqui por nossas bandas, sempre mais penosa para os mais pobres.

Os objetivos de curto e longo prazo dialogam e até competem entre si. Faz-se necessário gastar para amenizar a dor da crise, mas faz-se também necessário garantir a saúde financeira do Estado e abrir espaço no orçamento para se investir mais, sobretudo nas áreas de maior impacto social como saúde, educação, tecnologia e infraestrutura.

O gasto público vem subindo praticamente em linha reta há três décadas, chegando a cerca de 34% do PIB em 2019. No entanto, o investimento público caiu de um pico de 5,4% do PIB em 1969 para cerca de 2% em 2013, para menos de 1% neste ano. Não surpreende, portanto, que o investimento nacional tenha caído de 21% do PIB em 2013 para 15% a partir de 2018. Com essa taxa de investimento é impossível crescer mais rápido. É também impossível gerar as indispensáveis oportunidades e a mobilidade social tão ausentes.

E para onde vão os gastos? Oitenta por cento para previdência e funcionalismo, um ponto fora da curva quando se contrasta com a maioria dos países de renda média e alta. Não vejo qualquer razão para acreditar que o Brasil seja estruturalmente tão diferente dos demais.

Outra fonte importante de gastos (e desigualdades) são vultosos (e regressivos) subsídios como os implícitos nos regimes especiais do Imposto de Renda (os regimes Simples e de Lucro Presumido). Ademais, são baixas as alíquotas máximas dos impostos sobre as rendas do trabalho e do capital e sobre heranças.

Esses são os principais espaços que propiciariam uma radical correção de rumo. Acredito inclusive que não haja outro caminho. Listo a seguir um roteiro.

Será necessário buscar um ajuste maior na conta previdenciária, imagino que de mais dois pontos do PIB por ano. Alguns estados vêm tomando providências nessa área, um bom sinal.

Na área tributária, a eliminação de subsídios aliada a aumentos nas alíquotas mencionadas acima geraria pelo menos três pontos do PIB de receita e eliminaria um foco inaceitável de desigualdade.

No campo do funcionalismo, vejo espaço para uma reforma administrativa básica, mas altamente relevante, sobretudo por seu potencial de impacto na qualidade dos serviços prestados pelo Estado, uma clara demanda da sociedade. O primeiro e crucial passo seria avaliar todo funcionário público periódica e sistematicamente. Quem pode ser contra isso?

As avaliações deveriam ser a única base para promoções e aumentos salariais, assim como para eventuais demissões, respeitadas as defesas previstas no artigo 41 da Constituição. Esse primeiro passo poderia ocorrer através de lei complementar. Junto com uma modernização tecnológica seria fonte de grandes ganhos de produtividade do Estado e da economia em geral. O governo dá um péssimo sinal deixando o assunto para o futuro.

Essa reforma é visceralmente rejeitada por boa parcela do funcionalismo, que teme exageros e injustiças, e não se vê como privilegiada no contexto maior de um país onde mais do que a metade da população está na informalidade ou desempregada. Certamente não sou dos que demoniza o funcionalismo, muito pelo contrário. Do Banco Central ao SUS bem sei que o Estado brasileiro é repleto de pessoas competentes e vocacionadas. Mas, como se dizia no BC, há também muitos cuja ausência preenche uma lacuna.

Não há, portanto, justificativa para não se investir em uma área de recursos humanos para o setor público. Transparência e disciplina fariam muito bem ao sistema e prestariam contas à sociedade, que arca com os custos. E permitiriam enfrentar as corporações mais fortes, coibindo abusos e eliminando absurdos.

Essas reformas liberariam ao longo do tempo recursos da ordem de nove pontos do PIB por ano que permitiriam a recuperação da saúde fiscal do Estado e um aumento substancial de investimentos de alto impacto social e distributivo. O resultante ganho de confiança estimularia um significativo aumento no investimento privado e no consumo. O resultado seria um surto de crescimento sustentável e inclusivo.

Uma palavra final para não perder o hábito: o caminho requer comprometimento e liderança por parte do governo.

26 de junho de 2020

CHEGAMOS!

(José Márcio Camargo – O Estado de S. Paulo, 20) O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BCB) reduziu a taxa básica de juros da economia brasileira para 2,25% ao ano. É a menor da história recente do País. Pela primeira vez as taxas de juros na economia brasileira convergiram para níveis similares aos de outros países emergentes.

Ao contrário de outros episódios, não apenas os juros baixos não estão gerando pressão inflacionária, como pela primeira vez a política monetária pode ser utilizada para compensar choques negativos de oferta e demanda. No passado, os choques geravam pressão inflacionária, forçando o BCB a aumentar a taxa de juros, o que intensificava os efeitos negativos dos choques sobre o nível de atividade. Sem dúvida, são mudanças estruturais importantes. O que permitiu essas mudanças?

Desde meados de 2016, um conjunto de reformas aprovadas pelo Congresso está na origem deste resultado. Entre outras, as mais importantes foram a introdução, na Constituição, de um teto para o crescimento do gasto público, que reduziu a incerteza quanto à sustentabilidade da dívida pública; a substituição da taxa de juros dos empréstimos do BNDES por uma taxa de mercado e a redução do seu volume de empréstimos, o que reduziu o subsídio aos empréstimos do banco; a reforma trabalhista, que permitiu a negociação individual entre trabalhadores e empresas e que os contratos coletivos tenham validade sobre a legislação trabalhista; e a terceirização de qualquer atividade, o que, em conjunto com a reforma trabalhista, praticamente desindexou os salários.

Com essas reformas, a trajetória da dívida pública passou a depender do crescimento da economia, o BNDES deixou de ser um agente inflacionário e o comportamento dos salários reais passou a depender basicamente de oferta e procura. Manter este conjunto de reformas é a precondição para manter as taxas de juros baixas.

A necessidade de elevar os gastos públicos para combater os efeitos da pandemia de covid-19 forçou o governo a abandonar o teto do gasto em 2020. Para tal, aprovou-se uma emenda constitucional (o Orçamento de Guerra) permitindo que os gastos com a pandemia em 2020 ficassem fora do teto. Ou seja, em 2020 os gastos ex-pandemia têm de obedecer ao teto, mas os que se destinam a combater a covid-19, não.

É fundamental que esta exceção fique restrita ao ano de 2020. Caso contrário, a percepção de sustentabilidade da dívida pública, um fator indispensável para a manutenção dos juros baixos, simplesmente se evapora. Para que o teto volte a ser respeitado em 2021, os gastos com programas de combate aos efeitos da pandemia precisam começar a ser reduzidos no segundo semestre de 2020, quando o auge dos efeitos da doença, espera-se, tenha passado. E que sejam descontinuados já no início de 2021.

Entretanto, a pressão política pela manutenção dos programas está se intensificando. Em especial, por ser um programa bem-sucedido direcionado para os trabalhadores mais vulneráveis e que abarca mais de 50 milhões de pessoas, a pressão pela manutenção do programa emergencial de transferência de R$ 600 para os trabalhadores informais e por conta própria é particularmente intensa.

Como é um programa caro (R$ 50 bilhões/mês), sua prorrogação no mesmo valor tornaria difícil retomar a trajetória de equilíbrio fiscal em 2021. Este será um divisor de águas nesta negociação. É extremamente importante que o governo consiga prorrogar o programa com o valor do benefício menor e, simultaneamente, redesenhar e unificar os vários programas de transferência de renda hoje existentes no País, tornando-os mais eficientes. Será um sinal claro de que o objetivo de cumprir o teto do gasto em 2021 poderá ser alcançado. Afinal, chegamos. Atingimos o objetivo. Temos taxas de juros civilizadas. Para mantê-las civilizadas é indispensável que voltemos a respeitar o teto do gasto a partir de 2021. Mãos à obra!

25 de junho de 2020

ATENDENDO A DESEJOS…!

(Demi Getschko – O Estado de S. Paulo, 23) O perigo é a emenda sair pior que o soneto. Oscar Wilde, numa famosa e sábia tirada, nos preveniu: “quando os deuses querem punir alguém, eles atendem os seus pedidos”.

Quem não gostaria de sanear a internet, ambiente em que nos movimentamos e vivemos hoje? Remover de lá o que seja maliciosamente enganador, estupidamente virulento ou viciosamente racista e excludente?

Todos anseiam por um ar leve e puro. Que apenas informações fundamentadas e edificantes cheguem até nós, e que possamos confiar integralmente no próximo. Essa utopia, entretanto, além de não ter guarida no que conhecemos por “gênero humano”, estará sempre longe, no horizonte, como algo a ser incansavelmente buscado, porém inatingível. O perigo é escolhermos caminhos escorregadios e falhos para avançar mesmo um pouco na direção da ansiada meta. O perigo é a emenda sair pior que o soneto. Oscar Wilde, numa famosa e sábia tirada, nos preveniu: “quando os deuses querem punir alguém, eles atendem os seus pedidos”.

Visando a atender a esses desejos há vários projetos em trâmite nas casas legislativas federais, que se propõem como eficiente bálsamo para aliviar a praga das notícias falsas na internet. Afinal quem não aplaudiria um lenitivo para isso? Mas há consequências numa legislação que inclui a necessidade de identificação positiva dos usuários de rede e o rastreamento das mensagens que são repassadas.

Além de eventuais dificuldades intransponíveis para sua implantação na rede global, os projetos trarão grandes riscos à nossa privacidade e ao exercício da liberdade de expressão na Internet. Muitas vezes eivados de imprecisões técnicas graves e que sugerem pouca familiaridade com aspectos técnicos do funcionamento da internet, eles oneram essencialmente os que estão à mão, os inocentes.

Projetos feitos sem extenso debate prévio com a comunidade, podem levar a leis que se comportem como teias de aranha: apanham os pequenos insetos, enquanto os maiores as rasgam e escapam. E perde-se o objetivo de se construir um ambiente jurídico coerente e seguro. Hoje, quando celebramos a existência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), é irônico ver outras propostas indo em direção a crescente vigilantismo, com riscos, até, de deformar o Marco Civil da Internet.

O risco dos pedidos apressados lembra A Mão do Macaco, um curto e sombrio conto de W.W.Jacobs, escrito em 1902. Resumidamente, um casal idoso e seu filho jovem recebem uma visita de um major, antigo amigo, e na conversa fala-se sobre magia. O major alerta que isso é algo perigoso, que se deve evitar. Mostra uma mão mumificada de macaco, que teria poderes para atender três desejos, e sugere que ela seja jogada ao fogo, pelos riscos que representa. A família inicialmente ri-se do caso mas, ao final, decide ficar com o tal objeto, ao invés de destruí-lo. Não resistindo à ideia de testar os poderes do amuleto resolvem pedir-lhe que seja saldada a dívida remanescente da compra da casa: 200 libras. No dia seguinte, após o filho seguir ao seu emprego, recebem uma nova visita: é o representante da empresa onde o filho trabalha, trazendo uma notícia funesta: o jovem teria sido atingido pela máquina que operava e falecera. E a empresa, contristada, envia aos pais a quantia de 200 libras como maneira de aliviar a dor…

O conto segue – ainda há dois desejos disponíveis – porém, já fica claro que podemos nos arrepender amargamente quando formulamos pedidos mal engendrados. O pedido foi atendido: as 200 libras chegaram, mas perdeu-se um bem muito maior! A pressa na construção de um remédio pode sair mais grave que o mal que se pretendia combater.

24 de junho de 2020

EMENDAS DO VEREADOR CESAR MAIA AO PROJETO DE LEI 1784/2020!

Emendas ao PL 1784/2020, que dispõe sobre as diretrizes orçamentárias para o exercício financeiro de 2021, aprovadas pela Comissão de Finanças, orçamentos e Fiscalização Financeira:

*Emenda Aditiva nº 40 de 18/06/2020 às 09:01:15*
Autor
Vereador Cesar Maia
Ementa
ACRESCENTA INCISO AO ARTIGO 9º DO PROJETO DE LEI Nº
1784/2020
Texto
O caput do Artigo 9º do Projeto de Lei Nº 1784/2020 passa a vigorar
acrescido do seguinte inciso:
“XIV – Previsão de orçamento para a antecipação em forma de pecúnia da licença-prêmio dos servidores municipais em situações prioritárias”.

*Emenda Aditiva nº 41 de 18/06/2020 às 09:01:15*
Autor
Vereador Cesar Maia
Ementa
ACRESCENTA INCISO AO ARTIGO 9º DO PROJETO DE LEI Nº 1784/2020
Texto
O caput do Artigo 9º do Projeto de Lei Nº 1784 de 2020 passa a vigorar
acrescido do seguinte inciso:
“XIV – Previsão de orçamento para expansão do programa Ônibus da Liberdade, que atende alunos da Rede Municipal de Educação com transporte gratuito”.

*Emenda Aditiva nº 42 de 18/06/2020 às 09:01:15*
Autor
Vereador Cesar Maia
Ementa
ACRESCENTA INCISO AO ARTIGO 9º DO PROJETO DE LEI Nº 1784/2020
Texto
O caput do Artigo 9º do Projeto de Lei Nº 1784 de 2020 passa a vigorar
acrescido do seguinte inciso:
“XIV – Previsão de orçamento para retomada do Programa Gari Comunitário, com a limpeza urbana das comunidades carentes cariocas sendo realizada por moradores das próprias áreas”.

*Emenda Aditiva nº 43 de 18/06/2020 às 09:01:15*
Autor
Vereador Cesar Maia
Ementa
ACRESCENTA INCISO AO ARTIGO 9º DO PROJETO DE LEI Nº 1784/2020
Texto
O caput do Artigo 9º do Projeto de Lei Nº 1784 de 2020 passa a vigorar
acrescido do seguinte inciso:
“XIV – Previsão de orçamento para retomada e/ou expansão do Programa Favela Bairro, com urbanização, requalificação e regularização fundiária de comunidades carentes cariocas”.

*Emenda Aditiva nº 44 de 18/06/2020 às 09:01:15*
Autor
Vereador Cesar Maia
Ementa
ACRESCENTA INCISO AO ARTIGO 9º DO PROJETO DE LEI Nº 1784/2020
Texto
O caput do Artigo 9º do Projeto de Lei Nº 1784/2020 passa a vigorar
acrescido do seguinte inciso:
“XIV – Previsão de orçamento para a transformação da Empresa Municipal de Informática da Cidade do Rio de Janeiro – IPLANRIO em Autarquia, alterando o regime jurídico dos funcionários da mesma, que terão seus empregos transformados em cargos, desde que tenham sido admitidos mediante prévia aprovação em concurso público”.

*Emenda Aditiva nº 45 de 18/06/2020 às 09:01:15*
Autor
Vereador Cesar Maia
Ementa
ACRESCENTA INCISO AO ARTIGO 9º DO PROJETO DE LEI Nº 1784/2020
Texto
O caput do Artigo 9º do Projeto de Lei Nº 1784 de 2020 passa a vigorar
acrescido do seguinte inciso:
“XIV – Previsão de orçamento para a transformação da Imprensa da Cidade – IC em Autarquia, alterando o regime jurídico dos funcionários da mesma, que terão seus empregos transformados em cargos, desde que tenham sido admitidos mediante prévia aprovação em concurso público”.

*Emenda Aditiva nº 46 de 18/06/2020 às 09:01:15*
Autor
Vereador Cesar Maia
Ementa
ACRESCENTA INCISO AO ARTIGO 9º DO PROJETO DE LEI Nº 1784/2020
Texto
O caput do Artigo 9º do Projeto de Lei Nº 1784 de 2020 passa a vigorar
acrescido do seguinte inciso:
“XIV – Previsão de orçamento para implementação de novo Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração dos Servidores da Área de Saúde da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro”.

*Emenda Aditiva nº 47 de 18/06/2020 às 09:01:15*
Autor
Vereador Cesar Maia
Ementa
ACRESCENTA INCISO AO ARTIGO 9º DO PROJETO DE LEI Nº 1784/2020
Texto
O caput do Artigo 9º do Projeto de Lei Nº 1784 de 2020 passa a vigorar
acrescido do seguinte inciso:
“XIV – Previsão de orçamento para a retomada do Programa de concessão de Carta de Crédito aos servidores municipais”.

*Emenda Aditiva nº 48 de 18/06/2020 às 09:01:15*
Autor
Vereador Cesar Maia
Ementa
ACRESCENTA ARTIGO AO PROJETO DE LEI Nº 1784/2020
Texto
O Projeto de Lei Nº 1784 de 2020 passa a vigorar acrescido do seguinte artigo, onde couber:
“Art. X – A Lei Orçamentária Anual para o exercício de 2021 deverá prever a limitação a 0,01% (um centésimo por cento) do total de receitas no que diz respeito a gastos da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro com publicidades e propagandas, excetuadas aquelas necessárias à comunicação com a população por ocasião de situações de emergência, calamidade pública, doenças endêmicas, catástrofes, campanhas educativas ou causas similares.”

*Emenda Aditiva nº 49 de 18/06/2020 às 09:01:15*
Autor
Vereador Cesar Maia
Ementa
ACRESCENTA INCISO AO ARTIGO 9º DO PROJETO DE LEI Nº 1784/2020
Texto
O caput do Artigo 9º do Projeto de Lei Nº 1784 de 2020 passa a vigorar acrescido do seguinte inciso:
“XIV – Previsão de orçamento para retomada do Programa Remédio em Casa, com distribuição e entrega em domicílio de medicamentos para diabéticos, hipertensos e afligidos por bronquite asmática crônica atendidos pela Rede Municipal de Saúde”.

23 de junho de 2020

O LI­VRO DE BOL­TON E OS PRO­BLE­MAS DO PRESIDEN­TE!

(Fa­re­ed Za­ka­ria – O Estado de SP, 22) O li­vro de John Bol­ton nos diz mui­to pou­co de no­vo a res­pei­to da política ex­ter­na de Do­nald Trump. Ele pin­ta o re­tra­to de um pre­si­den­te ig­no­ran­te – não sa­be que o Reino Uni­do é uma po­tên­cia nu­cle­ar ou que a Fin­lân­dia não faz par­te da Rús­sia. Trump tem pou­cas opiniões fi­xas na po­lí­ti­ca ex­ter­na. Às ve­zes, mos­trou-se in­cli­na­do a in­va­dir a Vene­zu­e­la. Em ou­tros momen­tos, per­deu o in­te­res­se. Mas o que Bol­ton re­ve­la, se­gun­do tre­chos pu­bli­ca­dos até o mo­men­to, é que o ver­da­dei­ro pro­ble­ma de Trump não es­tá na sua ig­no­rân­cia nem nas su­as po­lí­ti­cas, mas no seu cará­ter.

Em ge­ral, o pre­si­den­te ado­tou po­lí­ti­cas con­ven­ci­o­nais do Par­ti­do Re­pu­bli­ca­no. Re­du­ziu im­pos­tos pa­ra os ri­cos, di­mi­nuiu re­gu­la­men­ta­ções, no­me­ou juí­zes conservadores e in­je­tou di­nhei­ro no Pen­tá­go­no. Ele diver­ge da fór­mu­la de Ro­nald Re­a­gan em du­as áre­as: imi­gra­ção e co­mér­cio, te­mas di­an­te dos quais ele mudou boa par­te do par­ti­do, que ago­ra acei­ta a ideia de ta­ri­fas, sub­sí­di­os e mer­can­ti­lis­mo, bem co­mo as rigorosas res­tri­ções à imi­gra­ção.

Não con­cor­do com mui­tas des­sas po­lí­ti­cas. Mas o que mais me pre­o­cu­pou sem­pre foi o ca­rá­ter de Trump. Trata­-se de um ho­mem vol­ta­do pa­ra seus pró­pri­os interesses, que ele co­lo­ca aci­ma de qual­quer ou­tra preocupação com a de­cên­cia, a mo­ra­li­da­de ou mes­mo a lei. Bolton não é o pri­mei­ro fun­ci­o­ná­rio do al­to es­ca­lão a aban­do­nar o bar­co – Rex Til­ler­son, Ja­mes Mat­tis e John Kelly já dei­xa­ram cla­ra sua opinião a res­pei­to de Trump –, mas ele é o pri­mei­ro a tra­zer de­ta­lhes – e eles são sór­di­dos.

Trump diz que Bol­ton es­tá vi­o­lan­do a lei ao re­ve­lar in­for­ma­ções con­fi­den­ci­ais e ale­ga que to­da con­ver­sa com ele, en­quan­to pre­si­den­te, é “al­ta­men­te con­fi­den­ci­al”. Assim, a de­fe­sa de Trump pa­re­ce con­fir­mar a veracidade do re­la­to de Bol­ton.

O li­vro diz que Trump pro­me­teu afas­tar pro­mo­to­res fede­rais que es­ta­vam in­ves­ti­gan­do um ban­co tur­co porque o pre­si­den­te Er­do­gan pe­diu sua in­ter­ven­ção. Trump insis­tiu pa­ra que o go­ver­no ucra­ni­a­no lhe entregas­se infor­ma­ções in­cri­mi­na­tó­ri­as a res­pei­to de Hil­lary Clin­ton e Joe Bi­den an­tes de li­be­rar recursos de aju­da ao país apro­va­dos pe­lo Con­gres­so. Bol­ton destaca que, em pelos me­nos oi­to oca­siões, ele e os secretári­os de Estado e da De­fe­sa ten­ta­ram pres­si­o­nar Trump pa­ra que os re­cur­sos fos­sem libera­dos, mas o pre­si­den­te rejei­tou.

O ca­so da Ucrâ­nia po­de ser o mais pas­sí­vel de im­pe­a­ch­ment, mas o tra­ta­men­to de Trump dis­pen­sa­do à China é o mais pre­o­cu­pan­te. A po­lí­ti­ca ame­ri­ca­na em re­la­ção à Chi­na é o as­sun­to mais im­por­tan­te de uma pre­si­dên­cia atu­al. É ali que se pre­pa­ra o pal­co pa­ra a paz ou a gu­er­ra, a de­fe­sa dos in­te­res­ses ameri­ca­nos, e a se­gu­ran­ça dos EUA e de seus ali­a­dos nas pró­xi­mas dé­ca­das. E Trump tra­tou es­se relaciona­men­to co­mo algo de que pu­des­se dis­por, ma­ni­pu­lan­do-o e al­te­ran­do-o pa­ra aten­der a seus inte­res­ses pes­so­ais (especificamen­te, pa­ra me­lho­rar su­as chan­ces de reeleição).

Bol­ton des­cre­ve a dis­po­si­ção de Trump de re­ver­ter acusa­ções e até ofen­sas cri­mi­nais con­tra em­pre­sas chine­sas co­mo fa­vo­res pes­so­ais ao pre­si­den­te Xi Jin­ping. Ele ofe­re­ceu a re­du­ção das ta­ri­fas so­bre produtos chineses em tro­ca de um acor­do que o dei­xas­se bem po­si­ci­o­na­do pa­ra a elei­ção de no­vem­bro, pres­si­o­nan­do Xi a fa­zer a Chi­na com­prar pro­du­tos agrí­co­las pa­ra que Trump ti­ves­se bom re­sul­ta­do com o elei­to­ra­do do Meio-Oes­te.

O pre­si­den­te elo­gi­ou Xi pe­la cons­tru­ção de campos de con­cen­tra­ção em Xin­ji­ang – vi­mos Trump fa­zer al­go seme­lhan­te em re­la­ção à co­vid-19, elo­gi­an­do mui­to a atua­ção de Xi, pro­va­vel­men­te, na es­pe­ran­ça de preservar seu acor­do co­mer­ci­al. Bol­ton des­cre­ve Trump “ne­go­ci­an­do com Xi pa­ra ga­ran­tir sua reeleição”.

O mais no­tá­vel é que os chi­ne­ses pa­re­cem ter entendido com quem es­ta­vam li­dan­do e jo­ga­ram abertamente com os in­te­res­ses de Trump. Xi dis­se que gos­ta­ria de ver Trump no car­go pe­los pró­xi­mos seis anos. Trump res­pon­deu que “es­tão di­zen­do” – sua manei­ra fa­vo­ri­ta de ex­pres­sar opi­niões pes­so­ais – que o limi­te de dois man­da­tos pa­ra a pre­si­dên­cia de­ve­ria ser sus­pen­so no ca­so de­le.

A con­clu­são de Bol­ton em re­la­ção ao acor­do com a China – e à po­lí­ti­ca ex­ter­na de Trump – é de ti­rar o fôlego. “Trump mis­tu­rou in­te­res­ses pes­so­ais e na­ci­o­nais não ape­nas em se tra­tan­do do co­mér­cio, mas tam­bém na se­gu­ran­ça na­ci­o­nal. Te­nho di­fi­cul­da­de em iden­ti­fi­car uma de­ci­são sig­ni­fi­ca­ti­va de Trump duran­te o pe­río­do em que es­ti­ve na Ca­sa Bran­ca que não te­nha si­do motiva­da pe­lo cál­cu­lo da reeleição”, es­cre­veu.

Pa­ra aque­les dis­pos­tos a de­fen­der Trump em ra­zão do que ele fez – os juí­zes no­me­a­dos pa­ra a Su­pre­ma Cor­te ou os cor­tes de im­pos­tos –, o li­vro de Bol­ton dei­xa cla­ro que o cus­to é al­to. Trump es­tá dis­pos­to a pa­gar qualquer pre­ço, fa­zer qual­quer acor­do e vi­o­lar qual­quer lei pa­ra ga­ran­tir a pró­pria so­bre­vi­vên­cia.

22 de junho de 2020

TULSA E OS VÁRIOS PECADOS DO RACISMO!

(P. Krugman – O Estado de S. Paulo, 21) Quando Donald Trump agendou um comício em Tulsa, enviou um sinal de aprovação aos supremacistas brancos. A data escolhida, dia 19, era o Juneteenth, um dia comemorado pelos negros para marcar o fim da escravidão. E Tulsa foi o local do massacre de 1921, um dos incidentes mais mortais da ofensiva para negar aos negros a liberdade.

Dizem que a campanha de Trump não entendeu o significado da data, mas não acredito. O presidente, com má vontade, adiou a manifestação em um dia, mas isso foi certamente porque ele e seu círculo mais próximo foram surpreendidos pela força da reação – assim como foram surpreendidos pelo apoio aos protestos do Black Lives Matter. Mas vamos falar sobre Tulsa e como ela se encaixa na história do racismo nos EUA.

Joe Biden declarou que a escravidão é o “pecado original” da América. Ele está certo, é claro. É importante, no entanto, entender que o pecado não parou quando a escravidão foi abolida. Se os EUA tratassem ex-escravos e seus descendentes como verdadeiros cidadãos, com proteção total da lei, o legado da escravidão desapareceria gradualmente.

Os escravos libertados começaram com nada, mas, com o tempo, muitos teriam subido, adquirindo propriedades, educando seus filhos e se tornando membros plenos da sociedade. De fato, isso começou a acontecer durante os 12 anos do período conhecido como “Reconstrução”, quando os negros se beneficiaram de alguma coisa parecida com direitos iguais.

Mas o acordo político que terminou com a Reconstrução deu poder aos supremacistas brancos do Sul, que suprimiram os avanços raciais. Os negros que conseguiam adquirir propriedades, descobriam que elas havia sido desapropriadas, seja por subterfúgios legais ou à mão armada. E a nascente classe média negra foi sujeita ao reino de terror. É aí que Tulsa se encaixa.

Em 1921, a cidade foi o centro de um boom do petróleo, um lugar para o qual as pessoas em busca de oportunidades migraram. O local ostentava uma classe média negra considerável, centrada no bairro de Greenwood, descrito como a “Wall Street negra”. E esse foi o bairro destruído por uma turba de fanáticos brancos, que saquearam empresas e casas de negros, matando centenas (não sabemos quantos, porque o massacre nunca foi investigado). A polícia, é claro, não fez nada para proteger os negros. Em vez disso, se juntou aos manifestantes.

Não é de surpreender que a violência contra os negros que conseguiram alcançar algum sucesso econômico desencorajasse a iniciativa. Por exemplo, a economista Lisa Cook mostrou que o número de negros que registram patentes, que dispararam por várias décadas após a Guerra Civil, caiu em face da violência branca. A repressão ajudou a impulsionar a Grande Migração, movimento de milhões de negros das cidades do Sul para o Norte, que começou cinco anos antes do massacre de Tulsa e continuou até 1970.

Mesmo nas cidades do Norte, aos negros eram negadas oportunidades de ascensão. Por exemplo, em 1944, trabalhadores de trânsito brancos na Filadélfia entraram em greve em protesto contra a promoção de negros. Mas a discriminação foi menos severa do que no Sul e era possível esperar que a saga tivesse terminado com a Lei dos Direitos Civis, promulgada um século após a Emancipação.

Infelizmente, para muitos negros, as cidades do Norte se tornaram armadilhas socioeconômicas. As oportunidades que atraíram os migrantes desapareceram quando os empregos se mudaram, primeiro para os subúrbios, depois para o exterior. Chicago, por exemplo, perdeu 60% dos emprego na indústria, entre 1967 e 1987. E, quando a perda de oportunidades levou a uma disfunção social, muitos brancos estavam prontos para culpar as vítimas e dizer que o problema estava na cultura negra – ou, alguns sugeriram, na inferioridade racial.

Esse racismo implícito alimentou a oposição a programas do governo. Se perguntarmos por que a rede de segurança social nos EUA é mais fraca do que a de outros países avançados, a resposta se resume a uma palavra: raça. Embora a escravidão fosse o pecado original da América, seu legado foi perpetuado por outros pecados, alguns dos quais continuam até hoje. A boa notícia é que os EUA estão mudando. A tentativa de Trump de usar o antigo manual racista o levou a uma queda nas pesquisas. Seu comício em Tulsa parece ter saído pela culatra. Ainda estamos manchados pelo pecado original, mas podemos estar no caminho da redenção.

19 de junho de 2020

O POUCO EFEITO DOS JUROS BAIXOS!

(Míriam Leitão – O Globo, 18) O Banco Central cortou a Selic, dentro do esperado, e rompeu mais uma vez o piso histórico. Mas qual o efeito disso na economia? Ajudará a amenizar o custo da dívida, isso representa em torno de R$ 20 bilhões a menos de pagamento de juros. Mas o grande resultado que se busca com a queda da taxa básica é o estímulo à atividade econômica. Desde a última reunião do Copom, a previsão do PIB de 2020 saiu de uma recessão leve (-0,9%) para um tombo histórico (-6,51%) no Boletim Focus. E certamente a projeção vai piorar nas próximas semanas. Menos juros e mais liquidez oferecida aos bancos deveriam atenuar a recessão, mas até agora nada garante esse efeito. Primeiro, porque a taxa menor não tem chegado na ponta e as empresas micro, pequenas e médias não têm tido acesso às linhas que o governo criou no contexto da pandemia.

Os dados de abril vislumbram a queda livre da economia: produção industrial, vendas do varejo e serviços tiveram quedas entre 11% e 18% em relação a março. O desemprego oculto, segundo o IBGE, pode estar atingindo 17 milhões de brasileiros que não procuram emprego porque acham que não vão encontrar. Além dos que já estão desempregados. Tudo é absolutamente incerto na economia. A bolsa e o dólar estão numa gangorra. Na última reunião do Copom, o dólar estava subindo. No dia 14 de maio chegou a R$ 5,93, em 10 de junho havia caído para R$ 4,88 e ontem estava em R$ 5,24. Os ativos têm oscilado por fatores externos. Refletem a esperança de recuperação mais rápida de economias centrais, o medo da segunda onda, a expectativa de um remédio ou uma vacina. O ruído político, provocado por um governo que não sabe governar, mas adora criar confusão, é grande. Quando é levado em conta, atrapalha ainda mais a economia.

Diante dessa incerteza provocada pela pandemia, e pela incompetência do governo, reduzir a taxa de juros para níveis nunca antes vistos não vai atenuar a queda da atividade. Mas é um movimento natural diante de uma economia que está em deflação e na qual se fala a inédita palavra “depressão”. A queda dos juros tem a vantagem de tornar mais baixo o custo de uma dívida que está subindo. Essa queda da Selic começou no governo Temer, que a pegou em 14,25% e a deixou em 6,5%. No governo Bolsonaro, continuaram os cortes e, com a crise, eles se aprofundaram até os 2,25% decididos ontem. Cada ponto a menos significa teoricamente um gasto menor de R$ 30 bilhões. Mas isso se na equação tudo o mais permanecer constante. A dívida bruta tem subido, a taxa longa nem sempre tem o mesmo movimento. Além disso, como parte das reservas está investida em papel do Tesouro americano, que está rendendo menos, o custo da dívida tem se mantido constante nos dois últimos anos, em torno de R$ 380 bilhões líquidos, segundo dados do Banco Central.

O Copom disse que o corte dos juros até agora “parece compatível com os impactos econômicos da pandemia”. Apesar de ter indicado na última reunião que esse seria o corte que encerraria o atual ciclo de relaxamento monetário, no comunicado após a decisão de ontem houve uma abertura para uma nova queda, dependendo da análise que fizerem dos impactos da Covid-19 e do efeito das medidas de crédito e de recomposição da renda.

Na verdade, novas reduções dos juros não ajudam muito. O Banco Central participou há três meses do anúncio no Palácio do Planalto de medidas de socorro a empresas, como a linha para cobrir o pagamento da folha, que nunca virou realidade. Até agora, três meses depois da primeira morte, o ministro Paulo Guedes disse ontem que o governo está finalizando o programa emergencial para minimizar os efeitos da pandemia. Várias das medidas anunciadas não se tornaram realidade.

Guedes, ao falar do que ele chama de segunda onda, a da crise econômica, disse que é consequência de termos “paralisado parcialmente a nossa economia” e que isso provocou “uma recessão que pode se transformar em uma depressão se não lutarmos adequadamente”.

Guedes acha que a luta adequada é a retomada das reformas. O momento, contudo, ainda é das medidas emergenciais para evitar a morte serial de empresas. E isso se faz com projetos que não sejam apenas peças de propaganda governamental, mas cheguem aos cofres das empresas, principalmente as micro, pequenas e médias.

18 de junho de 2020

A BIOQUÍMICA DO TETO!

(Monica de Bolle – O Estado de S. Paulo, 17) A glicólise é uma via metabólica pela qual se extrai energia da glicose. Trata-se de mecanismo presente na maioria dos seres vivos, sobretudo por ser processo anaeróbico, isto é, que não depende de oxigênio. Nas diversas etapas do processo, enzimas atuam para catalisar as reações que haverão de resultar na energia que a célula requer. Caso ocorram distúrbios em algumas dessas enzimas ao longo do processo, a glicólise pode não levar à necessária extração de energia, prejudicando, portanto, o funcionamento da célula. Em outras palavras, se houver interferências nesse delicado mecanismo bioquímico, um dos canais de sobrevivência e manutenção celular pode ser alterado em prejuízo do ser vivo.

Agora tomem por “glicose” a molécula da qual o processo de glicólise extrai energia, o gasto público, e por “célula” a economia. Em 2016, a equipe econômica de Michel Temer argumentou que havia uma disfunção no processo de “glicólise”, isto é, gasto público que o transformava em energia para a economia brasileira. Em particular, técnicos de então viram nas etapas de como o gasto afetava a economia “enzimas” que liberavam energia em excesso, ou seja, eram disfuncionais, prejudicando as contas públicas: elas aumentavam a razão dívida/PIB e, por conseguinte, o déficit público. Essas enzimas, diziam os técnicos do governo Temer, eram muito reativas e precisavam, portanto, ser inibidas.

O governo Temer conseguiu aprovar no final de 2016 a Emenda Constitucional 95 (EC 95), conhecida como o teto de gastos. O teto tinha por objetivo inibir as enzimas que resultavam em energia prejudicial às contas públicas. Mas, assim como as células, a economia é um conjunto de mecanismos delicados, interligados, de alta complexidade e não-linearidade. Inibir enzimas no processo de glicólise pode impedir que reações fundamentais ao longo das diversas etapas do processo deixem de ocorrer, impedindo a liberação de energia e prejudicando a célula.

O problema, apontado por mim em artigos nesse espaço e em entrevista para o programa Roda Viva em outubro de 2016, é que a inibição enzimática era, ela própria, excessiva. Em algum momento, o teto, demasiado rígido, acabaria impedindo a necessária liberação de energia para o bom funcionamento da economia. Mais do que isso, havia razões – e elas continuam a existir – para questionar se a EC 95, tal qual formulada, não estaria em desacordo com princípios constitucionais como a sustentação das redes de proteção social, a destinação de recursos para a saúde, o financiamento da educação, ligados à própria imagem de sociedade que a Constituição projeta.

O que havia sido previsto em 2016 se tornou realidade de forma imprevista. Evidentemente, ninguém acreditava que hoje estaríamos convivendo com uma pandemia e com a crise humanitária dela proveniente. Contudo, era inevitável que o intervencionismo excessivo no mecanismo de glicólise econômica se tornasse prejudicial em algum momento. Que fique claro: embora o teto de gastos, hoje, esteja neutralizado pelo decreto de calamidade pública, ele já tem influência sobre o orçamento de 2021: o projeto de lei das diretrizes orçamentárias do ano que vem, o PLDO, prevê que o teto seja o princípio norteador das prioridades para o gasto público. O PLDO tem de ser aprovado pelo Congresso até o dia 31 de agosto de 2020.

Caso permaneça como está, sem modificações às regras do teto que precisam ser discutidas, haverá uma asfixia. O gasto público só pode aumentar de acordo com a inflação de 2020. A inflação de 2020, por sua vez, será excepcionalmente baixa devido à crise econômica, podendo, inclusive, adentrar território negativo. Nessas circunstâncias, não haverá glicose suficiente para alimentar a glicólise, não haverá gasto público para destinar à saúde, à proteção social e menos ainda à educação, que apresenta imensos desafios nessa pandemia. Sem investimentos em capacitação de professores para dar aulas online e de computadores para as dezenas de milhões de alunos nas escolas públicas que não têm acesso digital, perderemos geração de alunos – alunos, diga-se, que já pertencem a domicílios em situação de desigualdade e desvantagens diversas. Ou seja, a EC 95, tal qual existe hoje, impede processos fundamentais para o funcionamento da economia no ano que vem e para a sobrevivência das pessoas em meio à desordem que estará conosco enquanto houver SARS-CoV-2, o vírus.

A bioquímica do teto de gastos não é compatível com a sobrevivência econômica. Tratemos de travar esse urgente debate o quanto antes, deixando de lado os dogmas que costumam orientar o monólogo público no Brasil.

17 de junho de 2020

O ESPETÁCULO DA POBREZA!

(José Casado – O Globo, 16) O Brasil avança rápido para completar uma nova “década perdida”. Vai ser o quarto período consecutivo de crescimento econômico obsceno (média anual de 2,1%). Desta vez, o ciclo será encerrado na tragédia de uma pandemia. Já são mais de 44 mil mortos sob o desgoverno de Jair Bolsonaro na Saúde.

Dobrou o número de favelas. Aumentou 107,7% em apenas dez anos. Eram 6.329 em todo o país, em 2010. Agora são 13.151.

É crescente a favelização das cidades. Em 2010 o muro social era visível em 323 municípios. Foi estendido para 734 cidades — ficou 127,2% maior.

Já são 5,1 milhões de habitações nesses aglomerados subnormais na classificação do IBGE. Eram 3,2 milhões. Aumentou 59% na década.

Uma de cada quatro dessas casas está no Rio e em São Paulo. Mas há cidades como Belém com mais da metade (55,5%) dos lares situados em comunidades. Em Vitória do Jari, no Amapá, nove mil dos 12 mil habitantes (74% da população) sobrevivem em favelas, grotas, palafitas, mocambos ou similares.

O Brasil produziu um espetáculo de pobreza nas últimas quatro décadas. Houve políticas sociais para mitigação dos efeitos, em geral descontinuadas a cada governo. Por isso, nove de cada dez favelas estão a menos de cinco quilômetros de hospitais do Sistema Único de Saúde, mas essas unidades não têm infraestrutura necessária para atendimento.

O quadro de desigualdades tende a ser agravado na surpresa pandêmica com a queda de até 10% no PIB. Sem programas efetivos de renda mínima, democracia tende a se tornar luxo para a maioria.

Há uma ironia histórica nesse ciclo de pauperização. Começou na ditadura e se amplia sob uma coalizão de civis e fardados aposentados que cultuam o obscurantismo militarista.

Negando a Ciência na pandemia e ingressando sem bússola na recessão, o governo Bolsonaro até agora só conseguiu oferecer ao país um futuro baseado na abertura de cassinos e na multiplicação do comércio de armas, com garantia de isenção de rastreamento. Isso, talvez, seja um estágio superior da inépcia.

16 de junho de 2020

ESPANHA REABRE, EM 21 DE JUNHO, FRONTEIRAS COM PAÍSES DA UE, EXCETO PORTUGAL!

(AFP/Folha de S.Paulo, 15) A Espanha reabre em 21 de junho as suas fronteiras com os países da União Europeia, exceto Portugal, Estado com o qual manterá a data de 1º de julho, anunciou neste domingo (14) o chefe de governo, Pedro Sánchez.

A data de 21 de junho coincide com o fim do estado de emergência decretado em meados de março para combater o novo coronavírus. A obrigação de quarentena para os viajantes que entram na Espanha, imposta desde meados de maio pelo Executivo, deixará de existir.

A reabertura da fronteira terrestre com Portugal deve acontecer em 1º de julho, data originalmente planejada, e será realizada em ato conjunto com as autoridades dos dois países.

O Ministério do Turismo espanhol já havia anunciado no início deste mês a reabertura das fronteiras terrestres até 22 de junho, mas a retificou algumas horas depois que o governo português manifestou surpresa e desconforto com a decisão unilateral.

A nova decisão ocorre dias depois que Bruxelas pediu a todos os Estados membros na quinta-feira (11) que suspendessem as restrições de viagem na UE e no espaço Schengen a partir de 15 de junho.

Com a pandemia em clara remissão na Espanha, que totaliza mais de 27 mil mortes por coronavírus, as autoridades de saúde temem que a retomada da mobilidade internacional provoque novos surtos no país.

15 de junho de 2020

UM NOTÁVEL ANIVERSÁRIO!

(Roberto Rodrigues – O Estado de S. Paulo, 14) Há 20 dias, em 25 de maio, fez 8 anos o Novo Código Florestal brasileiro. Mas sua gestação durou muito mais do que isso, cerca de décadas, a partir de um projeto dos idos dos anos 80 do século passado.

Fruto de uma discussão complicadíssima, veio substituir seu “irmão” mais velho, a lei número 4.771, de 15 de dezembro de 1965, mas mantendo o mesmo DNA que o caracterizava, como as regras de preservação e conservação ambiental, com lucidez e respeito por um processo de regularização ambiental da ocupação territorial brasileira, tão distante dos nossos dias quanto difícil, corajosa e cheia de diferenças.

Não foi por falta de empenho da “parteira” democracia, mais do que comprometida com o nascimento da “menina”, mas radicalismos de todo tipo atrasaram esse parto memorável. De fato, o debate em torno do tema foi longo e complexo, envolvendo técnicos competentes, entidades de classe e organizações não governamentais e naturalmente representantes dos poderes constituídos, em discussões que variaram entre o mais alto nível intelectual até embates menos nobres alimentados por interesses e por ideologias conflitadas de todos os lados.

Mesmo assim, foi um processo que teve sua beleza rara, exatamente por causa dessas diferenças. Em função delas, os parlamentares puderam conhecer bem o vasto território nacional, constituído por biomas e realidades agropecuárias tão distintos e tão amplos, com características definidoras de suas funções e limitações. Em mais de uma centena de audiências públicas realizadas em todas as regiões, e nas comissões especiais do Congresso, o tema foi dissecado a fundo. Em busca da solução melhor para o País, a mais justa e equitativa, o debate foi conduzido com o máximo respeito à nossa Constituição pelo então deputado Aldo Rebelo, um patriota convicto.

O resultado não agradou nem aos ambientalistas e nem aos produtores. A busca pela Justiça é assim mesmo. Por mais que seja anelada, sempre fica a questão subjetiva, e alguns acharão que é injusta a solução alcançada, em ambos os lados. Mais ou menos como a Democracia, tantas vezes contestada por quem perde uma liça eleitoral: só é boa para quem venceu e em seu nome muitas vezes se praticam ações que são sua negação. O grande Churchill tinha uma de suas célebres “tiradas” a esse respeito.

Mas a lei aí está, rigorosa e onipresente, e o fato de nenhum dos lados ter ficado inteiramente satisfeito com o resultado é a melhor prova de seu equilíbrio: ninguém foi privilegiado ou preterido.

Após sua sanção pelo Executivo, os Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura cuidaram de sua regulamentação, com a implementação do Cadastro Ambiental Rural, instrumento da melhor qualidade que mostrou com o tempo que o produtor rural é elemento chave para a preservação do meio ambiente. Claro: se não o fizer acabará perdendo seu patrimônio.

Após algumas escaramuças posteriores, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional o Código Florestal de 2012, reafirmando que fora construído em respeito à livre iniciativa, ao desenvolvimento nacional, em busca da erradicação da pobreza e da marginalização, engajada na redução das desigualdades sociais e regionais, na proteção da propriedade privada, do pleno e digno emprego e, sobretudo, estabelecendo a indispensável segurança jurídica que determina a necessidade do cumprimento da lei, independente de interesses, crenças ou ideologias.

Agora, 8 anos depois da sua histórica promulgação, é imperioso implementar, em cada Unidade da Federação, um de seus preceitos fundamentais, o Programa de Regularização Ambiental – PRA, que estabelecerá as normas pelas quais os produtores e proprietários rurais cumprirão seus deveres legais com respeito à própria democracia, mãe sofrida do nosso exemplar Código Florestal.

Essa é a expectativa dos agropecuaristas paulistas. Há anos esperam a instituição do PRA do Estado, que seja audacioso e corajoso, e que estimule nosso agronegócio, esta extraordinária máquina tropical que a pandemia mostrou, mais uma vez, ser capaz de alimentar com responsabilidade, qualidade e sustentabilidade, a milhões de consumidores ávidos de alimentos, energia e fibras em todo o planeta.

12 de junho de 2020

POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA SANITÁRIA!

(José Serra – O Estado de S. Paulo, 11) A pandemia de covid-19 é uma calamidade que combina três dimensões: econômica, sanitária e social. Ela causa um choque negativo na demanda e na oferta da economia, afetando a produção, o emprego e a renda. Suas proporções de doença e mortes provocam um choque social: milhões de pessoas, sem emprego ou renda, tornam-se vulneráveis e outras tantas aprofundam sua vulnerabilidade preexistente. Paralelamente, os efeitos da pandemia sobre a população causam um choque no sistema de saúde, ameaçando-o de colapso. A existência prévia de acentuada crise política é sério agravante.

Uma pandemia de coronavírus era prevista pela comunidade científica internacional, mas ao eclodir obrigou o poder público em todos os países a atuar de improviso. A maioria das nações tem adotado medidas pontuais de enfrentamento de emergência da disseminação do vírus e de tratamento dos infectados: transferências de recursos para grupos vulneráveis ou afetados pela pandemia, garantias e subsídios para empresas e proteção ao mercado de trabalho.

A experiência internacional aponta novos rumos para enfrentar calamidades públicas. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, publicou recentemente uma nota técnica que defende a ideia de “válvulas de escape” a serem acionadas em situações de calamidade. Isso permitiria que “regras contra desastres” fossem automaticamente acionadas, assim como é feito quando as regras fiscais são desobedecidas.

O desafio de desenhar políticas públicas às pressas, entretanto, é imenso e afeta mais os países onde há falhas de governo. Nesta pandemia, saíram-se melhor países como a Nova Zelândia, onde a espinha dorsal do orçamento público são políticas de bem-estar e saúde. A Austrália adotou um modelo de gestão compartilhada entre o governo federal e os entes federativos no enfrentamento da covid-19, dando transparência às iniciativas do poder público e funcionando como uma política nacional contra a pandemia.

No caso dos Estados Unidos, não foram tomadas medidas de planejamento de longo prazo, nem medidas imediatas de pronta resposta. Entretanto, desde a pandemia da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), em 2003, causada por coronavírus, a ocorrência de novas pandemias era tida por certa, a dúvida seria quando. Naquele ano, um Estoque Farmacêutico Nacional, criado ainda na administração Clinton (1993-2001), fora transformado em Estoque Estratégico Nacional, que, no entanto, nunca chegou a reunir insumos e equipamentos básicos, tais como máscaras ou remédios genéricos, indispensáveis para enfrentar uma pandemia. O resultado é conhecido, tendo sido agravado pelo empenho presidencial em se opor ao combate à pandemia.

O governo brasileiro, desde o início, tinha várias condições favoráveis para encarar com eficiência a pandemia. O primeiro, fortuito, foi o começo tardio da presença e disseminação do vírus em nosso território, dando aos órgãos públicos mais tempo para se prepararem, além de proporcionar exemplos, em outros países, do que fazer e do que evitar. Conta também com um sistema de saúde nacional e de alcance universal, gratuito, cobrindo desde o atendimento médico, do mais simples ao mais complexo, até o desenvolvimento de pesquisa e a distribuição gratuita de medicamentos essenciais. E acumulou, ao longo de décadas, uma bem-sucedida experiência de campanhas nacionais de vacinação.

Entretanto, essas vantagens de nossa gestão da saúde pública não se converteram automaticamente em mecanismo capaz de planejar e gerir uma máquina de guerra de combate a um desastre das proporções da pandemia de covid-19. A começar por planejamento estratégico de diagnóstico, elaboração de políticas, implementação de gestão da crise provocada pela pandemia, que vai muito além de seus aspectos sanitários.

Um importante obstáculo são as inevitáveis oposições internas a uma política dessa magnitude. O surgimento de uma quinta-coluna, comandada pelo próprio presidente da República, certamente não ajudou, e ficamos condenados à improvisação em todos os níveis de governo. No início da crise, regras fiscais foram usadas pelo Executivo como pretexto para não atuar energicamente, mesmo após o Congresso e o Supremo Tribunal flexibilizarem os diplomas legais em vigor. Diante dessa omissão, partiu do Congresso a iniciativa de aprovar a Emenda Constitucional 106, a fim de instituir um apropriado regime fiscal, financeiro e de contratações para atender às necessidades de um estado de calamidade pública internacional.

Cabe destacar que o novo dispositivo constitucional não deveria restringir-se à pandemia do novo coronavírus, mas alcançar qualquer calamidade decretada pelo Congresso Nacional em razão de emergência provocada por fatores externos. O regime extraordinário instituído pela Emenda 106 alinha-se às “válvulas de escape” propostas pelo FMI. Nesse sentido, é urgente a adoção de legislação geral estabelecendo, nos três níveis de governo, a regulamentação de uma política nacional de segurança sanitária, dotada de um arranjo institucional permanente de combate a pandemias e outros desastres que provoquem estados de calamidade nacional.

Urge uma legislação geral de combate a pandemias e desastres de calamidade nacional.

10 de junho de 2020

ACHATAR A CURVA DE CRESCIMENTO DAS AÇÕES JUDICIAIS!

(Luis Felipe Salomão, Valter Shuenquener de Araujo e Daniel Carnio Costa – Globo, 09) As autoridades públicas, com o propósito de retardar a disseminação da doença pandêmica e “achatar” a curva de contágio, passaram a implementar medidas de restrição de convívio social, circulação de pessoas e a imposição de quarentena, na linha do que vem sendo feito por outros países. A proposta tem por finalidade evitar que muitas pessoas fiquem doentes ao mesmo tempo, preservando o sistema de saúde em razão de falta de quartos e leitos de UTI.

O mesmo raciocínio deve valer para o tratamento e solução de litígios, durante e após a pandemia.

No Brasil, há uma nova ação judicial por ano para cada grupo de sete brasileiros. Nosso país tem um acervo de cerca de 80 milhões de processos judiciais, e uma taxa de congestionamento no Judiciário de cerca de 70%. Ainda que com o constante aumento da produtividade dos magistrados, observado pelo Conselho Nacional de Justiça, os dados são assustadores. A prevalecer a atual cultura litigante, há um temor quanto ao colapso do sistema judicial brasileiro, que já funciona próximo do limite de sua capacidade operacional. Segundos dados do Sebrae, aproximadamente 99% das empresas brasileiras são micro e pequenas, sendo responsáveis pela geração de mais de 50% dos empregos formais. Em razão da pandemia, 89% dessas empresas apresentaram queda de faturamento já no final de março de 2020, sendo que em 84% dos casos a queda foi superior a 30%, podendo chegar a 90%. Ainda segundo o Sebrae, as micro e pequenas empresas possuem, em média, um caixa para despesas de apenas 12 dias.

Conforme já percebido por Lawrence Summers, economista da Universidade de Harvard, a pandemia acabou gerando um descompasso entre o tempo econômico e o tempo financeiro das empresas. O relógio econômico parou, pois as empresas estão fechadas e não possuem faturamento. Mas o relógio financeiro continuou a correr, na medida em que suas contas continuaram a vencer e se tornar exigíveis.

Não é difícil antecipar que os efeitos desse descompasso impactarão severamente os serviços prestados pelo Poder Judiciário. Se nada for feito, provocarão elevação vertiginosa na curva do gráfico de ações judiciais distribuídas (temas como cancelamento de voos, desmarcação de pacotes turísticos, planos de saúde, insolvência das empresas, direitos trabalhistas, inadimplementos contratuais, divórcios e responsabilidade civil das mais variadas).

Diversos países do mundo vêm tomando medidas para, de um lado, evitar o ajuizamento excessivo de demandas relacionadas à crise da pandemia e, de outro lado, preparar o sistema de insolvência empresarial para uma atuação extraordinária na ajuda à preservação das empresas durante um período de crise aguda. É o que mostra o relatório conjunto apresentado pela INSOL International e pelo WorldBank, do último dia 10 de abril.

O Conselho Nacional de Justiça vem adotando recomendações e avisos importantes para enfrentar a crise de demandas, já sinalizou para a importância do uso da conciliação e mediação como formas de solução de conflitos. Está lançando uma plataforma de mediação/conciliação que contará com a participação de todos os relevantes atores da Justiça e que pretende efetivar as audiências previstas no art. 334 do CPC.

Portanto, é o momento de aprofundar a conscientização da população para utilização da mediação e conciliação não só como forma de solução de processos judiciais, mas também a etapa pré-processual para evitar que conflitos se transformem em ações judiciais. Essas soluções extrajudiciais tendem a garantir maior efetividade e atendimento aos interesses de credores e devedores.

Algumas relevantes iniciativas também começam a ser desenvolvidas pelos Tribunais. No TJSP há o projeto-piloto de mediação e conciliação pré-processuais para disputas empresariais em decorrência da situação emergencial. Os Tribunais do Paraná e do Rio de Janeiro estão implementando projetos pioneiros que envolvem a mediação e a conciliação pré-processuais.

Achatar a curva de demandas deve ser prioridade no Brasil, e a disseminação dessas boas práticas aos demais tribunais brasileiros é medida que se espera em prol da administração da Justiça.

Luis Felipe Salomão é ministro do Superior Tribunal de Justiça, Valter Shuenquener de Araujo é professor de Direito Administrativo da Uerj e juiz federal, e Daniel Carnio Costa é juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo e auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça.

09 de junho de 2020

NOVOS VENTOS!

(Luís Eduardo Assis, economista – O Estado de S. Paulo, 08) Depois do tropeço, vem o tombo. Os indicadores do mercado de trabalho de abril são tétricos e anunciam uma crise sem precedentes. O número de pessoas ocupadas com carteira assinada caiu 886 mil em relação a março. Se a comparação for com dezembro do ano passado, a queda foi de 1,47 milhão de postos de trabalho. Isso é mais que o registrado em todo o ano de 2015 (-1,08 milhão) ou 2016 (-1,37 milhão). No mercado de trabalho informal a situação é ainda mais grave. O total de pessoas ocupadas no setor privado sem carteira assinada caiu 897 mil em abril, contra março, e ficou 1,73 milhão menor que o número de dezembro. Somando os dois grupos, são 3,2 milhões de pessoas que deixaram de trabalhar nos primeiros cinco meses de 2020, 777 mil a mais que o total acumulado no biênio 2015-2016.

É bom lembrar que o recuo de 2015-2016 foi o maior da história e desde 1930-1931 o Brasil não apresentava dois anos seguidos de contração da atividade. Pois agora, em 2020, bastaram quatro meses para o estrago no mercado de trabalho ser maior. Ao contrário do que pensa o ministro da Economia, o Brasil não foi abatido quando estava decolando (a não ser que se pense numa asa delta, que decola para baixo). O índice de atividade calculado pelo Banco Central, medido em sua variação anualizada, vinha caindo desde o ano passado, quando bateu em 1,5% em maio. Em março último, o crescimento estava em 0,75% ao ano. A tese propagandeada de que a aprovação da reforma da Previdência iria impulsionar a economia se mostrou um fiasco. Se depois do tropeço vem o tombo, o que virá depois do tombo? Qual é o plano do governo?

Não há plano. É só mais do mesmo. As reformas vão tirar o País da lama e garantir a volta do emprego perdido, repete-se. O mercado acionário engole essa ilusão com casca e tudo e já subiu cerca de 50% desde o seu ponto mais baixo, em 23 de março. A falta de atenção com a população mais pobre, mais que uma distorção, está inscrita no besteirol que caracteriza as manifestações do governo. Ainda recentemente, o ministro Paulo Guedes gravou um vídeo oficial no qual anunciava o auxílio emergencial para os trabalhadores informais. Mas, espantosamente, no momento de explicar a quem se destinaria o benefício, não lhe ocorreu melhor ideia do que dizer que o auxílio era “para a gente simples, que trabalha todo dia, para nos alimentar e para nos distrair”. É difícil de encontrar síntese mais elucidativa da visão preconceituosa e arrogante que o governo tem dos trabalhadores brasileiros que não ganharam na loteria da vida. Fica evidente, pela colocação dos pronomes, que o pronunciamento não era dirigido às pessoas que perderam o trabalho. A mensagem era para a elite que se deixa alimentar e distrair, enquanto profere lamúrias a respeito da modorrenta quarentena a que se submete. O recado é claro: fiquem tranquilos, o governo vai pagar uma mesada para esta “gente simples”.

Ao tratamento discriminatório se soma o sectarismo autofágico do presidente da República, o que cobrará um alto preço do governo nos próximos meses. O auxílio emergencial vai acabar antes que a economia se recupere. Este hiato vai reduzir ainda mais o espaço de manobra para a articulação de um projeto para o País.

É de uma ingenuidade comovente acreditar que milhões de novos desempregados terão paciência para esperar os dúbios resultados de reformas tão ambiciosas quanto impopulares, algumas das quais nem sequer foram formuladas. A agenda fundamentalista liberal do ministro não tem como responder aos reclamos imediatos da “gente que nos distrai”. Ou o governo percebe os novos ventos ou a transformação da crise política em crise institucional será inevitável.

08 de junho de 2020

TEM FALTADO QUEM INSPIRE CONFIANÇA EM NÓS MESMOS, EM LUGAR DE ÓDIO E RANCOR!

(Fernando Henrique Cardoso – O Estado de S. Paulo, 07) Os tempos modernos caracterizam-se pela racionalização crescente, dizem os cientistas sociais. Se é verdade que nas culturas mais simples as crenças ditavam o que se devia fazer, com a complexidade do mundo contemporâneo, sobretudo pós-industrialização, a ciência substituiu as crenças. Se isso não vale para o transcendental, devia valer como baliza para as decisões, em especial as que implicam responsabilidade pública.

A ciência serve de guia para recomendar o provado, não elimina a necessidade de juízo político e moral sobre decisões a tomar. Dilemas difíceis chegam em situações de grande incerteza, como agora, pois não só o futuro parece indefinido, mas o presente se mostra volátil. Nestas horas é que mais se requerem lideranças para responder a desafios que exigem soluções complexas. É tarefa de todos ajudar nos resultados a partir do que se alcançou com o conhecimento. Mas os rumos são de responsabilidade moral dos que lideram. Cabe a eles decidir com base no conhecimento, pensando no que é bom ou mau para as pessoas.

Comentaristas repetem que enfrentamos uma “tempestade perfeita”. Chove e venta copiosamente: o coronavírus é pandêmico, a economia mundial está capenga, para não dizer paralisada ou regredindo, e em muitos países os donos do poder creem em mitos – que não são como os dos primitivos, aos quais não havia saber que se contrapusesse.

Assustados com a tempestade, os que, além de crer neles, pensam encarnar mitos, assumem ares de valentia. Na verdade, receiam que sua força se esvaia no confronto com a realidade, que não compreendem. Buscam culpados e inimigos, em vez de diálogo e convergência para atravessar o temporal com o menor dano possível para a economia e as pessoas, sobretudo as do andar de baixo.

Os que mandam nem sempre entendem os sinais de outros setores da sociedade. Desde que inventaram o “nós” contra “eles”, o adversário virou inimigo. E com inimigo não se conversa, se destrói. A menos que se renda e, ajoelhado, repudie suas ideias “subversivas”, que corroem a “ordem”. Não foi o atual governo que nos enredou e se amarrou nessa disjuntiva sinistra, mas a responsabilidade por sua solução é também de quem nos governa.

Em nosso país, com uma tempestade perfeita, o “nós” contra “eles” é criminoso. A vítima é a estabilidade da democracia, conquista civilizatória que nos tem permitido resolver os conflitos políticos de modo pacífico. Quem a põe em xeque ou silencia ante vozes autoritárias não é conservador, é atrasado, tem teias de aranha na alma. É promotor da instabilidade e conivente com o retrocesso civilizatório. Alguns são cultores da violência, do fanatismo e da ignorância. Subversivos são os que assim procedem, não quem ergue a voz para preservar o patrimônio comum de todos os brasileiros: a democracia que construímos.

Esta consideração alcança todos, mulheres e homens, civis e militares, conservadores, liberais ou progressistas. Só os reacionários, que têm no atraso sua bússola, não veem a distinção entre inimigos e adversários. Estes podem ter visões e objetivos diferentes dos que prevalecem nos que mandam, mas, se respeitadas as decisões da maioria, as leis e a Constituição, a diversidade, a diferença, fazem parte do jogo da democracia. Quando se substitui esta noção pela distinção entre “bons” e “maus” como se houvesse uma guerra permanente, começa-se por querer eliminar os “inimigos” e se termina por matar a democracia.

São tempos incertos os que vivemos. Neles a liderança deve apelar à racionalidade, ao bom senso, ao sentimento de solidariedade e de unidade nacional, admitir que não há caminhos fáceis nem soluções mágicas, e o País deve buscá-los de braços dados. O Brasil tem vulnerabilidades, como os grandes aglomerados urbanos onde milhões vivem do trabalho informal em moradias precárias. Sem falar dos desempregados e dos que perderam condições de se empregar. Tem limitações fiscais, que podem e devem ser flexibilizadas num momento de emergência social e econômica, mas não podem ser desconsideradas. E tem ativos como o SUS, instituições de pesquisa científica como a Fiocruz, universidades como a USP e outras, epidemiologistas de categoria internacional, militares e funcionários devotados ao serviço público, uma sociedade civil ativa, governadores e prefeitos que arregaçaram as mangas para enfrentar o desafio, uma imprensa atenta e instituições públicas de controle a zelar pelo bem comum, etc.

O que nos tem faltado é quem inspire, em vez de ódio e rancor, confiança em nós mesmos. Esta requer serenidade de quem busca despertá-la nos compatriotas; exige compostura, capacidade de convencer pelas ideias, e não pela ameaça.

O Brasil já contou com políticas e políticos que despertavam confiança. Convivi com Tancredo Neves, homem de fala mansa, mas de valores firmes. Foi um político de diálogo, atento à necessidade de buscar denominadores comuns em momentos críticos. E com Ulysses Guimarães, que sabia aliar ao diálogo a firmeza, quando necessário. E assim outros.

Que sua lembrança nos inspire a fazer frente aos arreganhos autoritários com firmeza e serenidade. E novos líderes encarnem o espírito enérgico e conciliador que marcou boa parte de nossa liderança, para em 2022 não se repetir a escolha trágica de quatro anos atrás.

O que nos tem faltado é quem inspire confiança em nós mesmos, em lugar de ódio e rancor.

05 de junho de 2020

A TAREFA DE CUIDAR DOS VIVOS!

(Everardo Maciel – O Estado de S. Paulo, 04) A tragédia da pandemia, no Brasil, tornou visíveis graves patologias no Estado e na sociedade que permaneciam disfarçadas pela nossa histórica incapacidade de tratar os problemas com responsabilidade e pela degradação do pouco que existia de empatia. O Estado, vilipendiado pela corrupção sistêmica e pelo corporativismo, é incapaz de exercer suas responsabilidades mínimas. A saúde pública, por exemplo, a despeito do honroso esforço dos que nela militam, é ineficiente e dispendiosa. Sua gestão, não raro, se subordina ao loteamento político, que deságua invariavelmente em escândalos.

Na elite do serviço público, nem sequer se fez valer a regra constitucional do teto remuneratório. No Judiciário, são espantosos os artifícios para concessão de gratificações disfarçadas em indenizações para contornar o teto. É inadmissível a concessão de auxílio-moradia, quando milhões de brasileiros não têm onde morar ou moram em condições indignas. No Legislativo, as superlativas cotas para o exercício da atividade parlamentar constituem uma deplorável forma de remuneração, atentatória à pobreza da população.

As repercussões sociais e econômicas da pandemia serão devastadoras. Mas como vamos cobrar sacrifícios de todos, se a elite do serviço público goza de privilégios, antes inaceitáveis e hoje acintosos? O exemplo é uma didática eficaz.

Poucas vezes em nossa história o equilíbrio institucional esteve tão ameaçado. A sensatez é espancada diariamente por incontinência verbal ultrajante. As redes sociais são dominadas por ódio e polarização extrema. O vandalismo, mesmo nas atuais circunstâncias, está nas ruas. Tudo faz lembrar o que disse Ortega y Gasset (Meditações do Quixote) em 1914: “A moradia íntima dos espanhóis foi tomada a tempo pelo ódio, que permanece ali artilhado, movendo guerra ao mundo”.

Torço vivamente por um desfecho civilizado, mas receio que venhamos a ter graves transtornos.

A hora é de prosseguir com o enfrentamento da pandemia. É falso o dilema entre saúde e emprego. Seria insensato prescrever isolamento social senão como estratégia – não a única – de política sanitária. Ainda que seja óbvio, não esqueçamos que mortos não produzem nem pagam impostos.

O enfrentamento não pode, entretanto, interditar reflexões sobre o que fazer para além da política sanitária. Atribui-se ao Marquês de Alorna resposta dada a Dom José I, rei de Portugal, que indagara sobre o que fazer após o terremoto que em 1755 devastou Lisboa: “Sepultar os mortos e cuidar dos vivos”.

Ainda que nem sempre estejamos sepultando os mortos com a reverência ditada por ancestrais tradições, é preciso recrutar contribuições para o futuro. Apresso-me em oferecer mais sugestões no campo tributário.

Convém que, imediatamente, se proceda à completa desoneração tributária da produção e distribuição de vacinas. Tal iniciativa dispensa justificações e seria inviável se estivéssemos amordaçados pela infeliz tese da alíquota única e vedação de incentivos.

A administração tributária deveria cuidar da certificação de créditos e prejuízos acumulados, que, somados aos precatórios, facultem no futuro uma ampla compensação com créditos inscritos em dívida ativa.

Tributos com vencimento postergados de setores debilitados terão de ser parcelados. Sem prazos fixos e anistias, como tem sido habitual, mas vinculados à receita bruta, a exemplo do Refis original (1999), permitindo uma convivência flexível com a crise.

É tempo de disciplinar o Bônus de Adimplência Fiscal (Lei n.º 10.637 de 2002), que reduz a tributação dos contribuintes que não têm litígio fiscal, estimulando, portanto, uma conduta amistosa, na esteira das sanções premiais preconizadas por Norberto Bobbio. Mais ousadamente, poder-se-ia cogitar da adoção de novas hipóteses para concessão do bônus.

A tarefa futura de reequilibrar as contas fiscais não será fácil e exigirá muita determinação e criatividade. Esse, todavia, será um problema, mais que brasileiro, universal.

04 de junho de 2020

‘PAI’ DA LRF DEFENDE ATRELAR META PARA DÍVIDA A TETO FLEXÍVEL!

(O Estado de S. Paulo, 03) O aumento dramático nos gastos públicos para combater efeitos da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus acendeu o debate entre economistas sobre como o Brasil vai sinalizar a investidores um compromisso crível com a reorganização das contas públicas. Um dos pais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o economista José Roberto Afonso defende que o País adote uma meta de dívida pública, associada a um limite mais flexível para as despesas.

O atual teto de gastos, que limita o avanço das despesas à inflação, deve enfrentar uma pressão cada vez maior e pode estourar já no ano que vem sem a aprovação de reformas que ataquem o gasto público.

Enquanto isso, parlamentares do Centrão, bloco que se aliou a Jair Bolsonaro para dar sustentação ao governo, e até integrantes da ala política do governo defendem mais despesas públicas para impulsionar a retomada da economia pós-pandemia. Há também pressão para que o governo crie uma renda básica para a população vulnerável com base no auxílio emergencial de R$ 600 criado temporariamente para o período da crise, política que poderia ter custo bilionário.

A equipe econômica tem defendido fervorosamente a manutenção do limite nos moldes atuais e vê na regra uma “superâncora” para sair da crise com a confiança dos investidores de que o País seguirá fazendo o ajuste fiscal. A avaliação no governo é que qualquer alteração no teto pode se transformar em custo adicional para o País se financiar no mercado, com reversão da trajetória de queda nos juros da dívida.

Endividamento. Essa manutenção é vista como ainda mais crucial agora em que o Brasil precisou elevar brutalmente seu endividamento para reagir à pandemia. A previsão oficial é que a dívida bruta termine o ano em 93,5% do PIB, mas economistas já veem níveis até maiores, próximos de 100% do Produto Interno Bruto (PIB), um patamar considerado elevado para países emergentes como o Brasil.

Afonso, porém, vê na crise uma oportunidade para criar a trava para a dívida, ainda que sua aplicação fique suspensa em períodos de calamidade e recessão. “É importante dar um norte para os investidores que estão correndo para dívida pública na hora da tormenta, mas, quando esta se dissipar, precisam do conforto de que a mesma será paga”, afirma o economista, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Regulamentação. A LRF prevê os limites da dívida mobiliária (contraída via emissão de títulos públicos) e da dívida consolidada (que inclui os títulos e outros débitos, como empréstimos contratuais e precatórios judiciais), mas os dispositivos nunca foram regulamentados. Para Afonso, a hora de fazer isso é agora, no meio da crise, com possibilidade de prever uma longa trajetória de ajuste e associar a nova âncora a um “renovado teto”, mais flexível que o atual.

A meta de dívida poderia ser trianual, com atualizações periódicas, como já é feito com a meta de resultado primário (obtida pela diferença entre arrecadação e gastos) na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). “A ideia de uma meta rígida de gastos ou de dívida é irreal porque, infelizmente, a economia insiste em se mover em ciclos. Pior: às vezes, como agora, afunda sem parar”, Afonso.

No longo prazo, o governo continuaria com o compromisso de adotar medidas que resultem na convergência da dívida para a meta fixada, mas no curto prazo teria maior flexibilidade para agir em momentos de necessidade como o atual.

A equipe econômica, contrária a mudanças, argumenta que o teto já tem válvulas de escape para episódios de crise, como os créditos extraordinários, que abrem caminho a despesas emergenciais sem necessidade de respeitar o limite de gastos.

“É importante dar um norte para os investidores que estão correndo para dívida pública na hora da tormenta.”

03 de junho de 2020

POR QUE O DIGITAL É MAIS CRIATIVO!

(Nizan Guanaes – Folha de S.Paulo, 02) O digital é mais criativo do que a TV por um motivo muito simples: o digital não é escravo da audiência.

Ele forma a audiência. Sentado numa audiência absurda, a TV tem que contentar a todos. Por isso, ela inova menos, arrisca menos.

Já o digital nada de braçada. Ele tem todos os dias as melhores cabeças do mundo gerando gratuitamente conhecimento. Eu estou comprando todos os livros que Bill Gates recomendou para atravessar a pandemia. Eu não preciso mais ouvir sermão feijão com arroz se eu posso ouvir o padre Fábio de Mello ou o dalai-lama ou o que quiser na tela do meu celular.

Eu vi com emoção o lançamento do primeiro foguete tripulado construído pela iniciativa privada no meio de uma crise econômica. Eu também vejo o TikTok revolucionar a linguagem e a estética com coisas geniais e com coisas absurdas e escatológicas.

Eu editei meu Instagram para ficar ligado às fontes de conhecimento do mundo (The New York Times, BBC, The Wall Street Journal). Mas também aos BBBs, à blogueira, aos mequetrefismos, à Nathalia Arcuri, ao Caetano etc. etc. etc.

É uma batalha inglória para a TV. Não acho que os anunciantes e as agências e a mídia em geral entendam o que está acontecendo. Eles acham que é uma revolução do meio. É mais: é uma revolução da mensagem. O mundo está mudando de pauta. Ninguém aguenta só falar de política, de economia e de narrativas dramáticas cansadas e tantas vezes negativistas.

A novela tem as mesmas estórias contadas à exaustão. O digital tem tudo. O romance entre um pé de chuchu e uma couve. No primeiro episódio, tem duas pessoas assistindo. E daqui a pouco tem 40 milhões. Afinal, as Kardashians são um pé de chuchu.

Democracia é pauta também. E é a pauta cauda longa —40 mil, 50 mil, 100 mil pessoas que querem falar de relógio ou masturbação ou latim, em profundidade. Aí você tem à disposição tudo, absolutamente tudo de mais genial que a mente humana pode produzir sobre o tema. Inclusive comercialmente falando. E você compra tudo rapidamente. A experiência de compra é incrível. Uma das melhores coisas no YouTube e no Instagram são os produtos. A criatividade dos produtos, dos serviços e dos apps.

Os CEOs e os CMOs deveriam reservar tempo para se dedicar a uma imersão diária neste mundo que está em nossas mãos. Antigamente, a gente viajava ao exterior para nos atualizar. Hoje, é só clicar de qualquer lugar. Os CEOs e o CMOs precisam achar esse tempo.

A quarentena nos deu tempo. Neste festival de horrores, luto e medo, surgiram coisas boas também. Uma delas é o ser humano ter mais tempo para ser humano. Para rezar, cantar, ler, jogar baralho, dominó, falar bobagem.

O digital tem essa pauta. Que está na literatura de Saramago quando ele fala da avó dele, de Jorge Amado contando a vida da Bahia, de Quintana, Bandeira, Pessoa. A beleza das coisas comezinhas.

Escrevo este texto direto do meu WhatsApp, depois de ver a live do padre Fábio de Melo no meu iPad e tendo de correr para fazer um Zoom de trabalho num domingo.

Tudo isso é uma bênção, inclusive para a TV. Que será ainda mais forçada a sair da sua zona de conforto. A Globo tem melhorado muito, esta Folha está linda, o New York Times se reinventou mostrando que quem decretou o fim do jornal perdeu etc.

Aliás, o etc. é a pauta rica do digital. A publicidade precisa dedicar tempo ao etc. Os anunciantes têm que entender que o futuro está no etc. A felicidade é o etc.

O digital, essa biblioteca de Alexandria, cobre o desnecessário. E ele, meus amigos, o etc., é o novo essencial.

02 de junho de 2020

CPMF, UMA IDEIA FIXA!

(Claudio Adilson Gonçalez – O Estado de S. Paulo, 01) Ao falar sobre as medidas a serem adotadas pelo governo para reparar os estragos econômicos provocados pela covid-19, o ministro Paulo Guedes voltou a defender a recriação da CPMF, agora travestida de contribuição sobre pagamentos digitais, para financiar a desoneração total dos encargos patronais sobre a folha de salários. Com isso o ministro espera incentivar o emprego e reduzir a informalidade.

É incrível como a CPMF vai e volta nos planos da atual equipe econômica, apesar de todos os argumentos contrários já expostos por vários renomados economistas. Parece uma ideia fixa. No entanto, ela é completamente equivocada.

É enganoso o argumento de que tal tributo incide mais sobre as pessoas de alta renda, dado que estas realizam transações financeiras de elevado valor. Na verdade, trata-se de um tributo indireto, que onera o processo de produção e distribuição de bens e serviços, com incidência cumulativa em todas as suas fases. Quanto desse custo será repassado ao consumidor final depende das condições de oferta e demanda, tanto da economia como um todo como de cada setor específico. Ora, após a pandemia, com a maior parte das atividades produtivas fragilizada, é o pior momento para aumentar impostos indiretos.

Os efeitos nocivos da CPMF para a alocação eficiente de recursos e, portanto, para a redução da produtividade da economia já foram sobejamente discutidos, e não tratarei deles aqui.

A ideia de zerar a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos também é equivocada. Há, sim, justificativa econômica para reduzir tal incidência, mas sua extinção completa não pode ser feita. A previdência social deve ser, necessariamente, contributiva. Se assim não fosse, poderia haver arbitragens danosas ao equilíbrio financeiro do sistema, na medida em que se estimularia a declaração de salários superiores aos efetivos.

Além disso, a eliminação total dos encargos patronais incidentes sobre a folha de salários implicaria perda de receita superior a R$ 300 bilhões por ano, segundo minhas estimativas. Para ser compensada inteiramente pela CPMF, seria necessário que o novo tributo tivesse alíquota próxima a 1,5%.

Pela sua natureza cumulativa, incidindo nas várias fases do processo produtivo, tal alíquota seria insuportável e geraria fortes estímulos à evasão fiscal e à desintermediação financeira.

Mas isso não invalida o argumento de que se taxa excessivamente o salário no Brasil. Se considerarmos as contribuições previdenciárias do empregado e do empregador, o FGTS, o seguro-desemprego e os vários penduricalhos como Incra, salário-educação e sistema S, essa tributação supera 40%, muito acima da média internacional, e se constitui em forte desestímulo para a formalização do trabalho.

No entanto, há formas mais inteligentes de financiar a redução desses encargos.

Entre elas, vale destacar a instituição do imposto sobre o carbono (carbon tax), defendido por instituições como o FMI, o Banco Mundial e por economistas renomados como Nicholas Stern e Joseph Stiglitz. Não é nada absurdo pensar numa arrecadação de 1% do PIB com tal tributo. Outras medidas que devem ser estudadas incluem o fim dos privilégios de profissionais de alta renda propiciados pelo atual regime de tributação pelo lucro presumido e a redução de pelo menos parte das renúncias fiscais.

Por fim, é preciso aprovar a PEC 45 (Imposto sobre Bens e Serviços). Ela não se propõe a aumentar a carga tributária, mas tem impactos positivos significativos no crescimento econômico, pois desonera investimentos, acaba com a guerra fiscal, simplifica o sistema tributário e melhora o ambiente de negócios. O economista Bráulio Borges (Ibre/FGV) estima que tal reforma provocaria aumento acumulado do PIB potencial de 25%, em 15 anos.

A área econômica do governo precisa abandonar suas ideias fixas e apoiar medidas que, de fato, estimulem o crescimento.