30 de setembro de 2020

RUPTURA DO DESASTRE!

Dois conceitos deveriam ser caros aos políticos. Um de Gladwell -“Tipping Point”- e outro tendo como referência a Teoria da Catástrofe de René Thom. O primeiro é quando um evento de pequena escala produz um ponto de ruptura ou inicia esse processo. O segundo estuda as causas de eventos naturais em ruptura quando tudo parecia normal.

As equações de previsão são de alta complexidade. No final de um pequeno livro, Woodcock e Davis a adaptam para a política. Exemplificam com a militarização do Império Romano, transformando as relações de produção no campo pelo uso de escravos, formando um exército de cidadãos. O sistema foi ruindo silenciosamente. É como um processo político onde os elementos de ruptura são correntes submersas. Quando afloram, sugerem imprevisibilidade.

Na Primeira Guerra Mundial, quando a Alemanha mudava o quadro a seu favor, decidiu por um bloqueio naval, pela dificuldade em ocupar a ilha. O que não previa é que estava mexendo com os exportadores dos EUA. A pressão empresarial para entrar na guerra foi irresistível.

A combinação desses dois conceitos é básica na política, pela diversidade e velocidade dos fatos, e com isso a possibilidade de pequenos impactos, invisíveis, se tornarem viróticos.

29 de setembro de 2020

PROGRAMAS/COMERCIAIS ELEITORAIS NA TV, NO BRASIL, E AS LIMITAÇÕES PARA A COMUNICAÇÃO!

1. A professora e pesquisadora norte-americana Kathleen Jamieson, uma das mais importantes autoridades em comunicação política e autora de vários livros, realizou, no início dos anos 90, uma enorme pesquisa desde a Universidade da Pensilvânia sobre as eleições presidenciais norte-americanas de Kennedy a Clinton. Trabalhou com 5 mil pesquisadores.

2. No final, as conclusões da pesquisa foram publicadas em um livro com o nome “O que você pensa que sabe sobre política e por que você está errado”. Esse livro não foi ainda traduzido para o português.

3. Uma das conclusões mais importantes foi testar que tipo de comercial de trinta segundos é o mais efetivo sobre os eleitores. Jamieson agrupou os comerciais em três tipos: comerciais defensivos, comerciais negativos e comerciais de contraste.

4. Os comerciais defensivos são aqueles que os candidatos dizem o que fizeram, dizem o que pensam, enfim, falam bem de si mesmos e de seus governos ou de seus mandatos. Os comerciais negativos são aqueles que os candidatos atacam seus adversários, mostrando os erros em seus governos ou no exercício de seus mandatos.

5. Finalmente, os comerciais de contraste são aqueles que os candidatos, ao afirmarem suas posições, contrastam com as posições dos adversários sobre aquele tema. Os amplos testes feitos foram agrupados como conclusões. Os comerciais que menos efeito tem sobre a decisão de voto e a memória do que foi dito são os comerciais defensivos.

6. Os comerciais negativos criam certo desconforto no expectador quando são vistos. Mas depois disso, geram muito mais memória que os defensivos e têm muito maior efeito sobre o voto. Jamieson considera os comerciais defensivos fracos sobre o voto e a memória e os comerciais negativos regulares sobre voto e memória, mas de bem maior impacto que os defensivos.

7. Finalmente, os comerciais de contraste de longe são os que produzem maior impacto sobre a memória e a decisão de voto.

8. No Brasil, a legislação eleitoral proíbe os ataques de uns –em seus programas- sobre outros, especialmente com o uso da imagem dos adversários, coisa que é liminarmente proibida com perda de tempo de TV e direito de resposta. Dessa forma, proíbem, e por proibir, inibem os comerciais negativos e de contraste.

9. Sendo assim, abrem-se todas as portas e janelas para quem tem mais tempo de TV, pois pode falar a vontade de seus feitos –mesmo que ficcionais- e se sentem protegidos pela legislação. Com isso, com estas limitações, os eleitores ficam pouco informados diretamente pelos programas/comerciais eleitorais e ficam dependentes da imprensa.

10. Ou seja, a legislação termina estimulando a ficção eleitoral e a desinformação do eleitor –impedindo o debate publicitário entre candidatos. Para ativar a crítica ou o contraste, resta contar com a imprensa. Ou, agora, as redes sociais.

28 de setembro de 2020

PESQUISAS ELEITORAIS!

Sempre que as pesquisas eleitorais são publicadas, surgem os questionamentos. Em geral as críticas se baseiam nos resultados diferentes entre institutos, além da margem de erro. Uma pesquisa de opinião pública, sobre qualquer questão, depende de a informação ter chegado às pessoas. Fazer uma pesquisa de opinião no Brasil sobre os conflitos subnacionais na Bélgica neste momento não dará nenhum resultado, mesmo que parte das pessoas marque uma resposta. Da mesma forma, quando a informação a ser pesquisada é restrita, a pesquisa não testa opinião pública. Por exemplo: você acha que o Copom vai aumentar, diminuir ou deixar os juros iguais?

O processo básico para que uma pesquisa eleitoral traduza o que pensa a opinião pública é que o “jogo de coordenação” (expressão técnica) tenha se desenvolvido. Num processo eleitoral, a opinião das pessoas vai se formando em contato com a opinião de outras pessoas.

Elas recebem informações dos candidatos e dos meios de comunicação e conversam entre si. É esse processo de tomada de decisão, a partir das conversas entre as pessoas, o que se chama de “jogo de coordenação”. Longe do processo eleitoral, quando os partidos ainda não iniciaram suas campanhas, sem sua própria TV/rádio, e a imprensa ainda não priorizou a cobertura, as informações que chegam aos eleitores ainda são diluídas. Vale a memória dos nomes.

Mas quando o processo se abre e a mídia amplia os espaços eleitorais é que se inicia o “jogo de coordenação”. Os candidatos procuram colocar seus nomes e propostas no meio desse “jogo”, assim como desqualificar os seus adversários. As pessoas passam a tratar do tema progressivamente. O “jogo” esquenta quando entra a TV dos candidatos.

As pesquisas, portanto, medem, de início, opiniões frias, e vão retratando de forma crescente a tendência efetiva da opinião eleitoral, a meio do “jogo de coordenação”.

Os fatos eleitorais vão afetando esta opinião pública, mantendo ou alternando tendências. Dessa forma, as pesquisas divulgadas nestes meses falam da opinião pública, antes do “jogo de coordenação”.

Os candidatos, em suas campanhas, vão influenciando esse “jogo” de maneira a que as conversas estimuladas pela propaganda, direta e indireta, produzam, no final, decisões a seu favor.

E as pesquisas, que no início apenas faziam diagnóstico, no final passam a fazer prognóstico.

25 de setembro de 2020

URSS: A LIBERTAÇÃO!

Em 1971, a TV soviética realizou uma superprodução cobrindo os anos 1943-45: “Libertação”. Esquecida nos anos 80, recuperada em 2003, foi remasterizada em 2009.

Sob a direção de Yuri Ozerov, e supervisão de militares, é uma série tipo HBO, onde as cenas e os atores buscam a fidelidade dos fatos, nomes e imagens. Os atores falam a língua dos personagens. A tradução ao russo vem em locução simultânea, facilitando a reprodução com sublegenda.

A série dá a versão oficial da URSS. Em julho de 1943, a batalha de Kursk dá início à ofensiva do Exército Vermelho, que só terminará em Berlim, em abril de 1945.

Stálin é suavizado e exaltado como estrategista militar, alterando decisões de seus marechais. Assim como Stálin, que após a guerra reduziu a importância do marechal Zhukov, a série vai igualando Zhukov aos outros marechais.

Com os soviéticos já na periferia de Berlim, Stálin ordena dois marechais a desviarem suas tropas e avançarem para a cidade, para que Zhukov não tenha a glória sozinho.

Equilibrando a versão ocidental das “resistências” francesa e italiana, o filme destaca os “partisans” de Belarus (antiga Bielorrússia), da Ucrânia, da Polônia e da ex-Iugoslávia, mostrando-os sincronizados com o Exército Vermelho e incorporando-se aos batalhões.

Na reunião de Teerã, Churchill defende a segunda frente nos Bálcãs, enquanto Stálin e Roosevelt, na Normandia.

Roosevelt comenta que Churchill já está preocupado com o pós-Guerra e a presença soviética. Há a cena do encontro de Allen Dulles [da CIA] com um enviado de Hitler, onde discutem uma trégua de cem dias, para que o Exército alemão concentre todas as forças no leste, contendo o bolchevismo. Em Ialta, Stálin mostra a foto que seu agente tirou e pede lealdade. Roosevelt não nega, mas afirma que não aceitou. Stálin rasga a foto.

Churchill e Stálin mostram satisfação com o fracasso da Operação Valquíria, que poderia ter impedido a vitória total e arrasadora. Seis meses após a invasão da Normandia, Stálin recebe uma correspondência de Churchill, pedindo que acelere a ofensiva, pois a situação é grave pela contra-ofensiva dos alemães.

Churchill aceita o pedido e antecipa a ofensiva, sabendo que produzirá baixas adicionais pelas condições do tempo e uso de aviões. Com os russos próximos a Berlim, o Estado-Maior anglo-americano dá ordem para avançar a toda velocidade, evitando o controle total pela URSS.

O filme dá nova versão das mortes de Hitler e Goebbels: não se suicidaram, sendo mortos por sua guarda. E fecha com estatísticas, contrastando os 350 mil mortos, cada, de ingleses e americanos, com 7 milhões de poloneses, 10 milhões de alemães e 20 milhões de soviéticos. Uma série para ver e avaliar.

24 de setembro de 2020

SEGUNDO TURNO!

Uma eleição em dois turnos tem uma dinâmica própria. Em 1999, o Instituto Friederich Nalmann, da Alemanha, realizou em Montevidéu um seminário sobre os mistérios da “balotage” num quadro pluripartidário.Esses mistérios são como desenvolver o primeiro turno de forma a construir a ponte para agregar forças num segundo turno.

Isso terá que se dar na comunicação dos candidatos e suas propostas. Uma primeira análise é saber para quais dos demais candidatos os seus eleitores poderiam, num eventual segundo turno, serem atraídos para a sua candidatura. De nada serve escolher um candidato de amaciamento, se seus leitores são antípodas à sua candidatura.

Entre as hipóteses de amaciamento, há que se escolher uma delas. Esta escolha terá dois aspectos. Primeiro, não pode chocar os seus próprios eleitores. Segundo, deve ser uma candidatura com lastro de forma, que valha a pena amaciar.

Amaciamento é encontrar qualidades num adversário ou, no mínimo, não atacá-lo e deixar isso claro aos eleitores dele. Mas há um risco.

Se o candidato de amaciado tem lastro, ou seja, intenções de voto significativas, esta tática sempre ajudará que este cresça e o ultrapasse. De qualquer forma, esse amaciamento é decisivo, pois esta agregação de votos no segundo turno é que trará a vitória. O desespero de ir para o segundo turno, muitas vezes, torna inviável a própria candidatura no segundo turno.

Portanto a agressividade deve ser medida, pela oposição ou pelos candidatos da base do governo. Em geral, os candidatos só se fixam no primeiro turno, deixando o segundo para depois, e isso pode ser fatal.A ansiedade sempre vem, pois a escolha do amaciado atrasa a agregação de votos. Mas será a pedra de toque da vitória no segundo turno.

Quem será escolhido para amaciamento? Se for quem troca votos com ele, essa troca poderá lhe ser incômoda, mas necessária. O adversário favorito para o segundo turno é que não poderá ser, pois esse deveria chegar ao segundo turno com o máximo desgaste.

23 de setembro de 2020

POLÍTICA E CONTROLES!

O sistema de controles sobre o Poder Executivo é subdividido em externo -exercido pelos Tribunais de Contas (TCs)- e interno, exercido pelo próprio Poder Executivo.

O controle interno tem duas vertentes: a jurídica e a financeira. São quatro instâncias: 1) a contabilidade/auditoria, que realiza e analisa os registros, 2) a Procuradoria, que faz a advocacia do Executivo junto ao Judiciário, 3) as assessorias jurídicas, que avaliam a legalidade dos atos, e 4) as inspetorias de finanças, que inspecionam e auditam a legalidade sob os prismas financeiro e orçamentário.

As duas últimas são subordinadas aos ministros ou secretários estaduais/municipais de cada pasta. Esse tipo de controle interno tradicional nada garante.

Os assessores jurídicos e inspetores de finanças são cargos de confiança dos ministros/ secretários e funcionam como “legalizadores” dos seus atos.

As procuradorias atuam para fora. O sistema de contabilidade, em geral, se limita a analisar a formalidade das informações recebidas.

Essa ausência, de fato, de controle interno explica grande parte das distorções e desvios que ocorrem no setor público brasileiro.

O controle externo não tem a capilaridade do interno. Os dois deveriam ser complementares, mas, para isso, o interno deveria ser profissional e independente.

O controle interno jurídico inexiste, uma vez que as procuradorias atuam para fora. Se as procuradorias atuassem como controle jurídico interno -de forma independente-, seria possível obter a capilaridade requerida.

As reformas do Estado para dentro ainda não foram realizadas. As reformas para fora -a fiscal, a monetária, a patrimonial, as agências reguladoras- atingem as relações dos governos com a sociedade.

Não se criou ainda um efetivo controle interno. Esta é uma reforma urgente: o controle interno como função de Estado.

As procuradorias devem exercer simultaneamente a advocacia externa e o controle jurídico interno, assumindo as assessorias jurídicas com procuradores concursados, sem indicação política.

A contabilidade/auditoria deve ser transformada em controladoria -com a centralidade da contabilidade e das auditorias- e, de modo descentralizado, com contadores/auditores concursados e sem indicação política nas inspetorias de finanças.

Numa etapa mais avançada, os assessores/procuradores e inspetores/auditores deixariam de ter alocação por pasta, passando a funcionar em “pool” com os processos de qualquer área, em rodízio.

Os desvios de origem seriam minimizados, o que evitaria a maior parte dos fatos e atos ilegais e irregulares que aparecem todos os dias na imprensa.

 

22 de setembro de 2020

JACQUES SÉGUÉLA: “POLÍTICO QUE MUDA DE PERSONAGEM NÃO PRODUZ MAIS EMOÇÃO”!

1. Jacques Séguelá –por décadas- foi o principal especialista em comunicação política na França. Assessor de Imagem de François Mitterrand, nunca tocou no perfil, seu timbre de voz, seu estilo, enfim, seu personagem e assim ajudou Mitterrand a ser considerado o melhor político europeu no uso da TV.

2. Jacques Séguéla escreveu um clássico da comunicação política narrando sua experiência de anos com Mitterrand: “Em nome de Deus”, infelizmente não traduzido para o português.

3. Dois pontos podem ser destacados do livro. Um deles, quando analisa a influência do publicitário na imagem existente do político. Séguéla diz: A cena política apenas parece com a cena teatral. Mas há uma diferença fundamental. Quando o ator muda de personagem, continua a provocar emoções. Quando o político tenta mudar de personagem, não produz mais nenhuma emoção.

4. Séguéla fundou a escola francesa de comunicação política. Essa tem uma diferença básica da escola norte-americana. Para a escola americana (lembrar Reagan, Clinton…), todo dia é dia de eleição. Ou seja, a exposição do ‘presidente’ deve ser diária. Séguéla pensa de forma contrária. Ele diz: “A exposição do político é como se expor ao sol. Um excesso de exposição produz queimaduras, às vezes de terceiro grau.

5.  O aconselhável é como nado borboleta ou golfinho: levanta, aparece, mergulha se protege. Assim, nunca terá uma queimadura com essa exposição alternada ao sol”.

21 de setembro de 2020

DEMOCRACIA, VERACIDADE E ‘FAKE NEWS’!

(Celso Lafer – O Estado de S. Paulo, 20) Uma das dualidades do significado da palavra política é a da interconexão de política-realidade com política-conhecimento. O desafio resulta de que a percepção da realidade integra a realidade política. A percepção das realidades políticas leva a avaliações, mais elaboradas ou mais toscas, que vão guiar a ação e a sensibilidade das pessoas.

A democracia parte do pressuposto do exercício em público do poder comum, pois o que é do interesse de todos deve ser do conhecimento de todos. Daí o tema da transparência do poder, que enseja a avaliação pela cidadania da atuação dos governantes. Por isso informações exatas e honestas são fundamentais na democracia, para a apropriada percepção da realidade.

Nessa linha, afirma Rui Barbosa: “O poder não é um antro, é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol”. Por isso, “o maior, o mais inviolável dos deveres do homem público é o dever da verdade: verdade nos conselhos, verdade nos debates, verdade no governo”. Daí sua crítica à mentira nas instituições e às falsificações públicas e o papel da imprensa como a “vista da Nação”. Por ela, esclarece, é que “a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que se lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam”.

É inegável que, nas circunstâncias atuais, com a plena liberdade de expressão, a imprensa de qualidade em nosso país tem cumprido a função de “vista da Nação”, preconizada por Rui.

Nas sociedades urbanas industriais do século 20 nunca foi simples para a imprensa ser a “vista da Nação” e assegurar a difusão da informação exata e honesta. Ela sempre operou no tempo do incessante metabolismo de dar notícias e informar com regularidade, tendo como foco aquilo que capta a atenção de seus múltiplos destinatários. Os meios de comunicação de qualidade, no entanto, sempre se preocuparam nas suas atividades com a sua reputação e confiabilidade.

As sociedades contemporâneas do século 21 operam numa nova realidade trazida pelo advento da era digital, que ampliou de maneira inédita e positiva o acesso à informação. No entanto, o fragmentário de sua difusão e circulação sem as tradicionais pautas de responsabilidade confiável tem o seu impacto na vida da democracia.

A democracia requer, como diz Bobbio, confiança. A confiança recíproca entre os cidadãos e a confiança da cidadania nas instituições. Esta confiança, por sua vez, requer a transparência, que pressupõe no espaço público a boa qualidade da informação necessária para a adequada percepção da realidade política.

Essa confiança está em falta. Esse desafio confere nova dimensão ao tema da veracidade na esfera pública vitimada pelo esconder e pelo destruir, propiciado pela técnica. É o que coloca em novos termos a clássica reflexão sobre a mentira na política e os modos de operar da razão de Estado, seja como atualmente se oculta a informação para impedir a transparência do poder, seja como se falsifica a informação que circula no palácio e na praça para atingir finalidades de política interna e externa.

A verdade da política é a verdade factual, a dos fatos e eventos a partir dos quais se avalia a realidade e se formam as opiniões. O oposto da verdade factual não é o erro, a ilusão ou mesmo a opinião, mas, sim, a falsidade e a mentira, como ensina Hannah Arendt.

A verdade factual é uma verdade frágil, porque pode ser vítima da manipulação dos fatos para denegar a aceitação da realidade. Pôr em questão a estabilidade da realidade factual pelo negacionismo tira das pessoas o chão da tessitura do real, a partir do qual se constrói na democracia o terreno comum, inerente à pluralidade da condição humana. Compromete a confiança que requer a boa-fé, seja na acepção subjetiva de uma disposição de espírito de lealdade e honestidade ou na acepção objetiva da conduta norteada por essa disposição.

A fragilidade da verdade factual aumentou exponencialmente na era digital. É o que acontece com o impacto falsificador das fake news, que se tornaram a má moeda do livre curso na vida política, que amplia, pelas redes sociais, a intransitividade da Torre de Babel, impedindo a comunicação de boa-fé.

É o que também acontece com a ampla circulação das máquinas de ódio e os linchamentos virtuais, que ensejam as “bolhas” autorreferidas que impedem a interconexão da cidadania no espaço público, favorecendo a “ascensão aos extremos” clausevitzianos da guerra.

Neste contexto cabe preconizar, sem censura, um direito à verdade da informação exata e honesta. Entre os caminhos que têm sido aventados está o da autorregulação regulada das plataformas digitais, que têm caráter eminentemente público, apesar da dimensão privada de sua propriedade e de seus usuários.

Diz um provérbio judaico que a verdade nunca morre, mas leva uma vida miserável. É preciso, na era digital, conter a miserabilidade que vitima a verdade factual e compromete a democracia.

18 de setembro de 2020

A HIPÓXIA DA AMÉRICA LATINA!

(Monica de Bolle – O Estado de S. Paulo, 16) Na lista de países com o maior número de mortes diárias por milhão de habitantes, vidas ceifadas pela Covid-19, os dez primeiros lugares pertencem à América Latina. Na lista de países com o maior número de casos diários por milhão de habitantes, há sete países da região entre os mais afetados. O primeiro lugar não pertence aos Estados Unidos, mas à Argentina. O segundo lugar é da Costa Rica, o quarto lugar é do Peru, o quinto do Panamá, o sexto da Colômbia, o sétimo do Brasil. Os EUA aparecem na nona posição, já que a décima pertence ao Chile.

A pandemia chegou à região em fevereiro de 2020, tendo, assim, dado dois meses para que os governos se preparassem. Poderiam ter usado esse tempo para traçar planos de resgate econômico, estratégias de saúde pública, medidas para proteger as centenas de milhões de pessoas vulneráveis da região. Do desperdício emergiram os pulmões dilacerados da América Latina.

Foram muitos os erros. Lideranças frágeis, instituições em crise permanente, presidentes como Andrés Manuel López Obrador no México e Jair Bolsonaro no Brasil que negaram com veemência a gravidade de um vírus novo e letal sobre o qual pouco se sabia. O caso mexicano surpreende bem mais do que o brasileiro já que López Obrador, apesar de algumas limitações, fez campanha como “defensor dos pobres” e prometeu uma agenda de priorização da proteção social em seu país. Até agora, pouco fez. Bolsonaro…bem, com esse já aprendemos tudo o que não devemos esperar que faça.

O resultado do fracasso latinoamericano está estampado nos números. Até o dia 11 de setembro contabilizavam-se quase 7 milhões de casos de covid-19 nas 5 maiores economias da região, a saber: Brasil, México, Colômbia, Argentina, e Peru. São centenas de milhares de mortos, sem contar que os números estão subestimados devido à má qualidade da coleta de informações, a falta de testagem, a ausência de protocolos para o rastreamento de contatos. As quedas registradas da atividade econômica jamais foram tão fortes, o desemprego está em alta, e a crise humanitária tem recaído, sobretudo, na população mais pobre. Tudo isso na região que é campeã da desigualdade no planeta e cujos níveis de pobreza são dramáticos.

Em conferência recente aqui em Washington – o evento anual da Confederação Andina de Fomento (CAF) – ouvi dos meus colegas de painel relatos semelhantes aos que escuto no Brasil. Descaso de governantes, políticas mal elaboradas, aberturas prematuras de locais de grande aglomeração, descontrole da pandemia. Em algumas partes da região fala-se em desordem social, igual ou pior do que aquela que testemunhamos na segunda metade de 2019 – parece uma eternidade, mas foi outro dia.

A economia da América Latina já estava abalada antes da pandemia. As duas maiores potências econômicas da região, Brasil e México, resfolegavam para crescer em meio a contas públicas desarranjadas e ausência de perspectivas para o resgate do desenvolvimento. Nesse contexto, quase todos os países da região cometeram exatamente o mesmo erro: o de tentar evitar medidas sanitárias mais drásticas – como quarentenas rigorosas – para “salvar” as economias. O resultado foi o pior possível: não houve controle da epidemia, tampouco da crise econômica.

Como já escrevi em outras ocasiões nesse espaço, não há retomada econômica na ausência de medidas para controlar as epidemias. Contudo, como muitos países voltaram à seminormalidade nos últimos meses, mantendo escolas fechadas, porém abrindo bares, restaurantes, shopping centers, medidas sanitárias restritivas não têm apoio social ou político.

Tal quadro significa que epidemias descontroladas serão a norma ao longo dos próximos meses, com consequências, evidentemente, desastrosas em termos de vidas perdidas e abalos socioeconômicos nestes países da América Latina.

Os pulmões dilacerados da América Latina continuarão a afligir a população vulnerável e a elevar os índices de desigualdade e pobreza já tão altos nessa trágica região do planeta. Roubando as palavras de Caetano e Gil, parece difícil que sejamos capazes de escapar de um destino. Desse destino: o Haiti é aqui.

17 de setembro de 2020

11 LIÇÕES DE ROBERT McNAMARA QUE SERVEM AOS POLÍTICOS E GESTORES, SEMPRE, E SÃO GERAIS!

1. “Sob a Névoa da Guerra – Onze Lições da Vida de Robert McNamara”, documentário de 2003 vencedor do Oscar, deveria ser obrigatório para os políticos de todas as idades e em todos os níveis de responsabilidade.

2. O título se refere à uma expressão popularizada por Clausewitz no seu clássico “Da Guerra” e destaca a nuvem de incerteza antes e durante os conflitos. Clausewitz cunhou o ensinamento que “a guerra é a política por outros meios”. A guerra também ensina aos políticos e, com estes, aos militares.

3. O fator chave das teorias de gestão e de administração é o processo de tomada de decisões. Na crise política, e ainda mais na guerra, além de ser o fator chave, ele é contínuo com um tempo escasso para reflexão. Na política e na guerra, o processo de tomada de decisões também se dá através de equipes.

4. Mas em períodos de crise profunda e continuada, é inevitável o afunilamento desse processo. Na Guerra -política por outros meios- e em crises profundas que agregam as questões políticas, econômicas, sociais e morais, esse afunilamento é radical. É -por exemplo- o caso do Brasil nestes últimos anos.

5. Após a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, o governo americano selecionou estudantes fora de série em universidades e os colou às equipes dos generais do alto comando nos setores mais críticos. McNamara foi para equipe do general MacArthur, na Guerra do Pacífico contra o Japão após o bombardeio de Pearl Harbor.

6. Passou a fazer os estudos de probabilidade relativos aos riscos de perdas de vidas de seus militares e de perdas de vidas de seus alvos. Um exemplo destacado foi baixar a altura do aviões bombardeios B29 para conseguir mais precisão com o custo da vida de pilotos.

7. Após a Guerra do Pacífico, ainda com 30 anos, foi contratado pela Ford que, paradoxalmente, enfrentava uma forte crise no período pré e de guerra.  Rapidamente ascendeu à presidência e com análises de situação e popularização do uso do automóvel (do Cadillac ao Falcon), deu enorme lucratividade a Ford.

8. Levado por John Kennedy, compulsoriamente, à sua equipe como secretário de Defesa, trocou uma remuneração anual de 800 mil para 25 mil dólares. Foi peça chave nas decisões sobre a crise dos mísseis com Cuba e URSS, que beirou a guerra nuclear mais ainda do que hoje, pois o contraponto era EUA-URSS.

9. Viveu ao lado de Kennedy o início da guerra do Vietnã e, em seguida, após o assassinato de Kennedy, com Lindon Johnson, com quem terminou se desentendendo a saindo do governo para o Banco Mundial em 1967.

10. Os diálogos, principalmente a partir de Kennedy, passaram a ser gravados, o que registra as responsabilidades nos processos de tomada de decisão.

11. No documentário “Sob a Névoa da Guerra”, McNamara registra as 11 lições maiores que aprendeu em sua vida e que são os capítulos do documentário:

1. Cause empatia no inimigo
2. A racionalidade não nos salvará.
3. Existe algo além de si próprio.
4. Maximizar a eficiência.
5. A proporcionalidade deve ser uma diretriz da guerra.
6. Obtenha dados.
7. A crença e a visão costumam estar erradas.
8. Esteja preparado para rever seu raciocínio.
9. Para fazer o bem talvez seja preciso fazer o mal.
10. Nunca diga nunca.
11. Não se pode mudar a natureza humana.

É um documentário imperdível para todos, especialmente para a formação dos políticos, e mais ainda em posições de tomada de decisões e -certamente- em situações de crises profundas.

16 de setembro de 2020

KEN STARR E JOSEPH MCCARTHY!

Escândalos envolvendo políticos são tão antigos quanto a própria história. Hoje esses registros, feitos com imagens, vozes e documentos gravados, são multiplicáveis ao infinito. Investigados e investigadores são atores deste drama. Os poderes têm regras para investigar e penalizar.

As pessoas, associações civis e meios de comunicação podem ser parte desses processos, investigando, denunciando ou opinando. A luminosidade dada a certos fatos, destacando os que investigam, denunciam e acusam, algumas vezes os atrai para o “estrelato” e o objetivo passa a ser a autoexaltação.

Dois documentários tratam de situações desse tipo. Um deles, “A Caça ao Presidente”, de H. Tomason e N. Perry, é sobre o promotor que tratou por anos de escândalos com Clinton. O outro, “Os Anos McCarthy”, especial da CBS com Walter Cronkite, é sobre o embate entre o legendário jornalista Ed Murrow e o senador McCarthy.

No primeiro, a “estrela” era o promotor Ken Starr, investigador pleno da vida de Clinton, das amantes até o caso Whitewater (um negócio imobiliário do qual os Clinton participaram). A busca desesperada por depoimentos terminou com polpudas indenizações às “namoradas”, com um suicídio e a condenação a dois anos de prisão de quem nada tinha a ver com nada. Os “namoros” de Clinton não implicavam em seu impedimento para governar. O caso Whitewater terminou em tragédias pessoais por efeito colateral, sem chegar ao alvo alucinante de Ken Starr: Bill Clinton.

O senador Joseph McCarthy (1950 e 1954) abriu fogo contra tudo e todos os que poderiam ter qualquer relação com o que ele entendia por comunismo. Fatos de 20 anos antes, mera leitura de jornais sindicais etc., eram evidências pré-julgadas.

Ed Murrow -com seu foco no detalhe- destacou dois casos de pessoas simples incluídas pela mente doentia de McCarthy: um tenente, cujo pai e irmã teriam tido algum contato socialista, foi julgado e expulso da Aeronáutica; uma servente que teria trabalhado no setor de decodificação do Pentágono e cujo marido teria comprado, uma vez, um jornal de esquerda.

Ed Murrow desintegrou as duas acusações, gerando uma solidariedade ampla com os acusados (“poderia ser qualquer um de vocês”).

O tenente foi readmitido. A servente não havia trabalhado no setor -era homônima. Desmoralizado nos dois casos, McCarthy declina e termina denunciado pelos excessos, no próprio Senado. Ed Murrow, na última locução sobre o caso, olhando como sempre para a câmera, em diagonal, de baixo para cima, arrematou: “A fronteira entre a investigação e a perseguição é uma linha tênue”. Anos depois, essa mesma máxima serviu para vestir Ken Starr.

15 de setembro de 2020

FIDELIZAÇÃO E INQUISIÇÃO!

1. Lá se vão mais de 2 mil anos que o uso da criminalização do contrário é um recurso usado para produzir unidade interna e apoio nos governos, igrejas, associações, seitas, ordens… Antes valia a retórica e as marcas pintadas. Com o desenvolvimento dos instrumentos de reprodução gráfica, este recurso se multiplicou. E o que dizer depois com o som e imagens. Nas religiões e na política foi usado intensamente. A inquisição contra ateus e hereges é um exemplo de vários séculos. Hitler demonizava bolcheviques e judeus e pedia apoio do povo. Stalin demonizava o imperialismo e pedia apoio do povo. Durante a guerra fria, o recurso de criminalizar comunistas era rotina. Até a democracia americana sofreu desse mal logo após a Segunda Guerra.

2. Esse recurso é usado em várias graduações, por políticos, pela imprensa, pelas religiões, associações, seitas e ordens. Recurso esse que não parou de ser usado. Na imprensa, nos últimos cem anos, adotou-se o nome de FIDELIZAÇÃO o uso e abuso da identificação de um contrário, um alvo, um foco, permanentes e sistemáticos de forma a que um perfil de leitor se mantenha atraído pelas notícias que estão ou que virão. Uma vez conhecendo sua audiência e num mercado de retração ou muito competitivo, se abusa desse recurso.

3. Nos anos 50 e 60 isso ocorria mesclado com a política e pelos dois lados. Um recurso muito comum é simplificar a sociedade num binário; ricos e pobres, honestos e corruptos, guerra e paz, agressores e agredidos, ordem e desordem, jovens e delinquentes… Nos anos 50 e 60 era um recurso intensamente usado. Agora também, mas de forma mais suave e às vezes mais sutil, na medida em que a associação entre política e imprensa não é tão orgânica quanto antes.

4. Mas é exatamente essa suavidade e essa sutileza que tornam o instrumento da criminalização do contrário muito mais perigoso, pois não é percebido pela audiência que excita. Fazer cumprir a lei é algo necessário. Mas quando o objetivo da repressão é exaltar o repressor com fotos e imagens, há um desvio “goebelliano” perigoso, pois excita o binário.  Seja por quem o faz, seja por quem divulga.

5. Num momento de crise isso tudo se torna mais agudo, pela perda ou defesa de mercado, incluindo aqui os mercados de informação, bens e serviços e da política. O risco do abuso com a fidelização é num momento futuro, a equação ser dissolvida e com isso desintegrar o emissor, seja qual for.

14 de setembro de 2020

OS DESAFIOS DO PLANEJAMENTO URBANO!

(Editorial – O Estado de S. Paulo, 13) Mais de 50% da população mundial vive em centros urbanos. No Brasil, esse número chega a 85%. No Estado de São Paulo são mais de 95% da população. A cidade de São Paulo, a maior da América Latina, pode ser considerada uma espécie de avatar dos desafios urbanos enfrentados pelas cidades do País. Pensando neles, o Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi) congregou uma série de entidades para elaborar um pacote de propostas aos candidatos à Prefeitura. A mera enumeração dos tópicos evidencia a complexidade da questão: reativação da oferta de moradias; requalificação de imóveis; inclusão; economia criativa; saneamento; meio ambiente; mobilidade; e governança.

O ano de 2021 é particularmente importante em vista da previsão de revisão do Plano Diretor. É o momento de corrigir algumas distorções na lei de uso e ocupação a fim de incentivar o adensamento equilibrado do centro expandido. Uma melhor calibragem das restrições de gabarito em Zonas Mistas e de Centralidade; das cotas máximas de terreno em Zonas de Estruturação Urbana; e dos números máximos de vagas de garagem por unidade residencial pode frear a expansão da fronteira habitacional para as periferias, abrindo, ao mesmo tempo, mais espaço para a implantação de áreas verdes.

Outra prioridade é reverter a degradação do centro por meio da requalificação de imóveis.

Regras claras; incentivos para a implantação de habitações de interesse social; isenção do ISS; ou mudanças de uso e subdivisão de imóveis em zonas residenciais podem garantir a segurança jurídica e o dinamismo necessários para a requalificação de imóveis, sobretudo os abandonados e subutilizados.

Se a diversidade é o corpo de toda grande metrópole, a inclusão deveria ser a sua alma. Isso pressupõe a criação e requalificação de espaços públicos (calçadas, praças, mobiliário, estações de transporte); estímulo aos usos mistos e à conjunção dos serviços; fortalecimento dos conselhos gestores locais; pacotes de serviços para idosos; programas de conectividade digital; e uma intensa diversificação e conexão entre modais de mobilidade urbana.

“Cada vez mais as cidades deverão estimular a criação de polos de criatividade, como lugares para se viver e trabalhar; lugares onde os produtos culturais são produzidos e consumidos”, lembra o Secovi. Tais “polos criativos” representam “uma importante alternativa, não só para a indução de crescimento econômico, mas também para a regeneração de espaços urbanos”, além de criar ambiências atrativas para o turismo.

As populações carentes devem ser amparadas por legislações específicas e incentivos fiscais (como os recursos da outorga onerosa e da Cota de Solidariedade) que subsidiem a habitação social e a regularização fundiária. Para que o Município promova políticas públicas de saneamento e meio ambiente que não se restrinjam a água e esgotos, mas atuem na correção da drenagem dos assentamentos, coleta e destinação do lixo e manutenção das áreas verdes, o Secovi propõe a consolidação de um Pacto pelo Saneamento a ser gerido por uma entidade executiva que congregue os organismos do poder público.

Como mecanismo transversal a todos estes processos, é preciso modernizar as estruturas de governança para promover a participação democrática, a desburocratização e o suporte e zeladoria segundo as prioridades da administração pública. O Secovi sugere a criação de uma Unidade de Gestão multidisciplinar composta por representantes do poder público e da sociedade civil, com competência para deliberar sobre pautas como as elencadas acima e gerenciar projetos de interesse público de naturezas diversas, como PPPs; concessões; cooperações; e coordenações de trâmites administrativos.

“Cidade” e “cidadania” não podem estar unidas apenas pela sua raiz etimológica. Propostas como as elaboradas pelo Secovi deveriam ser criteriosamente consideradas por todos os paulistanos, em especial aqueles que se propõem a chefiar a Prefeitura, a fim de promover o vigor de sua cidade por meio do fortalecimento da cidadania.

11 de setembro de 2020

EM POLÍTICA É POSSÍVEL TOMAR QUALQUER POSIÇÃO: MENOS A POSIÇÃO FETAL!

1. DREW WESTEN, DW, é consultor de psicologia social. O foco de DW é nunca baixar a guarda nem deixar o outro lado controlar a mensagem e as narrativas da campanha. Ele critica a estratégia usual do Partido Democrata (PD) de não ter posição firme.

2. Quando se tem uma escolha entre opções, diz DW, décadas de pesquisas em psicologia social mostram dois princípios da persuasão: chegar à frente para contar o seu lado da história e preparar-se para atacar o que o outro deve dizer. Lista z maneiras de evitar que o PD tenha mais um final triste.

2.1. Na política não há criacionismo: use o conhecimento acumulado em comunicação de massa. O PD acha que responder a um ataque é realçar o ataque. Deve atentar à psicologia social sobre o que funciona ou não.

2.2. Pare de jogar damas se o outro lado joga xadrez. Os republicanos pensam seis lances à frente. O PD, um de cada vez.

2.3. Não confundir mensagens positivas/negativas com éticas/antiéticas: “Eleitores votam com suas emoções, e se você se recusa a falar verdades negativas sobre o seu oponente, está enganando o eleitorado e pondo em risco sua eleição. Emoções positivas e negativas estão independentes dentro do cérebro. Se não bater logo, você cederá metade do cérebro. E não se ganha eleições com meio cérebro”.

2.4. Se os ataques de seu adversário refletem um problema de caráter, ataque o caráter dele.

2.5. Focalize em “nós” se o adversário quer falar sobre “eles”. Não deixe dividirem os valores entre “nós e eles”.

2.6. Conte três histórias sobre o adversário, nem mais, nem menos.

2.7. Fortaleça a mensagem de mudança com dois ou três assuntos de impacto. Acredite nas campanhas políticas emocionalmente evocativas, embasadas em valores.

2.8. Prepare-se. Seu publicitário pode não servir para os debates.

2.9. Dirija-se ao olho do furacão, ao centro da tempestade. Não fuja.

3. Por anos, o PD fugiu da controvérsia, abandonou o conflito, preocupado com temas “radioativos”. Fale claramente sobre os valores que o levaram a tomar a posição que tomou. DW lembra que, de uma perspectiva psicológica, poucas ações são determinadas por um único motivo. O PD sempre ofereceu razões elevadas para não responder atacando. Suas razões vêm com evasivas: “Projetam covardia”. E finaliza dizendo que, na política, é possível tomar qualquer posição, exceto uma posição fetal.

10 de setembro de 2020

FORMADORES DE OPINIÃO!

1. Lukacs, em “Cinco Dias em Londres”, analisando a designação de Churchill para primeiro-ministro, em maio de 1940, e a queda de Chamberlain avalia a dinâmica da percepção dos ingleses. A impopularidade de Churchill vai até a ocupação de Praga, em março de 1939. Os fatos legitimaram sua radicalidade. Lukacs fala de um binômio -opinião pública/ sentimento popular-, válido até os dias de hoje. “Opinião pública” seria um processo de convergência entre as pessoas a partir da informação sistematizada, difundida pela imprensa e por líderes de opinião.

2. “Sentimento popular” seria a reação das pessoas aos fatos, produzindo uma sensação mais ou menos difusa. Essa reação pode ser uma onda que vai chegando à emoção das pessoas. Como tomar decisões que requerem apoio de massa num quadro de transição desses? Churchill vai ao Parlamento e às rádios e propõe um jogo da verdade: “Sangue, suor e lágrimas”. Mas como acompanhar o processo e saber com que velocidade vai cristalizando consciência na população?

3. As pesquisas de opinião eram um instrumento embrionário nos anos 30. Mas não eram suficientes, porque captariam, no início, uma reação ainda superficial. Lukacs usa os arquivos da Un. de Sussex (GB) sobre “mass observation” (MO). Em 1937, dois ingleses criam um sistema de observações diretas nas ruas. “Em 1938, estenderam suas atividades aos campos da política e da guerra”, diz Lukacs. Não são pesquisas de opinião, mas “relatos de primeira mão por observadores de senso comum”. “Não há um ponto de vista que se possa rotular como opinião pública, ela varia muito e não está ainda formada; a única coisa que resta é a crença de que a Inglaterra no fim acabará triunfando”, anota um observador.

4. Não é simples separar, numa pesquisa de opinião, “opinião pública” de “sentimento popular”. A TV estimula o “sentimento popular”, que, depois, aparece como “opinião pública”. O que muitas vezes não é ainda -ou nunca. A TV, na lógica da audiência, é muito mais indutora de sentimentos do que formadora de opinião. Os líderes de opinião, intelectuais e políticos, ainda são formadores de opinião, mas não como antes.

5. O processo, hoje, se dá horizontalmente, por fluxos de “opinamento”, onde os líderes de opinião estão no meio da massa, e não “por cima” dela. Mas não são menos importantes. Os fluxos em que intervêm podem ser filtros formadores de opinião, o que exige suor. Não falam mais desde um “altar”.

09 de setembro de 2020

1870: ONTEM E HOJE!

1. Henry Kissinger, em “Diplomacia”, usa todo o capítulo quinto para comparar as características de Napoleão 3º e Bismarck. Ainda vale a abertura de Marx (1852) no capítulo 1 do “18 Brumário”: “Hegel observa que os personagens de grande importância na história ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Napoleão 3º governou a França por mais de 20 anos (1848-1870), e Bismarck a Prússia e em seguida a Alemanha, com a unificação, por quase 30 anos (1862-1890). Marcaram estilos e políticas que, reproduzidas hoje, dão razão a Marx.

2. Kissinger afirma que Napoleão 3º não abria mão de nada para ser popular na França. Internamente, fez um governo bem-sucedido, com a reforma de Paris e a economia. Mas a sua política externa se desfez. “Seu desejo de publicidade o levou a impulsionar uma série de objetivos contraditórios”. Segue: “As ações empreendidas pelo capricho do momento e sem relação com uma estratégia geral não podem sustentar-se indefinidamente, (…) pois o êxito é tão esquivo que os governantes que o perseguem rara vez puderam avaliar seus próprios castigos”.

3. Napoleão 3º dirigiu sua política externa como os líderes de hoje, diz Kissinger, que medem seus êxitos pela reação dos noticiários de TV. “Ficou prisioneiro do puramente tático, enfocando objetivos de curto prazo e resultados imediatos”. Kissinger diz que “Napoleão 3º foi precursor de um fenômeno moderno: a figura política que tenta desesperadamente descobrir o que deseja o público. Seu legado para a França foi uma paralisia estratégica”. E finaliza: A tragédia de Napoleão 3º foi que “sua ambição sobrepassou sua capacidade”.

4. O contraponto com Bismarck marca a dicotomia entre ambos. Bismarck, na sua Realpolitik, atualiza a “raison d’Etat” de Richelieu. Explica Kissinger que “a ordem estabelecida não é capaz de perceber sua própria vulnerabilidade quando a mudança tem um caráter conservador, pois as instituições não são capazes de defender-se de quem esperam que as defendam”. Bismarck, diz Kissinger, “representou uma política divorciada de todo o sistema de valores”.

5. Para ele, a utilidade vinha por cima da ideologia, e “a vantagem estratégica justificaria o abandono dos princípios”. Por isso, o “poder leva consigo sua própria legitimidade”. “Aumentar a influência do Estado era seu objetivo”. É dele a conhecida assertiva: “Política é a arte do possível e a ciência do relativo”. A repetição descontextualizada dos fatos, na forma do texto de Marx, tem risco muito maior quando se dá sem sequer a consciência dos mesmos.

08 de setembro de 2020

UM POUCO DE TEORIA PARA CANDIDATOS QUE ACREDITAM NO BOCA A BOCA PARA FORMAR OPINIÃO!

GABRIEL TARDE (1843-1904), sociólogo francês, pai da microssociologia (e da micropolítica), viu suas ideias serem atropeladas pelas escolas estruturalistas, como as de Marx, Durkheim, Weber etc., que prevaleceram no século 20. Sua obra capital foi “Les Lois de l’Imitation” (1890), texto fundamental para entender a lógica da internet 110 anos depois.

Em “Leis da Imitação”, Tarde analisa o processo de formação de opinião a partir das relações entre os indivíduos. Nos termos de hoje: os meios de comunicação, sistemas de publicidade, vocalizadores etc… distribuem informações, que são filtradas pelos indivíduos. Para assumi-las como opinião sua, o indivíduo as testa com alguém em cuja opinião confia.

Na medida em que haja coincidência, ele afirma a informação como opinião e a repassa. Esse processo ocorre em pontos infinitos, que vão formando fluxos de opinamento. Alguns são linhas tênues, que desfalecem. Outros fluxos se ampliam e vão avançando com diversas intensidades viróticas.

Para Tarde, há três tipos de indivíduos: os “loucos”, que iniciam fluxos de opinamento; os “tímidos” ou “sonâmbulos”, que são repassadores de fluxos, ou imitadores, na expressão de Tarde; os “tolos”, ou “descrentes”, que pouco repassam os fluxos recebidos.

Para Tarde, a imitação difunde-se em ondas concêntricas. Por esse processo se formam as instituições e a opinião pública. Se um grupo social afirma ideias, outros podem repassá-las por “imitação”. Olhando para os meios de comunicação de hoje, que são os mais importantes distribuidores de informação, estes obedecem à lógica da audiência, pois esta define suas rentabilidade e competitividade.

Estrito senso, os meios de comunicação não formam opinião, mas reforçam opinião formada. Mas, como estão inseridos socialmente, por sensibilidade, estudos ou pesquisas, dão conta de fluxos de opinamento em formação sustentada.

Quando propagam esses fluxos, aceleram enormemente a velocidade de transformação deles em opinião pública. Fluxos que constituiriam opinião pública em, por exemplo, dois anos, podem ser acelerados pela TV e formar opinião em duas horas, como ocorre algumas vezes.

A lógica da internet e de suas redes é essa, agregada à diversidade informacional de hoje. “Louco” é quem cria um fluxo e vê sua repetição às centenas e aos milhares nas redes, no YouTube…

“Tímidos” são os mais importantes para os iniciadores e estimuladores de fluxos (políticos entre estes).

São os “tímidos” que garantirão aos fluxos os múltiplos acessos e a aceleração na formação de opinião -e o voto. Um processo muito mais complexo e difícil que na TV dos anos 70/80.

04 de setembro de 2020

COVID-19 NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO!

Em algumas regiões do Rio de Janeiro, o COVID-19 tem sido chamado de “doença de rico”.

A quantidade de casos por habitantes realmente é maior nos bairros da Barra/Zona Sul. Dentre os 15 bairros com maiores números de casos por habitantes, 9 estão na Zona Sul e Barra.

Porém, a taxa de mortalidade, que ontem era de 11,31% no município, é definitivamente mais alta em bairros que não são os chamados “ricos”. Os 20 bairros com pelo menos 100 casos e maiores taxas de mortalidade são Acari 20,83%, Costa Barros 20,00%, Cavalcanti 18,90%, Santíssimo 18,78%, Cidade de Deus 18,60%, Senador Camará 18,36%, Bangu 18,34%, Padre Miguel 17,88%, Coelho Neto 17,77%, Guaratiba 17,74%, Realengo 17,44%, Anchieta 17,18%, Oswaldo Cruz 17,02%, Paciência 16,87%, Parada de Lucas 16,74%, Senador Vasconcelos 16,61%, Vaz Lobo 16,57%, Inhoaíba 16,34%, Jardim América 16,14% e Maré 16,03%.

Apenas o Cosme Velho, dentre os bairros do eixo Barra/Zona Sul, tem taxa de mortalidade acima da média, com 11,57%.

A taxa de mortalidade nas faixas etárias acima de 70 anos é particularmente alta (36,62% contra 18,99% para 60-69 anos, 7,74% 50-59, 3,55% 40-49, 1,46% 30-39, 1,08% 20-29, 1,01% 10-19). Desta forma, regiões com mais habitantes acima de 70 anos deveriam apresentar maiores taxas de mortalidade pelo COVID-19. Contudo, entre os 10 bairros com maiores concentrações percentuais de habitantes com mais de 70 anos, 7 estão na Zona Sul, além de Méier, Tijuca e Maracanã, o que sugere que outras variáveis influenciam a taxa de mortalidade além da idade.

Dos 20 bairros com taxas de mortalidade mais altas, apenas 1 possui Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) acima da média, sendo que 3 estão entre os 5 bairros com piores índices (Costa Barros, Acari e Maré). Ao observar o Índice de Renda (IDH-R), nenhum dentre estes 20 bairros apresenta índice acima da média, o que indica que a renda também pode ser uma variável importante para entender a mortalidade por COVID-19 na cidade do Rio de Janeiro.

03 de setembro de 2020

AUTORIDADE LEGITIMADA PELA AUSÊNCIA: “A CORTE DOS ANJOS”!

“Governar é fazer crer”, dizia Maquiavel. As lideranças míticas, sejam políticas, sociais ou religiosas, se afirmam por dois caminhos distintos.

De um lado, os líderes cuja autoridade se afirma como guias de seus povos. São os detentores da legitimidade pelas ideias que conduzirão seus povos ao paraíso. Perón e Vargas são exemplos.

Outras lideranças legitimam a sua autoridade pela ausência. Representam divindades. O que os legitima está ausente deles, está em outro plano. padre Cícero, no Ceará, e Santa Dica, em Goiás, são exemplos. Maria de Araújo, beata de padre Cícero, em transe, ao meio de milagres, conversava com os anjos.

Santa Dica, em transe, ia até a “corte dos anjos” e voltava com as orientações a serem seguidas. Padre Cícero elegia e elegeu-se. Santa Dica elegeu seu companheiro. O monopólio da legitimação pela ausência trouxe e traz conflitos interreligiosos.

A autoridade legitimada pela ausência não é restrita à esfera religiosa. Líderes políticos, em diversas épocas, ao se incluir no universo dos deuses, assim se legitimavam.

Ramsés 2º, Júlio Cesar e Hirohito são exemplos. Em outros, a própria nação é uma divindade. Agitam com símbolos milenares, cenografia e coreografia relativas. Representam essa divindade-nação ausente. Hitler (a raça germânica superior) é um caso.
Outras vezes, essa divindade é um autor cujas ideias são estruturadas como dogmas. A legitimação pela ausência se refere a eles e a suas ideias. O líder é quem representa essas ideias da forma mais autêntica. Marx foi usado assim. Depois vieram as suplementações de legitimação derivada: leninismo, stalinismo…

Outro tipo de legitimação da autoridade se dá pela contra-ausência. Ou seja uma ausência que coloca em risco o país e exige a delegação de todos ao líder. O “perigo vermelho” foi usado assim, legitimando líderes e ditadores. “O imperialismo ianque”, idem.

Mas há um tipo de liderança mítica que se parece com a do tipo guia dos povos. Apenas se parece. Na verdade, legitima-se também pela ausência. O povo, em abstrato, passa a ser uma divindade. Um povo amalgamado que incorpora todos os valores de fé, justiça e de esperança. E de dentro desse amálgama surge o líder, que é ele, o próprio povo, encarnado em sua pessoa, como redentor. As lideranças míticas são desintegráveis pelo fracasso, pela desmistificação (falsos profetas), pela força ou por outros tipos de líderes míticos. Num regime democrático, a força se exclui. Quando a alternância acontece em uma conjuntura de sucesso, a desmistificação não é tarefa simples. Nessas condições, um líder racional alternativo precisaria de alguma dose de legitimação de sua autoridade pela ausência.

Quaisquer delas.