ARGENTINA: OS DESAFIOS DE MACRI!
1. A euforia da imprensa local e internacional e dos políticos de centro e direita com a derrota do candidato apoiado pela presidente Cristina Kirchner encobre as enormes dificuldades e desafios que Macri terá.
2. Assim como no Brasil, o fator crítico, apesar de todo o imbróglio econômico, será o fator político.
3. Desde o final do primeiro turno, as pesquisas de todos os institutos confiáveis davam a Macri uma vitória com 8 a 10 pontos de diferença. Até mesmo as de boca de urna.
4. Mais que em Macri, calcado em uma coligação heterogênea, foi o voto genérico anti-Cristina que derrotou Scioli. E assim mesmo por uma diferença de 2,8 pontos que as pesquisas classificariam como empate técnico.
5. Das duas uma, ou as duas. Parte do eleitorado decidiu por Scioli em cima da eleição. Ou havia um eleitor oculto que preferia não abrir o voto. Talvez a campanha do “cuidado que Macri possa tirar seus direitos sociais” tenha funcionado.
6. A maioria no Senado permanece com o peronismo. Na Câmara, todos os partidos e blocos são minoritários. Macri terá que negociar para dentro com a UCR e para fora com De La Sota/Massa para equilibrar as forças.
7. Esses podem não querer participar do ministério, se manter como força independente e priorizar a disputa pela hegemonia dentro do próprio, e elástico, peronismo.
8. Em mais dois anos há a renovação de 50% do parlamento. Inevitavelmente, Macri terá que concentrar-se também nessa eleição, dividindo o tempo com a gestão econômica e administrativa.
9. Um processo complexo, parente do brasileiro, que é para acompanhar e aprender, para o bem ou para o mal.
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CORRUPÇÃO: LORD ACTON, MONTESQUIEU, BRASIL E ARGENTINA!
(Natalio Botana, cientista político – La Nacion, 20) 1. Se os órgãos do Poder Executivo são independentes da rede de controles previstos no sistema legal, então a probabilidade de corrupção aumenta. Se o governo, aproveitando esta circunstância, usurpa atividades próprias da sociedade civil com regalias e privilégios (ou se colonizar por grupos oligárquicos que compram os legisladores no Congresso), então também pode surgir a corrupção. E do mesmo modo, se o Judiciário não tem a capacidade para fazer valer a sua autoridade, então é provável também que a corrupção chegue através dessas lacunas.
2. É a vigilância recíproca entre os poderes separados que conta com o auxílio inestimável da opinião pública e da liberdade de dizer o que se pensa sem a censura prévia ou perseguição do governo. Dessa forma aumenta a probabilidade de se levantar uma cerca para impedir aqueles que infringem os limites constitucionais, aqueles que utilizam privilégios de uma legislação ruim e aqueles que, na ausência de um controle efetivo entre as diferentes agências governamentais, se escondem atrás do aparato policial e burocrático para lucrar, enriquecer e, se necessário, matar. O reino do pior, bem caracterizada pela famosa frase de Lord Acton: o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente.
3. Os fenômenos de corrupção são difundidos por duas razões principais, já destacadas pela frase imortal do “Do Espírito das Leis”. De acordo com Montesquieu, o autor desse livro clássico, haveria duas classes de corrupção: uma, quando as pessoas não observam as leis; a outra, quando as leis estão corrompidas. “Mal incurável – disse ele – porque a corrupção está no próprio remédio”. Este aviso parece ter sido escrito nos dias de hoje, porque sem dúvida suportamos a violação das leis, mas também nos enlaça um emaranhado de leis, decretos, portarias e regulamentos que parecem ter sido feitos sob medida para práticas corruptas.
4. Não se trata apenas das grandes leis; são também as leis próprias da gestão econômica do Estado, dos regimes das empresas estatais, dos contratos públicos, das licitações e das obras públicas. Mais uma vez, neste ponto, a ação de um Judiciário independente é vital porque dele depende processar e punir aqueles que não obedecem a lei, e desafiar, se necessário, os vícios de constitucionalidade intrínsecos de uma legislação que se desvia do preceito republicano de igualdade perante a lei.
5. Assim como a corrupção é descendente direto do fracasso do Estado, também é da decomposição da sociedade: uma sociedade dividida, com fortes níveis de desigualdade, é terreno fértil para o crime organizado e o tráfico de drogas. Com seu enorme poder econômico, esses aparatos usurpam a soberania do Estado nos territórios urbanos e destacam a viciosa porosidade das instituições policiais e judiciárias, através das quais, voltamos as preocupações teóricas do princípio: é preciso seguir na tarefa de arrancar nossas lideranças das práticas patrimonialistas que se apropriam dos recursos do Estado, colocando-os a serviço de seus interesses particulares. Se as lideranças e os cidadãos não entenderem este problema, todos irão acabar por acentuar a degradação da nossa democracia.
6. Para isso, são necessários líderes de reconstrução institucional. Desafio para a renovação dos partidos e da cultura política. E desafio também para os conteúdos éticos da sociedade civil. Por um lado, uma boa notícia, a cidadania na América Latina, de Norte ao Sul, da Guatemala ao Brasil, está mobilizada com a ajuda das redes sociais que pedem justiça e transparência. Por outro lado, os setores marginais, aqueles que sobrevivem graças à proteção do Estado e cuja pobreza é explorada por governos populistas, não reagem de forma tão veemente, pelo contrário, aceitam o que acontece se essas necessidades básicas insatisfeitas forem de alguma forma compensadas.
7. É uma máscara que mostra que a corrupção dos poderosos pode corromper o povo: a partir do vértice, se manipula aqueles que estão embaixo. Persistindo, essa divisão ética pode cobrir áreas maiores. Em uma recente pesquisa do Gallup, cinco em cada dez argentinos dizem que para subir a escala social, têm de ser corrupto ou haver recebido uma herança. Atmosfera contaminada que, com renovação ética e espírito de reconstrução institucional, devemos dissipar.