24 de setembro de 2019

CRESCIMENTO TORTO À DISTÂNCIA!

(Antônio Gois – O Globo, 23) O Censo da Educação Superior, divulgado na semana passada pelo MEC, mostrou que, pela primeira vez na série histórica do levantamento, houve mais oferta de vagas à distância do que presencial. De um ano para o outro, o setor teve um crescimento impressionante de 51% no número de cursos nesta modalidade. Já era claro pelos censos anteriores que o principal motor de expansão do ensino superior eram os cursos à distância. Os dados, referentes ao ano de 2018, mostram que essa tendência vai acelerar ainda mais.

As principais razões para o crescimento desses cursos são o menor custo de suas mensalidades, a maior facilidade de chegarem a locais distantes – especialmente num país continental como o Brasil -, e o fato de serem mais acessíveis também a quem precisa conciliar estudo e trabalho. No caso da comparação entre 2017 e 2018, pode-se acrescentar a esta análise o decreto do governo Michel Temer que flexibilizou parâmetros para abertura de vagas na modalidade.

No setor educacional, como era de se esperar, há críticos e entusiastas do modelo, e eles não estão restritos a apenas um grupo político. A educação à distância constava do enxuto programa de governo apresentado pelo então candidato Jair Bolsonaro. E foi também política pública nos governos do PT. Em recente visita ao Brasil em julho, numa mesma entrevista em que dizia que o Brasil vivia um “novo tipo de ditadura” sob o governo Bolsonaro, o sociólogo espanhol Manuel Castells defendeu que uma das soluções para a educação no Brasil seria o reforço a “universidades virtuais”, com mais programas de formação na modalidade, “mas não de segunda categoria”.

O que opõe diferentes grupos políticos nesse debate, portanto, não é necessariamente o fato de serem contra ou a favor à modalidade, mas, principalmente, a forma como entendem o papel do governo na regulação do setor privado.

Em recente estudo publicado na Revista Científica em Educação a Distância, Carlos Eduardo Bielschowsky – que foi secretário de educação à distância na gestão de Fernando Haddad (PT) no MEC – mostra um dado preocupante: a maioria das matrículas em cursos à distância em 2015 e 2016 está em cursos com baixo conceito no Enade, avaliação do MEC feita com alunos do ensino superior.

Outro dado citado por Bielshowsky, e que também consta da apresentação que o MEC fez dos dados na semana passada, é que há alta concentração de matrículas (52%, segundo o dado de 2018) em apenas cinco grupos educacionais privados.

Como o setor público não tem conseguido expandir suas matrículas à distância na mesma velocidade, a tendência é que o ensino superior fique ainda mais concentrado no privado e, no caso da modalidade, especialmente em poucos grupos.

Se resta pouca dúvida sobre o potencial da educação à distância para democratizar a oferta do ensino superior no Brasil, há também outros riscos a serem considerados, além da qualidade e da concentração do setor. É o caso da evasão. Na coletiva de apresentação dos dados do Censo da Educação Superior, o ministro Abraham Weintraub destacou que, sem desistências, o número de graduados poderia dobrar no Brasil. É, sem dúvida, um problema grave de ineficiência, mas cuja solução não é tão simples, visto que país nenhum do mundo consegue ter próximo de 100% de concluão no ensino superior. Mas não há dúvida que a taxa de desistência, calculada para todo o sistema, é alta no Brasil: 57% num período de seis anos. Como ela é maior nos cursos privados (60%) e também na modalidade à distância (62%), a tendência, portanto, é que essa ineficiência aumente ainda mais.