06 de maio de 2019

AS RAZÕES POR TRÁS DA ASCENSÃO DO POPULISMO!

(O Estado de S. Paulo, 05) A ascensão de (neo) populistas e a crise da democracia representativa têm sido temas constantes de diversos livros publicados, sobretudo, após 2016, ano que Donald Trump se elegeu presidente dos Estados Unidos. A principal virtude de O Povo contra a Democracia, nova obra do professor da Universidade Johns Hopkins Yascha Mounk, é explicar, em uma linguagem clara e direta, as raízes desse fenômeno, mesclando conceitos teóricos, pesquisas quantitativas e um olhar de repórter, ao descrever movimentos que aconteciam nas ruas.

No livro, Mounk relata, por exemplo, o que viu em uma manifestação no centro de Dresden, na Alemanha: o ódio à imigração, às minorias e à imprensa. ‘Wir sind das Volk’: ‘Nós (e não os estrangeiros) somos o povo’, gritava a multidão. O ano era 2015. “Nos meses subsequentes aos protestos, quando populistas autoritários arrebentavam os holofotes por toda a Europa e os Estados Unidos elegeram Donald Trump, minhas experiências naquela noite gelada não paravam de me voltar à mente”, escreveu ele, que é alemão, mas doutorou-se em Harvard (EUA), onde também foi professor e deu aulas que discutiam a democracia na era digital.

Depois de quase três anos da eleição de Trump, fica cada vez mais claro que a onda populista que levou o empresário à Casa Branca não foi ato isolado, como afirma o próprio autor. Esse movimento pendular foi responsável pelo malsucedido Brexit no Reino Unido e pela ascensão da extrema-direita em diversos países europeus, entre eles França, Alemanha, Espanha, Itália, Áustria, Hungria e Polônia. E tem conexão com a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil, que, ainda que içado pelo antipetismo, venceu a disputa com discurso antissistema.

No entanto, da América à Europa, há diferenças importantes entre cada um desses países – e o autor não as ignora. Mas, apesar das especificidades de cada nação, é possível traçar um quadro geral que explique o ressurgimento de forças populistas? Para Mounk, sim. Ele concentra parte do livro na análise de três razões que, segundo ele, estão por trás desse fenômeno: 1) estagnação econômica, desilusão com o futuro e incerteza (efeitos da crise de 2008); 2) surgimento das mídias sociais; 3) uma revolta contra o pluralismo étnico, o que gera discurso antiimigração. “(…) Como o populismo é um fenômeno global, devemos procurar causas comuns à maioria dos países onde o populismo se espalhou nos últimos anos.” Segundo ele, não existe uma resposta “monocausal” – ou seja: só a crise econômica global, como muitos sustentam, não explica o recrudescimento do populismo em sua totalidade.

Analisar o impacto das redes sociais na disseminação do discurso de ódio (seja contra imigração, a imprensa ou instituições) e associá-lo, em parte, ao fenômeno do populismo é outro mérito do livro. Trata-se de lançar um olhar crítico ao potencial destrutivo que a internet tem. “Em anos recentes, foram os populistas que exploraram melhor a nova tecnologia para solapar os elementos básicos da democracia liberal. Desimpedidos das coibições do antigo sistema, eles estão preparados para fazer tudo o que for necessário para serem eleitos – mentir, confundir e incitar o ódio contra demais cidadãos”, escreveu.

A tecnologia, bem observa Mounk, diminuiu o abismo entre a classe política tradicional e os outsiders e candidatos antissistema – as eleições de Trump e de Bolsonaro corroboram esta visão. Ambos enaltecem a comunicação direta com o eleitor ou cidadão, não à toa são críticos da imprensa profissional e livre e atacam as instituições, comportamento padrão de líderes populistas (de direita e de esquerda).

Ainda que aponte soluções de como países e sociedades podem se contrapor e resistir ao poder de líderes autoritários, o trabalho de Mounk leva o leitor a um cenário um tanto desolador, que é o da crise da democracia liberal (e, por liberal, o autor entende aquele que defende valores como liberdade de expressão, separação de poderes e proteção de direitos individuais). O alerta que ele faz ao longo da obra é que, uma vez no poder, populistas podem abalar estruturas da democracia liberal: minando a imprensa, suprimindo direitos individuais e acabando com o pilar da separação de poderes (como, por exemplo, mudando regras para indicação ou escolha de ministro da Suprema Corte) – casos como o da Hungria, de Viktor Orban, da Turquia, de Recep Tayyip Erdogan, ou da Venezuela chavista. Caminharíamos, sugere o autor, para dois cenários: democracia iliberal (democracia sem direitos) e liberalismo antidemocrático (direitos sem democracia).

O Povo contra a Democracia foi publicado nos Estados Unidos em 2018, antes da eleição de Jair Bolsonaro e López Obrador, populista de esquerda que assumiu a presidência do México. Mounk, que escreveu um breve prefácio à edição brasileira, lançada neste mês, compara a campanha do presidente eleito do Brasil com a de Donald Trump e afirma que Bolsonaro é “o mais poderoso adversário que a democracia brasileira tem em meio século”. E manda um recado que pode ser útil ao País e a outras nações: populistas são sempre “subestimados” e não se percebe sua “astúcia” enquanto se discutem suas “bravatas”. “Não se menospreza essas pessoas”, afirma Mounk.

03 de maio de 2019

O MÉ­DI­CO AO LON­GO DA HIS­TÓ­RIA!

(Silvano Raia, professor emérito da Faculdade de Me­di­ci­na da USP – O Estado de S. Paulo, 26) Nun­ca sua atu­a­ção foi tão ne­ces­sá­ria co­mo ba­li­za­dor éti­co dos pro­gres­sos e ino­va­ções

Re­cen­tes pro­gres­sos jus­ti­fi­cam co­men­tar a evo­lu­ção do mé­di­co ao lon­go da His­tó­ria. Su­ces­si­va­men­te, exer­ceu sua pro­fis­são de vá­ri­as for­mas e com di­fe­ren­tes ti­pos de ava­li­a­ção da so­ci­e­da­de a que per­ten­cia.

Pe­la lei­tu­ra de pa­pi­ros apren­de­mos que a par­tir de 6000 a.C. até o iní­cio da Ida­de Mé­dia o mé­di­co ocu­pou uma po­si­ção de des­ta­que. Não dis­pon­do de co­nhe­ci­men­tos so­bre as do­en­ças nem mei­os pa­ra di­ag­nós­ti­co, sua atu­a­ção se li­mi­ta­va a exer­cer uma in­fluên­cia be­né­fi­ca pa­ra que os pa­ci­en­tes acei­tas­sem seu so­fri­men­to co­mo ex­pres­são de um de­síg­nio su­pe­ri­or, im­pos­sí­vel de ser mo­di­fi­ca­do.

Su­as ca­rac­te­rís­ti­cas hu­ma­nas cons­ti­tuíam a ba­se da re­la­ção com o pa­ci­en­te e a au­ra de ser um su­pe­ri­or era res­pon­sá­vel pe­los even­tu­ais re­sul­ta­dos que con­se­guia. Es­se ti­po de atu­a­ção, em par­te má­gi­ca e em par­te ilu­si­o­nis­ta, che­gou até a Gré­cia de Hi­pó­cra­tes, que va­lo­ri­zou a anam­ne­se e o exa­me fí­si­co, con­fe­rin­do à prá­ti­ca mé­di­ca uma pri­mei­ra co­no­ta­ção ob­je­ti­va.

A po­si­ção de eli­te na so­ci­e­da­de se de­te­ri­o­rou na Ida­de Mé­dia e na Re­nas­cen­ça, qu­an­do a atu­a­ção do mé­di­co se li­mi­ta­va a san­gri­as e la­xa­ti­vos. Bar­bei­ro era o no­me pe­lo qual era de­pre­ci­a­ti­va­men­te co­nhe­ci­do.

Do sé­cu­lo 16 ao iní­cio do 19, a ima­gem do mé­di­co vol­tou a se dig­ni­fi­car, ao mes­mo tem­po que a me­di­ci­na pas­sa­va de ar­te a ci­ên­cia hu­ma­na. Ele ten­ta­va en­ten­der as do­en­ças e tra­tá-las com os es­cas­sos re­cur­sos de que dis­pu­nha.

Pou­co mais tar­de, na tran­si­ção do sé­cu­lo 19 pa­ra o sé­cu­lo 20, com o ad­ven­to do raio X e dos pri­mei­ros exa­mes de la­bo­ra­tó­rio, a ima­gem do mé­di­co se eno­bre­ceu ain­da mais, na me­di­da em que era obri­ga­do a ter aces­so aos co­nhe­ci­men­tos da épo­ca, que já não eram pou­cos, pa­ra me­lhor aten­der seus pa­ci­en­tes. Pro­va­vel­men­te foi a épo­ca áu­rea da dig­ni­fi­ca­ção da pro­fis­são mé­di­ca.

Ao con­trá­rio, de me­a­dos do sé­cu­lo 20 até o pre­sen­te, a evo­lu­ção dos mei­os de co­mu­ni­ca­ção e a con­se­quen­te fa­ci­li­da­de de aces­so aos ser­vi­do­res web, ri­cos em in­for­ma­ções mé­di­cas, con­co­mi­tan­te a uma sé­rie de pro­gres­sos e ino­va­ções, de­ter­mi­na­ram que a ima­gem do mé­di­co se ape­que­nas­se pro­gres­si­va­men­te. Is­so por­que os no­vos mé­to­dos te­ra­pêu­ti­cos ten­dem a re­du­zir a im­por­tân­cia do com­po­nen­te hu­ma­no da re­la­ção mé­di­co-pa­ci­en­te.

Pa­ra is­so con­cor­re­ram tam­bém o ad­ven­to da me­di­ci­na à dis­tân­cia e a bi­o­tec­no­lo­gia, com su­as pos­si­bi­li­da­des iné­di­tas e sur­pre­en­den­tes, co­mo a en­ge­nha­ria ge­né­ti­ca, o di­ag­nós­ti­co por in­te­li­gên­cia ar­ti­fi­ci­al (al­go­rit­mos), os chips pa­ra do­sa­gem em tem­po re­al de subs­tân­ci­as pre­sen­tes na cir­cu­la­ção san­guí­nea ou pa­ra in­fu­são con­tí­nua de hormô­ni­os na quan­ti­da­de ne­ces­sá­ria pa­ra man­ter a sua con­cen­tra­ção fi­si­o­ló­gi­ca.

En­tre­tan­to, nun­ca foi tão ne­ces­sá­ria a atu­a­ção do mé­di­co, co­mo ba­li­za­dor éti­co des­ses pro­gres­sos. Por exem­plo, uma téc­ni­ca re­cen­te­men­te des­cri­ta, de­no­mi­na­da CRISPR-Cas9, per­mi­te mo­di­fi­car, com fa­ci­li­da­de, o ge­no­ma de qual­quer ser vi­vo, in­clu­si­ve o nos­so. Es­sas mo­di­fi­ca­ções de­ter­mi­nam mu­ta­ções vo­lun­tá­ri­as que acar­re­tam um ris­co de gran­des pro­por­ções. Se­rão ine­vi­tá­veis ten­ta­ti­vas de cri­ar hu­ma­nos mais per­fei­tos do pon­to de vis­ta in­te­lec­tu­al, fí­si­co e es­té­ti­co, ou se­ja, um pro­je­to de eu­ge­nia. Di­fe­ren­te­men­te do que ocorreu na Ale­ma­nha na dé­ca­da de 1930, qu­an­do se ten­tou cri­ar uma ra­ça su­pe­ri­or pe­la eli­mi­na­ção dos me­nos do­ta­dos fí­si­ca e in­te­lec­tu­al­men­te, ago­ra agi­ría­mos cri­an­do su­per-hu­ma­nos.

Pa­ra evi­tar es­se ris­co o mé­di­co de­ve dis­tin­guir cla­ra­men­te os mé­to­dos de en­ge­nha­ria ge­né­ti­ca que cu­ram do­en­ças, de­vol­ven­do ao ge­no­ma sua con­fi­gu­ra­ção nor­mal, da­que­les que o mo­di­fi­cam trans­mi­tin­do a no­va con­fi­gu­ra­ção às ge­ra­ções se­guin­tes.

Uma vi­são abran­gen­te da evo­lu­ção dos ob­je­ti­vos dos mé­di­cos mos­tra que, no iní­cio, eles se li­mi­ta­vam a con­for­tar os pa­ci­en­tes, a se­guir, e su­ces­si­va­men­te, a di­ag­nos­ti­car as do­en­ças e tra­tá-las e de­pois, pe­la bi­o­tec­no­lo­gia, a evi­tar sua trans­mis­são por he­re­di­ta­ri­e­da­de. Ago­ra ten­ta cu­rá-las, e não ape­nas tra­tá-las. Por fim, pre­ten­de, no fu­tu­ro, evi­tá-las de uma vez por meio de va­ci­nas de DNA, bus­can­do com is­so pro­lon­gar a vi­da e evi­tar a mor­te.

Sa­li­en­te-se que es­ses no­vos ob­je­ti­vos exi­gem do mé­di­co uma atu­a­ção mui­to mais im­por­tan­te do que a de sim­ples exe­cu­tor de téc­ni­cas com­ple­xas, com­pu­ta­do­ri­za­das ou não.

Ele de­ve iden­ti­fi­car e in­cen­ti­var as que efe­ti­va­men­te be­ne­fi­ci­em seus pa­ci­en­tes e a nos­sa es­pé­cie co­mo um to­do. De fa­to, sua aten­ção não se de­ve li­mi­tar às ne­ces­si­da­des de um úni­co pa­ci­en­te, mas con­si­de­rar que, se fo­rem ge­ne­ra­li­za­das, as no­vas téc­ni­cas po­dem exer­cer efei­tos so­bre to­da a es­pé­cie hu­ma­na.

Nes­se sen­ti­do, co­mo diz o professor bra­si­lei­ro de Bi­oé­ti­ca Leo Pes­si­ni, ho­je atu­an­do no Va­ti­ca­no, “de­ve­mos apren­der a acei­tar a ou­sa­dia ci­en­tí­fi­ca ao mes­mo tem­po que es­ti­mu­la­mos um diá­lo­go in­te­li­gen­te en­tre éti­ca e ci­ên­cia, ou se­ja, de­ve­mos es­ti­mu­lar uma in­te­ra­ção eti­ca­men­te cri­a­ti­va e res­pei­to­sa des­ses dois uni­ver­sos”.

Sem es­sa vi­são hu­ma­nís­ti­ca o mé­di­co po­de se trans­for­mar ape­nas num exe­cu­tor de ta­re­fas pro­gra­ma­das, ou se­ja, um tec­no­cra­ta, e o pa­ci­en­te num co­bra­dor de so­lu­ções.

Pro­va mar­can­te des­se ris­co de­sa­len­ta­dor é sa­ber que, ao jul­ga­rem ca­sos de re­la­ção mé­di­co-pa­ci­en­te dis­cu­tí­vel, vá­ri­os juí­zes têm se ba­se­a­do no Có­di­go de De­fe­sa do Con­su­mi­dor!

Ao con­trá­rio, se acei­ta­rem es­sa no­va in­cum­bên­cia, os mé­di­cos vol­ta­rão a des­fru­tar a au­ra que me­re­cem e, mais do que tu­do, ga­ran­ti­rão um fu­tu­ro me­lhor, fe­liz e se­gu­ro pa­ra os nos­sos des­cen­den­tes.

Fi­na­li­zan­do, va­le ci­tar a fra­se do pre­si­den­te Bill Clin­ton, qu­an­do da con­clu­são da lei­tu­ra do ge­no­ma hu­ma­no: “Ho­je es­ta­mos apren­den­do a de­ci­frar a lin­gua­gem que Deus usou pa­ra es­cre­ver o li­vro da vi­da”.

É nos­sa res­pon­sa­bi­li­da­de fa­zer com que a lin­gua­gem de Deus se­ja em­pre­ga­da com a mes­ma fi­na­li­da­de com que Ele a usou, ou se­ja, pa­ra o bem e a dig­ni­da­de do ser hu­ma­no.

02 de maio de 2019

UM RIO DE PORTAS FECHADAS!

(Piauí, 30) Último a sair da crise, estado é o que mais fecha lojas em todo o país

Ao longo de setenta anos de vida, o hotel Novo Mundo, na orla da praia do Flamengo, viveu dias de glória e outros nem tanto. Símbolo de luxo e elegância da antiga capital, recebia em seus leitos presidenciáveis, artistas e atletas da Seleção Brasileira. Vizinho do Palácio do Catete, residência presidencial, viu seu status decair de cinco para quatro estrelas quando a capital federal foi transferida para Brasília. Sobreviveu à transferência dos melhores hotéis da cidade para Copacabana, Ipanema e Leblon. Superou a hiperinflação dos anos 80, o confisco da poupança nos anos Collor e a estagnação econômica do final dos anos 90. Mas sucumbiu à crise atual, que afeta o setor de comércio e serviços. Entre as unidades da federação, o estado é o que mais fecha lojas comerciais; a situação se repete no município.

O prédio de doze andares e 230 quartos encerrou as atividades no último 25 de março com dívidas acumuladas e baixo movimento. O Novo Mundo foi o 13º hotel fechado na cidade desde o fim das Olimpíadas, em 2016. Os grandes eventos sediados no Rio, e que atraíram investimentos públicos e privados, atrasaram a entrada da capital carioca na crise econômica que assolou o país em 2014. Mas depois dos Jogos Olímpicos, tanto a cidade quanto o estado mergulharam numa crise da qual não conseguem sair.

Segundo dados da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), enquanto o setor apresentou reação no país em 2018, com mais aberturas do que fechamentos de estabelecimentos comerciais em quinze dos 27 estados brasileiros, o Rio teve o pior resultado da federação, enquanto São Paulo obteve o melhor resultado no ranking de abertura líquida de lojas com vínculos empregatícios. No saldo anual, entre o número de lojas abertas e fechadas, São Paulo aparece na primeira posição, com saldo de 3 883 lojas abertas – seguido por Santa Catarina (1 706) e Minas Gerais (940). Já o estado do Rio aparece na última posição, com saldo negativo de 997 lojas fechadas, atrás de Amapá (-142) e Pará (-374).

A tendência não se verifica só na comparação com os estados. Dados da CNC sobre os municípios de São Paulo e Rio mostram que, entre janeiro e julho de 2018, a cidade de São Paulo fechou o período com 899 lojas abertas, enquanto a capital carioca teve 419 lojas fechadas.

Para Fabio Bentes, economista da CNC, a diferença entre a reação dos dois estados à crise está no nível de dependência de cada um deles do setor público, e na contribuição da indústria para o dinamismo da economia.

“São Paulo é menos dependente do setor público que o Rio. O emprego não está tão atrelado ao estado quanto o Rio, um estado em crise, diga-se. Por isso, é natural que São Paulo tenha capacidade de recuperação maior. O segundo ponto é que a economia do estado e da capital de São Paulo conseguem nesse momento tirar proveito de uma demanda maior do mercado externo do que do interno. Durante a recessão, uma saída para indústria foi voltar a atenção para as exportações. Isso ajudou a aquecer a economia, contribuiu para a criação de postos de trabalho e com isso dinamizou o comércio. Já a cidade do Rio de Janeiro é mais dependente do setor de serviços, justo aquele que encontra maior dificuldade em superar a crise e que depende mais do mercado interno que está estagnado”, disse Bentes.

Curiosamente, diz o economista da CNC, a situação é pior na capital: “Se falássemos do fechamento de lojas no estado do Rio, teríamos um quadro um pouco menos dramático do que na capital. No estado você consegue ver indústria de exportação de veículos que não tem na capital, o setor de petróleo que está fora da capital.”

Rodolpho Tobler, economista da Fundação Getulio Vargas e coordenador da Sondagem do Comércio do FGV IBRE, diz que a economia do Rio está num círculo vicioso: “Temos um estado inchado, que não consegue equilibrar suas contas, gasta mais do que arrecada, com uma inflada folha de pagamento do funcionalismo público. Enquanto o estado não conseguir mostrar capacidade para reduzir gastos e equilibrar as contas, não fica atrativo para novos investimentos de empresas. E a crise fiscal também dificulta o pagamento de salários de trabalhadores do setor público, o que ajuda a afetar o poder de compra da população, impactando o comércio. Enquanto o mercado de trabalho estiver lento e a confiança do consumidor for baixa, tudo influencia para que o comércio siga mais devagar do que outros setores”, disse Tobler. “Já São Paulo tem as contas públicas mais equilibradas nesse momento.”

No setor de comércio, em 2018, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a cidade de São Paulo criou 5 928 postos de trabalho, enquanto a cidade do Rio criou 1 108. No setor de serviços, a diferença é ainda maior. O Rio abriu 2 558 postos de trabalho, e São Paulo, 50 033 postos. No setor de hotelaria e alimentação, o Rio fechou o ano com 96 desempregados. São Paulo, por outro lado, fechou 2018 com a oferta de 7 690 vagas.

Em 2014, segundo a Associação de Hotéis do Rio de Janeiro (Abih-RJ), a taxa de ocupação hoteleira na cidade do Rio chegou a 72%. Nos anos seguintes, os números caíram para 66% em 2015. Em 2016, 58%. Em 2017, 52%. E em 2018, 53%.

A partir de dados do Banco Central, o pesquisador Marcel Balassiano, da FGV, analisou a atividade econômica em treze estados brasileiros. Verificou que o Rio de Janeiro foi o único estado que apresentou recuo na Taxa Real Anual de Crescimento, caindo 0,9%. Em seu estudo, assinalou: “A recessão econômica levou a uma considerável redução da arrecadação do ICMS, principal fonte de receita do Estado; queda do preço do petróleo, já que royalties e participação especial do petróleo e gás natural são a segunda fonte mais importante de receita; forte crescimento das despesas com pessoal e encargos sociais; questão previdenciária, com um déficit próximo de 9 bilhões de reais.”

“A reforma da Previdência se mostra importante, inclusive, para o saneamento das contas dos estados e municípios. E para o Rio, em especial, a previdência é até mais importante. Com essa dependência do setor público, o Rio chegou a ficar com grave problema de pagamentos de salários de categorias como policiais e professores. E isso afeta o desempenho da economia como um todo, e do comércio principalmente”, afirma Balassiano.

Rodolpho Tobler disse ainda que a crise política com ex-governadores e parlamentares presos por corrupção é um agravante para o atoleiro em que o Rio se encontra. “O atual quadro político contribui para um ambiente de incertezas para investimentos financeiros no Rio. E a gente precisa superar esse quadro de incertezas para atrair investimentos, aquecer o mercado de trabalho e fazer o comércio do Rio voltar a reagir.”