31 de maio de 2019

“GOD SAVE THE QUEENS”: A MOBILIDADE EM LONDRES E NOVA YORK!

(Drive, 30) Washington Olivetto relata sua rotina. Publicitário fala sobre transporte. ‘Carro virou cigarro do século 21’.

Nova York, que imita Londres desde que nasceu, resolveu imitar novamente. Está implantando em 2019, para entrar em vigor em 2021, algumas restrições ao tráfego de veículos movidos a gasolina ou a diesel que já existem em Londres desde 2003. Em resumo: resolveu cobrar o pedágio urbano.

Quando comecei a planejar minha mudança para Londres em 2016, eu, que era absolutamente ignorante no assunto, imaginava que essas restrições haviam sido implantadas só para diminuir o trânsito. Mas depois descobri que foram criadas principalmente para combater a poluição do ar e o aquecimento global.

Na Central London, veículos altamente poluentes como os Range Rovers e os Mercedes-Benz são proibidos de circular em parte do dia. Se os donos desses veículos quiserem circular mesmo assim, têm que pagar por isso. Podem optar por pagar diariamente, mensalmente ou anualmente.

A maior parte desses proprietários opta por pagar anualmente, gesto que não é um grande sacrifício para quem pode ter um Range Rover ou um Mercedes-Benz.

Quem costuma analisar as coisas superficialmente pode chegar à conclusão de que o projeto para evitar a poluição e o excesso de tráfego em Londres falhou. Só que o projeto não falhou coisa alguma. Muito pelo contrário.

O dinheiro pago por quem faz questão de continuar circulando de carro na Central London é todo aplicado em programas muito efetivos de combate à poluição e na melhoria dos transportes coletivos da cidade, que em sua maioria já são excelentes.

Fora isso, no lugar onde além dos Mercedes Benz e Range Rovers, uma enorme quantidade de Bentleys, Rolls-Royces, Porsches, Ferraris, Jaguars, Maseratis e outros automóveis de luxo também se destacam, o carro elétrico já é uma realidade. Conta com postos de abastecimento em toda a cidade.

O automóvel em geral, por mais luxuoso que seja, vem se transformando numa espécie de cigarro do século 21, com a imagem de pegar mal e ser um hábito de gente velha, despreparada e não contemporânea. Por outro lado, o novo carro elétrico Tesla S virou o sonho de consumo de parte dos antenados e modernos, por não gerar poluição do ar, nem sonora. E ainda lembrar um pouquinho os primeiros carros do James Bond.

Mesmo assim, não são todos os londrinos que têm o sonho do carro próprio, por mais espetacular que esse carro seja, ou por mais na moda que ele esteja.

Vou me usar como exemplo. Eu que sempre gostei de Porsches –que aqui custam bem menos do que no Brasil. Desde que cheguei em Londres, há 3 anos, nunca tive vontade de comprar um.

Tive três Porsches na minha vida. O primeiro quando, antes de fazer 20 anos de idade, passei a ganhar meu primeiro bom salário e resolvi comprar um Porsche pagando uma prestação mensal que me obrigava a me alimentar almoçando em pastelarias e jantando na casa dos meus pais. Depois de 4 meses dessa quase inanição, tive uma crise de bom senso e resolvi passar o Porsche para frente.

Tive depois mais dois Porsches, já com a minha vida financeira mais acertada. O último troquei em 2004 por um casal de filhos gêmeos. Era impossível transportar mulher, crianças, babás e carrinhos de bebê num Carrera 911, que foi devidamente substituído por um desses utilitários que ganharam fama de poluidores.

Aqui em Londres, como eu disse, não tenho a mínima vontade de ter um Porsche –nem mesmo o badaladíssimo Tesla S, que minha mulher até cogitou comprar influenciada por uma amiga do mercado das artes. Mas depois mudou de ideia.

Preferimos usar os transportes coletivos a maior parte do tempo. E os táxis e Ubers de vez em quando.

Vou para a agência quase sempre usando o underground e tenho as minhas estações preferidas como a Sloane Square, que é pequena, calma e fica perto da minha casa. Tenho as estações que evito, como a Victoria e a Holborn, que são enormes, superpopuladas, com uma porção de gente se atropelando, coisa que lembra mais Nova York do que Londres.

Gosto muito das estações que têm escadas rolantes. Não gosto das que têm elevadores porque, em determinadas horas, eles ficam lotados e apertados.

Mas, por ironia do destino, uma das estações que mais frequento é a da Russel Square, que desemboca na porta da McCann London. A estação Russel Square não tem escadas rolantes. Só funciona com elevadores. Subir ou até mesmo descer pelas escadas de serviço é algo que ninguém cogita, porque são intermináveis 175 largos degraus. Cometi essa bobagem uma única vez e jurei nunca mais repetir.

Além do underground, nos dias muito bonitos, que, na verdade, apesar da mitologia de mau tempo que envolve Londres, são muitos, uso também os ônibus para observar a cidade e os barcos em lugares específicos.

Undergrounds, ônibus, e barcos são interligados pelo mesmo cartão Oyster, que você compra uma única vez e recarrega o resto da vida. Às vezes, uso também as bicicletas, que estão à disposição em todos os cantos da cidade. Muitas vezes saio a pé, percorrendo longas distâncias, e sempre vendo ou aprendendo alguma coisa interessante.

Os táxis londrinos que continuam sendo os melhores do mundo. Depois do surgimento dos Ubers, passaram também a aceitar cartões de crédito e de débito. Os Ubers, com automóveis tinindo de novos e motoristas de boa formação, eu uso só de vez em quando mesmo. Normalmente à noite com minha mulher e as crianças, indo ou voltando de restaurantes, shows, concertos e teatros.

Quem usa táxis ou Ubers diariamente na nossa família são os nossos filhos, no período da manhã, porque seus horários de escola coincidem com o de maior movimentação dos ônibus e undergrounds. À tarde eles voltam para casa de transporte público como a maioria dos seres humanos civilizados e normais.

Por melhor que sejam os táxis e os Ubers de Londres, em determinadas regiões e horários eu também fujo deles. Aprendi com o passar do tempo onde estão os engarrafamentos mais bravos. Por exemplo: não pego um táxi nem morto na Old Park, em Mayfair, para ir até a Russel Square ou a Covent Garden. Sei que vou ficar um tempão parado no trânsito feito um idiota.

A verdade é que as grandes cidades do mundo só conseguem combater seus problemas de excesso de tráfego e poluição quando têm dirigentes bem preparados e sérios na administração do dinheiro público –e habitantes com bom senso para se comportar fazendo sempre o que é melhor para eles e para a vida da cidade, ao mesmo tempo.

Isso é o que Londres e os londrinos fazem há muitos e muitos anos. É o que a democrática Nova York e os nova-iorquinos estão tendo a inteligência de imitar.

Até porque sabem que copiar o que deu certo não é demérito. É sabedoria.

30 de maio de 2019

A EX­TRE­MA DI­REI­TA CHE­GOU PA­RA FI­CAR!

(Ivan Krastev, cientista político – The New York Time/Estado de S.Paulo, 29) O na­ci­o­na­lis­mo não vai aca­bar com a UE tão ce­do, mas não dá pa­ra ig­no­rar que o ‘eu­ro­pes­si­mis­mo’ ain­da não tem so­lu­ção

Era um mo­men­to de vi­ra­da, mas a Eu­ro­pa não se vi­rou. Ape­sar dos te­mo­res de um re­pen­ti­no au­men­to po­pu­lis­ta de di­rei­ta, a mai­o­ria dos elei­to­res em to­do o con­ti­nen­te vo­tou nos par­ti­dos pró-União Eu­ro­peia nas elei­ções re­cen­tes pa­ra o Par­la­men­to. Os prin­ci­pais blo­cos de cen­tro-di­rei­ta e de cen­tro-es­quer­da per­de­ram a mai­o­ria, mas con­ti­nu­a­rão a do­mi­nar o cor­po le­gis­la­ti­vo de 751 mem­bros. O cen­tro se man­te­ve, por en­quan­to.

No en­tan­to, a ex­tre­ma di­rei­ta na­ci­o­na­lis­ta e an­ti-Bru­xe­las, que in­clui par­ti­dos co­mo a Reu­nião Na­ci­o­nal (RN), de Ma­ri­ne Le Pen, na Fran­ça, e a Li­ga, de Mat­teo Sal­vi­ni, na Itá­lia, que re­ce­beu apoio e con­se­lhos de Ste­ve Ban­non, ex-es­tra­te­gis­ta de Do­nald Trump, fi­ze­ram pro­gres­sos. Es­pe­ra-se que tais par­ti­dos, jun­ta­men­te com ou­tros eu­ro­cé­ti­cos, fi­quem com cer­ca de 25% dos as­sen­tos do Par­la­men­to Eu­ro­peu, quan­do o no­vo ór­gão se reu­nir pe­la pri­mei­ra vez em ju­lho.

A ex­tre­ma di­rei­ta po­de não ser do­mi­nan­te, mas ago­ra de­ve ter fi­ca­do cla­ro pa­ra to­dos que es­se mo­vi­men­to não vai em­bo­ra tão ce­do. Dos cin­co par­ti­dos po­lí­ti­cos in­di­vi­du­ais com a mai­or re­pre­sen­ta­ção no no­vo Par­la­men­to Eu­ro­peu, com os re­sul­ta­dos elei­to­rais de 2019 em to­da a Eu­ro­pa, “qua­tro” são o re­sul­ta­do de vo­tos an­ti­eu­ro­peus em to­da a União Eu­ro­peia.

Não mui­to tem­po atrás, po­lí­ti­cos e es­pe­ci­a­lis­tas tra­di­ci­o­nais en­ca­ra­vam a ex­tre­ma di­rei­ta co­mo pou­co mais do que um mo­vi­men­to de pro­tes­to: as pes­so­as vo­ta­ram con­tra o es­ta­blish­ment nas elei­ções eu­ro­pei­as pa­ra en­vi­ar uma mensagem, mas nin­guém re­al­men­te que­ria que es­ses po­lí­ti­cos con­se­guis­sem go­ver­nar. Es­ses par­ti­dos não eram vis­tos co­mo sé­ri­os na po­lí­ti­ca – eles es­ta­vam ape­nas fa­zen­do po­lí­ti­ca.

Ago­ra, não há es­co­lha a não ser ad­mi­tir que a ex­tre­ma di­rei­ta po­pu­lis­ta es­tá se tor­nan­do uma ca­rac­te­rís­ti­ca per­ma­nen­te da po­lí­ti­ca eu­ro­peia. Sal­vi­ni foi co­ro­a­do (ou pe­lo me­nos co­ro­ou a si mes­mo) co­mo lí­der des­se mo­vi­men­to. Du­ran­te a cam­pa­nha, ele se reu­niu com co­le­gas na­ci­o­na­lis­tas em to­da a Eu­ro­pa e or­ga­ni­zou um gran­de co­mí­cio em Mi­lão pa­ra unir as par­tes.

Seu so­nho ago­ra é cons­truir um blo­co de vo­ta­ção co­e­so no no­vo Par­la­men­to que pos­sa mol­dar a agen­da le­gis­la­ti­va. Ele pro­va­vel­men­te fra­cas­sa­rá. Os na­ci­o­na­lis­tas não são co­nhe­ci­dos pe­la co­o­pe­ra­ção nem pe­lo com­pro­mis­so, e mui­tas ques­tões os di­vi­dem, em par­ti­cu­lar a Rús­sia. Mes­mo as­sim, eles são uma for­ça a ser le­va­da em con­ta.

Frag­men­ta­ção. Ne­nhum des­ses par­ti­dos pa­re­ce ain­da apoi­ar a saí­da da União Eu­ro­peia ou da zo­na do eu­ro. Em vez dis­so, eles que­rem mu­dar as coi­sas de den­tro. Se a ex­tre­ma di­rei­ta na­ci­o­na­lis­ta con­se­guir mo­bi­li­zar um ter­ço dos vo­tos do Par­la­men­to Eu­ro­peu, cri­an­do a mo­ti­va­ção pa­ra uma cau­sa co­mum com ou­tros con­ser­va­do­res, po­de­rá cau­sar mui­tos da­nos, por exem­plo, blo­que­an­do qual­quer ten­ta­ti­va da Co­mis­são Eu­ro­peia de pu­nir al­gum país que vi­o­le o es­ta­do de di­rei­to.

No ano pas­sa­do, o Par­la­men­to Eu­ro­peu emi­tiu uma ad­ver­tên­cia des­se ti­po con­tra a Hun­gria. A mes­ma coi­sa se­ria pos­sí­vel em 2020? Não é di­fí­cil ima­gi­nar a União Eu­ro­peia se tor­nan­do uma união de de­mo­cra­ci­as li­be­rais e não li­be­rais. Fe­liz­men­te – e por is­so po­de­mos ser gra­tos aos elei­to­res –, os na­ci­o­na­lis­tas eu­ro­cé­ti­cos não são a úni­ca for­ça no­va a ser con­si­de­ra­da no Par­la­men­to Eu­ro­peu. Par­ti­dos li­be­rais e ver­des fo­ram a sur­pre­sa da vo­ta­ção. Jun­tos, eles ga­nha­ram cer­ca de 60 as­sen­tos adi­ci­o­nais, dan­do-lhes um to­tal de 176, o que vi­rá com mui­ta in­fluên­cia po­lí­ti­ca. Tal­vez os ver­des usem seu su­ces­so pa­ra exi­gir que o com­ba­te às mu­dan­ças cli­má­ti­cas se tor­ne uma pri­o­ri­da­de pa­ra o con­ti­nen­te.

Os ver­des en­con­tra­ram o seu apoio pre­do­mi­nan­te­men­te en­tre jo­vens pró-eu­ro­peus ur­ba­nos que res­pal­dam a ideia de uma Eu­ro­pa uni­da, mas são crí­ti­cos da União Eu­ro­peia tal co­mo ela exis­te ho­je. Eles ve­em Bru­xe­las co­mo aves­sa a ris­cos e ne­gli­gen­te quan­do se tra­ta de pro­ble­mas de lon­go pra­zo, co­mo o au­men­to da de­si­gual­da­de e ques­tões do meio am­bi­en­te.

Con­fi­an­ça. En­tão, es­ses são os ven­ce­do­res: li­be­rais eco­ló­gi­cos que que­rem pre­ser­var a vi­da na Ter­ra e po­pu­lis­tas na­ci­o­na­lis­tas que que­rem pre­ser­var seu mo­do de vi­da. Mas o que eles têm em co­mum é a sen­sa­ção de que a atu­al tra­je­tó­ria da po­lí­ti­ca e da so­ci­e­da­de não é sus­ten­tá­vel. Am­bos ofe­re­ce­ram mu­dan­ça – e mu­dan­ça es­ta­va em fal­ta.

Na vés­pe­ra das elei­ções, uma pes­qui­sa do Con­se­lho Eu­ro­peu de Re­la­ções Ex­te­ri­o­res con­cluiu que, em­bo­ra a con­fi­an­ça na União Eu­ro­peia se­ja mai­or do que em qual­quer ou­tro pe­río­do nos úl­ti­mos 25 anos, a mai­o­ria dos eu­ro­peus acre­di­ta que o blo­co vai des­mo­ro­nar em um pra­zo de 20 anos.

Por en­quan­to, os de­fen­so­res da União Eu­ro­peia não pre­ci­sam en­trar em pâ­ni­co. As elei­ções de­mons­tra­ram que as pre­vi­sões de Ban­non de uma re­vo­lu­ção nas ur­nas eram fan­ta­si­o­sas. A ex­tre­ma di­rei­ta na­ci­o­na­lis­ta não vai aca­bar com a União Eu­ro­peia tão ce­do. Mas, em­bo­ra es­sas elei­ções te­nham con­se­gui­do con­ter a as­cen­são do eu­ro­ce­ti­cis­mo, o ver­da­dei­ro pro­ble­ma não vai em­bo­ra: o “eu­ro­pes­si­mis­mo”.

29 de maio de 2019

RELATÓRIO DE JORDAN NASCIMENTO (JDEM-RIO) CAMPUS KAS-REDHL – “MIGRAÇÃO: DESAFIOS E GOVERNABILIDADE”!

22 a 24 de maio – Medellín-Colômbia

22 de maio, quarta feira:

– Boas vindas com o Diretor da Kas-Montevideo, Ruben Alexander.

– Apresentação dos participantes com Paola Hernández, Secretária geral da REDHL:

. Cada participante se apresentou dizendo quem era, expectativa do evento e o que tinha para contribuir.

– Palestra: Deslocamento forçado, Fenômenos multicausais e principais consequências com Yazmin Gómes, Defensora na Cidade Regional de Caldas-Colômbia:

. O deslocamento forçado na Colômbia se deu por Conflitos armados internos, gangues criminosas e o narcotráfico.

. A migração forçada da população Venezuelana se dá por principalmente por conta da inflação, perda do poder aquisitivo, desvalorização do bolívar, desabastecimento de alimentos, medicamentos e insumos básicos.
. Violação de Direitos.
. Violação dos Diretos da população étnica.
. Violação dos Direitos das mulheres.
. Violação dos Direitos da população com orientação sexual e identidade de gênero diversa.

– Palestra: Migrantes e Refugiados, diferenças, benefícios e desafios da migração com Dr Carlos Holmes, Ministro da Relações Exteriores da Colômbia:
. Para os jovens líderes da América Latina que compartilham o humanismo como pilar da ação política, os problemas da migração e dos refugiados não são apenas determinados pela situação política no mundo e, em particular, na região, mas especialmente pelo valor ético que eles devem cobrir as ações para responder imediatamente, mediamente e a longo prazo dos direitos humanos em busca de uma cidadania global.

. Refugiados Venezuelanos na Colômbia: 442.462 Venezuelanos Registrados; 253.575 famílias registradas; 26.82% meninos, meninas e adolescentes; 7.68% grupos étnicos; 1.11% afiliados ao sistema de saúde; 48.70% matriculados em escolas(6-17 anos); 89.40% espressam seu desejo de permanecer na Colômbia.

– Palestra: Segurança cidadã, migração e governabilidade, com
José Octavio Cardona León – prefeito de Manizales, Depto. de Caldas-Colômbia:
. O nível de seguridade da Colômbia é baixissimo.
. O número e homicídos da Colômbia quase que se equipara ao Brasil
. A taxa de Feminicídio é a maior de todos os tempos.
. Menizales é a cidade que tem a menor taxa de homicídios da Colômbia(13%)
. De 22 e abril a 15 de Maior, Menizales não registrou nenhum homicídio.

– Apresentação das delegações: análise situacional da questão da migração por país, com
Paola Hernández – secretária geral da REDHL:
O trabalho deveria conter os seguintes tópicos: – dados sobre imigrantes no seu País mencionando 3 destinos principais e número de pessoas repatriadas; – lista de Países que exigem um visto para entrar no seu País; Número de refugiádos no seu País; – deslocamento interno, as 3 principais Cidades.
*Fiz uma apresentação em Power Point e junto desta apresentação citei alguns pontos importantes como:
– Dois meses atrás Bolsonaro sancionou um Decreto Unilateral, liberando os turistas dos Estados unidos, Austrália, Canadá e Japão para que entrassem no Brasil sem a obrigatoriedade de Visto.
– No Brasil até o final de 2018 tinhamos um total de 33.666 pessoas que solicitaram o reconhecimento do status de refugiado. A previsão é de que haja cerca de 190.000 refugiados no Brasil até o final de 2019. Os Venezuelanos representam mais da metade dos pedidos feitos com 17.865 solicitações, na sequência estao os Cubanos com 2.373 solicitações, os Haitianos com 2.362 solicitações e os Angolanos com 2.036 solicitações. Os Estados com mais pedidos de Refúgio são, Roraima(15.955), São Paulo(9.591) e Amazonas(2.864). Todos os dados acima são segundo a Polícia Federal.

– Palestra: Visão dos partidos políticos e governabilidade, com Omar Yépez Alzate – Presidente do Partido Conservador da Colômbia.

– Palestra: Desafios da governança em tempos de crise migratória, com Daniel Paris – Assessor da vice-presidência de regiões de consultoria da Colômbia.

23 de maio, quinta feira:

– Palestra: Política migratória panamenha, com Carlos Rubio – Ministro do Interior, Panamá:
. Fluxo migratório.
. Caminho de fluxo controlado.
. 1º HUB humanitário regional: A meta foi estabelecer um centro logístico de excelencia no Panamá, com capacidade de assistências humanitárias para todos os Países; Assegurar um sistema de gestão e facilitação da ajuda humanitária entre os utilizadores socio-estratégicos e outros beneficiários; Fortalecer as capacidades de respostas dos sistemas nacionais de proteção civil e humanitária; promover a profissionalização e capacidade logística e humanitária na região;
– Usuários do HUB: Sistema Nacional de proteção civil(SINAPROC); Federação Internacional da Cruz Vermelha(FICR); Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados(UNHRD).

– Debate: Análise do Pacto Migratório, com Efraín Cepeda – senador Colômbia – Partido Conservador, Paola Holguín – senadora Colômbia – Centro Democrático, Félix Chica- Representante da Câmara – Partido Conservador, Colômbia, Rodrigo Lara Restrepo – senador Colômbia – Cambio Radical, Rubén Alexander Schuster – diretor da Fundação Konrad Adenauer de Montevidéu:
. A Senadora defende que a migração só chegou aonde chegou por conta da falta de estrutura em seus respectivos Países, ao invés de cuidarem da Infra Estrutura para que os habitantes não saiam, cuidam das fronteiras.
. Colômbia é responsável por grande parte do tráfico de drogras internacional.
. 33% dos imigrantes Venezuelanos tem estudo universitário e 19% estudo técnico.
. Ataque a liberdade de imprensa.

– Palestra: Migração e emprego: a visão de negócio, com Dr. Efraín Cepeda Tarud – presidente da Câmara de Comércio de Barranquilla, Colômbia.

– Visita Exterma: Câmara de Vereadores de Medellín – Colômbia:
. Fomos recebidos pelo Vereador Jaime Alberto Mejía Lavarán – Presidente da casa.
. São 21 Vereadores.
. Eleitos por voto em lista.
. Conhecemos todas as dependências da Câmara.
. O presidente se apresentou no auditório e abriu a palavra para os participantes.
. Hoje Medellín vive uma grande crise mobilistica, por conta da crescente venda de carros e montos.
. Aumento da poluição do ar por conta da crescente venda de veículos.
. Medellín é mais barato comprar uma moto do que usar transporte público.
. O plenário da Câmara é altamente tecnológico, câmera em todos os ambientes, computadores individuais e sistema de monitoramento na mesa de cada Vereador e cortinas eletrônicas que são fechadas quando estão em sessões decisivas.

24 de maio, sexta feira:

– Palestra: Caso da Colômbia: o maior deslocamento interno na América Latina, com Dr. Christian Krüguer Sarmiento – Diretor de Migração da Colômbia:
. Colômbia é o País que mais “sofre” com deslocamento da América Latina.
. Com uma população de 48 milhões de pessoas, a Colômbia vive um conflito armado de mais de meio século, que envolveu guerrilhas, grupos paramilitares e forças do Estado, em um cenário que também sofre com a violência dos grupos narcotraficantes.
. Além dos 6,9 milhões de deslocados, a conflagração interna colombiana já deixou 260 mil mortos e 45 mil desaparecidos, entre outras vítimas de sequestro, violência sexual, desapropriação, recrutamento de menores e minas terrestres.

– Apresentação / iniciativas inovadoras, Mulher faz tech, com Karla Guandique – co-fundadora da Woman do tech, Colômbia.
. Participação ativa da mulher na políticas com muita invação
. Iniciativas inovadoras para atrair a mulher cada vez mais e ajuda-la a enxergar a política como um futuro.

– Palestra: Caso da República Dominicana, com Dr. Elías Wessin Chávez – Presidente Partido Democrata Cristão República Dominicano.
. A presença de haitianos na República Dominicana não difere de outros contextos fronteiriços em que as diferenças econômicas entre países próximos ocasionam fluxos de imigrantes em busca de trabalho e acesso a serviços.

– Palestra: Grupo Lima – Venezuela – Comunidade Internacional
Julio Borges – representante da Venezuela Grupo Lima
. Em 2010, o banco mundial registrava 521.620 Venezuelanos emigrantes.
. A maioria dos emigrantes eram profissionais.

. Os destinos mais comuns eram: Estados Unidos, Canadá e Europa.

– Videoconferência Experiência de jovens humanistas na política, com Rodrigo Matamoros – Embaixador do Chile na República do Haiti.

– Palestra: Caso da Venezuela, com Juan Carlos Orrego Ocampo – Diretor Geral Adjunto UNGRD, Colômbia.

– Palestra: Mídia, exílio e xenofobia, com Valentina Vera Quiroz – advogada, pesquisadora e professora da Universidade dos Andes.
. Liberdade de imprensa.

– Finalizando com a apresentação de propostas da política de migração pública, apresentação das propostas de trabalho e migração da RedHL, com Euclides Marmolejos Báez – Presidente da REDHL, República Dominicana.

28 de maio de 2019

MENOS TWITTER!

(Luiz Fernando Janot – O Globo, 25) Com a derrocada da política do bem-estar social, a solidariedade humana foi perdendo relevância. Em seu lugar, despontou a sedução pelo ganho fácil, onde princípios éticos são deixados de lado para dar lugar a negócios ilícitos em busca de riqueza e ascensão social. Em muitos casos, a criminalidade costuma vir a reboque dessa iniciativa. Enquanto o nosso governo procura fantasmas para encobrir a sua incompetência, a economia permanece estagnada, e o número de pessoas desempregadas é crescente. Governar uma nação complexa como a nossa não é coisa para principiantes ou políticos que não têm estatura para enxergar além dos estreitos limites dos seus preconceitos.

Não vemos projetos que sirvam de alento para a população ter esperança de alcançar um futuro melhor para si e para as próximas gerações. Corremos o risco de ver a pobreza e a miséria crescendo descontroladamente em nossos espaços urbanos. Sem uma justa distribuição de renda, não haverá plano econômico capaz de reduzir a distância que separa nossas classes sociais.

No aspecto político está cada vez mais difícil aproximar as pessoas para encontrar uma saída conjunta para o distanciamento social. O mais comum é ouvirmos manifestações preconceituosas daqueles que pensam de maneira diferente. Isso se deve, em parte, à ação das patrulhas ideológicas, de direita e de esquerda, que se utilizam das redes sociais para fomentar o dissenso. Em tese, são indivíduos raivosos, que se deixaram doutrinar por ideologias anacrônicas que têm no maniqueísmo o suporte para seus estéreis discursos. Julgávamos que essa visão míope da política brasileira havia sido superada desde o fim da ditadura militar e da retomada do regime democrático. Mas não é isso o que temos visto. Como agravante, assistimos ao nosso presidente utilizando uma verborragia inadequada pelas redes de comunicação social para defender os seus interesses momentâneos. Se alguém contestar o que ele disse, logo os seus fanáticos seguidores intervêm de forma implacável com declarações agressivas.

Além da obsessão contra o que ele chama de “marxismo cultural”, percebe-se a sua dificuldade em lidar com pensamentos políticos contrários; com as conquistas nas questões de gênero; com a defesa do meio ambiente; com o controle do uso de agrotóxicos; com o problema do aquecimento global; e com as implicações relativas à liberação das armas. Ao menosprezar as ciências sociais e cercear a liberdade de expressão no meio acadêmico, especialmente o universitário, o governo faz com que o Brasil se distancie das nações mais prósperas e respeitadas do mundo. Em termos de política externa, assumiu uma posição explícita de subserviência ao governo americano. Só falta tomar partido na briga comercial entre os Estados Unidos e a China. Neste domingo, grupos que se autointitulam “cidadãos de bem” —como se os outros não fossem — pretendem fazer uma manifestação pública para apoiar o governo e afrontar os poderes constituídos. Reagir a esse tipo de fanatismo é fundamental para preservar a nossa democracia. Não podemos silenciar diante de atitudes despropositadas e inconsequentes.

Sei que é grave a crise, mas a luta continua. Precisamos ir em frente antes que seja tarde demais.

Enquanto o nosso governo procura fantasmas para encobrir a sua incompetência, a economia permanece estagnada.

27 de maio de 2019

VINICIUS TORRES FREIRE – FOLHA DE S.PAULO/ILUSTRÍSSIMA (26/05) ENTREVISTA FHC!

Pergunta: O governo não forma uma coalizão. O Congresso fala em ter pauta própria. A insatisfação com a situação econômica e social cresce. Na política, onde vai dar isso?

FHC: Algo está errado no nosso sistema institucional. Depois de 1988, todos os presidentes sofreram impeachment ou foram presos, com a minha exceção. Há um sistema de coalizão em que não há partidos, que se deterioraram mais, se desmilinguiram.

A formação de maiorias é cada dia mais difícil. Por outro lado, o nosso sistema é presidencialista, mas o Congresso tem um peso grande, tem força. A Constituição foi preparada para um regime parlamentarista.

Quando o Executivo tem a capacidade de propor uma agenda à nação, quando motiva a nação, o Congresso de alguma maneira se ajusta a essa agenda. Quando o Executivo não tem essa capacidade, o Congresso tenta fazer a agenda e começa a patinar. Estamos nessa fase.

P: Crise política ou constitucional?

FHC:  O sistema [político] anterior, que nós montamos em 1988, sumiu nessas eleições, depois de muitos problemas. Mas não vejo no Executivo a capacidade de propor uma agenda aceita nacionalmente, porque negocia pouco e não controla o Congresso. Então, abriu-se uma zona de dúvida, de incerteza.

P: E então…?

FHC: Como já passei por vários momentos desse tipo ou mais graves do que esse, nunca fui muito inclinado a apoiar impeachments. Continuo não sendo.

Alguns autores recentes nos Estados Unidos chamam a atenção para o fato de que, no sistema americano, há certa dose de tolerância. Não se usam todos os poderes disponíveis. Não é aconselhável o Congresso usar todos os poderes, porque isso vai resultar em um trauma, sem que a população tome consciência dos verdadeiros problemas.

P: O que fazer?

FHC: Estamos em uma transição, mas não se sabe para quê. Se sabe o que não se quer. A eleição do presidente Bolsonaro foi consequência do “não”, não do “sim”. “Não quero PT, corrupção, partidos, políticos, desordem, crime, não, não, não”. Mas o que fazer?

Os mercados apostam na reforma da Previdência. É verdade que o Estado está falido. A lei do teto amarra mais a possibilidade de manobra do Executivo. Então há a expectativa de que, se for aprovada a Previdência, vai resolver. Não tenho certeza.

O que está faltando no Brasil é confiança: em nós mesmos, no governo, no futuro do país. O investidor sofre os efeitos disso, não põe dinheiro. Os últimos dados são preocupantes, a taxa de crescimento per capita é nula e não há empregos.

Alguma reforma vai passar. Mas não se consegue orientar uma maioria para um projeto com mais durabilidade. Falta continuidade nas políticas públicas.

P: Ainda falando do curtíssimo prazo: há uma sensação de aceleração da crise. O que vem a seguir?

FHC: Sociólogos gostam de explicar os diversos aspectos das mudanças sociais, que são importantes, mas não é assim que as coisas acontecem no dia a dia. Por vezes as coisas explodem quando se menos espera, como em maio de 1968 na França.

Você pode ter um fio desencapado em qualquer setor da sociedade —tem sempre fio desencapado. A manifestação de ontem [quarta-feira, 15 de maio] foi porque o governo formulou de maneira equivocada o que iria fazer com a educação. Recuou, mas não adiantou. Aquilo foi a fagulha. Tem momentos em que esses movimentos não param mais, como na França, em que todo sábado tem manifestação dos coletes amarelos contra o Macron.

E hoje você tem uma sociedade que se move por este aparelho aqui [mostra o celular], que conecta pessoas, que salta as estruturas, organizações, partidos, governos, tudo. Isso coloca em questão como as formas de governo, que requerem um pouco de persistência, vão se adaptar a uma sociedade que, como diz o [Zygmunt] Bauman [sociólogo polonês, 1925-2017], é líquida.

As questões políticas precisam ter uma atenção maior. Por que não se aproveita agora para fazer o voto distrital? Não é para fazer parlamentarismo neste momento, porque as pessoas não vão acreditar. Voto distrital para dar uma maior proximidade entre o eleitor e o eleito.

Não sei se resolve, mas alguma coisa tem de ser tentada. Mas está tudo esquecido, está tudo concentrado: “ou faz a reforma da Previdência ou o país acaba”. O Brasil não acaba, mas vai mal e não basta a reforma da Previdência.

P: O grau de conflito político e na elite do poder está alto. Não é só conflito partidário. Vem também do Ministério Público, do Judiciário. Por que houve esse destampatório? Por que a elite não baixa a bola?

FHC: Esse é o ponto. Ou se consegue um clima que se permita baixar a bola e, ao mesmo tempo, fazer mudanças, ou vamos ficar nesse impasse.

Qual foi a proposta do governo? Foi muito mais no sentido linha-dura. O Congresso acaba de tornar a lei de drogas mais dura, até tentei intervir, mas era tarde. É [uma lei] contra a maré do mundo, acham que vão resolver, mas vão agravar a situação. Agora vão discutir o porte de armas.

As pessoas estão com medo, há crime organizado, que controla a cadeia, o exército de reserva do crime. Qual a resposta da sociedade? Põe por mais tempo na cadeia, mais presos. É irracional. Como se muda o irracional? Pelo emocional. É preciso de uma liderança capaz de contrapor argumentos e tocar as pessoas.

P: Há grupos sociais novos que não se sentiam representados, novas classes médias, pessoas ligadas ao mundo do agronegócio, conservadores, religiosos, que pareciam não se sentir representados pelo menos pelos partidos, PT e PSDB, que organizavam ou mesmo dominavam o debate, a disputa política. Quando falta essa representação, há rupturas…

FHC: Aconteceu por aqui. O Brasil funcionava em um sistema com PT e PSDB, mas não esqueça o PMDB, o grande partido do Estado, era o pessoal que sabia manejar o Estado.

O PFL [DEM] era uma coisa intermediária, entre o Estado e o PSDB. A elite dirigente de PT e PSDB não entendeu o que poderia acontecer, nunca entendemos. O PT dizia que nós éramos de direita, neoliberal etc. Uma coisa realmente patética.

O país é conservador. A questão do Brasil é: quem conduz o atraso, que é parte do Brasil. O PT esperava acabar com o atraso. O PSDB convivia mais com o atraso, tentava conduzir o atraso. Isso que estou chamando de atraso se tornou uma posição política. Não é o velho atraso, clientelista, só. Não. É ideológico. Tem ideias de colocar um molde no país, ideia de outra natureza. Isso nunca foi percebido pela direção do PT ou do PSDB, nem nada.

P: Antes da eleição, o senhor dizia que Luciano Huck era uma possibilidade [de candidatura]. Neste momento, é mais fácil criar um movimento mais personalista, que consiga agregar tendências e formar um novo movimento político, ou há chance de formação de partido ou de reorganização de partidos que estão por aí?

FHC: Max Weber tinha pavor do que ele chamava de dominação burocrática, tinha medo do comunismo, que ia por aí, era nacionalista, democrata. Achava que, em certas circunstâncias, só o carisma quebra as estruturas de dominação. Aqui no Brasil, poucos votam em partidos. Qual o partido do Bolsonaro? PSL. Existe uma organização? Não existe.

P: Então, o Huck…

FHC: Achava que, dado o grau de deterioração das forças políticas, era preciso uma renovação. Não deu, por motivos pessoais dele. Nesta situação, de novo será preciso haver preeminência do verbo. Não é o que eu gosto, não é o que eu quero. Estou dizendo que a coisa pode ir por aí.

A sociedade contemporânea quebrou muito a coesão das pessoas. A sociabilidade é diferente. Ela vive no verbo, desorganizadamente. Acho que só com alguém que tenha capacidade de falar e ser ouvido você pode, eventualmente, criar um novo início.

P: Bolsonaro tem um tanto disso.

FHC: O problema não é de ele ter ido por aí. É de talvez não ser capaz de se expressar de uma maneira que as pessoas sintam que, por ali, tem caminho.

Aqui, não me parece que o presidente Bolsonaro tenha as características pessoais, a capacidade pessoal. Você vê que é uma família que está operando, que é contrário um pouco ao nosso espírito aqui, não é uma pessoa, é uma família, que está batendo com instituições, militares, não sei até que ponto.

É pouco provável que partidos consigam se organizar e predominar nesta transição. Não se sente isso de nenhum lado, não apenas na vida política. As grandes instituições brasileiras do passado tinham peso, como a OAB, a ABI, os sindicatos, as centrais sindicais, inclusive religiões como a católica. Perderam a capacidade de condução.

P: Então, a mudança precisaria de carisma.

FHC: Acho mais provável que haja pessoas com capacidade de juntar, de chamar, de conclamar para uma direção. A sociedade que está em gestação precisa de condução quase carismática. Isso é perigoso, se não houver uma contrapartida da organização de estruturas que segurem. Veja o que está acontecendo na Turquia ou na França, em que os partidos existiam, sindicatos existiam com força.

P: O impeachment de Dilma Rousseff resultou do aumento da intensidade do conflito político e causou ainda mais conflito. Foi uma boa ideia?

FHC: Sempre fui reticente quanto aos impeachments. A todos. Por que reticente? Pelo trauma que produzem. O voto para presidente foi para quem está sendo “impichado”; o vice-presidente no Brasil ninguém sabe quem é, quando vota.

No caso do Lula, quando houve o mensalão, havia um movimento de impeachment. Eu não queria. Não é que eu não achasse justo, [mas era como se eu dissesse] “olha a consequência”. Você faz um impeachment do primeiro líder sindical que é presidente da República? Vêm as elites e derrubam? Você vê a leitura que vai ser. O custo histórico é muito elevado.

P: E o caso de Dilma Rousseff?

FHC: Fui reticente também. Não fui contra, porque era muito difícil naquele momento ser contra. Quando é que acontece impeachment no Brasil? Quando o governo para de governar. É preciso ter uma razão legal, é verdade. Mas o que produz impeachment é a confluência de alguma infração legal com a paralisia do governo, quando o Congresso para de decidir.

Quando o Congresso passa a não decidir, o governo começa a paralisar, é quando se criam as condições mais propícias para o impeachment [FHC atribui a tese a estudo do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos]. Quando paralisa, não tem outro jeito. Não é o caso atual. Aí continuo a ter a visão dos teóricos americanos: vai devagar, dá tempo ao tempo, “paciência histórica”, uma expressão que é fácil para sociólogo e difícil para político.

P: O seu partido também tem muitas acusações de corrupção, de Aécio Neves ao caso Paulo Preto. É dominado por alguém marginal na história do PSDB, João Doria. Teve influência grande na derrubada de Dilma Rousseff, na votação do impeachment e com as pautas-bomba. Perdeu quase metade da bancada na Câmara e o candidato a presidente teve votação quase nenhuma. Que futuro tem o PSDB?

FHC: O mesmo dos demais grandes partidos. Ou seja, depende.

Por quê? O Brasil vai passar por um momento que não é de partido. No meio tempo, o que acontece? Os partidos têm dinheiro, o fundo partidário. Têm meios de sobreviver. Os grandes partidos têm algum enraizamento. O PSDB tem forte enraizamento em São Paulo, por exemplo.

Não posso dizer que todos os partidos vão desaparecer. Mas estão sofrendo reveses enormes porque não perceberam a tempestade que vinha por aí. Veio a tempestade e estão molhados.

Podem se secar? Não tenho certeza. Vão tentar. O partido que está no governo não é partido. A próxima eleição vai ser movida pela definição dos candidatos. O PSDB vai ter candidato.

Como as grandes estruturas partidárias têm recursos, ainda têm alguma ressonância e dominação de certas áreas, podem permanecer. Mas isso não é força suficiente para levar adiante um país.

Por isso estou insistindo no Weber. Há momentos em que você precisa de líder. E a sociedade contemporânea, quanto mais ela dissolve estruturas, ela requer referências, que é um paradoxo. Não sei quem vai ser capaz de ser essa referência.

P: Quem poderia ser essa referência?

FHC: No caso do PSDB, o governador de São Paulo [João Doria] tem força, porque é governador de São Paulo e é obstinado. Tem suas qualidades. Já tem experiência. Ganhou São Paulo. Não acreditei que ele fosse ganhar. Ganhou. Conseguiu se adequar aos meios de comunicação contemporâneos e tem uma linguagem que atinge essas pessoas que estão subindo na sociedade, as novas camadas sociais.

Haverá outros? É possível. Conheço o governador do Rio Grande do Sul [Eduardo Leite], que é do PSDB, parece composto, adequado. Tem o Paulo Hartung, que foi um bom governador [do Espírito Santo], de um estado com base eleitoral menor. O PFL [DEM] tem o Ronaldo Caiado, que agora é governador de Goiás. O Caiado tem capacidade expressiva. Não sei se o PMDB tem alguém.

P: O PT também tem bases. Vai permanecer.

FHC: Não tenha dúvida.

P: O PT vai mudar?
FHC: Difícil, porque tem o Lula. O PT cresceu muito por causa do Lula. E o Lula é também o limite do PT. O Lula não aceita muito um outro dentro do PT. A esquerda do Lula é uma coisa muito relativa, também. Não sei muito qual é a concepção dele. Ele é um operador, competente como operador.

É preciso recompor um centro radical. Digo “radical” para evitar o fisiologismo, um centrão. Nesse momento, ser razoável, ter bom senso, está mal, pois o momento é de engalfinhamento. Isso não faz com que eu me engalfinhe. Espero que seja possível manter um pensamento mais tolerante, valores essenciais à democracia. Mas é preciso fazer reformas, não apenas aquelas para salvar o caixa [do governo], mas para salvar as pessoas.

Não só aqui. A tecnologia moderna, a sociedade da economia 4.0, não dá emprego. Ou melhor, dá emprego para quem é muito qualificado. O que vai se fazer com os outros?

Estão discutindo de novo o que era antiga ideia do [Eduardo] Suplicy [renda mínima universal]. De qualquer maneira, é preciso fazer alguma coisa. É preciso falar em nome disso, se chame de esquerda ou não, dos “deserdados da terra”, dos “condenados da terra” [referência a um livro famoso nos anos 1960, do revolucionário e ensaísta marxista e anticolonialista Frantz Fanon, francês da Martinica, 1925-1961], aqui ou nos Estados Unidos. 

24 de maio de 2019

A RETOMADA DO ESPAÇO CÍVICO!

(Iona Szabó de Carvalho – Folha de S. Paulo, 22) É inegável que vivemos tempos difíceis. Democracias liberais estão sendo desafiadas no Brasil e mundo afora. Mas observar a reação de distintos grupos da sociedade me dá esperança.

Por aqui, muitos anteviram que pilares democráticos e áreas como educação, segurança e meio ambiente sofreriam desmontes sem precedentes, caso promessas de campanha virassem realidade. Apesar da agenda em curso, a democracia resiste. Há diferentes grupos se organizando e saindo em defesa de leis e políticas públicas construídas ao longo de anos de discussão participativa.

Sei que uma grande parcela não acreditava que as promessas de campanha de cunho ideológico seriam cumpridas, muito menos priorizadas. Acabaram por dar um voto de confiança calçado especialmente no ideal do futuro próspero empacotado e vendido pelo pilar econômico, fiador desse governo.

Mas enquanto intrigas e batalhas morais e conspiratórias consomem nosso tempo e energia, a economia ensaia recessão e milhões de desempregados sofrem. É urgente que se atenda às reais prioridades.

A lição que fica é que os princípios da democracia não se negociam. Não há crescimento econômico que justifique retroceder nas liberdades e direitos individuais e garantias constitucionais. Queremos aprimorar e fortalecer nossas instituições democráticas e diversificar e fazer crescer nossa economia.

Não é uma coisa ou outra, e sim uma coisa e outra. E vejo que já há muita gente despertando para isso e está aí o meu otimismo fora de hora.

Vimos nas últimas semanas vozes relevantes da direita e da esquerda se unirem contra cortes abruptos e arbitrariedades na área da educação, contra o último decreto das armas e contra a agenda antissustentabilidade promovida sem pudor. Há grande convergência de ideias de distintos atores, que antes se viam em lados opostos. É o começo do fim de uma polarização criada para amplificar a voz de minorias radicais, de ambos os polos do espectro político.

No campo educacional, assistimos a centenas de milhares de jovens e adultos de todas as classes sociais, professores e cidadãos conscientes de que nosso futuro está na educação, tomarem as ruas e ocupar o espaço público.

Movimentos como o Todos Pela Educação balizaram o debate e mostraram o caminho a seguir. Universidades e instituições de ensino começaram a se preocupar mais com transparência, efetividade de suas ações e uso de recursos, o que é fundamental para que se fortaleçam.

Na segurança, manifestaram-se contra o decreto das armas: grupos de policiais, redes de mães e mulheres como o Brasil Vivo, denominações cristãs, partidos políticos, governadores de mais de uma dezena de estados e organizações que trabalham com o controle de armas, incluindo a Rede Repacificar.

Análises técnicas e jurídicas respaldam a derrubada do decreto da morte. O STF e o Congresso poderão contar com sólida argumentação para proteger nossa população de interesses privados que não podem se sobrepor ao direito coletivo à segurança pública.

Na área ambiental, temos os indígenas organizados, a vanguarda do agronegócio se opondo às mudanças no Código Florestal, governadores, prefeitos e organizações da sociedade, como o Observatório do Clima, a Liga das Mulheres pelos Oceanos, entre muitas outras, resistindo. E não poderia deixar de citar a mobilização inédita dos últimos sete ministros do Meio Ambiente nos alertando sobre o perigo do desmonte na área, com uma clara convocação à população.

Estamos muito longe de estarmos seguros. O futuro de nossa democracia e do nosso país depende de nossa coragem, da capacidade de refletir, dialogar, passar por cima das diferenças e unir esforços.

23 de maio de 2019

‘HISTÓRIA E MEMÓRIA VIVEM ÀS TURRAS’, DIZ ANTROPÓLOGA E HISTORIADORA LILIA MORITZ SCHWARCZ!

(O Globo, 21) Com linguagem didática e acessível, ‘Sobre o autoritarismo brasileiro’ procura na história as raízes de uma sociedade hierarquizada, violenta, racista e tentada com frequência por soluções antidemocráticas

Depois das eleições, a antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz passou a ser mais ativa no Instagram. Na rede social, ela publica fotos e vídeos, comenta o noticiário e tenta ajudar seus 55 mil seguidores a compreender a confusão política brasileira. Seu novo livro, “Sobre o autoritarismo brasileiro”, que aporta nas livrarias nesta sexta-feira (24), faz parte desse esforço de levar informações sólidas, coletadas com rigor acadêmico, para um público que se reúne em salas de aula improvisadas nas redes sociais.

No livro, Lilia, que é professora da Universidade de São Paulo (USP) e autora de livros como “Lima Barreto: triste visionário”, passa em revista a história brasileira e mostra como as desigualdades, o patrimonialismo e outros vícios moldaram o autoritarismo brasileiro.

Ao GLOBO, Lilia falou sobre como as redes sociais reforçam as hierarquias e como é ser uma intelectual no Instagram.

O livro começa com a desconstrução do mito do Brasil pacífico onde todas as raças convivem em harmonia. Por quê?

O objetivo do livro é mostrar como muitas formações do passado têm a ver com o nosso autoritarismo presente. Um dos grandes nós da sociabilidade nacional é escravidão, que gerou o racismo estrutural que impede a democracia. Nossos autoritários construíram um mito de um país pacífico e sem hierarquias. Mas sabemos que um país que admitiu a escravidão por tanto tempo não pode ser livre de violência e hierarquias. Em períodos autoritários, narrativas histórias são particularmente acionadas. Por isso, me preocupei em politizar esse discurso e tirar dele o véu da neutralidade.

O livro trabalha com uma dicotomia entre história e memória. Por quê?

Memória e história às vezes andam às turras. A história pode ser oficial, mas é pautada em documentação e pode ser aferida. A memória é subjetiva. Nações são constituídas com base em memória coletiva, que é imaginação e afeto. A memória pode nos alertar, mas também pode ser a memória um passado de concórdia que não se sustenta. A memória coletiva pode ser um mote de afeto ao país e construir cidadania, mas também pode ser manipulada por governos autoritários que fundados na emoção.

Você afirma que a linguagem digital ajudou a amplificar hierarquias e formas de autoridade, produzindo um “populismo digital”. Como ?

A internet teve grande importância para democratizar o saber. O perverso é que, sendo capazes de produzir diferença, inclusão e democracia, as redes sociais têm sido acionadas por governos autoritários para promover maior segmentação e polarização. Usar as redes sociais para apresentar o chefe de estado como um messias, é desvirtuar o potencial democrático das redes e fermentar o patrimonialismo, que produz estruturas sociais enrijecidas. É o velho populismo com uma nova roupagem. O que mudou foi a escala. Pelas redes, o populista pode interagir com muito mais gente e atacar a imprensa e as universidades para afirmar que a verdade se concentra apenas nele.

A perpetuação das famílias políticas são um dos temas do livro. Os três filhos do presidente Jair Bolsonaro são atuantes no governo, embora tenham sido eleitos para cargos legislativos. Isso é uma forma de patrimonialismo?

É uma exacerbação do patrimonialismo que conhecemos muito bem, de famílias como os Sarneys. Os filhos de Bolsonaro se portam como se fossem dignitários de um monarca. Esse personalismo é perverso porque autoriza pessoas a assumir funções para as quais não foram eleitas. Quando tudo é questão de família, qualquer adversário vira inimigo – e corrupto. Nós passamos os últimos 30 anos lutando por democracia plena e colocamos uma família imperial no poder.

Por que o populismo é com frequência anti-intelectual?

Ataques à imprensa e à intelectualidade são ataques a possíveis críticos. São tentativas de deslegitimar todas as falas que não a do líder, de transformar adversários em inimigos. Quem ataca a academia e seus critérios de avaliação acusa um discurso competente de incompetência. São ataques ideológicos, que recusam são o diálogo e os dados, as armas da academia, para nos desautorizar por meio de xingamentos e da negação. Não é só um ataque à academia, mas todos que veem na educação um grande gatilho para a promoção de um país mais igualitário.

Como é ser uma intelectual no Instagram?

Em momentos de crise, quando verdades são questionadas, eu me sinto forçada a atuar mais publicamente, o que não me exime dos rituais da academia. Quando entrei no Instagram, eu era muito mais atacada do que agora. Diminuiu depois que eu comecei a responder os comentários com dados. Há espaço para conteúdo nas redes sociais. Eu tento dialogar. Existe um público que foi abandonado nas eleições, porque não se localiza nem de um nado e nem do outro, mas quer informação e não sabe mais onde procurar. É um público jovem, que veio sem a socialização da imprensa escrita. Eu continuo sendo uma acadêmica, mas aprendi que podemos ocupar esse outro espaço. Se não, outros o farão.

22 de maio de 2019

PRI­MEI­RO-MI­NIS­TRO HÚN­GA­RO VI­RA MO­DE­LO CON­TRA GLO­BA­LIS­MO!

(Estado de S. Paulo, 19) Elei­to três ve­zes, Vik­tor Or­bán mol­dou ins­ti­tui­ções da Hun­gria pa­ra man­ter go­ver­no au­to­ri­tá­rio den­tro da UE

O cer­co de Vik­tor Or­bán à Uni­ver­si­da­de Cen­tro-Eu­ro­peia (CEU) não foi um ca­so iso­la­do. A Hun­gria ti­nha 11 das me­lho­res uni­ver­si­da­des da Eu­ro­pa pós-co­mu­nis­ta. Fun­ci­o­ná­ri­os pú­bli­cos li­ga­dos ao Fi­desz, par­ti­do de Or­bán, fo­ram no­me­a­dos pa­ra as­su­mir as uni­ver­si­da­des pú­bli­cas, con­tro­lan­do-as com fir­me­za. O fi­nan­ci­a­men­to de pes­qui­sas, an­tes de­ter­mi­na­do por um cor­po in­de­pen­den­te de aca­dê­mi­cos, é ago­ra ava­li­a­do por um le­gis­la­dor li­ga­do ao pre­miê. O go­ver­no es­ti­mu­la os alu­nos a de­nun­ci­ar pro­fes­so­res com “vi­sões e po­lí­ti­cas ex­ces­si­va­men­te à es­quer­da”.

Or­bán tam­bém re­du­ziu a ida­de em que ter­mi­na a es­co­la­ri­da­de obri­ga­tó­ria, de 18 pa­ra 16 anos, pro­vo­can­do um au­men­to de de­sis­tên­ci­as do en­si­no mé­dio. Li­vros di­dá­ti­cos e cur­rí­cu­los, an­tes re­gi­dos pe­los mu­ni­cí­pi­os, fo­ram cen­tra­li­za­dos e ago­ra se­guem os di­ta­mes do go­ver­no. Li­vros di­dá­ti­cos fo­ram al­te­ra­dos com elo­gi­os a Or­bán.

“Or­bán so­nha em li­qui­dar a ‘in­tel­li­gent­sia’ que o cri­ti­ca, mas ele é um au­to­cra­ta mo­der­no: sa­be que não pre­ci­sa re­cor­rer ao cas­se­te­te”, afir­ma Pé­ter Kré­ko, ana­lis­ta do Ins­ti­tu­to Ca­pi­tal Po­lí­ti­co, de Bu­da­pes­te. “Seu ata­que à so­ci­e­da­de ci­vil che­ga sob o dis­far­ce de leis que sub­ver­tem as ins­ti­tui­ções que po­dem de­sa­fi­ar sua au­to­ri­da­de.”

Foi o ca­so do Ju­di­ciá­rio. No ano pas­sa­do, o Par­la­men­to apro­vou a cri­a­ção de um sis­te­ma ju­di­ci­al pa­ra­le­lo que ci­men­ta o con­tro­le do Exe­cu­ti­vo so­bre os ma­gis­tra­dos. A cri­a­ção do ga­bi­ne­te ju­di­ci­al na­ci­o­nal, com po­de­res ex­tra­or­di­ná­ri­os pa­ra no­me­ar e pro­mo­ver juí­zes, en­tra­rá em vi­gor nos pró­xi­mos 12 me­ses.

O sis­te­ma tra­ta­rá de ca­sos re­la­ci­o­na­dos à ad­mi­nis­tra­ção pú­bli­ca, in­cluin­do ques­tões po­lí­ti­cas sen­sí­veis, co­mo a lei elei­to­ral, ca­sos de cor­rup­ção e o di­rei­to de ma­ni­fes­ta­ção. An­tes, Or­bán con­se­guiu a apro­va­ção de uma re­for­ma da Jus­ti­ça, com a apo­sen­ta­do­ria for­ça­da de 30 juí­zes do Su­pre­mo, abrin­do ca­mi­nho pa­ra su­as in­di­ca­ções. Após qua­se dez anos de Or­bán, a Hun­gria é o úni­co país da UE que não é de­fi­ni­do co­mo “de­mo­crá­ti­co” pe­lo Ín­di­ce de De­mo­cra­cia da re­vis­ta The Eco­no­mist.

A Li­ga Nor­te, par­ti­do de ex­tre­ma di­rei­ta li­de­ra­do por Mat­teo Sal­vi­ni, que faz par­te do go­ver­no da Itá­lia, é uma das mui­tas le­gen­das eu­ro­pei­as que se ins­pi­ram no mo­de­lo de Or­bán. Em mar­ço, os dois lí­de­res se en­con­tra­ram. Aper­tan­do a mão de Sal­vi­ni e re­fe­rin­do-se às elei­ções eu­ro­pei­as, Or­bán dis­se: “Es­tou con­ven­ci­do de que a UE pre­ci­sa de uma ali­an­ça con­tra a imi­gra­ção”. Ou­tro país é a Polô­nia, que as­sim co­mo a Hun­gria re­ce­beu san­ções da União Eu­ro­peia sob ar­gu­men­to de ter aten­ta­do con­tra pre­cei­tos de­mo­crá­ti­cos. Hun­gria, Itá­lia e Polô­nia es­tão na ro­ta de vi­si­tas pro­gra­ma­da pe­lo pre­si­den­te Jair Bol­so­na­ro pa­ra es­te ano.

21 de maio de 2019

CESAR MAIA: ‘INDICAÇÃO DE MORO PARA STF É MOVIMENTO PARA 2022’!

(Estado de SP, 20) Para ex-prefeito do Rio, ao anunciar ex-juiz para vaga na Corte, Bolsonaro elimina ‘principal’ rival na próxima eleição

RIO – O ex-prefeito do Rio e vereador Cesar Maia (DEM) viu no anúncio do presidente Jair Bolsonaro de que poderia nomear o ministro da Justiça, Sérgio Moro, para o Supremo Tribunal Federal (STF) como um primeiro movimento da sucessão presidencial de 2022. A vaga será aberta em um ano e meio com a aposentadoria do decano da Corte, Celso de Mello. “Ele (Bolsonaro) precisa tirar da frente aqueles que são adversários muito fortes, que é o caso do Moro”, diz o ex-prefeito e pai do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ao Estado.

Para Maia, a eleição foi muito influenciada pelo atentado sofrido por Bolsonaro, que gerou um efeito de vitimização. Agora, passado o tempo e empossado na Presidência, ele enfrenta problemas concretos, enquanto o impulso dado antes pelas redes sociais mostra sinais de esgotamento. “É por isso que Bolsonaro tem dado muitas entrevistas na televisão.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

ESP: Por que a política nacional parece tão tumultuada e sem alternativa nesse início de novo governo?

CM: Essa crise já tem um tempo maior. A partir do segundo governo do Lula, as relações com o Parlamento… É um ciclo. Um ciclo onde as lideranças são muito raras, os talentos na política são muito raros. Quando surge uma novidade, não é, na verdade, uma novidade. Mas há que se ter tempo, aguardar, para ver como esse processo se desdobra.

ESP: São só cinco meses, mas foram meses muito agitados. Esperava-se esse desgaste tão grande, essa perda de popularidade tão forte?

CM: Temos de analisar o comportamento dos personagens. O presidente (Jair Bolsonaro), por exemplo. Por que ele lança o ministro Sérgio Moro como nomeado ao STF? Por uma razão muito simples, porque Moro é adversário do Bolsonaro como presidente da República. A maneira que ele encontrou de eliminar esse adversário foi nomeá-lo para o STF.

ESP: Ele já tira uma carta do baralho?

CM: A principal, a única carta. Ele elimina o principal adversário, não tem dúvida nenhuma. Pode fazer a pesquisa que você quiser entre Moro e Bolsonaro, você vai ver o que vai dar. Mostra que o próprio presidente está preocupado com o desdobramento de tudo isso. Ele precisa tirar da frente aqueles que são adversários muito fortes, que é o caso do Moro.

ESP: O sr. vê o ministro como potencial adversário do Bolsonaro em 2022? Quem o sr. enxerga nesse universo?

CM: No campo de pensamento do Bolsonaro, só tem o Moro. Fora do campo dele, hoje, vai ter de se construir essa liderança.

ESP: O senhor enxerga o Rodrigo?

CM: Não sei, não sei. Eles estão mexendo com aquele rapaz da Rede Globo, como é mesmo o nome dele…

ESP: Luciano Huck.

CM: Eles estão mexendo com alguém que tenha capacidade eleitoral.

ESP: Acha que ainda vai ser costurado alguém?

CM: Na política, a necessidade produz o personagem. Por exemplo, o Bolsonaro é produto da Lava Jato. A Lava Jato impulsionou o Bolsonaro. Agora, que outros fatos vão impulsionar personagens? Não sei ainda.

ESP: O Rodrigo pode ser um nome?

CM: O estilo do Rodrigo não é exatamente o da forma como a política está sendo feita hoje. Racionalidade, paciência, audiência. Mas pode ser que daqui a pouco surja um quadro diferente e desse estilo surja adesão.

ESP: De acordo com várias pesquisas, no fim das eleições Bolsonaro tinha uma aprovação de 49%. Mas de lá para cá, essa aprovação vem caindo e, em março, se estabiliza em 32%, 35%. Como avalia essa trajetória?

CM: Primeiro, como se explica a performance final do Bolsonaro nas eleições? O que muitos acreditam, e eu acompanho, é que a facada gerou um efeito vitimização. Saiu de vinte e poucos por cento e subiu para quarenta por cento. Mas aí esse efeito passa, a eleição termina, vêm as entrevistas, a posse. Passado todo esse processo, as pessoas digerem aquilo, sedimenta-se, aquilo que se imagina vitimização não é mais. É o presidente da República, cercado de polícia, militares, Polícia Federal. Com isso, vem uma acomodação, que deveria ser o patamar dele, que é de trinta e poucos por cento. Temos de aguardar, dar tempo. A expectativa hoje é a de que a economia no primeiro trimestre tenha um crescimento negativo, como dizem os economistas. Isso tudo passa para o governo, que tem os elementos de impacto, de publicidade, de rede social, o que você quiser… O governo Bolsonaro passa a ter só esses elementos. Priorizar as redes sociais não adianta mais, eles foram para a televisão.

ESP: A rede social se esgotou?

CM: A tradução que está sendo dada às redes não corresponde à realidade. As redes empoderam o indivíduo; o indivíduo, uma vez com o poder que tem, convencido de alguma coisa, vai propagando isso. Mas não é um sistema partidário. É por isso que Bolsonaro tem dado muitas entrevistas na televisão. Naturalmente, ele acha que precisa da televisão para recuperar o prestígio. As redes sociais cumpriram um papel e continuarão cumprindo, é um papel importante, mas menor do que se imaginava, que resolvia tudo. Eles estão sentindo que não é assim. Então, precisam da televisão para gerar um efeito multiplicador maior. Estranho é que ele use pouco o rádio.

ESP: Como vê a ação do presidente? 

CM: Não sei se o presidente é inábil. Ele sempre foi isso que é, tem uma liderança dos militares, dos policiais. Na hora que ele acha que pode extrapolar e não dá certo, ele tem de corrigir. Ele tem corrigido algumas coisas. Quando ele corre para o negócio do armamento, isso é uma derrota anunciada. Quando vai passar essa lei? Fico me perguntando porque ele faz um decreto daquela longitude (o decreto das armas) e publica. Só tem uma explicação: ele foi feito para ser derrubado. Na hora em que derruba, parcialmente que seja, você aumenta a agregação de seus próprios, da base, transfere para fora os problemas e não o absurdo que são aquelas medidas, que foram publicadas e não vão ser aprovadas. Essa é a tática: faz a proposta, diz que fez o que tinha prometido, soma seu pessoal, não é aprovado, a culpa é de quem? Da política velha.

ESP: Quer dizer que a crise é um método do atual governo?

CM: Depende do caso. Nesse caso, é. Você tomar teses que defendeu, sabe que elas são inviáveis do ponto de vista da opinião pública, do ponto de vista do plenário muito mais, e vai com elas para frente para serem derrotadas, mesmo que parcialmente, cria uma situação de instabilidade. Diz ‘não tenho culpa, eu tentei, fiz tudo que eu pude’. O governo do Bolsonaro, tenho dito isso, tem três vetores principais: econômico-financeiro, o (ministro da Economia Paulo) Guedes; o segundo segurança, que é o Moro, uma vez empoderado ministro do STF, vai ter cuidados; terceiro são os militares, eixo administrativo, que é que o melhor eixo do Temer, da Dilma, do Lula, e fundamental para dar sustentabilidade O que muitos achavam que era o problema que ele ia enfrentar é a solução hoje. 

ESP: O governo Bolsonaro lembra algum outro governo do Brasil?

CM: Eu não me lembro de nada parecido. Em geral governos conservadores têm uma estrutura ideológica. O governo atual não tem. Ele tem ideias que justificam seu conservadorismo. É muito difícil fazer uma previsão com os primeiros quatro, cinco meses. E governo parecido com o do Bolsonaro, não sei. Você pega até governos militares, como o do Geisel, eram governos nacionalistas, estatizantes. Eram governos que tinham estrutura ministerial mais arrumada.

ESP: É estranho ter governo com valores tão conservadores e ao mesmo tempo tão liberal na economia, não?

CM: Mas é a salvação. ‘Não sei o que vou fazer na economia, vou te apresentar o Paulo Guedes.’ Ele é inteligente, é fluido. O Brasil está numa camisa de força. Só tem uma maneira para atrair capital estrangeiro e os interessados em privatização, que é resolver o nó fiscal. O nó fiscal está amarrado na questão previdenciária, e o Paulo Guedes convence o Bolsonaro disso. Então tem de ir nessa linha de qualquer maneira. Alguém jogaria no caos? É o que Paulo Guedes costuma dizer. Alguns acham que o fato desses impasses todo do governo pode atrair o discurso, a justificativa, para tomar medidas fortes.

ESP: Como o fujimorismo?

CM: Eu não diria isso, porque o Brasil tem instituições. O Peru não tinha, e aí um dia o Parlamento derruba o (presidente do Peru nos anos 90 Alberto) Fujimori, e o Fujimori derruba o Parlamento ao mesmo tempo. Aí o Fujimori é entrevistado, e ele diz assim ‘vamos ver com que as Forças Armadas vão estar’. As Forças Armadas estavam com ele, e fechou o Parlamento.

ESP: Nesse desenho de governo, como fica o caso Queiroz (ex-assessor de Flávio Bolsonaro)? E como isso atrapalha os planos de uma reeleição lá na frente?

CM: Eu não sei, porque o caso Queiroz, se tudo isso que se fala é verdade… Ontem mesmo (segunda-feira), o Flávio (Bolsonaro) disse que não fazia a menor ideia de que eles tinham se metido em tanta encrenca. Eles vão investigar. Nós estamos falando de uma investigação aberta que não vai durar um ano, com 88 pessoas.

ESP: O sr. ficou preocupado com a história da delação de um empresário ligado à Gol contra Rodrigo Maia?

CM: Ridículo, né? Estou achando que alguns delatores do segundo time, eles criam (nomes de políticos que estariam envolvidos em irregularidades). O problema aí era o (doleiro) Lúcio Funaro, (ex-deputado) Eduardo Cunha, aí vem com o terceiro escalão. Os caras fazem uma denúncia, criam um personagem, provavelmente para dar algum tipo de destaque à denúncia dele. Foi tão inacreditável que não deu nem para incomodar.

ESP: O senhor não acha que pode ser jogo político do Congresso?

CM: Nesse caso, não. É muito pequeno. Quantas vezes você ouviu falar nesse personagem?

Cesar Maia: ‘Indicação de Moro para STF é movimento para 2022’

CM-entrevista

(Estado de SP, 20) Para ex-prefeito do Rio, ao anunciar ex-juiz para vaga na Corte, Bolsonaro elimina ‘principal’ rival na próxima eleição

RIO – O ex-prefeito do Rio e vereador Cesar Maia (DEM) viu no anúncio do presidente Jair Bolsonaro de que poderia nomear o ministro da Justiça, Sérgio Moro, para o Supremo Tribunal Federal (STF) como um primeiro movimento da sucessão presidencial de 2022. A vaga será aberta em um ano e meio com a aposentadoria do decano da Corte, Celso de Mello. “Ele (Bolsonaro) precisa tirar da frente aqueles que são adversários muito fortes, que é o caso do Moro”, diz o ex-prefeito e pai do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ao Estado.

Para Maia, a eleição foi muito influenciada pelo atentado sofrido por Bolsonaro, que gerou um efeito de vitimização. Agora, passado o tempo e empossado na Presidência, ele enfrenta problemas concretos, enquanto o impulso dado antes pelas redes sociais mostra sinais de esgotamento. “É por isso que Bolsonaro tem dado muitas entrevistas na televisão.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

ESP: Por que a política nacional parece tão tumultuada e sem alternativa nesse início de novo governo?

CM: Essa crise já tem um tempo maior. A partir do segundo governo do Lula, as relações com o Parlamento… É um ciclo. Um ciclo onde as lideranças são muito raras, os talentos na política são muito raros. Quando surge uma novidade, não é, na verdade, uma novidade. Mas há que se ter tempo, aguardar, para ver como esse processo se desdobra.

ESP: São só cinco meses, mas foram meses muito agitados. Esperava-se esse desgaste tão grande, essa perda de popularidade tão forte?

CM: Temos de analisar o comportamento dos personagens. O presidente (Jair Bolsonaro), por exemplo. Por que ele lança o ministro Sérgio Moro como nomeado ao STF? Por uma razão muito simples, porque Moro é adversário do Bolsonaro como presidente da República. A maneira que ele encontrou de eliminar esse adversário foi nomeá-lo para o STF.

ESP: Ele já tira uma carta do baralho?

CM: A principal, a única carta. Ele elimina o principal adversário, não tem dúvida nenhuma. Pode fazer a pesquisa que você quiser entre Moro e Bolsonaro, você vai ver o que vai dar. Mostra que o próprio presidente está preocupado com o desdobramento de tudo isso. Ele precisa tirar da frente aqueles que são adversários muito fortes, que é o caso do Moro.

ESP: O sr. vê o ministro como potencial adversário do Bolsonaro em 2022? Quem o sr. enxerga nesse universo?

CM: No campo de pensamento do Bolsonaro, só tem o Moro. Fora do campo dele, hoje, vai ter de se construir essa liderança.

ESP: O senhor enxerga o Rodrigo?

CM: Não sei, não sei. Eles estão mexendo com aquele rapaz da Rede Globo, como é mesmo o nome dele…

ESP: Luciano Huck.

CM: Eles estão mexendo com alguém que tenha capacidade eleitoral.

ESP: Acha que ainda vai ser costurado alguém?

CM: Na política, a necessidade produz o personagem. Por exemplo, o Bolsonaro é produto da Lava Jato. A Lava Jato impulsionou o Bolsonaro. Agora, que outros fatos vão impulsionar personagens? Não sei ainda.

ESP: O Rodrigo pode ser um nome?

CM: O estilo do Rodrigo não é exatamente o da forma como a política está sendo feita hoje. Racionalidade, paciência, audiência. Mas pode ser que daqui a pouco surja um quadro diferente e desse estilo surja adesão.

ESP: De acordo com várias pesquisas, no fim das eleições Bolsonaro tinha uma aprovação de 49%. Mas de lá para cá, essa aprovação vem caindo e, em março, se estabiliza em 32%, 35%. Como avalia essa trajetória?

CM: Primeiro, como se explica a performance final do Bolsonaro nas eleições? O que muitos acreditam, e eu acompanho, é que a facada gerou um efeito vitimização. Saiu de vinte e poucos por cento e subiu para quarenta por cento. Mas aí esse efeito passa, a eleição termina, vêm as entrevistas, a posse. Passado todo esse processo, as pessoas digerem aquilo, sedimenta-se, aquilo que se imagina vitimização não é mais. É o presidente da República, cercado de polícia, militares, Polícia Federal. Com isso, vem uma acomodação, que deveria ser o patamar dele, que é de trinta e poucos por cento. Temos de aguardar, dar tempo. A expectativa hoje é a de que a economia no primeiro trimestre tenha um crescimento negativo, como dizem os economistas. Isso tudo passa para o governo, que tem os elementos de impacto, de publicidade, de rede social, o que você quiser… O governo Bolsonaro passa a ter só esses elementos. Priorizar as redes sociais não adianta mais, eles foram para a televisão.

ESP: A rede social se esgotou?

CM: A tradução que está sendo dada às redes não corresponde à realidade. As redes empoderam o indivíduo; o indivíduo, uma vez com o poder que tem, convencido de alguma coisa, vai propagando isso. Mas não é um sistema partidário. É por isso que Bolsonaro tem dado muitas entrevistas na televisão. Naturalmente, ele acha que precisa da televisão para recuperar o prestígio. As redes sociais cumpriram um papel e continuarão cumprindo, é um papel importante, mas menor do que se imaginava, que resolvia tudo. Eles estão sentindo que não é assim. Então, precisam da televisão para gerar um efeito multiplicador maior. Estranho é que ele use pouco o rádio.

ESP: Como vê a ação do presidente? 

CM: Não sei se o presidente é inábil. Ele sempre foi isso que é, tem uma liderança dos militares, dos policiais. Na hora que ele acha que pode extrapolar e não dá certo, ele tem de corrigir. Ele tem corrigido algumas coisas. Quando ele corre para o negócio do armamento, isso é uma derrota anunciada. Quando vai passar essa lei? Fico me perguntando porque ele faz um decreto daquela longitude (o decreto das armas) e publica. Só tem uma explicação: ele foi feito para ser derrubado. Na hora em que derruba, parcialmente que seja, você aumenta a agregação de seus próprios, da base, transfere para fora os problemas e não o absurdo que são aquelas medidas, que foram publicadas e não vão ser aprovadas. Essa é a tática: faz a proposta, diz que fez o que tinha prometido, soma seu pessoal, não é aprovado, a culpa é de quem? Da política velha.

ESP: Quer dizer que a crise é um método do atual governo?

CM: Depende do caso. Nesse caso, é. Você tomar teses que defendeu, sabe que elas são inviáveis do ponto de vista da opinião pública, do ponto de vista do plenário muito mais, e vai com elas para frente para serem derrotadas, mesmo que parcialmente, cria uma situação de instabilidade. Diz ‘não tenho culpa, eu tentei, fiz tudo que eu pude’. O governo do Bolsonaro, tenho dito isso, tem três vetores principais: econômico-financeiro, o (ministro da Economia Paulo) Guedes; o segundo segurança, que é o Moro, uma vez empoderado ministro do STF, vai ter cuidados; terceiro são os militares, eixo administrativo, que é que o melhor eixo do Temer, da Dilma, do Lula, e fundamental para dar sustentabilidade O que muitos achavam que era o problema que ele ia enfrentar é a solução hoje. 

ESP: O governo Bolsonaro lembra algum outro governo do Brasil?

CM: Eu não me lembro de nada parecido. Em geral governos conservadores têm uma estrutura ideológica. O governo atual não tem. Ele tem ideias que justificam seu conservadorismo. É muito difícil fazer uma previsão com os primeiros quatro, cinco meses. E governo parecido com o do Bolsonaro, não sei. Você pega até governos militares, como o do Geisel, eram governos nacionalistas, estatizantes. Eram governos que tinham estrutura ministerial mais arrumada.

ESP: É estranho ter governo com valores tão conservadores e ao mesmo tempo tão liberal na economia, não?

CM: Mas é a salvação. ‘Não sei o que vou fazer na economia, vou te apresentar o Paulo Guedes.’ Ele é inteligente, é fluido. O Brasil está numa camisa de força. Só tem uma maneira para atrair capital estrangeiro e os interessados em privatização, que é resolver o nó fiscal. O nó fiscal está amarrado na questão previdenciária, e o Paulo Guedes convence o Bolsonaro disso. Então tem de ir nessa linha de qualquer maneira. Alguém jogaria no caos? É o que Paulo Guedes costuma dizer. Alguns acham que o fato desses impasses todo do governo pode atrair o discurso, a justificativa, para tomar medidas fortes.

ESP: Como o fujimorismo?

CM: Eu não diria isso, porque o Brasil tem instituições. O Peru não tinha, e aí um dia o Parlamento derruba o (presidente do Peru nos anos 90 Alberto) Fujimori, e o Fujimori derruba o Parlamento ao mesmo tempo. Aí o Fujimori é entrevistado, e ele diz assim ‘vamos ver com que as Forças Armadas vão estar’. As Forças Armadas estavam com ele, e fechou o Parlamento.

ESP: Nesse desenho de governo, como fica o caso Queiroz (ex-assessor de Flávio Bolsonaro)? E como isso atrapalha os planos de uma reeleição lá na frente?

CM: Eu não sei, porque o caso Queiroz, se tudo isso que se fala é verdade… Ontem mesmo (segunda-feira), o Flávio (Bolsonaro) disse que não fazia a menor ideia de que eles tinham se metido em tanta encrenca. Eles vão investigar. Nós estamos falando de uma investigação aberta que não vai durar um ano, com 88 pessoas.

ESP: O sr. ficou preocupado com a história da delação de um empresário ligado à Gol contra Rodrigo Maia?

CM: Ridículo, né? Estou achando que alguns delatores do segundo time, eles criam (nomes de políticos que estariam envolvidos em irregularidades). O problema aí era o (doleiro) Lúcio Funaro, (ex-deputado) Eduardo Cunha, aí vem com o terceiro escalão. Os caras fazem uma denúncia, criam um personagem, provavelmente para dar algum tipo de destaque à denúncia dele. Foi tão inacreditável que não deu nem para incomodar.

ESP: O senhor não acha que pode ser jogo político do Congresso?

CM: Nesse caso, não. É muito pequeno. Quantas vezes você ouviu falar nesse personagem?

20 de maio de 2019

FRANCIS FUKUYAMA: ‘O DESPREZO PELAS ELITES É PERIGOSO, TODA SOCIEDADE PRECISA DELAS’!

(BBC News Mundo, 18) Mas os tempos mudaram. Hoje, Fukuyama vê com preocupação o avanço da ultra direita, do nacionalismo e dos populismos, e aborda essas questões em seu mais recente livro: Identidades: A Exigência de Dignidade e a Política do Ressentimento.

Ele se tornou uma espécie de celebridade acadêmica quando anunciou, há 30 anos, “o fim da história”, como a ideia de que o mundo havia encontrado sua forma mais razoável de organização social: a democracia liberal acompanhada do livre mercado. Esta entrevista concedida à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) no Chile, o acadêmico explica como líderes autoritários ou que se descrevem como apolíticos se conectaram melhor com as classes trabalhadoras do que os movimentos de esquerda, e por que certos grupos tradicionalmente dominantes, como os brancos nos Estados Unidos, hoje reivindicam uma condição de “vítimas”.

BBC News – Em O Fim da História (ensaio publicado em 1989 e que virou livro em 1992), o sr. dizia que a democracia liberal, acompanhada pelo livre mercado, era a única opção política razoável e foi considerado um forte defensor deles. Como sua perspectiva política mudou nos últimos anos?

Francis Fukuyama – Bom, eu ainda sou um defensor da democracia liberal e gosto dos mercados livres, mas acho que, em muitos sentidos, eu me movi para a esquerda por alguns bons motivos. Acredito que nos anos 2000 as duas grandes catástrofes que aconteceram foram, primeiro, a invasão americana no Iraque e, depois, a crise financeira, e ambas foram o subproduto de ideias conservadoras que foram levadas ao extremo e levaram a resultados muito ruins. Isso exigia que eu repensasse…

Eu também acredito que a globalização em geral tem sido muito bem sucedida em muitos aspectos, em termos de redução da pobreza em muitas partes do mundo, mas que também produziu um nível mais alto de desigualdade em muitos países, incluindo os Estados Unidos. Isso requer um remédio. E creio que isso é provavelmente oferecido melhor pela esquerda do que pela direita.

É por isso que eu acredito que, depois da crise financeira de 2008, quando o apoio aos populismos de esquerda deveria ter aumentado, o que foi obtido, pelo contrário, foram populismos de direita cuja narrativa explicava melhor a situação econômica das pessoas da classe média, dizendo, por exemplo, que a elite, permitindo altos níveis de imigração, conspirava para tomar seus empregos.

BBC News – O sr. vincula este fenômeno ao sentido de identidade: afirma que as pessoas querem e precisam ser vistas, primeiro, como iguais, mas que a mesma necessidade pode se tornar um desejo de serem percebidas como superiores. Como se dá esse processo?

Fukuyama – Eu acredito que é uma espécie de tendência natural. Todos queremos ser reconhecidos como iguais e ficamos muito indignados se somos considerados inferiores aos outros. Mas isso logo se traduz em uma demanda para ser reconhecida como especial ou até melhor. Creio que foi isso o que aconteceu, por exemplo, com muitas pessoas brancas nos Estados Unidos que ouviram histórias de vitimização de afro-americanos, de mulheres, de gays e lésbicas.

E a certa altura eles dizem: “e em relação à gente? Todas essas pessoas estão recebendo algum privilégio. As elites as estão colocando diante de nós. Mas nós também não estamos indo tão bem. Nós também somos vítimas”. Mas eles são membros da comunidade racial dominante e, portanto, sua reivindicação de serem apresentados como vítimas é muito menos poderosa moralmente do que a dos grupos minoritários.

A raça ou a etnia da imigração não é a coisa mais importante: é a sua integração…

Eu acho importante que os governos controlem os níveis de imigração, porque, ainda que seja benéfica, se ela (imigração) acontece rápido demais as pessoas ficam desorientadas, e isso gera uma reação política. Isso aconteceu no Reino Unido com o Brexit (saída do país da União Europeia): foram tantas pessoas se mudando para o Reino Unido em um período de tempo tão curto, que muita gente nascida lá sentiu que estava perdendo o controle de seu próprio país.

BBC News – O sr. também tem alertado que vê atualmente uma diminuição no apego à democracia, algo que pode ser percebido na eleição de líderes que não hesitam em se apresentar como autoritários, ou totalmente apolíticos. Que riscos o sr. vê ali?

Fukuyama – É muito perigoso. Você não tem um sistema democrático se as pessoas não acreditam nele. Acho que o que aconteceu é que há uma grande decepção com a qualidade do governo em muitas democracias, particularmente em relação à questão da corrupção, porque às vezes a democracia é a cura para a corrupção, mas às vezes é também a fonte da corrupção.

Os líderes democratas precisam ser eleitos e, às vezes, a maneira mais fácil de ser eleito é subornar os eleitores dando coisas a eles, ou dando cargos ou nomeações aos seus aliados políticos e, portanto, muitas democracias não são capazes de prestar um serviço público de maneira efetiva.

Foi assim que as coisas começaram no Brasil: foi um protesto pelos ônibus e pelo preço das passagens, e pela corrupção nos serviços de São Paulo.

A partir daí surgiu um movimento político para acabar com a corrupção que mais tarde se viu envolto em uma luta entre a esquerda e a direita. Foi isso que levou Jair Bolsonaro ao poder: a percepção de que toda a elite política no Brasil era altamente corrupta.

BBC News – Hoje existe uma tendência a desprezar as elites, seja porque elas se beneficiaram da globalização, enquanto outras pessoas não tinham as ferramentas para fazê-lo, ou porque tendem a colocar as elites políticas como corruptas. Como essa situação se equilibra?

Fukuyama – É perigoso, porque qualquer sociedade precisa de elites, ou de pessoas com a educação e as habilidades para fazer com que a sociedade funcione. E muitas vezes esse desprezo não combina com uma democracia. Em primeiro lugar, as próprias elites às vezes cometem erros. Às vezes elas estão isoladas da opinião pública. Às vezes elas não entendem as consequências das opções que recomendam.

Essa foi uma das coisas que aconteceram com o livre comércio. Porque quase todos os economistas disseram que o livre comércio era bom. Mas, de fato, em alguns países ele estava prejudicando os trabalhadores. Então foram anunciadas compensações. Mas a compensação nunca chegou.

E um dos seus efeitos foi essa grande reação contra a globalização e contra as elites que a impulsionaram. A elite precisa estar conectada com o povo.

A outra coisa que acontece é que as pessoas hoje estão mais bem educadas e, devido ao boom da Internet, têm acesso direto à informação, de modos que antes não existiam. No início todos comemoramos, porque isso significava que a informação era mais acessível, mas isso também significava que a desinformação era mais acessível.

Antes você tinha editores, verificadores de dados e jornalistas capacitados profissionalmente para analisar as histórias antes de publicá-las. Agora, qualquer um pode postar o que quiser na internet sem verificar.

E isso tem se transformado em uma espécie de arma de guerra política que também retroalimenta a percepção de que você não pode acreditar em nada, que nada é realmente certo. E isso está enfraquecendo a base de conhecimento compartilhado necessária para se ter um sistema político democrático.

BBC News – Por que o sr. acha que sua ideia do “fim da história” impactou tanta gente?

Fukuyama – Grande parte da reação ao “fim da história” se baseou em uma interpretação errada do sentido da frase: não queria dizer que as coisas deixariam de acontecer de repente. Na realidade eu falava sobre se existia uma alternativa real à democracia liberal como forma superior de organização social…

Acho que o artigo correspondeu a uma grande mudança que estava acontecendo na política mundial, porque foi publicado poucos meses antes da queda do Muro de Berlim e deste grande avanço da democracia na Europa Oriental e nos antigos governos comunistas, que logo se expandiu pela América Latina, pela África e pela Ásia.

BBC News – Aqueles eram tempos de esperança em muitos lugares. Como o sr. descreveria esta época?

Fukuyama – Eu acho que é importante não ser excessivamente pessimista sobre o que está acontecendo agora. A democracia tem sofrido um revés.

Várias democracias têm avançado na direção errada, mas ainda essa ainda é a forma dominante de organização no mundo, e até países autoritários como a Rússia de (Vladimir) Putin ainda sentem que têm que passar pelo ritual das eleições porque não têm uma forma alternativa de legitimidade para oferecer em substituição à democracia como forma de governo.

Então, nesse sentido, acredito que a democracia ainda é uma ideia muito poderosa e continua a ser a principal ideia para nos organizarmos politicamente hoje no mundo.

17 de maio de 2019

DESAFIOS DOS PARTIDOS COM O FIM DAS COLIGAÇÕES PROPORCIONAIS!

(Maurício Costa Romão) Em 2020 acontecerá a primeira eleição no país sem as coligações proporcionais. O fim das coligações no próximo pleito municipal e, em 2022, nos certames estadual e federal, deve atingir várias siglas que, isoladamente, não têm musculatura de votos para ultrapassar o quociente eleitoral (QE) e eleger parlamentares.

Todo esse processo tem seu lado positivo, todavia: vai reduzir naturalmente a grande fragmentação partidária do sistema.

É oportuno ilustrar o impacto dessa ocorrência no pleito municipal do próximo ano, por exemplo, no município do Rio de Janeiro.

A tabela do texto, construída na suposição de que os partidos tenham, em 2020, desempenho eleitoral aproximadamente semelhante ao de 2016 e que o quociente eleitoral gravite no entorno daquele registrado no pleito passado, mostra a provável situação dos partidos no Rio de Janeiro:

Tabela

Observa-se, de início, que 49% dos partidos que disputaram a eleição em 2016 não teriam densidade eleitoral para ultrapassar o QE em 2020 e, portanto, não elegeriam ninguém para o Legislativo municipal.

Naturalmente que as suposições agora aventadas podem mudar em 2020 como, por exemplo, ocorrendo maior desempenho eleitoral de alguns partidos e/ou alterações no QE. Entretanto, essas eventuais mudanças serão absolutamente marginais e não afetarão o conteúdo fundamental da tabela.

Também é raríssima a possibilidade de em 2020esses partidos de pouca expressão de votos se beneficiarem da abertura propiciada pela reforma eleitoral de 2017, quando se permitiu a todos os partidos ou coligações (a lei vigeu a partir de 2018)disputarem sobras de voto, mesmo que não tivessem atingido o QE.

Quer dizer, através dessa abertura alguns partidos poderiam ascender aos Legislativos mesmo sem alcançar o QE, favorecendo, em princípio, siglas menos robustas eleitoralmente. Na prática (e, segundo Lênin, “a prática é o critério da verdade”), as eleições proporcionais de 2018 no Brasil todo mostraram o quão remota é essa ocorrência.
Como se depreende, as conseqüências do fim das coligações a nível municipal serão drásticas para muitos partidos, entre pequenos e alguns médios. Tais agremiações correm sério risco de se tornarem meros figurantes do processo eleitoral, sem assentos parlamentares ou, quando muito, conquistando um ali e outro acolá.

Como o fim das coligações afetará mais à frente, com igual intensidade, muitos partidos nos pleitos federal e estadual, as direções partidárias nacionais, atentas a esse horizonte sombrio, devem estar encetando tratativas de fusão entre siglas, tendo como resultado a criação de novas agremiações com dimensões de voto no mínimo equivalentes ao tamanho do QE, condição sine qua non que justifica a perda da identidade individual.

A pressão sobre os dirigentes partidários de siglas em situação de risco deve ser muito grande, até porque, no momento eleitoral oportuno, os candidatos desses partidos, diante da perspectiva que se avizinha, tendem a mudar para agremiações mais promissoras, sob a justa alegação de “inviabilidade eleitoral partidária”. Em partidos de maior ossatura eleitoral, tais candidatos serão no mínimo “suplentes”, ao invés de carimbados como “não eleitos”.

Ademais, há uma séria questão financeira. Por exemplo, o novo fundo especial de financiamento de campanha distribui os recursos aos partidos proporcionalmente ao percentual de votos obtidos para a Câmara, bem como ao tamanho das bancadas na Câmara e no Senado, sendo que os partidos sem cadeiras no Congresso terão acesso apenas à verba que é repartida igualitariamente, o que equivale a tão-somente 2% do total.

Enfim, sem fusão, não há solução…

16 de maio de 2019

EROSÃO DOS PARTIDOS E DA CRENÇA EM FUTURO MELHOR É INÉDITA, DIZ CIENTISTA POLÍTICO!

(Walter Porto – Folha de S.Paulo, 15) O cientista político polonês Adam Przeworski, primeiro conferencista do seminário que celebra os 50 anos do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), iniciado nesta terça (14), não poderia abordar outro assunto que não a crise da democracia no mundo —tanto por ser esta a especialidade pela qual ele é reconhecido mundialmente, quanto porque não se fala de outra coisa.

Ao estilo dos pesquisadores de ciências humanas, ele não veio para explicar, mas para confundir —ou, na linguagem acadêmica, para levantar algumas dúvidas pertinentes. Ao analisar as razões pelas quais uma direita de traços autoritários e xenofóbicos tem emergido vitoriosa na Europa e nos EUA, o professor da Universidade de Nova York (NYU) se diz incerto sobre a predominância de causas econômicas, culturais ou políticas.

Mas há alguns fatores sem precedentes, segundo estudos exibidos por Przeworski, que ele aposta como determinantes para a análise do atual contexto.

A erosão dos partidos políticos tradicionais, dominantes desde o começo do século 20, é um deles. Ele identifica uma grande mobilidade entre eleitores de partidos antigos para legendas novas e uma alta abstenção nas urnas, simultânea a um aumento da votação para partidos de direita mais radical, nos países ocidentais estudados.

Outro aspecto é a estagnação econômica —Przeworski mostra que, nos Estados Unidos, enquanto a taxa de produtividade por trabalhador cresceu desde os anos 1970, a remuneração pelo trabalho pouco mudou. O que leva a outro fator inédito, a queda na crença de que a próxima geração terá condições de vida melhores que esta.

Tudo isso aponta para o rompimento do que ele chama de “um compromisso de classe” no qual o governo conseguia mediar bem as relações entre trabalhadores e empresários. A soma de tudo isso pode indicar bons motivos para se deixar de confiar nas boas e velhas instituições.

Analisando colapsos de democracias bem estabelecidas no século 20, o cientista político aponta a posição contrária às instituições como um sinal de que o compromisso democrático está ruindo. O crescimento da violência contra o Estado e por parte dele também é mau agouro.

Crises econômicas e políticas são graves, mas não mortais, na concepção do pesquisador. No entanto, ele aponta a paralisia política, “quando governos não conseguem governar”, como um fator “extremamente perigoso”.

Nesses momentos de virada, ele afirma que costumam surgir os populistas —que são “tão antigos quanto a democracia”, já que vocalizam a falha de um sistema político tradicional na hora em que ele passa a deixar de funcionar.

O colapso da democracia, hoje, ocorre por meios mais furtivos, segundo Przeworski —de dentro para fora, em vez de com marcadores temporais claros. “Você pode destruir a democracia democraticamente, e é um tanto imperceptível”.

Ele afirma que, “se olhar as estatísticas” sobre o fim de democracias consolidadas, “não há muito o que temer”. Apenas 11 dos 88 regimes estudados por ele ao longo do século 20 colapsaram de forma clara. “Mas por que ainda estamos nervosos? Talvez porque agora elas periguem morrer de forma diferente”.

Se o cientista político evitou falar do caso brasileiro (um de seus slides dizia “desculpe, sem Brasil!”), a presidente do Cebrap, Angela Alonso, abordou a situação do país de forma velada em sua fala institucional de abertura do evento.

Rememorando a história do instituto, fundado meses depois do AI-5, em 1969, a socióloga e colunista da Folha afirmou que o Cebrap “nasceu na resistência ao obscurantismo e ao autoritarismo. E meio século depois, é ainda este espirito que nos anima e ilumina.”

Apesar de não mencionar diretamente o presidente Jair Bolsonaro (PSL), ela registrou que o instituto está preparado para “tempos difíceis” e saudou sua persistência em momentos de maior gravidade. “Nós vingamos, não de parto natural, mas a fórceps”, assertou. “Para quem nasceu nas trevas da exceção, a longevidade em si é um feito”.

15 de maio de 2019

“É A LAMA, É A LAMA”! 

(Elena Landau – O Estado de S.Paulo, 10) Esta semana o relatório do senador Tasso Jereissati para a MP 868 foi aprovado na Comissão Especial. É um assunto urgente. No Brasil, quase 35 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e quase metade da população não tem serviço de coleta de esgoto. Espero que esse quadro vergonhoso sensibilize os nossos parlamentares, porque a votação nas duas Casas tem de ocorrer até dia 3 de junho para que a medida provisória não caduque.

É espantoso como um projeto de lei de tamanha importância possa enfrentar dificuldades para sua aprovação. A resistência maior vem dos ditos “partidos progressistas”. A ampliação do acesso ao saneamento básico é uma questão de justiça social. Vivendo no esgoto não há igualdade de oportunidades possível. Hoje ainda convivemos com dois Brasis: no Sudeste, o índice de abastecimento de água é 91,2% e o de coleta de esgoto 78%; no Norte é 55,4% e 10,5%. Numa ponta, o Amapá tem a pior estatística do País, com investimento per capita de R$ 30, na outra, São Paulo com dez vezes mais.

A MP desenha um novo marco regulatório. É um passo gigante para a superação do fosso entre cidadãos brasileiros. Traz soluções para os problemas que afastam as empresas privadas. Elas atuam em apenas 6% do setor, mas respondem por 20% do investimento total. Ou seja, proporcionalmente, aplicam bem mais que o setor público. A consequência são indicadores de qualidade, em média, melhores do que as estatais.

Os que se opõe ao projeto são, em sua maioria, simplesmente contra a possibilidade de privatização. Ignoram que a insegurança regulatória afeta investimentos tanto públicos quanto privados, que juntos não somam a metade dos gastos necessários para a universalização. Esquecem também da absoluta falta de recursos públicos que não tem solução a curto prazo, mesmo com a aprovação da reforma da Previdência. Deixam em segundo plano a péssima qualidade de vida de milhões de brasileiros para defender velhos interesses corporativos.

A privatização é crucial para reverter essa tragédia nacional. A meta para universalização prevista para 2033 não será alcançada. O investimento anual é menos da metade do necessário. Não é por acaso que, segundo a OMS, estamos em 123.º lugar no ranking do saneamento.

O projeto traz mais segurança jurídica ao setor. Ataca dois pontos relevantes: a multiplicidade de regras e os entraves decorrentes da titularidade municipal. Hoje, cada município pode estipular as próprias condições para a operação, ainda que não tenham competências para fiscalização. O relatório aprovado contorna esses problemas propondo a harmonização das regras e ampliação da atuação da Agência Nacional de Águas (ANA), que deverá definir normas de referência nacional, ajudando a simplificar todo o sistema regulatório. Ao criar o conceito de prestação regionalizada, permite a reunião de diferentes municípios numa única operação, sem eliminar a possibilidade de prestação de interesse local. E ainda garante que os municípios com menor atratividade façam parte dos blocos mais disputados.

Outros fatores importantes para a atração de investidores são a solução de conflitos por mediação e o reembolso de investimentos não amortizados.

Em 2016, 18 Estados procuraram o BNDES para apoio na venda de suas empresas de saneamento. Pouco se avançou até o momento por conta de um marco regulatório confuso. A nova lei é necessária para destravar essas operações de venda.

Em meados dos anos 90, vários governadores venderam ativos, na grande maioria, empresas distribuidoras de energia, porque necessitavam de recursos para novos investimentos. Com exceção de poucas distribuidoras que permaneceram estatais, os indicadores de qualidade melhoraram significativamente no setor elétrico. Lucraram os contribuintes e usuários desse serviço que, a exemplo da telefonia, é hoje universal.

Duas décadas depois, o quadro se repete: restrição fiscal e ativos estatais que necessitam de vultosos investimentos. Novamente, a privatização das empresas estaduais é parte da solução. O mesmo choque de qualidade pode acontecer com saneamento.

Não dá para deixar essa oportunidade passar quando em pleno 2019 quase metade dos brasileiros vive na lama.

14 de maio de 2019

PUTIN FAZ RÚSSIA LIDERAR NOVA CORRIDA DO OURO!

(Igor Gielow – Folha de S.Paulo, 12) A Rússia de Vladimir Putin fez a maior compra de ouro de sua história em 2018, adquirindo 42% de todo o metal vendido a bancos centrais do mundo.

Com isso, a China de Xi Jinping parece também ter aderido a essa corrida nos primeiros meses de 2019.

Foram 274,7 toneladas para os cofres russos, a maioria de produção doméstica, quase 70% a mais do que em 2017, o que levou o país a ultrapassar Pequim como maior comprador e assumir o sexto lugar mundial de reservas do metal.

Os dados são do World Gold Council, o órgão da indústria que monitora e regula o mercado do ouro. E a tendência parece ter criado uma corrida, com a China retomando suas compras neste ano, após dois anos de virtual inatividade.

Assim, o primeiro bimestre de 2019 registrou o maior volume de aquisição do metal por governos desde o mesmo período de 2008, quando os países começaram a se proteger contra o que viria a ser a maior crise econômica do século 21 até aqui.

Só em janeiro, a Rússia comprou 30 toneladas de ouro, sendo seguida pela China, com um terço disso.

Há respostas multifacetadas para essa nova corrida do ouro. “As crescentes instabilidades geopolíticas e incertezas econômicas”, resume o analista Krishan Gopaul, do World Gold Council. O caso russo, contudo, possui particularidades.

Mais importante que aumentar as quantidades de ouro, Putin reduziu sua exposição ao dólar americano. Hoje o metal responde por 19% de suas reservas internacionais —enquanto a moeda dos EUA viu sua porcentagem cair de 44% para 20% de 2017 para cá.

Segundo dados do Banco Central russo, também aumentaram as posições em moedas chinesa e japonesa.

O movimento é algo análogo à ideia de Putin de testar uma desconexão do país da internet, um feito tecnológico bastante complicado de ser executado à perfeição e que leva a questões diversas: ele quer proteger sua infraestrutura e economia ou exercer domínio completo sobre ela?

É preciso lembrar que Moscou está sob sanções econômicas do Ocidente desde 2014, quando promoveu a anexação da Crimeia após o governo pró-Kremlin da Ucrânia ser derrubado.

Ainda assim, economistas ponderam que o efeito das punições é mais político do que efetivo sobre o PIB do país.

“A questão é que a Rússia sempre defendeu alternativas ao mercado lastreado ao dólar”, afirma Pavel Pronin, analista financeiro do banco moscovita Globus.

Mas foi um artigo publicado no mês passado no jornal The Moscow Times por um ex-ministro de Assuntos Europeus de Portugal que gerou certo frisson especulativo sobre o tema na Rússia.

Para Bruno Maçães, Putin e também Xi podem estar se preparando para lançar uma criptomoeda concorrente ao bitcoin, lastreada em ouro, para concorrer com o dólar.

Ele lembra que a Rússia está particularmente avançada no domínio da tecnologia que visa dar segurança às transações, a chamada blockchain, e afirma que essa privacidade e o lastro em ouro é “um casamento feito no céu”.

Especialistas no tema são céticos, contudo, sobre tal plano —assim como são seus pares no mundo da internet sobre o plano de uma “Rusnet” independente.

O site Bitcoinist entrevistou um economista ligado ao Kremlin chamado Vladislav Ginko, e ele descartou por completo a ideia, dizendo que Moscou tende a preferir a própria bitcoin ante o ouro.

“Bitcoin está indo bem. A Rússia não considera lançar uma criptomoeda lastreada em ouro porque o metal é um ativo baseado em dólar. Como a experiência na Venezuela mostra, em caso de sanções americanas, vender o ouro seria impossível porque o acordo precisa de transações em dólar”, afirmou ao site.

De fato, a ditadura de Nicolás Maduro tem tido dificuldade de levantar dinheiro com seu ouro no mercado internacional —em 2018, conseguiu vender estimadas 20 toneladas à Turquia, país que, como a Rússia, apoia o regime.

Os americanos comandam o mercado mundial de ouro em poder de governos. Guardam consigo as maiores quantidades físicas, 8.133,5 toneladas estáveis há anos, que correspondem a 74,9% de suas reservas internacionais.

Num distante segundo lugar, com 3.369,70 toneladas, vem a Alemanha, seguida pelo Fundo Monetário Internacional (2.814 toneladas).
Itália, França e Rússia vêm na sequência, praticamente empatadas. O Brasil é um nanico no clube, em 43º lugar (67 toneladas, apenas 0,8% de suas reservas internacionais).

Os motivos para a manutenção das reservas variam de país para país. O World Gold Council fez uma pesquisa neste ano com 22 bancos centrais e identificou que a maioria absoluta aposta na segurança do metal como razão do investimento.

Até a crise de 1929, vigorava no mundo o chamado padrão-ouro, segundo o qual moedas nacionais precisavam do lastro no metal.

Depois, até 1971, havia a convertibilidade entre o preço do ouro e do dólar, que acabou extinta. Mas o metal segue cumprindo papel de destaque na economia, como se vê. Governos são os terceiros maiores compradores de ouro no mundo.

Em 2018, a maioria das aquisições (2.200 toneladas) foi para o mercado de joias. Investimentos ficaram em segundo, com 1.159 toneladas, e só então vêm bancos centrais, com 651 toneladas ao todo.

13 de maio de 2019

A CRISE EUROPEIA!

(O Estado de S. Paulo, 12) Sete décadas após o fim da 2.ª Guerra em solo europeu, a Europa que construímos desde então está sob ataque da extrema-direita

Enquanto a Catedral de Notre Dame queimava, o partido de Marine Le Pen empatava nas pesquisas com o movimento de Emmanuel Macron pelo que ele chama de “renascimento europeu”. Na Espanha, um partido de extrema-direita chamado Vox, que promove ideias nacionalistas reacionárias contra as quais a democracia pósfranquista da Espanha fora supostamente imunizada, ganhou a preferência de um em cada dez eleitores em uma eleição nacional.

Os populistas nacionalistas governam a Itália, onde um bisneto de Benito Mussolini concorre ao Parlamento Europeu na lista dos chamados Irmãos da Itália.

Na Grã-Bretanha, as eleições europeias de 23 de maio podem ser vistas como um outro referendo sobre o Brexit, mas a luta subjacente é a mesma de nossos colegas europeus. Nigel Farage é um Le Pen em uma icônica jaqueta Barbour.

Enquanto isso, para marcar o 30.º aniversário da Revolução de Veludo de 1989, o partido governista Lei e Justiça da Polônia denunciou uma carta dos direitos LGBT + como um ataque às crianças. Na Alemanha, a Alternative für Deutschland (AfD) adota com sucesso uma retórica ‘völkisch’ (movimento popular) que acreditávamos ter sido derrotado para sempre, embora agora use muçulmanos como bodes expiatórios em vez de judeus. Lembre-se do aviso de Bertolt Brecht: “O útero do qual isso rastejou permanece fértil”.

Viktor Orbán, o jovem herói revolucionário de 1989 tornou-se o buldogue neo autoritário, efetivamente demoliu a democracia liberal na Hungria, usando ataques antissemitas contra o bilionário George Soros e generosos subsídios da UE. Ele também desfrutou de proteção política de Manfred Weber, o político bávaro que o Partido do Povo Europeu, o poderoso agrupamento de centro-direita da Europa, sugere que seja o próximo presidente da Comissão Europeia. Orbán resumiu a situação da seguinte forma: “Havia 30 anos, achávamos que a Europa era o nosso futuro. Hoje acreditamos que somos o futuro da Europa.”

O italiano Matteo Salvini concorda, a ponto de ser anfitrião de um comício eleitoral dos partidos populistas de direita da Europa, uma internacional de nacionalistas, em Milão no final deste mês. Certamente, o espetáculo de um país outrora grandioso, reduzido a um ridículo global, numa farsa trágica chamada Brexit, silencia toda a conversa sobre Hungexit, Polexit ou Italexit. Mas o que Orbán e companhia pretendem é mais perigoso. Farage apenas quer sair da UE; eles propõem desmantelá-la de dentro, retornando a uma mal definida “Europa das nações”, obviamente muito mais desunida.

Para onde quer que se olhe, velhas e novas fendas aparecem, entre o norte e o sul da Europa, catalisadas pela crise da zona euro, entre o Ocidente e o Oriente, revivendo os antigos estereótipos do orientalismo intraeuropeu (Ocidente civilizado, Oriente bárbaro), entre duas metades de cada sociedade europeia, e mesmo entre a França e a Alemanha.

Para qualquer um que tenha uma visão mais ampla, esses crescentes sinais de desintegração europeia não devem ser uma surpresa. Não é este um padrão familiar da história europeia? Na virada do século 18 para o 19, o continente foi dilacerado por duas décadas de guerras napoleônicas, então costurado em outro padrão pelo Congresso de Viena. A 1.ª Guerra foi seguida pela paz de Versalhes. A cada vez, a nova ordem europeia do pós-guerra leva um tempo, mas gradualmente se esvai pelas bordas, com tensões tectônicas se acumulando sob a superfície, até que finalmente irrompe um novo período de problemas. Nenhuma colonização europeia, ordem, império, Reich, aliança ou união dura para sempre.

Partindo dessa medida de aferição histórica, a nossa Europa saiu-se muito bem: fez 74 anos, se datarmos seu nascimento do final da 2.ª Guerra na Europa. Deve-se essa longevidade ao colapso miraculosamente não violento em 1989-91 de um império russo com armas nucleares que ocupou metade do continente. O que aconteceu após o fim da Guerra Fria foi uma ampliação pacífica e o aprofundamento da existente ordem europeia ocidental pós-1945.

Mas, hoje, a Europa luta para permanecer um tema, em vez de se tornar meramente um objeto da política mundial – com Pequim ávida por moldar um século chinês, uma Rússia revanchista, os EUA unilateralistas de Donald Trump e a mudança climática ameaçando dominar todos nós.

Nacionalistas como Le Pen e Orbán insistem que querem apenas um tipo diferente de Europa. Mas a instituição central do projeto pós-1945 de europeus trabalhando em conjunto é a União Europeia, e seu futuro está agora em questão. Nada desta radicalização e desintegração é inevitável, mas para evitar isso temos de compreender por que ainda vale a pena defender essa Europa, com todos os seus defeitos.

É 1942. Em um bonde passando pela Varsóvia ocupada pelos nazistas, senta-se um menino de 10 anos emaciado, faminto. Seu nome é Bronek. Todos o olham com curiosidade. Todos, ele tem certeza, veem que ele é um garoto judeu que fugiu do gueto através de um buraco na parede. Felizmente, ninguém o denuncia, e um passageiro polonês o avisa para tomar cuidado com um alemão sentado na seção marcada “apenas para alemães”. E assim Bronek sobrevive, enquanto seu pai é assassinado em um campo de extermínio nazista e seu irmão é enviado para Bergen-Belsen.

Sessenta anos depois, eu estava andando com Bronek por um dos longos corredores do Parlamento de uma Polônia agora independente e ele disse com uma paixão silenciosa: “Para mim, a Europa é algo como uma essência platônica”.

Na vida do professor Bronisław Geremek, você tem a história essencial de como e porque a Europa chegou a ser o que é hoje. Tendo escapado dos horrores do gueto com sua mãe, ele foi criado por um padrasto católico polonês. Portanto ele também tinha, em seus ossos, a herança cristã profunda e definidora da Europa. Então, aos 18 anos, ele se juntou ao Partido Comunista, acreditando que construiria um mundo melhor. Dezoito anos depois, despojado de suas últimas ilusões pela invasão soviética da Checoslováquia em 1968, renunciou ao mesmo partido em protesto.

Meu primeiro encontro com ele foi durante uma histórica greve de ocupação no estaleiro Lenin em Gdansk, em agosto de 1980, quando o líder dos trabalhadores grevistas, Lech Walesa, pediu a Geremek para se tornar um conselheiro do movimento de protesto que logo seria batizado de Solidariedade. Dez anos depois, ele foi o ministro das Relações Exteriores que assinou o tratado com o qual a Polônia se tornou membro da Otan. Tendo sido instrumental em direcionar seu amado país para a União Europeia, ele se tornou membro do Parlamento Europeu, o mesmo para o qual estamos elegendo novos representantes este mês.

A história de Geremek é única, mas a forma básica do seu europeísmo é típica de três gerações de construtores da Europa que fizeram do nosso continente o que ele é hoje. Quando você olha como o argumento para a integração europeia foi promovido em vários países, cada história nacional parece muito diferente. Mas cave mais fundo e você encontrará o mesmo pensamento subjacente: “Estivemos em um lugar ruim, queremos estar em um melhor, e esse lugar é chamado Europa.”

Muitos eram os pesadelos dos quais esses países estavam tentando acordar. Para a Alemanha, foi a vergonha do regime criminoso que assassinou o pai de Bronek. Para a França, foi a humilhação da derrota e da ocupação; para a Grã-Bretanha, o relativo declínio político e econômico; para a Espanha, uma ditadura fascista; para a Polônia, uma comunista. Mas para todos eles, o molde do argumento pró-europeu era o mesmo.

Quando a crise financeira global chegou, ela expôs todas as falhas inerentes a uma zona do euro no meio do caminho. A crise da zona do euro deu início a uma nova onda de política radical e populista, tanto da esquerda quanto da direita. Os populistas culpam remotas e tecnocráticas elites liberais pelos sofrimentos do “povo”.

O caso da Europa de hoje é muito diferente daquele de meio século atrás. Na década de 70, pessoas na Grã-Bretanha, na Espanha ou na Polônia olharam para países como a França e a Alemanha Ocidental, chegando ao fim das três décadas de crescimento econômico do pósguerra, na então muito menor Comunidade Europeia e disseram: “queremos o que eles estão tendo”. Hoje, o caso começa com a defesa de uma Europa que já existe, mas agora está ameaçada de desintegração. Se a construção fosse tão forte, poderíamos dizer, sem hesitação, “a Europa é ótima!” e nosso apoio não seria tão necessário.

A União Europeia hoje, como a Alemanha, a França ou a Grã-Bretanha, é uma entidade política madura, que não precisa tirar sua legitimidade de algum futuro utópico. Existe agora um argumento realista, até mesmo conservador para manter o que já foi construído – o que, naturalmente, significa também reformálo. Se preservarmos nos próximos 30 anos a UE de hoje, em seus atuais níveis de liberdade, prosperidade, segurança e cooperação, isso já seria uma conquista surpreendente.

Numa longa perspectiva histórica, esta é a melhor Europa que já tivemos. Esta União Europeia é muito mais do que apenas uma organização internacional. Então, eis o desafio mais profundo deste momento: nós realmente precisamos perder tudo isso para encontrá-lo novamente? Esse projeto de uma Europa melhor precisa realmente descer até a barbárie novamente antes que as pessoas se mobilizem para trazêla de volta? À medida que lembranças pessoais como aquelas que inspiraram a paixão europeia de Bronisław Geremek desaparecem, a questão é saber se a memória coletiva pode nos permitir aprender as lições do passado sem ter de passar por tudo de novo nós mesmos.

Existem múltiplas variantes do pro-europeísmo em oferta de diferentes partidos nas eleições europeias deste mês, a maioria admitindo a necessidade de reformas. O que está claro é que, por uma vez e finalmente, estas eleições europeias referem-se realmente ao futuro da Europa. Em 28 países, novos partidos e velhos fantasmas competem pelos corações dos eleitores, com cerca de 100 milhões deles ainda indecisos sobre como votarão. O que é exigido agora, em todos os cantos do nosso continente, é a defesa do nosso lar comum europeu, não com armas, mas por meio das urnas.

A crise da zona do euro deu início a uma nova onda de política radical e populista.

10 de maio de 2019

A QUESTÃO DEMOCRÁTICA NA TURQUIA!

(Yascha Mounk, professor da Universidade John Hopkins, autor do livro “O povo contra a democracia: por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la”)

Quando Recep Erdoğan foi eleito primeiro-ministro da Turquia, em 2003, ele prometeu respeitar as instituições democráticas do país e desocupar o cargo caso perdesse a confiança do povo. A realidade do governo de Erdoğan tem sido bem mais sombria. Embora os jornais e revistas internacionais inicialmente o retratassem como um reformador democrático, ele sistematicamente expandiu seus poderes e expurgou os oponentes das principais posições no exército, no serviço civil e nas instituições educacionais do país. Quando ex-aliados tentaram derrubá-lo em um golpe no verão de 2016, ele aproveitou a ocasião para consolidar seu domínio sobre o país.

Mas mesmo quando a natureza ditatorial do regime de Erdoğan se tornou aparente, e a liberdade de criticá-lo mais restrita, a Turquia continuou a realizar eleições multipartidárias, o que deu à oposição alguma capacidade de competir nas urnas. Em junho de 2018, Erdoğan obteve 53% dos votos em uma eleição que muitos observadores afirmaram ter sido contaminada por ataques violentos contra a oposição.

Essa eleição pareceu permitir que Erdoğan tivesse tudo: por um lado, o controle que exerce sobre instituições-chave, como a comissão eleitoral do país, havia limitado o risco que a eleição representava para seu governo. Por outro lado, a eleição ajudou a reforçar sua legitimidade no país e no exterior. Apesar de observadores internacionais terem enfatizado que a eleição não foi livre e justa, líderes internacionais incluindo Angela Merkel e Donald Trump parabenizaram publicamente Erdoğan por sua “vitória” nas urnas. Como disse Timur Kuran, um especialista turco em regimes autoritários, Erdoğan procurou combinar “a ilusão de uma eleição concorrida” com “um resultado predeterminado”.

O tremendo poder que Erdoğan detém agora torna ainda mais notável que uma oposição unida tenha conseguido, no mês passado, um inesperado conjunto de vitórias nas eleições municipais do país: ao explorar a raiva com a crescente crise econômica da Turquia e colocar em campo uma nova safra de candidatos carismáticos e conciliatórios, a oposição conseguiu duas vitórias altamente improváveis e simbólicas, conquistando o controle da capital do país, Ancara, bem como de sua maior cidade, Istambul.

Como resultado, Erdoğan, pela primeira vez desde o fracassado golpe de Estado há três anos, enfrentou um verdadeiro trade-off: ele permitiria que os resultados das eleições se mantivessem, reconhecendo assim o descontentamento crescente do povo com seu governo? Ou exploraria seu poder sobre as instituições da Turquia para que a eleição fosse anulada, deixando claro que a Turquia não é mais uma democracia?

Durante grande parte do século XX, a ameaça mais aguda à democracia veio do cano de uma arma. Os sistemas democráticos entravam em colapso, geralmente, quando tanques comandados pelo líder de um movimento abertamente antidemocrático se colocavam em frente ao parlamento do país ou ao palácio presidencial.

Mas no século 21, os golpes se tornaram mais raros. Da Rússia à Venezuela, os ditadores que destruíram instituições democráticas conquistaram o executivo nas urnas. Longe de atacar abertamente a democracia, eles tenderam a argumentar que eles, e somente eles, verdadeiramente representam o povo.

A nova safra de líderes autoritários investiu muito mais na manutenção da aparência de um genuíno mandato democrático. Como resultado, eles têm que se engajar em um cálculo político mais complexo: eles têm que dar à oposição uma chance suficiente de competir nas eleições para ter credibilidade com um segmento significativo da população. Mas eles também precisam capturar instituições políticas, como as comissões eleitorais, para garantir que o povo, de fato, não consiga arrancá-los do cargo.

Como os desenvolvimentos recentes na Turquia mostram, no entanto, pode não ser possível sustentar esse equilíbrio para sempre. Eventualmente, mesmo os governos que efetivamente aboliram a liberdade de imprensa se arriscam a crescer de maneira tão impopular que precisam recorrer a formas mais flagrantes de manipular o voto.

Depois de usar seu controle sobre a maior parte da mídia do país para espalhar a teoria da conspiração insana de que uma oposição impotente conseguiu falsificar o resultado da eleição, Erdoğan usou seu controle sobre o Judiciário para cancelar o resultado. Citando supostas irregularidades, a comissão eleitoral anunciou na segunda-feira que Istambul realizará novas eleições em junho.

O anúncio marca um ponto de virada fundamental na história política da Turquia: agora é impossível para qualquer observador razoável continuar negando a realidade. Um país cujo presidente tem o poder de anular as eleições quando não gosta do seu resultado tornou-se claramente uma ditadura.

Enquanto o anúncio elimina qualquer dúvida remanescente sobre o status atual da democracia na Turquia, também levanta grandes questões sobre seu futuro. Nos próximos dias, İmamoğlu, prefeito eleito de Istambul, terá que decidir se vai boicotar a nova eleição em junho. Se fizer isso, entregará a Erdoğan o poder que este deseja. Se não o fizer, dará legitimidade a uma eleição que provavelmente não conseguirá ganhar. Cara, Erdoğan vence. Coroa, İmamoğlu perde.

Mas, embora Erdoğan provavelmente mantenha o controle de Istambul no curto prazo, ele também enfrenta um futuro muito mais difícil. Até agora, grandes segmentos da população turca acreditavam em seu discurso de que deixaria o cargo por conta própria se perdesse a confiança do povo. Agora, a insistência de Erdoğan de que ele representa a verdadeira vontade do povo irá, mesmo nos ouvidos de seus mais antigos partidários, soar vazio.

A perda da legitimidade democrática de Erdoğan não implica que ele esteja prestes a perder poder. Como a longa história de ditaduras demonstra, muitas pessoas estão dispostas a apoiar um líder que se opõe abertamente às instituições democráticas – e muitos autocratas são capazes de permanecer no cargo por anos ou décadas mesmo depois de se tornarem profundamente impopulares. Mas sugere que seu governo será, a partir de agora, baseado em uma fundação muito mais precária. Com sua reinvindicação de um mandado popular perdendo credibilidade, Erdoğan provavelmente enfrentará uma oposição ainda mais determinada – e precisará recorrer a uma opressão cada vez mais visível para permanecer no poder.

09 de maio de 2019

DERRAPANDO NA CRISE ARGENTINA!

(Editorial – O Estado de S. Paulo, 08) A crise argentina tem um custo enorme para o Brasil, porque a indústria brasileira, em especial a automobilística, depende excessivamente do mercado vizinho, o terceiro maior parceiro comercial do País. As montadoras exportaram neste ano, até abril, 45% menos que nos primeiros quatro meses de 2018. A demanda interna foi 10,1% maior que a de um ano antes, mas o efeito desse aumento foi praticamente anulado pela redução das vendas externas. No balanço geral, a produção foi 0,1% menor que a de janeiro a abril do ano passado.

Tradicionalmente, 70% ou mais dos veículos exportados pelo Brasil vão para a Argentina. Com recessão, inflação disparada e crise cambial, esse mercado encolheu dramaticamente nos últimos dois anos. Efeitos dessa crise são visíveis nas cifras do comércio exterior e nos balanços e no total de empregados de muitas fábricas em operação no Brasil.

O País faturou de janeiro a abril US$ 26,33 bilhões com a exportação de manufaturados, valor 7,3% menor que o de um ano antes, pela média dos dias úteis. A recessão e a crise cambial na Argentina explicam boa parte dessa retração.

As vendas para o segundo maior país do Mercosul caíram de US$ 6,06 bilhões há um ano para US$ 3,25 bilhões no primeiro quadrimestre de 2019, com redução de 46,5%. Manufaturados correspondem a pelo menos 80% dessas exportações. O terceiro maior parceiro comercial do Brasil – China e Estados Unidos são o primeiro e o segundo – é também um dos mais importantes compradores de bens industriais elaborados. No caso do mercado americano, também muito relevante para a indústria brasileira, manufaturados têm correspondido, regularmente, a mais de metade do valor vendido pelo Brasil. Mas a proporção é menor que no caso dos embarques para a Argentina.

A indústria automobilística é um dos segmentos mais dependentes do mercado argentino. Há uma dependência mútua, consolidada a partir de um acordo automotivo firmado, reformado e prolongado por anos. Esse acordo, com regime de reciprocidade alterado em várias ocasiões, foi uma das marcas da relação comercial entre as duas maiores economias do Mercosul no século 21.

Na prática, esse acordo se converteu num pacto de acomodação entre as indústrias de veículos e de componentes instaladas nos dois países. Poderia ter sido parte de uma história de expansão em outros mercados, se o Mercosul tivesse cumprido uma de suas mais importantes missões originais.

O bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai deveria ter sido, por meio da integração e da cooperação entre os quatro países, uma plataforma para inserção competitiva na economia global. Mas o Mercosul mudou de rumo e de ambição, a partir da instalação do petismo e do kirchnerismo nos governos brasileiro e argentino. Falou-se de um resgate da vocação inicial do bloco regional, os presidentes Mauricio Macri e Michel Temer chegaram ao poder, mas pouco se avançou nessa direção.

Dirigentes do setor automobilístico e de outros segmentos da indústria têm pedido ao governo medidas para aumento de competitividade. Com a crise argentina, as dificuldades de ação internacional ficaram mais evidentes. Poucas indústrias têm sido capazes de concorrer fora da região.

Vários fatores de competitividade importantes dependem do governo. Isso inclui a expansão e a melhora da infraestrutura, a boa prestação de serviços públicos, a segurança jurídica, a oferta de financiamento, a qualidade da tributação e a formação de capital humano, para só mencionar alguns itens. O setor privado pode e deve participar de algumas dessas tarefas. Mas também é preciso a busca de produtividade e de inovação dentro de cada setor produtivo. A indústria aeronáutica e o agronegócio são exemplos de sucesso nesses quesitos. Igualmente visível tem sido o fracasso de programas baseados em subsídios fiscais e financeiros e em protecionismo. Produtividade é um bom tema para conversações entre indústria e política. Quem está interessado em conversações desse tipo – com seriedade?

08 de maio de 2019

O PARLAMENTO TEM COMPROMISSO COM O FUTURO!

(Rodrigo Maia, presidente da Câmara – Valor Econômico, 06) O relógio que marca o tempo da política tem peculiaridades. Uma delas é o funcionamento ininterrupto independente da fonte de energia que o alimenta: renovável ou não? Contemporânea ou ultrapassada? A outra é a impossibilidade de fazer os ponteiros voltarem atrás. Logo, fixar os olhos no retrovisor em vez de contemplar o horizonte e buscar soluções para o futuro encarando de frente os desafios do presente pode ser erro fatal.

​A Previdência Social será reformada respeitando-se os ritos, os debates e o tempo do Parlamento. Nenhum dos nossos 594 deputados e senadores fugirá a essa responsabilidade, tenho certeza disso. Vislumbrando o Brasil que surgirá no dia seguinte à aprovação da reforma previdenciária, eu e o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, insistimos para que a Câmara e o Senado comecem a discutir o futuro.

​A Educação tem de se tornar ao mesmo tempo matriz e vetor das ações de todos os cidadãos ansiosos por somar esforços e modernizar o país. É obsoleta e inútil a tentativa de criar um gueto, chamando-o de “escola sem partido”, a fim de cercar o tema e reduzir a amplitude das mudanças profundas que precisam ser feitas numa Reforma Educacional. Com ela, visa-se reduzir o gap tecnológico e aproximar os jovens e a Academia daquilo que se investiga em todos os segmentos científicos e tecnológicos. Fundamental realçar: inclusive em Ciências Sociais, núcleo de produção do pensamento crítico.

​Em seu livro “21 Lições para o Século 21” o israelense Yuval Noah Harari aposta que os filósofos perfilarão numa das profissões mais requisitadas do futuro. Ele antevê o crescimento da demanda por Filosofia em razão dos vertiginosos avanços de máquinas e equipamentos dotados de Inteligência Artificial (I.A), como nos automóveis autônomos. Dilemas éticos, escreve Harari, serão resolvidos pela I.A. dos dispositivos. Logo, só carecem de uma alimentação humana de ponta naquilo que chama de “algoritmos filosóficos”. A indústria de dispositivos com Inteligência Artificial movimentará ao menos US$ 37 bilhões até o ano de 2025. A partir daí, estima-se, crescerá exponencialmente.

O Parlamento vai liderar esse debate. É preciso apostar na melhoria da qualidade dos cursos de Filosofia, Antropologia, Sociologia, Ciências Humanas em geral. A Câmara tem o dever de mediar conflitos entre concepções distintas de uso do saber como ferramenta de libertação. Quando partidários de correntes antagônicas de opinião colidem no ringue educacional o alto preço dos embates é pago por toda a sociedade. Intervir nesse embate paralisante é necessário, urgente e dialoga com a contemporaneidade.

Pôr a Educação no centro de todas as ações é fazer Política com sabedoria e responsabilidade. Não há saída fora da Política. Os políticos são a linha de frente da sociedade na busca de soluções para os dilemas de hoje e de amanhã. A estagnação do mercado de trabalho e formação profissional é um de nossos grandes problemas. Debater o panorama futuro do emprego, as novas carreiras, é a melhor forma de apontar caminhos contemporâneos para a sociedade. Isso é missão, dos intelectuais, dos líderes dentro das grandes corporações que lidam com tecnologia e também do Parlamento.

É nossa obrigação, como parlamentares, conservar-nos permeáveis ao aprendizado, identificar as nuances diferentes nos cenários abertos em todas as áreas do conhecimento e fazer isso desaguar em propostas de soluções para problemas reais. O Congresso Nacional tem de se converter em foro de debates da sociedade, de busca de consensos. É preciso trazer para o cá as inovações que já correm o mundo. Há muitos brasileiros dispersos trabalhando na vanguarda das revoluções que ocorrem nessa Era do Conhecimento. Recuos não são admitidos nos ponteiros do relógio do tempo, mas os saltos adiante são benvindos: são atalhos para o amanhã.

Somos potência ambiental do planeta. É impensável e irresponsável deixar que esse diferencial competitivo se converta em fonte de problemas para a imagem do país no exterior, de boicotes comerciais decorrentes de cobranças externas por transparência e assertividade na forma de lidar com a preservação do patrimônio ambiental. Aprimorar o marco regulatório do licenciamento ambiental não é retrocesso, ao contrário. É dotar a legislação de regras mais claras que preservem o Meio Ambiente e deem segurança jurídica para os investidores. Cabe-nos enfrentar essa questão sem reduzir a transparência dos atos, sem recuar um milímetro na proteção da natureza, a fim de tornar rápidos e eficazes esses procedimentos.

Cada ponto sensível que retarda nosso crescimento, como a complexidade regulatória, a necessária modernidade do aparato de controles, os nós tributários e fiscais, deve encontrar no Congresso o microclima de diálogo e proposição que favoreça o surgimento de soluções inovadoras. É preciso liberar a veia empreendedora dos brasileiros, estimular a multiplicação de novos postos e novas formas de trabalho, revigorar os mercados regionais, motivar gestores públicos e incentivar novas gerações numa onda renovada de entusiasmo.

O Legislativo tem de assumir esse protagonismo e dar segurança jurídica aos investidores. Eles são parceiros na travessia para o futuro sonhado. Não é hora de parar os ponteiros do relógio da Política. Eles não recuam. Exige-se de nós que pensemos o Brasil olhando adiante. É preciso encarar a missão de fazer a História sem fabricar decepções e sem olhar para o retrovisor. Esse é o desafio do Parlamento brasileiro.

07 de maio de 2019

CRISE NA VENEZUELA: O QUE ESTÁ ACONTECENDO NO SEBIN, O TEMIDO SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA SUSPEITO DE CONSPIRAR CONTRA NICOLÁS MADURO!

(BBC News Mundo, 06) Em dezembro de 2012, dias antes de realizar sua última viagem a Cuba para tentar debelar o câncer que o acometia, o presidente venezuelano Hugo Chávez assinou um decreto transferindo o controle do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) à vice-presidência executiva do país, ocupada então por Nicolás Maduro, a quem mais tarde designaria como seu herdeiro político.

Sete anos depois, o Sebin se transformou em peça central da maior crise de governabilidade que Maduro enfrenta desde que assumiu a Presidência da Venezuela.

De todo o aparato de segurança do Estado venezuelano, o Sebin dá sinais de ter sido o órgão mais envolvido na tentativa fracassada de levante contra Maduro no dia 30 de abril conduzida pelo líder da oposição e autoproclamado presidente interino, Juan Guaidó.

“É o corpo que desempenha serviços de inteligência em questões de natureza política. São responsáveis por investigar funcionários, políticos, jornalistas e personalidades públicas e contam com uma moderna estrutura para grampear telefones, hacker contas e investigar qualquer um que esteja sob suspeita”, afirma a jornalista Sebastiana Barráez à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

Ela afirma que o órgão teve papel central em revelar possíveis conspirações contra o governo e que conta com muito mais recursos do que seu antecessor, a Direção de Serviços de Inteligência e Prevenção (Disip), substituída em 2010.Segundo Javier Ignacio Mayorca, jornalista e consultor para temas de segurança, estima-se que o Sebin conte com cerca de 2.800 empregados, cifra que também incluiria funcionários da área administrativa, não apenas aqueles dedicados aos serviços de inteligência.

Mas o quão envolvido esteve o Sebin no recente levante contra Maduro?

Centro de conspiração?
As suspeitas chegam ao alto escalão, ao general Manuel Cristopher Figuera, que esteve à frente da direção do Sebin até o dia 30 de abril, quando foi destituído por Maduro.

O presidente não chegou a dar explicações para a demissão, mas o jornal venezuelano Últimas Noticias – cuja linha editorial está mais próxima do chavismo – informou que as reuniões para planejar o movimento teriam sido realizadas no Sebin com a participação do general e de vários políticos opositores que estão presos em suas instalações.

A imprensa venezuelana divulgou ainda, na noite do dia 30, uma carta atribuída ao militar em que ele afirma reconhecer Maduro como seu comandante em chefe, mas, ao mesmo tempo, denuncia graves problemas na Venezuela.

A jornalista Sebastiana Barráez disse à BBC ter confirmado a autenticidade do documento.

Outro indício que aponta para um possível envolvimento do Sebin na tentativa de derrubar Maduro foi a liberação de Leopoldo López, um dos mais emblemáticos dirigentes políticos venezuelanos presos nos últimos anos, que se encontrava em prisão domiciliar sob a custódia de agentes do serviço de inteligência.

López disse ter conseguido retomar a liberdade graças à participação de um grupo de funcionários do órgão, o que abriu margem para especulação de que a ordem teria partido do próprio chefe do Sebin.

“Alguns dos testemunhos que colhi indicam que o próprio general Cristopher Figuera teria aparecido de madrugada na casa de Leopoldo López para tirá-lo de lá. Dessa forma, os funcionários que estavam de guarda não puderam questionar a legitimidade da ordem e acompanharam López a La Carlota (o lugar em que Guaidó anunciou o início da operação no dia 30 de abril)”, pontua o jornalista e consultor Javier Ignacio Mayorca.

Não se sabe do paradeiro do ex-diretor do Sebin.

Na última sexta-feira, a agência Bloomberg publicou uma nota em que afirmava que a mulher do general teria viajado para os Estados Unidos.

Barráez diz não ter dúvidas sobre a participação de Figuera no levante e considera que ela teria impulsionado um maior envolvimento tanto do Sebin quanto de alguns funcionários da Direção de Contrainteligência Militar (DGCIM) – da qual o militar havia sido subdiretor – no caso.

Um órgão fora de controle?
Após a demissão, Maduro substituiu Figuera pelo general Gustavo Enrique González López, que já havia estado à frente do Sebin, onde trilhou uma trajetória polêmica.

González López foi um dos primeiros entre os altos oficiais venezuelanos a ser alvo de sanções financeiras pelos EUA durante o governo de Barack Obama, que o acusava de cometer graves violações aos direitos humanos durante as repressões aos protestos contra o governo em 2014.

Aplicaram penalidades semelhantes União Europeia, Suíça e Canadá.

Naquela época, como resposta às medidas de Washington, Maduro decidiu promovê-lo ministro do Interior, cargo que ocupou entre março de 2015 e agosto de 2016.

Entre as violações denunciadas no período em que González López esteve à frente do Sebin estão tortura física – com uso, por exemplo, de choques elétricos – e psicológica, com isolamento de prisioneiros por meses em celas pequenas, sem iluminação ou ventilação natural, submetidas a baixas temperaturas e iluminadas por uma luz branca acesa durante 24 horas – o que os fazia perder a noção de dia e hora.

As denúncias estão registradas em uma série de relatórios, entre eles o da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a possível ocorrência de crimes de lesa humanidade na Venezuela, publicado em 2018 e usado como base para um pedido de investigação feito pelos governos de Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai, Peru e Canadá ao Tribunal Penal Internacional (TPI) em setembro.

O maior escândalo da gestão foi a morte de Fernando Albán, conselheiro do partido opositor Primero Justicia, que em outubro do ano passado faleceu ao cair da janela do décimo andar do edifício do Sebin em Caracas, onde estava detido.

Morte de Fernando Albán maculou a imagem do órgão

O governo afirmou se tratar de suicídio, mas a oposição defende a tese de que foi assassinato.

A remoção de González López do Sebin, em outubro de 2018, se deu após outro caso controverso.

Naquele mês, agentes motorizados portando armamentos pesados interceptaram a caravana presidencial em que viajava Nicolás Maduro, gerando uma situação que poderia “comprometer a segurança” do mandatário, de acordo com José Vicente Rangel, jornalista venezuelano que foi vice-presidente executivo do país durante o governo de Hugo Chávez.

Rangel atribui o acontecimento a problemas de “disciplina interna” dentro do órgão.

Figuera foi então nomeado e destituiu muitos dos funcionários de confiança do antecessor.

Em 13 de janeiro, agentes do Sebin detiveram o líder opositor Juan Guaidó, que estava a caminho de um comício, e o liberaram poucos minutos depois.

Na ocasião, o próprio ministro de Comunicação, Jorge Rodríguez, declarou que a detenção havia sido arbitrária e irregular e afirmou que funcionários envolvidos no caso seriam desligados ou sofreriam sanções. Isso foi antes de Guaidó se autoproclamar “presidente encarregado”, em 23 de janeiro.

Para o jornalista Javier Ignacio Mayorca, a recondução de González López ao Sebin significa uma “involução” para o órgão.

“Agora deve haver maior repressão e, desde já, um expurgo interno que provavelmente afetará a unidade de custódia de personalidades públicas e a unidade de contrainteligência, encarregada de detectar qualquer movimento interno que favoreça Guaidó.”

A jornalista Sebastiana Barráez afirma que esses processos já estariam em curso.

“A primeira coisa que González López fez foi trazer de volta a equipe que havia sido destituída por Figuera. Agora, estão empenhados em localizar funcionários que não aparecem desde a semana passada e que, presume-se, estariam implicados (na tentativa de levante) por serem membros da equipe do general”, afirma.

A especialista acrescenta que González López é considerado aliado de Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Constituinte e número dois do chavismo.

“Depois do acontecido, Maduro não tem outra opção a não ser se aliar a Cabello, com quem vinha travando um confronto interno pelo poder”, avalia, fazendo referência a uma suposta disputa negada por ambos os dirigentes chavistas.

Barráez pondera que, no momento, Maduro não controla o Sebin – caberia a Cabello tentar fazer com que a força policial voltasse a ser fiel à “revolução bolivariana”.

Qual é a gravidade da possível ação golpista do Sebin?
“O chefe do Sebin deve ser alguém de confiança do presidente. É ele que investiga, elabora relatórios, grampeia ligações. Quando se descobre que ele e um número importante de subordinados estão comprometidos, obviamente o governo entra em estado de alerta”, diz Barráez.

“É como ser apunhalado no coração, porque a lógica indica que, se nesse momento havia uma rebelião militar, Maduro deveria poder contar com o Sebin e a DGCIM, que são aqueles capazes de apontar quem é quem. O que aconteceu foi que esse órgão fundamental estava do lado de Guidó e comprometido com a tentativa de tirar Nicolás Maduro do poder “, destaca.

Recuperar a confiança no Sebin, porém, é apenas um dos desafios de Maduro diante de uma nova realidade em que, segundo as autoridades americanas, é maior o número de membros do governo e das Forças Armadas dispostos a abandoná-lo.

Ainda que o discurso de Washington tenha como objetivo aumentar a pressão sobre o governo venezuelano, a situação do presidente se tornou mais incerta diante da fratura que ficou visível no serviço de inteligência.