10 de agosto de 2018

AS RAZÕES DO PLANO MARSHALL! 

Artigo de Daniel Kurtz-Phelan sobre seu livro “The China Mission: George Marshall’s Unfinished War, 1945-1947”. Daniel Kurtz-Phelan é editor executivo da revista Foreign Affair e foi membro da Equipe de Planejamento de Políticas do Departamento de Estado no governo Obama.

1. Mais do que qualquer outro período da história americana, os anos imediatamente posteriores à Segunda Guerra Mundial representam a época de ouro da política externa. Eles marcam o início da era americana, um período de liderança ousada que nos deu as doutrinas e conquistas que invocamos hoje. Mais do que qualquer outra figura nessa narrativa, George C. Marshall incorpora a concepção do poder americano no seu melhor. Como general do Exército, ele liderou os EUA à vitória na Segunda Guerra Mundial; como secretário de Estado e depois Defesa, ele forjou um modelo de liderança global que fundia força e ambição com generosidade e sabedoria.

2. Entre o serviço heroico de Marshall na Segunda Guerra Mundial e sua diplomacia visionária no alvorecer da Guerra Fria, ele assumiu a missão mais difícil de sua vida. Por 13 meses, do final de 1945 até o início de 1947, ele foi o enviado especial à China, trabalhando para intermediar a paz na guerra civil entre os comunistas de Mao Tsé-Tung e os nacionalistas de Chiang Kai-shek e estabelecer as bases para uma democracia chinesa aliada aos EUA. Quando ele falhou, tanto as consequências quanto as lições moldaram o resto de sua aclamada carreira e décadas de política externa dos EUA.

3. Marshall não queria ir à China. Depois de um período esgotante de seis anos como chefe do Estado-Maior do Exército, que começou no dia em que Hitler invadiu a Polônia, em 1939, ele queria se aposentar. Mas uma guerra civil na China e o risco de uma vitória comunista ameaçaram demolir a visão dos EUA para a ordem mundial do pós-guerra. Então o presidente Harry Truman pediu a Marshall – a quem ele chamou de “o maior militar que este ou qualquer outro país já produziu” – para assumir o que deveria ser uma missão final. O senso de dever de Marshall não permitiria que ele dissesse não.

4. Em questão de semanas, Marshall conseguiu o que até os cínicos chamavam de milagre. Sob sua direção, os nacionalistas e os comunistas concordaram com um cessar-fogo numa guerra civil que durava duas décadas. Quando Marshall visitou a remota sede revolucionária dos comunistas, Mao declarou: “Todo o povo do nosso país deve sentir-se grato e em voz alta dizer ‘longa vida à cooperação entre a China e os Estados Unidos’.”

5. Mas, como sabemos agora, a base preparada por Marshall para uma aliança sino-americana pacífica e democrática não sobreviveria. As discussões passaram do acordo de alto escalão para os detalhes da implementação, e o aparente acordo deu lugar a diferenças irreconciliáveis sobre o futuro da China. Com o crescimento das tensões entre Washington e Moscou, Joseph Stalin passou de apoiar os esforços de Marshall para encorajar Mao a acelerar sua guerra de guerrilha.

6. Marshall lutou por mais 10 meses para evitar um colapso – e o consequente risco de vitória comunista e renovada guerra mundial. Autoridades em Washington o comparavam a Sísifo, tentando de novo e de novo restaurar o progresso. Somente no final de 1946 ele finalmente desistiu. “Agora, será necessário que os próprios chineses façam as coisas pelas quais me empenhei para liderá-los”, concluiu ele.

7.  Mas na fase seguinte de sua carreira – observando-o trabalhar na China, Truman decidiu torná-lo secretário de Estado – Marshall lutaria com uma escolha dolorosa: o que fazer enquanto a guerra se alastrava e a vitória de Mao aparecia cada vez mais certa. No entanto, sua missão na China o deixara com pouca esperança de que a ajuda americana pudesse fazer uma diferença decisiva ali e o convencera de que um grande esforço militar para impedir Mao traria enormes riscos, ao mesmo tempo em que utilizaria recursos americanos que eram desesperadamente necessários em outros lugares.

8. A implicação – de que os governantes norte-americanas haviam, a partir de uma combinação de passividade e traição, perdido a China para o Comunismo – desencadeou uma das transformações mais sombrias da vida cívica norte-americana. Para gerações de estrategistas e legisladores da Guerra Fria, a lição foi clara: eles não podiam se deixar vulneráveis às acusações de terem “perdido” um país para o comunismo. O presidente Lyndon Johnson e alguns de seus contemporâneos chamariam o Vietnã de uma oportunidade de buscar o rumo que deveria ter sido buscado na China uma década e meia antes. Mesmo nos anos 80, a analogia se manteria viva, com a “perda” da China invocada como um argumento para intervenção em outros lugares.

9. Mas o próprio Marshall tirou lições diferentes do fracasso, especialmente quando se tratou da luta global da Guerra Fria contra o comunismo apoiado pelos soviéticos que estava apenas começando quando ele assumiu o cargo de secretário de Estado. Embora reconhecesse a necessidade de liderança americana para enfrentar esse desafio, ele também reconheceu os limites do que o poder americano poderia alcançar sozinho. Como ele enfatizou, “A principal parte da solução dos problemas da China é em grande parte uma dos próprios chineses”.

10. Ao enfrentar a perspectiva de colapso na Europa quando a Guerra Fria começou, foram essas lições que Marshall aplicou. Ele viu a necessidade de abordar “fome, pobreza, desespero e caos” como pré-condição para evitar a propagação do comunismo, bem como a necessidade de os parceiros da América tomarem certas medidas antes que a ajuda americana pudesse ser eficaz. Ele enfatizou esses princípios básicos para uma nova unidade do Departamento de Estado, a Equipe de Planejamento de Políticas, tornando-a responsável por encontrar uma maneira de impedir que a devastação na Europa Ocidental abrisse caminho para a dominação soviética. O resultado foi o Plano Marshall – o maior esforço de ajuda externa na história americana e, sem dúvida, a maior conquista da história da política externa americana.