30 de maio de 2022

ESPERAR NÃO FAZ BEM ÀS CRIANÇAS!

(Rosely Sayão, psicóloga, consultora educacional – O Estado de S. Paulo, 29) Quando as escolas estavam funcionando plenamente, antes da pandemia, fui visitar duas delas, a convite. Gosto de fazer isso principalmente nos horários de entrada, recreio e saída porque é quando percebemos como se dá a convivência dos alunos no espaço escolar, quando eles estão mais livres, e se há educadores presentes nesse período.

Nas duas, escolhi a saída, e levei um susto porque fazia um bom tempo que não tinha a oportunidade de observar a dinâmica desse horário. Meu susto? O alto número de alunos que ficava muito tempo após o término das aulas aguardando que os pais fossem buscá-las. E é preciso aqui apontar que eram alunos da educação infantil e do ensino fundamental 1, ou seja, crianças.

A lembrança dessas visitas me surgiu quando li no noticiário que uma criança de 7 anos ficou presa em uma escola do interior de São Paulo por cerca de cinco horas, após as aulas terminarem, até que fosse resgatada. Criança não gosta de ser das últimas da classe ou da escola a ir para casa. E não se trata, aqui, apenas de ela ficar desgostosa ou magoada com seus pais por ter de esperar muito tempo por eles. A sensação que a criança tem, ao ver seus colegas partirem e ela ficar, é de abandono. E já sabemos, faz um bom tempo, que tal sensação, além de provocar sofrimento, pode afetar o desenvolvimento e a saúde mental da criança.

Já faz algumas décadas que os pais ficam tranquilos quando o filho está na escola, e não só pela aprendizagem que pode adquirir, mas também porque consideram que a criança está em um ambiente seguro e monitorado por adultos responsáveis. Foi assim que, pouco a pouco, muitos pais passaram a se atrasar para buscar os filhos na escola. Para algumas escolas, isso virou rotina, tanto que já oferecem atividades extracurriculares no horário.

A realidade é que muitos pais não conseguem buscar o filho pontualmente por causa do horário do trabalho. Nesses casos, é preciso buscar, na rede de apoio da família, quem possa substituir os pais nessa tarefa para que não seja a criança prejudicada. Não há rede de apoio familiar ou de amigos? Quem tem filhos precisa construir essa rede. É por isso que, hoje, faço um pedido aos pais e familiares de crianças: não deixem os filhos na escola esperando muito tempo. Não faz bem a eles essa espera. E, para a criança, 15 minutos pode durar uma eternidade.

Lembrete: em tempos de covid, não leve seu filho para a aula caso ele tenha algum sintoma. O melhor lugar para a criança doente é em casa ou na de alguém da família.

27 de maio de 2022

MORTES DE CRIANÇAS A TIROS CRESCERAM NA PANDEMIA!

(O Estado de S. Paulo, 26) As últimas três matanças em escolas – Newtown, em 2012; Parkland, em 2018; e agora Uvalde – eclipsaram o massacre da escola de ensino médio de Columbine, em 1999, quando eventos desse tipo ainda tinham o poder de chocar os EUA.

As razões para a violência são incontestáveis. Há nos EUA muito mais armas do que cidadãos – cerca de 400 milhões de armas de fogo, segundo pesquisa de 2018 realizada pelo projeto Small Arms Survey, espalhadas entre 331 milhões de habitantes. Na última década, pistolas semiautomáticas, compradas para proteção pessoal, venderam mais que fuzis e rifles, usados para caçar.

No entanto, a pandemia desencadeou uma febre ainda maior de compra de armas de fogo. A produção anual de armas nos EUA cresceu de 2,9 milhões, em 2000, para 11,3 milhões, em 2020, de acordo com relatório publicado este mês pela Agência de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos (ATF, na sigla em inglês). A grande maioria dessas permaneceu nos EUA.

ROTINA.

O índice de violência, especialmente contra crianças, só cresceu. Os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) constataram que o número de mortes de crianças e adolescentes de até 14 anos causadas por armas de fogo cresceu aproximadamente 50%, entre o fim de 2019 e o fim de 2020.

No ano passado, mais de 1.500 crianças e adolescentes menores de 18 anos foram mortos em ações homicidas ou por disparos acidentais, em comparação com 1.380, em 2020, de acordo com o Gun Violence Archive, base de dados que registra mortes causadas por armas de fogo.

Massacres ficaram tão comuns nos EUA que só uma pequena fração chega a atrair atenção muito além das comunidades diretamente afetadas. No mesmo fim de semana da matança em Buffalo, 12 pessoas foram feridas por disparos de arma de fogo no centro de Milwaukee, perto de onde se realizava uma partida da NBA (liga de basquete).

Duas semanas antes, o proprietário e dois funcionários do motel Broadway Inn Express, em Biloxi, no Estado do Mississippi, foram mortos a tiros, e outra pessoa também recebeu um disparo fatal durante um roubo de carro.

26 de maio de 2022

DE ANTONIO SCURATI, CHEGA O SEGUNDO VOLUME DE M!

(Luiz Zanin Oricchio – O Estado de S. Paulo, 22) Por que, em pleno século 21, escrever milhares de páginas sobre um ditador como Benito Mussolini (1883-1945)? O escritor Antonio Scurati responde que a figura de Mussolini, ao contrário da de Hitler, conta ainda com certa aura “benigna” – apesar de ter comandado um violento regime ditatorial e arrastado o país a uma guerra que o arrasou. Sua ideia, com um romance histórico de três volumes, é enxergar o fascismo por dentro. Ver o interior do monstro, sem atenuantes ou mistificações.

Outra motivação para escrever obra de tal envergadura seria a ascensão, pelo mundo, de líderes de extrema-direita como Matteo Salvini na Itália, Donald Trump nos Estados Unidos, Recep Erdogan na Turquia, Viktor Orban na Hungria e um longo etc. Antidemocráticos e liberticidas, seriam discípulos ou herdeiros de Mussolini? Questão a ser debatida, mas com certeza a chegada de personagens desse tipo ao poder representa o mais desafiador mistério político do nosso tempo. Convém dar uma olhada no passado para ver se esclarece o nosso presente.

Em M – O Filho do Século, Scurati narra, em 812 páginas, a primeira parte da vida de Benito Mussolini – da infância e juventude pobres à tomada do poder na chamada “Marcha sobre Roma” (foto nesta página), em 1922. Na segunda parte dessa projetada trilogia, M–O Homem da Providência (608 páginas), Scurati descreve a edificação do Estado fascista, a consolidação da ditadura na Itália com a consequente dissolução do regime democrático. A terceira, por certo, trará sua aliança com Hitler, a aventura na guerra, a queda em 1943 e a derrocada final, que, como todos sabem, termina em Milão, em 1945, fuzilado e pendurado pelos pés, o cadáver em exposição pública, junto com o da amante, Clara Petacci.

Da maneira como é escrita, a narrativa de Scurati nos enche de encanto – e também de horror. Encanto, porque, ao usar técnicas de ficção, como num romance, o transe da História salta aos olhos, vivo e pulsante. Horror, porque são muitas e visíveis as semelhanças entre aqueles tempos e o nosso. Em especial em países cuja base democrática vem sendo corroída por candidatos a tiranos.

Há invenção na forma, não no conteúdo. O texto de Scurati tem o frescor das boas narrativas, mas o rigor histórico se alia aos recursos ficcionais. Já no primeiro volume, esclarece: “Fatos e personagens deste romance documental não são fruto da imaginação do autor. Cada acontecimento, personagem, diálogo ou discurso aqui narrado é, ao contrário, historicamente documentado e/ou fidedignamente testemunhado por mais de uma fonte.” Romance “documental”, portanto.

Como forma, trata-se de obra multifocal e polifônica. Às vezes narra em terceira pessoa, mas usa muito o discurso indireto livre, o fluxo de pensamento de alguns personagens, bilhetes, conversas grampeadas, documentos oficiais, notícias de jornais, dossiês preparados pelos serviços de segurança. Todas as fontes convergem para o caudal da narrativa.

Esse material diverso, integrado ao romance, tem um efeito calculado, muito difícil de ser obtido em obras históricas, que é o de mergulhar o leitor do tempo presente no espírito do passado. E, também, funciona como uma câmera indiscreta, abrindo a cortina dos bastidores do poder.

DOENÇA. O segundo volume, M – O Homem da Providência, começa com o Duce doente, padecendo miseravelmente de uma prosaica, porém grave, úlcera no duodeno. Querem operá-lo. Ele não consente, prefere tratamentos mais conservadores e sai mais forte da doença.

Enquanto age para corroer freios e contrapesos das instituições, luta para conter seus pitbulls, que podem comprometer seu caminho rumo ao poder sem limites. Entre esses seres soturnos, destaca-se o sinistro Roberto Farinacci, adepto da violência pura. Ele convém ao regime durante certo tempo, depois começa a perturbá-lo. Como sempre acontece nesses casos, foi descartado assim que cumpriu sua missão e se tornou incômodo.

Mussolini sobrevive aos seus rebeldes, mas também a uma série de atentados. Quatro, no total: ataques a bala e a bomba, dos quais sai levemente ferido, e cada vez mais forte aos olhos do povo que o tem como predestinado e indestrutível.

Esse livro, que começa pela úlcera no aparelho digestivo, termina com a glória, um tanto vazia, da exposição montada para comemorar os dez anos da Marcha sobre Roma. A marcha é um episódio tão fundamental que, a partir dele, o Duce cria um novo calendário, o da Era Fascista, escrito em algarismos romanos, que teria a data de início de 28 de outubro de 1922, quando as milícias entraram em Roma, na ausência de Mussolini. Ele não estava lá.

Prudentemente, mantinha-se em Milão, de onde seria mais fácil fugir e pedir asilo na Suíça caso tudo desse errado.

Em sua trajetória, o Duce se depara com um problemão – o sequestro e assassinato do deputado socialista Giacomo Matteotti pelas milícias fascistas. Matteotti havia denunciado fraude nas eleições de 1924. Foi morto no mesmo ano. O crime poderia chegar até Mussolini e acabar com seu reinado. Ao contrário, são as medidas de exceção tomadas para garantir sua imunidade que aceleram o processo de construção do Estado autoritário. Há um ótimo filme a respeito desse episódio, O Delito Matteotti, de Florestano Vancini, com Franco Nero no papel do socialista.

Mussolini lavra novo triunfo ao conseguir um acordo com a Igreja Católica. Com o Tratado de Latrão, assinado em 1929, é concedido o território que forma hoje o Estado do Vaticano. Em troca, o regime ganha o apoio da Igreja, fundamental na Itália daquela época. Fecha assim a tríade que cimenta o poder fascista: religião, nacionalismo, defesa dos valores da família, dos costumes e da tradição. Deus, pátria, família.

Muito parecido com o que a gente vê e ouve por aí e por aqui, não? Mas é preciso cuidado. A história não se repete. Ou melhor, como já disse um filósofo, pode se repetir como farsa. O que não deixa de ser incômodo, e mesmo trágico.

Em todo caso, guardadas a distância histórica e as mudanças de hábitos e tecnologia, o receituário fascista, que se depreende da trajetória do Duce, parece ser aplicado ponto por ponto pelos governos hoje chamados de “iliberais”. A destruição das liberdades e garantias é o objetivo último e maior desses regimes. Muitas vezes, por paradoxo, a democracia é abolida em nome da “liberdade” dos indivíduos.

DITADURAS. Essa desconstrução pode se dar num golpe militar, tradicional e bruto, como os que assolaram no passado a América Latina em países como Guatemala (1954), Brasil (1964), Chile (1973), Uruguai (1973) e Argentina (1976). Ou por aproximações sucessivas, em que o regime iliberal rói por dentro a democracia, viciando e aparelhando instituições, minando a capacidade operacional dos contrapoderes, como o Judiciário independente, atacando a imprensa livre.

A tática é gradual e a estratégia é a construção do Estado total, com adesão completa, de todos e de cada um. “Se no velho Estado liberal, para ser um bom cidadão bastava respeitar as leis, agora, no Estado fascista, para não cair na ilegalidade, é necessário que todo cidadão se torne fascista”, escreve Scurati em M – O Homem da Providência.

Num primeiro momento, elimina-se a dissidência. No outro, exige-se adesão incondicional. “Era necessário reeducar um povo, corrigir uma nação.”

Esse projeto pedagógico despótico se constrói ao longo dos anos em que Mussolini obtém vitórias sucessivas – o acordo com o Vaticano, o esmagamento da rebelião colonial na Líbia, o enfrentamento da Máfia, o controle da imprensa, a sustentação do valor da lira diante da libra esterlina, moeda global da época. Ordem e segurança são valores supremos. Os trens andam no horário e os italianos podem dormir com portas e janelas abertas, pois os criminosos têm medo do punho duro da lei.

VIOLÊNCIA. Por trás dessa paz dos cemitérios escondem-se os crimes fascistas, revelados por Scurati. As prisões arbitrárias e assassinatos, o genocídio de populações líbias na guerra colonial, o culto da violência e a abolição da vida pública são tolerados num país em que a verdade emana do líder e apenas a submissão é aceita.

Por ser um jogo de tudo ou nada, a ambição insustentável do poder absoluto só poderia ter um fim. Mas, durante vários anos, Mussolini manteve apoio de parte considerável da população. Intelectuais importantes, como Marinetti e D’Annunzio, foram fascistas militantes.

Muitos países – dos Estados Unidos à Inglaterra – durante bom tempo viram em Mussolini uma barreira eficaz contra o perigo bolchevique. O papa Pio XI, após o Tratado de Latrão, chamou-o de “o homem da Providência” – título deste segundo volume. No meio do povo, murmuravam-se as barbaridades do regime. Mas eram coisas que só aconteciam com “os outros”, não com “as pessoas de bem”, os bons fascistas.

Essa ilusão se desmancha com o tempo, com as circunstâncias históricas, com a dura realidade imposta por um regime totalitário. Qual o custo – brutal – dessa aventura? É um pouco o que insinua a imagem final deste segundo livro. Mussolini, no auge do poder, e portanto totalmente só, desconfiado de todos, visita o lúgubre mausoléu dos mártires fascistas. Em sua imaginação, escuta o coro dos mortos, que chega não do passado, mas de um futuro iminente. O passado de crimes não passa e não pode ser enterrado, descartado ou negado. Ilumina o presente; vem do futuro, como presságio.

Como escreve Umberto Eco em seu Fascismo Eterno, ao comentar o discurso de Roosevelt sobre a luta contra a opressão: “Liberdade, liberação são uma tarefa que não acaba nunca”. Que seja este o nosso mote: Não esqueçam.

24 de maio de 2022

RASCUNHO DA NOVA CONSTITUIÇÃO AGRAVA POLARIZAÇÃO POLÍTICA NO CHILE!

(O Estado de S. Paulo, 20) Dois anos e meio após uma onda de protestos sociais, o esboço da nova Constituição do Chile ficou pronto. Mas, em vez de reduzir as tensões políticas, ele agravou a polarização. Conservadores reclamam de não terem tido suas visões incorporadas ao texto, enquanto organizações civis e movimentos de esquerda dizem que o conteúdo é histórico.

“Esse é um texto muito importante por incluir novos atores sociais, mulheres, povos originários. É resultado de uma Convenção Constitucional que teve representação igualitária, por isso esses temas foram incorporados”, disse a professora de estudos avançados na Universidade de Santiago, Pamela Figueroa.

PROTESTOS. Com 499 artigos – que podem bater o recorde de maior Constituição da América Latina –, a nova Carta Magna foi a saída política encontrada pelo Chile para responder aos protestos de outubro de 2019, quando milhares de chilenos saíram às ruas contra a desigualdade, em um país onde o patrimônio dos mais ricos representa 16,1% do PIB, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

“É um texto que responde às demandas da sociedade chilena, que saiu às ruas por maior proteção e presença do Estado. É uma proposta de Constituição adequada aos padrões internacionais de direitos humanos e reconhecimento de direitos econômicos, sociais e culturais, uma questão que estava pendente na atual Constituição”, disse Mariela Infante, diretora da Corporación Humanas.

INSATISFAÇÕES. A proposta de Constituição não contém temas considerados controvertidos nas discussões, como o referendo revogatório, a perda de autonomia do Banco Central e a nacionalização da mineração. Mas desagradou a setores da direita e centro-direita, que alegam não terem sido representados na Convenção Constitucional.

“A composição da Convenção envolveu uma minoria da centro-direita e permitiu que apenas a esquerda conseguisse quórum de dois terços para aprovar as normas. Com isso, a esquerda impôs sua agenda”, disse Alejandro Fernández, advogado e diretor da Fundação Pacto Social.

Fernández cita o forte papel do Estado nos artigos aprovados. “Ele exclui o desenvolvimento de políticas públicas diferentes, exclui o privado. Todos os direitos sociais contêm uma preferência pelo Estado. Não no aspecto de garantir os direitos, que é legítimo, mas no aspecto de executá-los, de prover saúde e educação, quando já se mostrou que o Estado não cumpre bem esse papel.”

Para Pamela Figueroa, esse cenário resulta da necessidade de a nova Constituição englobar novos atores sociais. “É um texto importante por incluir mulheres e povos originários. É resultado de uma Convenção Constitucional que teve representação igualitária, por isso esses temas foram incorporados.”

POLARIZAÇÃO. A questão dos povos originários é um dos pontos de insatisfação da direita. “Temos conversado com as pessoas e muitos estão insatisfeitos. O tratamento privilegiado aos povos originários, por exemplo. Criam-se 11 nações dentro do Chile, mas isso não representa a realidade do povo chileno. Podemos identificar nessa categoria o povo Mapuche. O restante não chega a 1% da população.”

As pesquisas chilenas mostram um cenário de polarização, que analistas acreditam ser um reflexo da radicalização da política chilena. “O debate constitucional foi polarizado em alguns temas. Agora que o texto já está disponível, os cidadãos podem formar uma opinião melhor. A votação será muito polarizada, mas será imprevisível. O voto será obrigatório e no Chile, desde 2012, o voto é facultativo. Então, teremos novos eleitores, cujas opiniões desconhecemos”, afirma Figueroa.

O analista Carlos Meléndez, especialista em temas da América Latina, considera que o fato de o novo projeto ser tão extenso prova que não foi possível chegar a acordos importantes, o que amplia a desconfiança da população.

“A sociedade ainda tem muitas dúvidas sobre o processo constituinte. A nova Carta terá de ser difundida para que se forme uma opinião sobre o texto. Neste momento, há uma grande desconfiança com o processo em razão da improvisação e da pouca seriedade com a qual foi levado adiante.”

Mariela Infante diz que o rascunho dá força a movimentos sociais que não estão contemplados na Carta atual, mas concorda que só a divulgação massiva ajudará no entendimento. “O texto responde bem às demandas dos cidadãos, mas é preciso dar conhecimento aos temas, e as organizações civis ajudarão nesse processo”.

Manifestações sociais Nova Constituição foi resultado da onda de protestos contra a desigualdade, em 2019

LEGITIMIDADE. A nova proposta deve substituir a Carta vigente desde a ditadura de Augusto Pinochet e será submetida a um plebiscito com voto obrigatório no dia 4 de setembro. O rascunho foi apresentado na segunda-feira e agora segue para a Comissão de Harmonização, que deve acertar a ordem e a coerência dos artigos. O conteúdo não deve mudar, explicam os analistas, apenas detalhes técnicos podem ser revistos. Até o dia 5 de julho, a versão definitiva será entregue ao presidente chileno, Gabriel Boric.

23 de maio de 2022

A GRANDE SUBSTITUIÇÃO!

Em seu manifesto de 180 páginas, Payton Gendron, o atirador do massacre de Buffalo, escreveu que queria “espalhar o conhecimento aos meus companheiros brancos sobre o real problema que o Ocidente vem enfrentando”.

O problema, segundo ele: a imigração em massa e o declínio na natalidade entre a população branca.

Parte do movimento supremacista branco vem sendo inspirada pela teoria conspiracionista da Grande Substituição ou Substituição Branca, criada pelo escritor francês Renaud Camus, que afirma que a população francesa, branca europeia, está sendo substituída, pelas elites, por povos não europeus.

Nos EUA, é uma teoria que faz sucesso nos fóruns anti-imigrantistas e supremacistas brancos. Segundo estes, o influxo de imigrantes, mais precisamente pessoas não brancas, levará ao fim da raça branca, o que, em suas visões, equivaleria a um genocídio. Também alegam que, ao tornar a população não branca maioria nos EUA, se levará a uma imposição de agendas que não são do interesse ou até prejudiciais aos brancos, já que esses votam de forma diferente dos brancos.

Os nacionalistas brancos americanos culpam os judeus, que estariam por trás das elites, pela imigração de não brancos e, recentemente, a teoria da Grande Substituição está associada ao movimento antissemita.

Payton Gendron escreveu que quem mais o “radicalizou” foi Brenton Tarrant, o atirador do massacre de Christchurch, na Nova Zelândia. O manifesto de Tarrant se chamava “A Grande Substituição”. Gendron disse que decidiu fazer justiça com as próprias mãos após realizar pesquisas sobre os problemas migratórios e aprender a respeito da “verdade sobre o massacre dos brancos por negros e o apoio das elites e judeus ” no fórum extremista 4chan.

A teoria da Grande Substituição já deixou as mídias periféricas e, nos EUA, já foi defendida por um dos apresentadores de tv mais populares da Fox News, Tucker Carlson. Na Europa, Heinz-Christian Strache, ex-vice-chanceler austríaco, do Partido da Liberdade da Áustria; e Marine Le Pen, já defenderam a teoria.

Para muitos analistas, com essa teoria, os atiradores encontraram uma ideologia para justificar a violência. E que a teoria da Grande Substituição e sua disseminação, em fóruns e mesmo pela mídia tradicional e políticos, funciona da mesma forma com a qual grupos terroristas conseguem encontrar sociopatas e pessoas instáveis e enchê-los com um propósito.

20 de maio de 2022

PRÉ-CAMPANHA!

(Cesar Maia – Folha de SP, 02/05/2009) Paul Lazarsfeld -fundador das pesquisas de opinião e tendências do eleitorado-, nos anos 30, na Universidade de Columbia, dizia que as campanhas eleitorais eram como a fotografia da época: dividiam-se em duas fases. Na primeira -a pré-campanha-, a foto era tirada e impressa no celuloide. Na segunda -a campanha-, a foto era revelada na câmara escura. Sem a pré-campanha não havia foto a revelar, e a campanha seria uma loteria de impressões, ensinava.

Esta é a lógica das primárias nos EUA. Os pré-candidatos se apresentam nacionalmente. Mostram propostas, criticam os adversários, durante meses, até a convenção.

Todas as imagens estão amplamente registradas no “celuloide” dos eleitores. Depois, a campanha exibe os detalhes, os compromissos e críticas, que complementam o básico. Sem pré-campanha, Obama nunca teria tido a chance de ser o candidato democrata.

No Brasil, o complexo eleitoral, composto pelos partidos e pela Justiça, fixou a ideia de que a pré-campanha é ilegal. Desta forma, enquanto os partidos denunciam seus adversários por fazerem pré-campanha, a Justiça Eleitoral os inibe com proibições e punições. Mas esse é um processo torto.

Todos têm espaço partidário igual para a propaganda autorizada, mas quem está no governo tem todo o tempo que entender para contratar publicidade na mídia.

Não pôr o nome na publicidade de quem está na mídia espontânea todos os dias é risível. Nos Estados e grandes capitais, trata-se de gastos anuais, em publicidade político-governamental, de R$ 50 milhões a R$ 200 milhões. No nível federal, os gastos chegam a R$ 2 bilhões, incluindo patrocínios e promoções. O exagero chega a tal ponto que o próprio uso da internet -meio democrático, barato e acessível a todos- passou a ter regras limitativas, antes e até durante as eleições.

Se o que se quer com o processo eleitoral é dar ao eleitor o máximo de informações, para que ele possa decidir politicamente, em vez de apenas reagir a estímulos publicitários, o processo atual aponta para o contrário disso.

Os partidos não têm tempo para amadurecer suas decisões em torno de seus pré-candidatos. As convenções fazem o jogo do “convencimento” dos delegados. As pesquisas de opinião pré-eleitorais só favorecem os mais conhecidos ou expostos, o que torna as oposições mais dependentes da mídia.

A democracia sofre um grave desvio, na medida em que não há condições de igualdade na disputa.

Governo e oposição atuam politicamente, visando às próximas eleições, com instrumentos totalmente desproporcionais. Essa é uma grave distorção que os partidos políticos -que legislam- e o TSE -que regulamenta- precisam rever com a máxima urgência.

19 de maio de 2022

IRLANDA DO NORTE ABRE NOVA CRISE ENTRE JOHNSON E UE!

(O Estado de S. Paulo, 17) O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, voltou ontem a ameaçar romper unilateralmente o Protocolo da Irlanda do Norte – mecanismo que possibilitou um acordo comercial com a União Europeia após o Brexit. Em viagem a Belfast, ele culpou o protocolo pela crise que impede a formação de um novo governo norte-irlandês.

Johnson manteve conversas com líderes políticos da Irlanda do Norte, incluindo os nacionalistas do Sinn Fein e os conservadores do Partido Unionista Democrático (DUP). Após pedir a retomada das atividades legislativas, ele defendeu a aprovação de uma lei que permita violar o protocolo caso a UE não concorde em reabrir negociações.

O Protocolo da Irlanda do Norte foi acertado para permitir que os britânicos deixassem o mercado único sem precisar montar novamente postos de fronteira entre a Irlanda, membro da UE, e a Irlanda do Norte, território britânico. A ausência de fronteira é parte fundamental do Acordo de Paz da Sexta-feira Santa, firmado em 1998, que encerrou três décadas de violência sectária na ilha.

FRONTEIRA. O problema é que o protocolo, na prática, deixa a Irlanda do Norte vivendo sob regras diferentes do restante do Reino Unido – o que os unionistas consideram o equivalente à reunificação da Irlanda.

Após mais de 30 anos de integração entre Reino Unido e UE, as economias das duas Irlandas se tornaram interdependentes e a imposição de qualquer controle alfandegário cria um atrito comercial que, além de impopular, teria impacto nos preços dos produtos.

Além disso, neste período em que Irlanda e Irlanda do Norte estiveram sob o guardachuva da UE, uma nova geração de católicos e protestantes cresceu desabituada à violência religiosa. Pesquisas apontam que a maioria dos norte-irlandeses ainda prefere ser parte do Reino Unido, mas a diferença é bem menor hoje do que era dez anos atrás.

ELEIÇÕES. Em 2016, no Brexit, a maioria da Irlanda do Norte votou pela permanência na UE. O DUP fez campanha pela saída e, durante as negociações com a Europa, ficou cada vez mais isolado. O resultado foi a perda da maioria que tinha na Assembleia local – eleição vencida pela primeira vez pelo partido nacionalista Sinn Fein, que apoia a reunificação.

Em resposta, o DUP rejeitou formar um governo e travou o funcionamento da Assembleia. O partido exige que Londres abandone o protocolo, o que deixou o premiê na situação difícil de ter de denunciar um tratado assinado por ele mesmo.

A UE rejeita reabrir as negociações do Brexit e uma decisão unilateral do premiê significa a violação de um tratado internacional, que afetaria a credibilidade do Reino Unido e permitiria que a UE revidasse com tarifas e restrições comerciais.

17 de maio de 2022

COLÔMBIA VIVE INTROMISSÃO DAS FORÇAS ARMADAS NAS ELEIÇÕES!

(Sylvia Colombo – Folha de SP, 15) O embate verbal entre o comandante do Exército, general Eduardo Zapateiro, e o candidato de esquerda e líder nas pesquisas Gustavo Petro, 62, vem mostrando uma pouco usual intromissão das Forças Armadas nas eleições presidenciais da Colômbia, cujo primeiro turno ocorre no próximo dia 29.

A uma crítica de Petro ao Exército, de que havia corrupção na instituição e que o sistema de promoções era baseado em “politicagem interna e subornos por parte do narcotráfico”, Zapateiro respondeu nas redes​ sociais: “Nunca vi nenhum general recebendo dinheiro de modo indevido como o senhor já foi acusado”.

Zapateiro fazia menção a um vídeo que circulou em 2005 e que mostrava Petro, à época congressista, recebendo uma bolsa com dinheiro. O caso foi à Justiça, e o hoje candidato foi absolvido. A Procuradoria da Colômbia abriu investigação para avaliar se o militar extrapolou seus limites de atuação constitucional.

Outro que mostrou o descontentamento de parte das Forças Armadas com a candidatura do ex-guerrilheiro do M-19 foi José Marulanda, presidente da Associação Colombiana de Oficiais Aposentados. “Sentimos que há um ressentimento muito claro de Petro contra militares e policiais, porque foram eles que combateram e mataram muitos de seus companheiros de guerrilha.”

O M-19 foi uma guerrilha urbana nacionalista que atuou de 1974 a 1990, quando firmou um acordo de paz com o Estado colombiano. Fruto dos termos desse pacto, o partido Aliança Democrática, formado por seus ex-integrantes, participou da redação da Constituição de 1991, atualmente em vigor no país. Vários dos ex-membros da guerrilha seguiram na política, como o ex-senador Antonio Navarro Wolff e o próprio Petro, prefeito de Bogotá entre 2012 e 2015.

Para o coronel aposentado Carlos Alfonso Velázquez, “entre os militares há os que creem terem vencido a guerra no campo de batalha”, o que não estaria acontecendo no campo político. “Eles consideram que, desta vez, a classe política que sempre governou e que os respaldou está perdendo, e isso traz insegurança para muitos”. Essa sensação ficou mais explícita quando o atual presidente, Iván Duque, diante da polêmica entre Petro e Zapateiro, foi a público defender o general.

Oficiais da ativa também criticaram Petro, mas sem divulgar seus nomes, em reportagem da revista Semana. A publicação ouviu membros de diferentes patentes e mostrou que há os que sentem desconforto com a possível chegada de um ex-guerrilheiro ao poder e os que compreendem que seu lugar na sociedade não é o de opinar ou se intrometer no debate político, como estabelece a Constituição.

A mais recente pesquisa, divulgada na última terça (10), mostra Petro na liderança, com 40%, contra 21% do direitista Federico “Fico” Gutiérrez, ex-prefeito de Medellín. Ambos disputariam, assim, um segundo turno, em 19 de junho. Neste pleito, segundo a sondagem, Petro venceria por 47%, contra 34% de Fico.

Uma possível chegada de Petro ao poder seria uma imensa transformação no país, acostumado a uma certa rotatividade de um grupo pequeno de famílias de elite. Nas últimas décadas, a Colômbia pendeu muito para a direita, e os mais de 60 anos de embates entre guerrilhas de esquerda contra o Exército tornaram as forças políticas democráticas de esquerda pouco populares entre a sociedade.

Após o acordo entre o Estado e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), em 2016, dissidentes da guerrilha seguiram fora da lei, trazendo insegurança, principalmente ao setor rural, e alimentando a rejeição à esquerda. O saldo dos enfrentamentos de 1964 a 2016 é de 220 mil mortos. Entre os métodos da guerrilha estavam extorsão, recrutamento de menores e atentados a alvos militares e civis.

Se Petro chegar ao poder, será a primeira vez que um ex-guerrilheiro de esquerda comandará o segundo maior Exército da América Latina (depois do brasileiro), com 228 mil militares e 172 mil policiais.

Os métodos encontrados pela direita para combater as guerrilhas tampouco são populares hoje em dia, ainda mais quando tem vindo à tona a verdade sobre o escândalo dos “falsos positivos”. Segundo o trabalho da Justiça Especial da Paz (conhecida como JEP), cada vez mais oficiais vêm admitindo que os soldados recebiam metas mensais de guerrilheiros que tinham de ser assassinados.

Quando as cifras não eram atingidas, vestiam civis de guerrilheiros, os assassinavam e armavam supostos cenários de combate, dizendo que as matanças haviam ocorrido em batalhas com guerrilhas como as Farc ou o ELN (Exército de Libertação Nacional).

A mais recente confissão coletiva ocorreu em Ocaña, na conflagrada região de Catatumbo, nos últimos dias 26 e 27 de abril, quando, num tribunal da JEP, dez militares contaram em detalhes, e diante das famílias das vítimas, como assassinaram 120 pessoas que não tinham relação com nenhuma guerrilha.

Segundo o acordo de paz, a JEP não oferece penas de prisão, mas condenações em forma de reparação, que podem ser trabalhos comunitários ou pedidos de perdão coletivo.

O caso envolve ainda o ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), apontado como autor intelectual dos “falsos positivos”. Ao todo, estão documentadas 6.402 vítimas, e o procedimento não deixou de ser usado, num país hoje governado por um apadrinhado de Uribe, Iván Duque. O atual presidente é acusado pela oposição de ter autorizado um ataque do Exército a um vilarejo em Putumayo onde supostamente se encontravam grupos criminosos (as Bacrim, mistura de ex-guerrilheiros e criminosos comuns).

A ação causou a morte de 11 civis, entre os quais um menor de idade. Houve pressão pela demissão do ministro de Defesa, Diego Molano, e, ante a negativa de Duque de tirá-lo, a oposição pediu à Procuradoria a abertura de uma investigação e mandou uma carta à ONU sobre o prosseguimento dos “falsos positivos”.​

O setor à direita da política, que respalda os militares, representado pelos ex-presidentes Uribe e Andrés Pastrana, afirma que a JEP está tomando um tom revanchista e que o tribunal deveria servir apenas para julgar os guerrilheiros, sendo os eventuais abusos dos militares destinados a tribunais militares.

Essa hipótese ficou de fora do pacto, que desde 2016 está em vigor e não pode ser mudado apenas pela vontade de um presidente, porque foi integrado à Constituição. Duque tentou mudar o funcionamento da JEP, para tirar o foco dos militares, mas não conseguiu apoio no Congresso e na Justiça para ir adiante.

O desconforto das Forças Armadas com a candidatura de Petro, que defende uma aplicação intensa de todos os pontos do acordo de paz, que andaram em câmara lenta com Duque, foi expressa também por meio da renúncia do major Carlos Guillermo Ospina Galvis da Comissão da Verdade.

O órgão, que também foi criado em razão do pacto de paz de 2016, tem como objetivo criar um documento amplo que esclareça a maior quantidade possível de abusos cometidos tanto por parte das guerrilhas e das organizações paramilitares como por parte do Exército. Seu estatuto estabelece que deve ser formado por membros de diversos setores da sociedade que participaram de alguma forma do conflito e pelas vítimas. Ospina era o representante das Forças Armadas.

Ele abandonou o posto na última semana, oito semanas antes do término da redação do documento, fazendo críticas ao modo de funcionamento e às conclusões a que o relatório estava chegando. “Não estou de acordo com os capítulos apresentados, não estou de acordo que militares, empresários e o Estado estejam sendo apresentados mais como vilões do que a própria guerrilha. Meus comentários e observações sobre isso não foram levados em conta. Então não tinha outra opção e saí.”

Afirmou, ainda, que a Comissão da Verdade estava sendo alvo de ingerência política da esquerda, “levando a narrativa para a ideia de que a origem do conflito teve vários fatores e culpados, não que foi a guerrilha que começou com a violência.”

16 de maio de 2022

KEN STARR E JOSEPH MCCARTHY!

(Cesar Maia – Folha de SP, 27/06/2009) Escândalos envolvendo políticos são tão antigos quanto a própria história. Hoje esses registros, feitos com imagens, vozes e documentos gravados, são multiplicáveis ao infinito. Investigados e investigadores são atores deste drama. Os poderes têm regras para investigar e penalizar.

As pessoas, associações civis e meios de comunicação podem ser parte desses processos, investigando, denunciando ou opinando. A luminosidade dada a certos fatos, destacando os que investigam, denunciam e acusam, algumas vezes os atrai para o “estrelato” e o objetivo passa a ser a autoexaltação.

Dois documentários tratam de situações desse tipo. Um deles, “A Caça ao Presidente”, de H. Tomason e N. Perry, é sobre o promotor que tratou por anos de escândalos com Clinton. O outro, “Os Anos McCarthy”, especial da CBS com Walter Cronkite, é sobre o embate entre o legendário jornalista Ed Murrow e o senador McCarthy.

No primeiro, a “estrela” era o promotor Ken Starr, investigador pleno da vida de Clinton, das amantes até o caso Whitewater (um negócio imobiliário do qual os Clinton participaram). A busca desesperada por depoimentos terminou com polpudas indenizações às “namoradas”, com um suicídio e a condenação a dois anos de prisão de quem nada tinha a ver com nada. Os “namoros” de Clinton não implicavam em seu impedimento para governar. O caso Whitewater terminou em tragédias pessoais por efeito colateral, sem chegar ao alvo alucinante de Ken Starr: Bill Clinton.

O senador Joseph McCarthy (1950 e 1954) abriu fogo contra tudo e todos os que poderiam ter qualquer relação com o que ele entendia por comunismo. Fatos de 20 anos antes, mera leitura de jornais sindicais etc., eram evidências pré-julgadas.

Ed Murrow -com seu foco no detalhe- destacou dois casos de pessoas simples incluídas pela mente doentia de McCarthy: um tenente, cujo pai e irmã teriam tido algum contato socialista, foi julgado e expulso da Aeronáutica; uma servente que teria trabalhado no setor de decodificação do Pentágono e cujo marido teria comprado, uma vez, um jornal de esquerda.

Ed Murrow desintegrou as duas acusações, gerando uma solidariedade ampla com os acusados (“poderia ser qualquer um de vocês”).

O tenente foi readmitido. A servente não havia trabalhado no setor -era homônima. Desmoralizado nos dois casos, McCarthy declina e termina denunciado pelos excessos, no próprio Senado. Ed Murrow, na última locução sobre o caso, olhando como sempre para a câmera, em diagonal, de baixo para cima, arrematou: “A fronteira entre a investigação e a perseguição é uma linha tênue”. Anos depois, essa mesma máxima serviu para vestir Ken Starr.

13 de maio de 2022

O NOVO PRÍNCIPE!

(Cesar Maia – Folha de SP, 05/12/2009) The New Prince: Machiavelli Updated for the Twenty-First Century (El Nuevo Príncipe, editora El Ateneo), de Dick Morris (coordenador de Clinton em 2006), é leitura básica para entender a complexidade da comunicação política dos governos, muito maior que a do marketing eleitoral, pois ocorre dia a dia. E se insere num universo diversificado, de imprensa, comunicação direta, boatos, opinião pública segmentada, contracomunicação da oposição e dos insatisfeitos e da internet.

Morris fala disso em Governar, na parte 2 de seu livro. Nele, trata de temas como popularidade cotidiana, exercício da liderança, agressividade ou conciliação, inércia burocrática, cuidar das costas (controlar seu partido), cortejar a oposição, grupos de pressão, buscar recursos e continuar sendo virtuoso, o mito da manipulação da mídia e como sobreviver a um escândalo.

A este último ponto Morris dedica atenção. “Não há como ganhar na cobertura de um escândalo. A única maneira de sair vivo é falar a verdade, aguentar o tranco e avançar”. Com vasta experiência junto à imprensa dos EUA, lembra que, quando ela abre um escândalo, tem munição guardada para os próximos dias. Os editores fatiam a matéria, pedaço a pedaço, para a cada dia ter uma nova revelação.

De nada adianta querer suturar o escândalo com uma negação reativa, pois virão outras logo depois, desmoralizando a defesa. E outros veículos entram com fatos novos para desmentir. Para Morris, a chave é não mentir. O dano de mentir é mortal. “Uma mentira leva à outra e o que era uma incomodidade, passa a ser obstrução criminal à Justiça”.

A força de um escândalo é a sua importância política. As pessoas perdoam muito mais aqueles fatos sem relação com o ato de governar.

E ir acompanhando a reação do público. “Se os eleitores se mostram verdadeiramente escandalizados com o que se diz que ele fez, é melhor que não tenha feito. Roubar dinheiro quase sempre não se perdoa”.

Em outros tipos de escândalo, como os de comportamento, os eleitores se mostram mais suaves e compreensíveis. Os mais velhos são sempre menos tolerantes. Os de idade intermediária tendem a ser mais flexíveis, especialmente com escândalos de comportamento. Os eleitores jovens se fixam mais no caráter do governante. Assim, além da complexidade de enfrentar um escândalo, a comunicação de governo deve ser, pelo menos, etariamente segmentada.

Na medida em que o governante nada tenha a ver diretamente com o fato, que os responsáveis sejam de fato afastados por traição de confiança. Caso contrário, o próprio governo será contaminado e terá perdido precocemente a batalha de opinião pública e, assim, a batalha política.

11 de maio de 2022

OS PERIGOS DA CRISE UCRANIANA!

(Jean Marc von der Weid, ex-presidente da UNE, fundador da ONG Agricultura Familiar e Agroecologia) O cínico ministro das relações exteriores de Napoleão, Talleirand, formulou uma frase de efeito que ficou na história. Referindo-se à ordem do célebre general e ditador francês que levou ao sequestro de um líder monarquista em um país vizinho e seu fuzilamento sumário ele comentou: “é pior do que um crime, é um erro”.

A frase pode ser aplicada à decisão de Putin de invadir a Ucrânia e provocar uma crise sem precedentes desde a instalação de foguetes russos em Cuba por Kruschev em 1962. Putin não contava com a reação militar dos ucranianos, que paralisou os seus planos de uma rápida
conquista da antiga colônia russa, desde os tempos dos czares até o fim da União Soviética.

Também não contava com a reação daquilo que, no passado, se chamava de “mundo livre”, os países capitalistas, em particular os organizados na União Europeia. Putin acreditava que a dependência energética da Europa em relação às exportações de petróleo e gás da Rússia faria com que as reações na forma de sanções econômicas seriam leves e palatáveis. O analista Pepe Escobar afirmou surpreso, quando as sanções se mostraram mais do que robustas: “foi um tiro no pé da União Europeia”. Putin também não contava com a reação pesada da opinião pública mundial, execrando a invasão. Reação orquestrada por uma mídia internacional totalmente aderente ao discurso anti-russo do governo americano, que, com certeza, efetivamente colocou Putin como uma ameaça ao equilíbrio mundial herdado da queda da União Soviética. A campanha anti-russa adquiriu tons de histeria ao ponto de esportistas e artistas russos serem banidos dos espaços internacionais.

Além dos problemas militares e econômicos provocados na Rússia pela invasão da Ucrânia, Putin tem agora que enfrentar uma OTAN revivida que vinha em lento processo de tornar-se um anacronismo. E a resposta do ditador, é dobrar a aposta e, escudado no controle da opinião pública no seu próprio país, agora ameaça o uso de armas atômicas. Os americanos tratam a ameaça como blefe e vem ampliando as suas provocações, buscando o que o governo Biden chama de sangrar os russos até, idealmente, a queda de Putin e a submissão total dos herdeiros dos antigos impérios, o dos czares e o dos comunistas. Os riscos para a humanidade vão crescendo na medida em que as alternativas para Putin vão se estreitando. No momento, tanto os ucranianos, como os países da OTAN, estão endurecendo suas posições e recuando de qualquer acordo para cessar fogo e negociação da paz. Levar um ditador absoluto como Putin para o corner e pretender abatê-lo com o sangue derramado pelos ucranianos, usando um armamento cada vez mais pesado fornecido por americanos, ingleses, alemães e até suíços é um risco que é melhor não correr.

Os americanos estão nadando de braçada nesta crise, em particular porque abriram um amplo mercado para fornecer petróleo e gás para os europeus, assim como para a sua pesadíssima indústria de armamentos. No momento em que o mundo deveria estar redirecionando
investimentos para enfrentar a crise do aquecimento global através da substituição dos combustíveis fósseis, o dito “mundo livre” expande o uso destes combustíveis e usa seus recursos para uma nova corrida armamentista.

Mas a histeria provocada pelo governo americano contra a Rússia foi muito além da justa indignação contra a agressão de Putin contra a Ucrânia, para se tornar uma manobra, visando a eliminação de uma superpotência militar e até a submissão de uma potência econômica (bem menor) aos interesses da decadente (mas ainda significativa) economia americana.

A posição de uma parte da esquerda assumindo a defesa de Putin como se fosse um baluarte do socialismo é pura visão do atraso e inteiramente anacrônica. Não estamos diante de um enfrentamento ideológico, mas de uma disputa geopolítica entre o capitalismo neoliberal e o capitalismo mafioso, que se estabeleceu na Rússia com a dissolução da economia estatal soviética no final dos anos oitenta.

Mas uma coisa tem que ser assumida por todos que tem um mínimo de bom senso (e hoje parece que são poucos): a ameaça nuclear russa não deve ser tratada levianamente e a corda não pode ser esticada até levar Putin a uma situação de desespero e a uma reação drástica que nos colocaria no limite de uma guerra atômica. Velhos guerreiros dos tempos dos Estados Unidos superpotentes dos anos 70 (antes que a derrota no Vietnam cortasse as asas dos “falcões”) estão palpitando que está na hora de calar as armas e buscar uma solução negociada, vide Henry Kissinger. Em particular, os europeus deveriam ser mais responsáveis, pois os americanos estão bem distantes da zona de conflito e parecem dispostos, pelo menos até as eleições de novembro, a empurrar os ucranianos a derramar até a última gota do seu sangue neste enfrentamento.

O Papa Francisco tem sido uma voz isolada, junto com o secretário geral da ONU (entidade que vem se mostrando uma peça vazia nesta crise), cobrando um movimento pelo silêncio das armas e a busca de um acordo negociado. Aqui no Brasil as vozes, tanto da esquerda como da direita, têm sido pela defesa de Putin (paradoxos do anacronismo político), enquanto a chamada grande imprensa reza pela cartilha de Biden.

Deveríamos estar nos movendo na direção da pressão por uma solução negociada e não entrar na torcida pelo ditador ou pelos aventureiros belicistas ocidentais. Não é hora de discutir se Zelenski é uma marionete da OTAN (na verdade dos Estados Unidos) e se Putin tinha boas razões para a invasão. A hora é de cobrar da diplomacia brasileira uma posição firme pelo cessar fogo imediato e pela paz negociada. No momento o governo brasileiro tem uma postura esquizofrênica, com o Itamaraty apoiando (no essencial) Biden, e o energúmeno e seus acólitos apoiando Putin. Em geopolítica e em confrontos militares com o nível de risco verificado nesta crise não importa quem tem razão e sim o que é preciso fazer para baixar a pressão e não jogar gasolina no fogo.

10 de maio de 2022

REDES E ANONIMATO!

(Leandro Karnal – O Estado de S. Paulo, 08) Alguns “ismos” colaboraram: Cristianismo, Islamismo, Socialismos… As redes sociais e a própria evolução da ideia de Democracia também ajudaram a ladrilhar este chão. Do que estou falando? Da construção de uma ordem simbólica baseada na ideia de igualdade. Se existe diferença social, ela teria sido baseada no pecado ou na construção de mecanismos injustos de exclusão econômica. Porém, no fundo, todos seríamos ou deveríamos ser iguais. A igualdade é concebida como a realidade e a desigualdade como uma anomalia produzida pelo desvio de um plano natural ou divino.

Para Rousseau, temos uma perfectibilidade que, juntamente com a liberdade, permite nossa distinção dos animais. Claro, o homem de Genebra também percebe que essa característica é fonte de quase toda infelicidade. Criamos um contrato social e, ao mesmo tempo, a desigualdade. Alguém se apropriou de uma parte da terra comum e ninguém o contestou. Em Rousseau, em Marx ou em Jesus, a igualdade era o plano original e feliz. Houve um desvio ou uma queda do homem natural para o que vemos agora.

Proposta por filósofos, defendida por profetas e estimulada por brechas abertas a partir da Revolução Francesa, paira sempre a ordem simbólica ideal da igualdade. O que mudou? O mundo é desigual há milênios, porém, agora, há redes sociais.

Há mais de 200 anos, se o povo quisesse ver Versalhes, teria de invadir o palácio em gesto com sangue e ousadia. Hoje, Maria Antonieta posta seus looks nas redes todos os dias: “Eu no Salão dos Espelhos com meus sapatos novos kkkkk”; “Sextei com brioches”… A vaidade, o interesse, a dor e toda espécie de novas formas de imaginário social elaboraram a explosão do ressentimento.

Ressentido é quem sente duas vezes. Sente pelo que não possui e tem nova dor pela alegria que identifica naquele que tem. Freud falou sobre a “covardia moral do neurótico”. O neurótico se considera superior, moralmente acima da vulgaridade do mundo, todavia, incapaz de mudá-lo. Não perdoa, não age, apenas sente e, ressente. O espaço de ouro para o ressentido é o mundo agressivo das redes. Lá, a covardia pode vir com anonimato, destilar veneno, atacar, agredir e mostrar como o meu inimigo é inferior e imbecil. O que deriva disso? Nada, é uma impotência reconhecida, diluída na incapacidade de o ressentido assumir seu próprio desejo e de agir.

Veja uma distinção importante: existe desigualdade no mundo. Há pessoas que se revoltam contra ela e agem para mudá-la. Caridade, política, revolução: são três caminhos comuns de reação à carência de muitos.

Há outros. Penso em quem não age, reflito sobre o ressentido. Ele interpreta a felicidade alheia como retirada dele. Aquele que sorri, no fundo, retirou do meu rosto a alegria. O bom corpo dela/dele estragou o meu. A viagem bonita foi feita em detrimento da minha. A vida que vejo na internet foi roubada de mim. Posso perdoar você por tudo, menos por ser mais feliz do que eu.

De novo: existe desigualdade social e algumas pessoas agem contra. O ressentido não está preocupado com ela, ele está irritado com o gozo material ou emocional que vê nas redes. Todavia, ele disfarça sua dor em julgamentos sociais. Alguém postou a compra de um celular de dois mil dólares? O ressentido grita: daria muitas cestas básicas para uma comunidade. Ele tem razão, e o celular que o ressentido usa para isso também poderia virar feijão para muita gente. Essa é a diferença entre consciência social e ressentimento, entre ação e pura dor, entre sentimento e ressentimento.

A pessoa que luta por justiça social, por motivos filosóficos ou religiosos, fica perturbada pelo fato de que alguns possam ter um tênis caríssimo e tantos não tenham comida mínima. O ressentido quer o tênis para ele e, não conseguindo, nega-o a qualquer pessoa. Muitos movimentos políticos foram feitos assim: substituir uma forma de dominação que não me beneficiava por uma que me traga vantagens. Claro: tudo em nome do bem…

Separar Freud de Marx pode ser necessário. A dor pessoal pode ser um ponto de partida para qualquer envolvimento político, nunca deveria ser o de chegada. Muitas vezes, Maria Antonieta nos irrita porque gostaríamos de comer brioches no ambiente luxuoso. Como isso é feio como sentimento, melhor afirmar que buscamos a justiça social e a igualdade. O ressentido é um invejoso fracassado tingido com o verniz de Madre Teresa de Calcutá. A busca de uma genuína melhoria da dor alheia por empatia pura é tão rara na luta política como a vocação da freira albanesa na Índia no campo religioso.

Ampliemos. Fui uma criança em uma geração limitada com regras severas e punições diretas. Por que será que crianças mimadas me irritam hoje? Vivem o deleite que me foi negado?

Conhecer a si é o desafio que o Templo de Apolo em Delfos nos envia sempre. Pelo menos saberíamos que estamos lutando com moinhos reais e não gigantes alimentados pela minha dor quixotesca. Essa tem sido a minha esperança: lutar com a minha dor de forma consciente e não ser dominado pelo que me incomoda.

09 de maio de 2022

O CORNETEIRO DE PIRAJÁ!

(Viriato Corrêa, “Meu Torrão: contos da história pátria” – Consciência.org, 17/05/2009) Quando se proclamou a independência foi a Bahia que mais custou a sair do jugo de Portugal.

O general Madeira de Melo não quis obedecer ao governo brasileiro. Para ele o Brasil era uma propriedade dos por­tugueses e, portanto, aos por­tugueses devia continuar sujeito, sem nenhum direito de libertar-se.

E comandando grandes for­ças armadas, compostas de gente portuguesa, tomou conta da província e não con­sentiu que os baianos gozassem, como os outros brasileiros, da independência proclamada.

Aquilo feriu a fundo o coração dos patriotas da Bahia. Era pela força que Madeira queria impor o jugo de Portugal, só pela força a província proclamaria a sua li­berdade.

E a Bahia inteira, a Bahia brasileira, pegou em armas para bater-se contra os inimigos da independência.

Foram penosos os primeiros encontros. Madeira é que tinha armas, munições, navios e dinheiro que lhe vinham constantemente de Portugal.

O governo brasileiro estava no momento cheio de difi­culdades e quase não podia ajudar os patriotas baianos.

Os patriotas baianos, porém, defendiam-se e resistiam como leões.

A melhor maneira de vencer as forças de Madeira era encurralá-las de modo que não pudessem receber auxílios. Para isso os baianos formaram postos de ataque aqui, ali, além, por toda a região que na Bahia se conhece pelo nome de Recôncavo.

Um desses postos, justamente o mais forte deles, o mais destemido, aquele em que se reuniam os mais valentes defensores da terra baiana, era o de Pirajá.

Um dia, quando o general Madeira abriu os olhos, Pirajá estava embaraçando os passos do seu exército. O general não podia receber víveres e reforços: tinham-lhe sido tomados os caminhos de terra e mar.

Era necessário, portanto, destruir Pirajá o mais de­pressa possível.

E as forças portuguesas atiram-se contra o posto bra­sileiro.

É a 8 de novembro de 1822, antes de raiar a manhã.

Deve ser segura, infalível a vitória. As tropas de Ma­deira, além de bem armadas e mais numerosas, vão fazer o ataque de surpresa.

Está ainda escuro quando os batalhões inimigos de­sembarcam cautelosamente nas praias de Itacaranhas e Plataforma, ao mesmo tempo que, pelos outros lados, o grosso do exército avança rapidamente.

Quando as sentinelas baianas, colocadas em Coqueiro e Bate-Folha, percebem o avanço, não é mais possível fazer nada.

É ao clarear do dia que pipocam os primeiros tiros.

Pirajá inteiro ergue-se para a peleja.

Começa o combate. Madeira, em pessoa, dirige os seus corpos. O que ele pretende é investir por Itacaranhas para cortar a retaguarda dos brasileiros. Mas os nossos vão resistindo e resistindo heroicamente.

Uma hora inteira de fogo.

O general português, surpreendido com aquela resis­tência, ordena que novas centenas de soldados avancem. Mas os baianos não se deixam vencer.

Mais uma hora de fogo.

Os portugueses vão pouco a pouco conquistando o terreno.

Barros Falcão, que comanda os nossos, percebe clara­mente a vitória inevitável do inimigo. Mas é preciso lutar. E luta-se mais uma hora.

Madeira está inquieto com a resistência. Agora ordena a novos corpos que avancem em grandes massas. Mas o fogo das linhas brasileiras não cessa um instante.

Novos corpos investem contra os nossos. Outra hora de peleja e de fogo.

Havia cinco horas que aquilo durava. Os portugueses tinham ganho tanto terreno que, em poucos momentos, os brasileiros estariam num círculo de balas.

Um minuto mais vai dar-se a ruína completa dos baia­nos. Não há mais resistência possível. Continuar a luta é sacrificar inutilmente centenas de vidas.

Barros Falcão, de um galope, percebe que chegou o momento de retirar-se. A dois passos está Luís Lopes, o cometa, que ele conservou sempre ao seu lado, esperando aquele instante desesperador.

— Toque retirada! ordena.

O cometa não se move.

— Toque retirada, já lhe disse! grita o comandante pela segunda vez.

O cometa vira-lhe as costas.

Barros Falcão avança de espada em punho para obri­gar o insubordinado a cumprir as suas ordens, mas, nesse momento, Luís Lopes cola a cometa à boca e claros sons metálicos retinem nos ares.

O comandante agita-se, surpreendido. —Que é isso? que é isso?

Não é o sinal de retirada que está ouvindo. É que a corneta está soprando loucamente no espaço é o sinal de “avançar cavalaria e degolar”.

Pararam todos, alarmados: o comandante, os oficiais, os soldados. Que cavalaria é aquela que aquele doido está mandando avançar?

No exército português é brutal a surpresa. É a confusão. Ê o pavor.

É a debandada louca.

Fogem todos alucinadamente daquela cavalaria que não existe.

Fogem todos, todos feridos por aquele toque de corneta que vale mais do que cinco horas de tiroteio, mais do que a própria voz dos canhões.

05 de maio de 2022

CUBA VÊ OPOSIÇÃO FRATURADA DIANTE DE ONDA DE CONDENAÇÕES APÓS PROTESTOS!

(Sylvia Colombo – Folha de SP, 25) Em seu apartamento no distrito de Alamar, na capital cubana, Leonardo Otaño, 30, mantém nove plantas em latas antes usadas para comercializar tomates. “Cada uma delas corresponde a uma das vezes em que fui preso ou chamado a depor”, diz o professor e doutorando em história na Universidade de Havana.

“Para cada momento ruim da vida, a gente espera um momento bom, por isso esse pequeno ritual.”

Entre livros e um aquário, o ativista pede desculpas pela falta de arrumação na casa, que ostenta uma foto dele com o papa Francisco, em 2015, quando o pontífice visitou Cuba. Otaño, que integrou o grupo Archipiélago, organizador dos protestos de 11 de julho de 2021 em mais de 50 cidades e da tentativa de manifestação em 15 de novembro —duramente reprimida—, é religioso, mas professa uma “versão progressista, de esquerda, da Igreja Católica”, além de ser admirador da Teologia da Libertação.

“Nada mais distante do que ser de esquerda e progressista do que o regime totalitário que há hoje em Cuba. Sou de esquerda e não aceito que digam que os que estão hoje no poder também são.”

Desde o início da repressão pós-11J, e ainda mais após o fracasso do 15N, Otaño se concentra apenas em amparar as famílias dos presos políticos que vêm sendo condenados por participarem dos protestos.

Dos 1.395 detidos em 11 de julho, 728 continuam presos —e os julgamentos se dão a conta-gotas. Desde então, segundo dados oficiais, 128 pessoas foram condenadas a um total de 1.916 anos de prisão.

Nas últimas semanas, sete jovens, entre 16 e 18 anos, receberam ordens de 19 a 25 anos de internação. Dados compilados pelas ONGs Cubalex, Prisoners Defenders e Anistia Internacional mostram que mais de 40 menores já foram alvo de decisões do tipo, com penas superiores a 15 anos de reclusão. As ONGs também acusam a ocorrência de torturas, privação de luz e comida, além de choques elétricos.

Esperanza (nome fictício), que aceitou falar com a Folha com a condição de que a reportagem caminhasse com ela pelo Malecón, principal via de Havana, para evitar a impressão de que estava sendo entrevistada, chora ao falar do filho, de 19 anos, condenado a 25 anos de prisão por “distúrbios à ordem pública”.

Ao mesmo tempo que destaca o esforço para obter uma anistia, ela afirma esperar que o rebento entenda o quão duro é para a família ser vigiada em idas ao mercado ou quando os irmãos vão à escola.

Assim que as condenações começaram a ser divulgadas, um grupo de 35 mães passou a atuar na coleta de assinaturas para a petição de anistia e no contato com tribunais e organismos internacionais.

As penas assustam os cubanos, principalmente os de bairros pobres da capital. Se nas ruas de Habana Vieja, o centro turístico, a presença de policiais e de militares é pequena, não é assim em Guanabacoa e Los Pocitos ou no interior do país, especialmente em Camagüey e Holguín, locais com tradição de rebeldia contra o sistema e que se manifestaram com intensidade no 11J.

O líder da ditadura cubana, Miguel Díaz-Canel, afirma não haver presos políticos na ilha e diz que as condenações são por crimes contra a segurança do Estado e por colaboração com forças estrangeiras.

Enquanto conversa com a Folha, Otaño mostra o bairro em que vive e que resume a degradação do sonho da revolução socialista, em 1959. Alamar foi um projeto encabeçado por Fidel Castro (1926-2016) e reúne prédios de inspiração soviética, com apartamentos pequenos, mas com “tudo que o uma família precisa”. As unidades são praticamente idênticas, e há imagens dos próceres da revolução em cada esquina. “A ideia era construir um bairro onde viveria o ‘homem novo’, que não buscaria ter mais do que os outros”, diz.

A realidade atual, porém, exibe espaços insuficientes, esgoto a céu aberto e reclamações constantes devido a apagões de eletricidade. Moradores de bairros pobres de Havana dizem que a falta de luz chega a durar cinco horas diárias —no interior, o relato é de dias inteiros sem energia.

De modo geral, a oposição está fragmentada. Há, por exemplo, ativistas que apostam em uma saída institucional, com uma anistia que viria por meio das vias legais. Muitos artistas, que com movimentos como o San Isidro e o espaço Aglutinador lutaram pela liberdade de expressão, deixaram o país.

Em seu ateliê, Sandra Ceballos, 61, oferece uma cadeira à reportagem avisando que não se trata de qualquer cadeira: “É uma das originais da mítica sorveteria Coppelia”, conta, com orgulho. A Coppelia ganhou projeção internacional com o filme “Morango e Chocolate” (1993), dos diretores Tomás Gutiérrez Alea e Juan Carlos Tabío, uma das primeiras obras a tratar da questão LGBTQIA+ em Cuba.

A sorveteria foi também um esforço pessoal de Fidel, que, determinado a fazer com que os cubanos tivessem “o melhor sorvete do Caribe”, importou em 1966 o maquinário mais moderno na Europa. Hoje um ponto turístico, o local, no entanto, vem perdendo qualidade. O aumento dos preços dos ingredientes e a falta de leite faz com que o produto muitas vezes venha aguado ou com gosto de soja. A história explica por que Ceballos guardou uma cadeira original.

Ex-integrante do Archipiélago, ela não tem esperança de novas manifestações. “As condições existem, mas também temos a certeza de que depois virá outra onda de repressão terrível”, diz. “Agora, com esses meninos condenados a passar mais de 20 anos na prisão, com denúncias de tortura, não tem jeito. Sou pacifista, mas a única maneira de tirar o regime é como eles fizeram com Fulgêncio Batista, em 1959. Com armas, uma guerrilha organizada vinda do interior, e derrubando o poder à força.”

Aqui, a oposição se mostra fraturada outra vez. Otaño diz não querer a derrubada de um totalitarismo com “as armas usadas pelo que pode se tornar outro totalitarismo”. “Afinal, quem disse que se derrubarmos o regime que temos agora não surja um Putin? Não queremos isso.”

Ceballos também faz críticas à abertura de espaços culturais com permissão do regime, como a Fábrica de Arte, local de shows e exposições que é a sensação entre jovens. No dia 15, com a casa abarrotada, a Folha assistiu à apresentação da Interactivo, conjunto de jazz e gêneros caribenhos que vem causando furor. Liderado pelo pianista Roberto Carcassés, o grupo de mais de 30 músicos toca de tudo, mas não fala uma palavra de política.

“Com a situação que vivemos, com artistas presos e exilados, existir um espaço cultural como esse é um absurdo. Também é um horror que artistas façam shows lá sem se manifestar sobre a repressão. Deveria haver uma greve de tudo nesse país —e também da cultura”, diz Ceballos.

Enquanto as condenações calam a oposição, a situação econômica, há décadas afetada pelas sanções impostas pelos Estados Unidos, vem se deteriorando ainda mais. Devido à pandemia de Covid, o PIB de Cuba sofreu uma redução de 11% em 2020, e a inflação chegou a 300%. Apesar da reabertura ao turismo, vem sendo difícil chegar aos níveis anteriores.

A Guerra da Ucrânia também piorou a situação, já que russos chegavam a compor 20% do turismo durante a alta temporada. Neste ano, por exemplo, houve 30 mil cancelamentos de reservas após as restrições impostas a voos de Moscou. Há, ainda, turistas russos sem saber como voltarão para casa.

Para fazer com que o envio de remessas do exterior retome o ritmo, o regime abriu canais para facilitar a saída de cubanos. Firmou com a Nicarágua, por exemplo, um acordo de não exigência de visto ou permissão para viajar, e, assim, desde outubro de 2021, mais de 200 mil cubanos emigraram para o país controlado por Daniel Ortega com a intenção de cruzar legal ou ilegalmente a fronteira com os EUA.

O caminho, porém, com poucos voos diretos para Manágua, custa só com passagens cerca de US$ 2.000 (R$ 9.830) por pessoa. E os coiotes cobram até US$ 10 mil (R$ 48,8 mil) para a jornada. Oficialmente, os EUA afirmam ter recebido no ano passado 32 mil cubanos que hoje estão sob custódia do Estado.

Segundo o Código Penal cubano, que terá uma nova versão neste ano, deixar a ilha de modo ilegal é crime passível a até 30 anos de prisão. O regime, porém, tem feito vista grossa, já que a economia precisa de divisas enviadas do exterior.

O número de “balseros”, que tentam chegar à Flórida por mar, aumentou sete vezes desde o ano passado. Os barcos de patrulha dos EUA vêm circulando com a placa “não se lancem ao mar” e têm devolvido muitos migrantes. O governo Joe Biden diz preferir que a entrada seja feita por terra, mesmo que a definição desses casos seja complicada, do que enfrentando os perigos da travessia marítima.

A ideia de deixar o país tampouco é a mais popular. Yulier (nome fictício), de Los Pocitos, lembra-se da “imensa família” que tem em Cuba e da mãe, que está doente. “Por que tenho de sair?”

Otaño, que viaja com frequência devido à atividade acadêmica, afirma ser errado pensar que o cubano só quer saber de ir embora. “Na verdade, quando viajo, o que mais temo é que me impeçam de voltar.” Ou, como disse o escritor Leonardo Padura, na Europa para promover seu novo livro, “Como Polvo en el Viento”: “Por que eu tenho que sair? Eu cheguei antes”.

04 de maio de 2022

ERRO DE DIAGNÓSTICO E ATRASO DOS BCS LEVARAM À RECESSÃO!

(Paulo Leme – O Estado de S. Paulo, 01) Há um ano, alertei que nos Estados Unidos “o excesso de gastos aumentará a dívida pública e a inflação, forçando o Fed a pisar fundo no freio monetário, o que levaria a economia a uma recessão e o mercado financeiro a um bear market”.

Infelizmente, a previsão se materializou: a inflação continua subindo e o PIB global já está se desacelerando.

Há um ano, já era claro que os bancos centrais das economias desenvolvidas tinham de ter iniciado o ciclo de aperto da política monetária, porque o risco inflacionário era alto e o custo de reduzir a inflação era baixo (a economia mundial e demanda agregada cresciam vigorosamente e o desemprego caía). Na outra ponta, o BC brasileiro acertou ao iniciar o ciclo de alta dos juros há um ano.

O erro de diagnóstico e o atraso dos bancos centrais deixaram a economia mundial exposta à sorte, o que é péssimo. No início de 2022, as perspectivas para a economia mundial eram boas, apesar de que o viés de risco era de inflação mais alta e crescimento do PIB mais baixo.

Desde fevereiro, a economia mundial sofreu dois choques que dificultaram a tarefa dos bancos centrais: a guerra na Ucrânia e o lockdown da China para controlar o surto de covid. O que parecia ser passageiro infelizmente se tornou duradouro, expondo a economia mundial a um poderoso choque contracionista da oferta agregada, oferta esta que se tornou mais inelástica devido à escassez de commodities, insumos e disrupções logísticas.

A resultante destas forças é um aumento expressivo e persistente da inflação e uma desaceleração brusca do crescimento econômico mundial.

Agora, os bancos centrais terão de correr atrás do prejuízo e acelerar o aperto da política monetária para reduzir a inflação, contrair a demanda agregada e aumentar o desemprego, quebrando a espiral da inflação aos salários.

O outro erro feito pelo Fed foi a falta de regras e de uma comunicação clara com o mercado. Parece um reality show: a cada dia que passa, os membros do Fed enviam mensagens contraditórias, aumentando a volatilidade dos mercados financeiros.

O resultado é que, hoje, a economia global corre o risco de sofrer estagflação (estagnação econômica com um aumento da inflação). Consequentemente, os mercados entraram em um bear market.

Mas nem tudo está perdido: um acordo de paz na Ucrânia e o fim da onda de covid na China, combinados com bancos centrais mais assertivos, poderiam reduzir a inflação e evitar uma recessão global

03 de maio de 2022

COLEÇÃO FOLHA PUBLICA ‘LEVIATÃ’, CLÁSSICO DA FILOSOFIA POLÍTICA, DE THOMAS HOBBES!

(Folha de SP, 29) A Coleção Folha Os Pensadores traz um dos maiores clássicos da filosofia política de todos os tempos: “Leviatã, ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil”, do inglês Thomas Hobbes (1588-1679), em tradução de Daniel Moreira Miranda.

O título da obra é alusivo ao monstro marinho mencionado na Bíblia como serpente tortuosa e veloz. Publicado em 1651 e posteriormente revisado em 1668, “Leviatã” foi escrito durante a Guerra Civil Inglesa (1642-1651), que opôs os partidários do Parlamento, liderados por Oliver Cromwell (1599-1658), e os do rei Carlos 1o —derrotado e executado.

Hobbes descreve o que ele chama de “estado de mera Natureza” como “estado de Guerra de todos contra todos”, e afirma: “a Causa Final, o Objetivo ou o Desígnio dos homens (que, naturalmente, amam a Liberdade e o Domínio sobre os outros) ao introduzirem restrições para si mesmos (com as quais os vemos viver em Estados) é a preocupação com sua própria preservação e em levar, como resultado disso, uma vida mais feliz; isto é, a preocupação em sair do miserável estado de Guerra, o qual é uma consequência necessária (como foi mostrado no Capítulo 13) das Paixões naturais dos homens, sempre que não existir um Poder visível que os mantenha intimidados e os vincule, utilizando o medo da punição para o cumprimento dos Pactos e a observação das Leis Naturais”.

Para ele, o Estado pode se organizar como monarquia, democracia ou aristocracia. E, ao comparar esses três sistemas, posiciona-se enfaticamente pelo modelo monárquico.

“Veja bem, em uma Monarquia, o interesse privado é o mesmo que o público. As riquezas, o poder e a honra do Monarca surgem apenas das riquezas, da força e da reputação de seus Súditos. Isso porque nenhum Rei pode ser rico, glorioso ou seguro quando seus Súditos são pobres, desprezíveis ou estão muito fracos, por causa da carestia ou dos desacordos, para conseguirem manter uma guerra contra seus inimigos”, argumenta.

“Já em uma Democracia ou Aristocracia, a prosperidade pública não acrescenta tanto à fortuna privada do corrupto ou ambicioso, como, muitas vezes, o fazem um conselho desleal, uma ação traiçoeira ou uma guerra civil.”

02 de maio de 2022

A COLÔMBIA PRECISA ESCAPAR DA POLARIZAÇÃO!

(O Estado de S. Paulo, 24) Em fevereiro de 2002, Ingrid Betancourt tinha pouco apoio nas pesquisas para a presidência da Colômbia. Crítica das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a então candidata independente foi sequestrada durante ato de campanha na região de Caguán.

Vinte anos depois, ela retorna à disputa presidencial, mais uma vez como candidata independente, após deixar a coalizão de centro, e aposta em ser a terceira via em uma eleição polarizada, marcada para 29 de maio.

Qual é a importância das eleições deste ano?

A Colômbia precisa escapar da polarização. Temos dois candidatos na liderança que são de extrema esquerda, (Gustavo) Petro, e de extrema direita, Fico (Federico Gutiérrez). E o que vemos é que a Colômbia está tentada a voltar a uma situação anterior ao acordo de paz, o que poderia levar novamente a situações de violência. Por outro lado, temos a crise na Ucrânia e a Colômbia se torna um espaço geopolítico de interesse para forças que estão gravitando na região por meio da Venezuela, os russos, que têm interesse em quebrar as alianças tradicionais da Colômbia com o Hemisfério Norte. Isso leva à tentação de cair em esquemas que colocam em risco a democracia e a liberdade de expressão na região.

O acordo de paz pouco avançou em cinco anos. O que precisa mudar?

Temos de acelerar a implementação do acordo. Por exemplo, não se acelerou a restituição de terras às vítimas deslocadas e não se está dando os títulos de posse das propriedades com celeridade suficiente. Se isso não for feito, as pessoas que voltam às suas terras não têm acesso ao crédito e não podem viver da terra. Outro gargalo é com as instituições de transição. A Justiça Transicional tem um número de processos enorme e pouco tempo, até 2028, para sentenciar e condenar os atores criminosos. Depois de cinco anos, ainda não temos nem a primeira sentença, mesmo em crimes tão óbvios, como os de sequestros das Farc. Por último, é muito importante que os colombianos que apostaram na paz tenham sua vida protegida. Tivemos mais de 600 assassinatos de pessoas vinculadas à desmobilização.

A senhora foi criticada quando pediu indenização pelo sequestro e por deixar o país. Como responde?

Essas críticas fazem parte da narrativa vendida por um Estado corrupto. A lei estabelece o direito às vítimas do terrorismo de recorrer a reparações. O Estado utilizou uma narrativa muito perversa, que foi dizer aos colombianos que querer a reparação era abusar do Estado. Há interesses políticos nessas críticas, mas elas também mexem com a realidade de milhões de colombianos que saíram da Colômbia por causa da violência.

Como é a relação com os ex-integrantes das Farc no contexto político?

Ela já existe porque eles já são um partido político. O que a Colômbia precisa é mais do que uma voz política por parte do (partido) Comunes, é uma reconciliação com o país. Essa reconciliação tardou porque havia uma dificuldade em criar cenários de reconciliação, na qual membros do secretariado das Farc pudessem entender a dor das vítimas e saíssem da narrativa de justificativa do que fizeram para uma narrativa de reparação.

Como enfrentar o narcotráfico e responder aos jovens que saíram às ruas do país nos últimos anos?

O tema da droga é crítico, já não somos apenas um país produtor, mas um país consumidor. Os consumidores colombianos também estão contribuindo para as rendas dos grupos narcotraficantes, todos os países consumidores estão. É preciso passar de uma política de criminalização do consumo para uma política de saúde pública do consumo. Todo o músculo financeiro dos Estados Unidos e o esforço militar da Colômbia não conseguiram acabar com essa situação, assim como no México e no restante da nossa região. Se conseguirmos um acordo desse tipo, teremos de ter a capacidade de enfrentar os danos locais. Na Colômbia, o desflorestamento em razão do tráfico de drogas é enorme e leva à perda da Amazônia.

Como foi a decisão de voltar ao país agora e se candidatar?

Levei tempo para tomar a decisão e foi pelo amor à Colômbia. Tenho aqui meus filhos e minha família. Ao sentir que a família voltou a ser família, se abriu a possibilidade de trabalhar com a família Colômbia.

Qual é a importância de uma mulher estar envolvida no processo político?

Falar como mulher é uma revolução na Colômbia, um país muito patriarcal, com esquemas machistas muito fortes, mas também com uma presença feminina muito importante, no sentido de que as mulheres fizeram a Colômbia. Esse é um país onde 40% dos lares têm uma mulher como chefe de família. As mulheres aqui aceitam ser mães, apesar de o homem não estar presente. Essa realidade traz uma responsabilidade e um compromisso muito forte. Durante 200 anos de nossa independência, fomos marcados por uma visão masculina de gerenciamento do tema público, ou seja, de confrontação verbal, física, de muita violência.