12 de março de 2021

ENQUANTO ISSO NO CHILE…!

(O Estado de S. Paulo, 10) A rápida vacinação contra covid-19 transformou o Chile aos olhos de investidores e analistas: de patinho feio, na virada do ano, para a estrela da América Latina com perspectiva cada vez mais animadora de crescimento econômico em 2021.

O governo chileno foi agressivo ao se antecipar e fechar contratos de compras de imunizantes contra o coronavírus em quantidades suficientes de vários laboratórios, além de eficiente na logística para garantir uma rápida vacinação.

Resultado: mais de 21% da população já recebeu a primeira dose da vacina, o que coloca o país andino entre os dez que mais vacinaram no mundo. E a meta do governo chileno é que, pelo menos, 80% da população esteja vacinada até junho, o que garantiria a chamada imunidade de rebanho. No Brasil, apenas pouco mais de 4% da população recebeu a primeira dose.

Esse avanço do programa de imunização permitiu ao governo chileno começar a afrouxar mais rapidamente as restrições à mobilidade social, acelerando a reabertura da economia. Diante disso, juntamente com a maior demanda por matérias-primas, como o cobre, do qual o Chile é o maior produtor mundial, vários economistas estão revisando para cima as suas projeções para o crescimento do PIB em 2021.

A consultoria Oxford Economics elevou de 6,1% para 6,4% a estimativa de crescimento do PIB chileno em 2021. O banco Jpmorgan revisou sua previsão de expansão de 5,4% para 5,9%. Tanto a consultoria Pantheon Macroeconomics quanto o banco Itaú BBA projetam um crescimento de 6,5% do PIB chileno neste ano. E, ontem, o FMI passou a prever um crescimento de 6% do PIB chileno em 2021.

É bom lembrar que, em razão do impacto da pandemia de covid, a economia chilena encolheu 6,1% em 2020, mas a recuperação tem sido rápida, com o PIB registrando expansão em sete dos últimos oito meses. Isso foi possível, em boa parte, porque o Congresso aprovou duas rodadas de liberação de saques dos fundos de pensão privados pelos chilenos, em quantia até 10% do patrimônio, o que minimizou o impacto da perda de renda com a pandemia, dando um impulso a setores como o comércio varejista.

Também vale mencionar que o preço do cobre já subiu mais de 15% em 2021, puxado pelo aumento das importações da China, cujo PIB foi o único a registrar crescimento positivo em 2020 entre as maiores economias mundiais. O desempenho do cobre vem limitando as perdas do peso chileno ante o dólar neste ano, em meio à turbulência da disparada das taxas de retorno dos títulos do Tesouro americano. A moeda americana acumula ganho de 3,2% em relação ao peso chileno, de 7,1% ante o peso mexicano e de 13% frente o real brasileiro.

Mas a mudança de humor aconteceu mesmo com o rápido avanço da imunização contra a covid. Uma pesquisa de opinião recente mostrou que 83% dos chilenos consideram o programa de vacinação bom ou muito bom. O índice de aprovação do presidente Sebastian Piñera subiu para 24%, ainda baixo, porém bem acima do seu menor nível, de 9%, registrados antes de a pandemia ter começado e ainda sob o calor dos violentos protestos de massa no país, deflagrados após aumento nos preços dos transportes públicos.

Aliás, era o cenário político que até o fim do ano passado deixava os analistas mais pessimistas em relação à confiança dos investidores sobre o desempenho econômico do Chile em 2021. Como reflexo dos protestos, um referendo autorizou a elaboração de uma nova constituição. No mês que vem, haverá eleição para a formação de uma assembleia constituinte.

O temor era de que a deterioração econômica, em razão da pandemia, poderia ser terreno fértil para a eleição de candidatos mais radicais que pudessem retroceder o caráter liberal e favorável ao ambiente de negócios da atual Carta, além de aumentar o tamanho do Estado.

Outro evento importantíssimo acontecerá em novembro: a eleição presidencial. Piñera, de centro-direita, não poderá concorrer à reeleição. E o medo também era de que candidatos mais à esquerda e considerados radicais pudessem vencer o pleito, levando a uma fuga de investidores.

Esse cenário ainda pode ocorrer. Até porque os protestos contra a desigualdade social estão frescos na memória dos chilenos. Mas a rápida recuperação econômica proporcionada pelo avanço acelerado da vacinação contra a covid reduziu o desconforto dos investidores e analistas com uma possível turbulência gerada pelo calendário eleitoral.

05 de março de 2021

LIVRO DO JORNALISTA ROBERTO SIMON REVELA ATUAÇÃO BRASILEIRA NO REGIME PINOCHET!

(João Luiz Sampaio – Estado de SP, 04) Em setembro de 2013, o jornalista Roberto Simon embarcou em direção ao Chile para acompanhar os eventos ligados aos 40 anos do golpe contra Salvador Allende. Na bagagem, no entanto, levava um objetivo adicional: mergulhar nos documentos da chancelaria chilena que permitissem levantar informações sobre o papel do Brasil no processo e a respeito da relação da ditadura militar brasileira com o regime militar instalado pelo general Augusto Pinochet.

De volta a São Paulo, Simon publicou no Estadão uma série de reportagens que esclareciam episódios pouco claros, envolvidos em mitos que seus textos derrubaram. O governo brasileiro não apenas havia conspirado para a derrubada de Allende, como ofereceu auxílio a Pinochet, trabalhando inclusive na repressão a esquerdistas. E o fez não a mando dos EUA, como se costumava repetir: a presença no Chile atendia uma clara política de Estado preocupada com os caminhos da política no país vizinho.

A partir das pesquisas originais, Simon voltou ao Chile e fez ainda buscas em acervos no Brasil e nos Estados Unidos, como pesquisador do Wilson Center, em Washington. Completou o material documental com depoimentos e entrevistas realizadas com diversos personagens da época. E o resultado sai agora em forma de livro com o lançamento de O Brasil Contra a Democracia: a Ditadura, o Golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul (Companhia das Letras).

“A ideia era lançar o livro dois anos depois, em 2015, mas, a cada porta que se abria, outras cinco apareciam, e era preciso seguir novas trilhas”, conta Simon em entrevista ao Estadão. “No caso brasileiro, boa parte dos documentos desapareceu. O adido militar na embaixada em Santiago, por exemplo, mandava comunicações ao governo brasileiro três vezes por semana e quase não há registros disso no Arquivo Nacional. Em outros casos, foi preciso recorrer à Lei de Acesso à Informação para conseguir documentos. No Chile, muitos papéis referentes aos militares também sumiram, mas na redemocratização eles tiveram a sábia decisão de retirar o sigilo de todos os documentos”, lembra o autor. Já nos Estados Unidos, muitas informações foram conseguidas a partir de pedidos de liberação de documentos até então sigilosos.

Simon entrevistou diversos exilados brasileiros e também figuras então ligadas ao governo e ao Exército nacionais, como um ex-capitão da Força Aérea Brasileira, que pediu para não ter o nome revelado e é identificado no livro como Capitão Pinto. Seu depoimento é um dos elementos a contribuir com a narrativa a respeito de episódios marcantes, como a presença brasileira no Estádio Nacional de Santiago, que se transformou em enorme prisão e centro de repressão e tortura aos inimigos da ditadura chilena.

“A presença de agentes brasileiros no Estádio Nacional era comentada desde os anos 1970 na imprensa americana e europeia, ainda que não tenha aparecido nos jornais brasileiros por conta da censura”, explica Simon. “Mas o que tínhamos sobre isso eram depoimentos e não documentos que comprovassem o que aconteceu naquela época.” Ele, no entanto, descobriu, nos planos de voo do Correio Aéreo Nacional, que os militares usavam para mandar comunicações diplomáticas, um pedido expresso de desembarque em Santiago de um avião sem a lista de passageiros. E a chegada do voo coincide com um telegrama do cônsul brasileiro dizendo ter encontrado cinco oficiais brasileiros no Estádio Nacional, versão corroborada pelo Capitão Pinto.

Política de estado. A narrativa de O Brasil Contra a Democracia começa em 1969, um ano antes da eleição de Allende como presidente do Chile. Com isso, mostra que o Brasil já estava atento à situação política chilena e defendia a ideia de que apenas um golpe seria capaz de derrubar o presidente.

“A ditadura brasileira ajudou a golpear a mais longeva democracia de seu entorno geográfico e, no lugar, instalar um regime cuja sanguinolência e crueldade praticamente não tinham precedentes na América do Sul moderna. Essa intervenção não foi fruto de ações episódicas e autônomas de alguns zelotes dentro da ditadura, mas uma política de Estado, a qual percorria uma cadeia de comando desse a alta burocracia de Brasília até as raízes do sistema”, escreve Simon.

Ele reproduz no livro, por exemplo, um documento do governo americano em que é narrada uma conversa entre os presidentes Richard Nixon e Garrastazu Médici, na qual o brasileiro fala que havia um intercâmbio com oficiais chilenos para a derrubada de Allende. Simon mostra também como Câmara Canto, embaixador brasileiro em Santiago, mantinha contato próximo com as Forças Armadas e diversos setores da sociedade chilena simpáticos ao golpe consumado no dia 11 de setembro de 1973.

Para Simon, havia dois interesses em especial do Brasil na queda do governo. O primeiro era geopolítico: o País temia que a chegada dos socialistas ao poder significasse ameaça direta à segurança nacional. O segundo tinha a ver com o cenário interno: o País temia que a ideia de união da esquerda que levou Allende ao poder pudesse se espalhar pelo continente e que exilados tidos como radicais fizessem do Chile palco do planejamento de uma investida contra o governo militar brasileiro.

Segundo o autor, os documentos jogam por terra a noção de que o Brasil operava não por interesse próprio, mas por determinação americana, reforçada em parte pela própria esquerda. Ele lembra, por exemplo, a declaração do escritor Gabriel García Márquez, segundo quem o Brasil se tornara o “braço direito e armado do neocolonialismo dos Estados Unidos”. “O regime militar brasileiro tinhas suas motivações para intervir no Chile e dispensava ordens de Washington para fazê-lo”, escreve Simon, para quem não houve ação articulada e conjunta entre os países.

“A política anti-Chile dos dois países teve pontos de contato, mas não se entrelaçou, nem mesmo quando Pinochet deu o bote na democracia. Diferentemente do golpe contra Jango em 1964, no Chile de 1973 Washington pôde postergar o reconhecimento oficial da junta militar e deixar os brasileiros tomarem a iniciativa regional”, conclui.