30 de dezembro de 2019

AS REVOLUÇÕES DE 2019 NO ORIENTE MÉDIO!

(The Economist /O Estado de S. Paulo, 29 Dec 2019) Faz nove anos desde a autoimolação de Muhammad Bouazizi, o vendedor de frutas da Tunísia que se desesperava com funcionários corruptos e com a falta de trabalho. Seu ato inspirou os levantes da Primavera Árabe que derrubaram os líderes de quatro países.

Nenhum nome foi dado à onda de protestos que assolou a região em 2019. Ainda assim, mais líderes árabes caíram este ano que em 2011, quando milhões de manifestantes ecoaram em voz alta as queixas de Bouazizi.

Abdelaziz Bouteflika, o presidente da Argélia, foi o primeiro a sair neste ano, em abril, em meio a inquietações depois de 20 anos de regime ditatorial. Pouco mais de uma semana depois, Omar al-Bashir, há três décadas no cargo no Sudão, foi pressionado a sair por uma combinação de protestos de rua e a intervenção do Exército.

Os manifestantes pensaram que os dois líderes haviam abusado de sua permanência no cargo, mas será que eles conseguiram uma real mudança? Os generais do Sudão assinaram um acordo de compartilhamento de poder com os líderes do movimento de protesto em agosto. Mas uma eleição na Argélia foi vista como um esforço para entrincheirar membros do antigo regime.

As manifestações continuam na Argélia e em outros lugares. No Iraque e no Líbano, elas depuseram os primeiros-ministros, mas muitos querem derrubar sistemas políticos inteiros. Os dois países dividem o poder entre suas religiões e seitas para manter a paz entre eles. Isso levou à corrupção e à má governança.

No Iraque, as autoridades reagiram violentamente à agitação, matando centenas de pessoas. Enquanto isso, o Líbano afundou em uma crise econômica. O Irã, que exerce influência nos dois países, apoiou aqueles que resistem à mudança. Mas também foi abalado por protestos, em razão de um aumento no preço do combustível controlado pelo governo.

O presidente Hassan Rohani começou o ano dizendo que o Irã estava enfrentando sua pior situação econômica em quatro décadas. Ele culpou a campanha de “pressão máxima” de seu colega americano, Donald Trump. Em 2018, Trump rejeitou o acordo que restringia o programa nuclear do Irã em troca de alívio econômico. Desde então, ele aumentou as sanções contra o Irã.

Apartado da economia global, o Irã revidou em 2019. Intensificou seu programa nuclear, contrariando o acordo e para desgosto de seus signatários europeus. Teerã também foi suspeito de ter atacado navios comerciais e instalações de petróleo sauditas, levando Trump a ordenar um ataque militar contra alvos iranianos.

Foi esse o tipo de ano para Trump no Oriente Médio. O presidente americano terminou 2018 saindo da Síria devastada pela guerra – ou, pelo menos, dizendo que o faria. Cerca de mil soldados americanos ainda estavam lá em outubro, quando Trump ordenou que alguns abandonassem suas posições no norte, onde mantinham sob controle os jihadistas do Estado Islâmico.

O recuo deu à Turquia uma luz verde para expulsar os aliados curdos dos americanos de uma zona-tampão, prejudicando o semi-Estado que eles criaram na região. Também permitiu a Irã e Rússia, que resgataram o regime de Bashar Assad, exercerem mais influência na Síria. Assad agora parece pronto para retomar Idlib, a última província mantida por rebeldes árabes sunitas. Mas ele domina um país miserável e dividido.

O vizinho Israel também está dividido. Realizou duas eleições inconclusivas em 2019, e realizará mais uma em março. Em novembro, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu foi indiciado por acusações de suborno e fraude em três casos de corrupção.

Netanyahu negou qualquer irregularidade, classificou as acusações de “golpe” e prometeu lutar na próxima eleição. Nas campanhas anteriores, ele se gabava de seu relacionamento com Trump, cujo governo reconheceu os assentamentos israelenses na Cisjordânia e sua soberania sobre as Colinas de Golan ocupadas.

Enquanto isso, a parte econômica do acordo de paz “final” entre israelenses e palestinos de Trump não impressionou. A parte política poderá jamais ver a luz do dia.

A Tunísia perdeu seu primeiro presidente eleito democraticamente, Beji Caid Essebsi, em julho, aos 92 anos. Mas a eleição de Kais Saied, um desajeitado professor de direito, em outubro, trouxe um novo senso de esperança ao país, que luta contra a corrupção e a pobre economia, desde que abraçou a democracia.

Depois de ouvir a notícia da vitória de Saied, milhares de tunisianos se reuniram na capital, muitos cantando os mesmos slogans da Primavera Árabe. A Tunísia é a única história de sucesso daquele período de agitação.

Enquanto manifestantes continuam pressionando por mudanças na região, a Tunísia continua sendo um farol de esperança.

27 de dezembro de 2019

COLOMBIANA CAROLINA SANÍN ESCREVE SOBRE PROTESTOS CONTRA IVÁN DUQUE!

(Folha de S. Paulo, 26) No primeiro dia da greve, 21 de novembro, a multidão que saiu às ruas parecia estar proclamando e encenando uma saturação. Não se sentia que a nação estivesse com raiva; era como se ela transformasse em prenhez de si mesmo sua sensação de estar farta do governo e como se soubesse que estava prestes a dar à luz uma versão deslumbrante de sua própria cidadania. Em cada movimento que fazíamos palpitava a consciência de uma reivindicação básica: a do reconhecimento de nossa existência física, do volume de nossa corporalidade. Fluíamos devagar e alegres pela rua principal de Bogotá, por onde nos outros dias avança aos trancos e barrancos um meio de transporte público ineficiente e poluidor que tornou indigna a vida na capital. Íamos ocupar a praça Bolívar, sede do governo. Por conta do aguaceiro que caía, não conseguíamos enxergar a cara uns dos outros e as discussões não se ouviam, e esse embaçamento repentino nos indiferenciava, nos unia mais e nos animava.

Fora declarada a suspensão das atividades de trabalho, e os corpos reunidos na rua, caminhando e cantando, proclamavam a libertação do ser humano da servidão. O primeiro objetivo da greve era justamente protestar contra uma série de medidas econômicas propostas pelo partido do governo que prejudicavam a segurança dos trabalhadores e aposentados. Naquele dia a recusa em trabalhar não foi unicamente a pressão convencional da greve, mas se imbuiu de sua dimensão promissora de liberdade. Recordávamos —mesmo que não nos recordássemos— que a libertação mais famosa da história, o êxodo dos hebreus do Egito, começou com uma reivindicação trabalhista: a reivindicação de um dia livre para que um povo pudesse reunir-se no deserto e orar —ou seja, cantar.

A primeira marcha não foi sentida como uma jornada a ser cumprida, mas como um convite contínuo. Soubemos que continuaríamos no dia seguinte, e continuamos, e no dia seguinte àquele e no dia que veio depois desse. Não contávamos os dias, que não eram datas sucessivas, mas sim aspectos ou partes de um só dia. Assumindo a alteração na passagem do tempo proposta pela pausa na produção, havíamos reinventado um dia diferente, uma nova duração da jornada não de trabalho.

A partir da primeira noite nos reunimos em grupos pequenos e enormes em círculos e em motoneras para bater panelas nos parques, nas ruas e nas praças. Em uma cidade segregada pela estratificação econômica e pelas dificuldades de transporte, encontrar-nos nos espaços públicos e pedir notícias de outros como nós que faziam o mesmo em outros espaços públicos ampliava nossa imagem da cidade, ao mesmo tempo em que a integrava. Pela primeira vez pudemos nos representar como um organismo do lugar onde vivíamos. As ruas noturnas de Bogotá, normalmente vazias e inseguras, se encheram de gente. Povoamos o deserto. Cuidávamos uns dos outros. Ficamos fora de casa juntos e também ficamos juntos mais tarde, quando a partir de nossos espaços privados falamos para as ruas: depois do toque de recolher decretado no segundo dia —e desrespeitado com graça em vários lugares—, batemos nossas panelas diante das janelas, ensinando e copiando ritmos de um apartamento a outro, seguindo uns aos outros sem nos vermos.

Durante a greve protestamos contra o governo atual: contra sua política ambiental, contra o acesso limitado à educação e saúde públicas, contra o descumprimento dos acordos de paz, contra as propostas de reforma trabalhista e fiscal, contra o assassinato de centenas de líderes territoriais, contra a repressão aos protestos sociais, contra a atividade mineradora poluente e a fumigação contaminante de cultivos ilícitos. Em um círculo mais amplo, protestávamos contra uma classe política ignorante, demagoga e corrupta e contra uma liderança que mostrara ser inimiga dos interesses dos governados, dos animais não humanos e da terra. Em um círculo mais amplo, protestávamos contra a noção de autoridade do sistema patriarcal. E, em um círculo ainda maior, invocávamos e imaginávamos outro tempo: um tempo democrático.
Coletivamente, enquanto vivemos no cíclico tempo físico —o tempo dos dias e dos anos, das voltas que a Terra dá em torno de seu próprio eixo e do Sol—, vivíamos também no tempo do Estado e da família, que é sucessivo e sucessório: um período de governo segue a outro, uma geração é seguida por outra, o pai é seguido pelo filho. Esse tempo depende da filiação e da herança, e constrói as linhagens e as dinastias, mas também os partidos políticos. Embora vivamos em uma república, nossa temporalidade é a das monarquias: a sobrevivência de um homem depende de sua morte e de sua continuidade em seu filho, que o replica. Nosso tempo histórico passa de morte em morte: é um tempo tanático.

Nos espaços históricos que ocupamos durante a greve e que convertemos em espaços festivos, atualizamos um tempo distinto, erótico. O contato horizontal com o outro vivente, que estava ombro a ombro comigo, me fez saber, durante esse dia de dias, que minha sobrevivência não está na pessoa que nascerá depois de mim, nem no leitor que me leia quando eu tiver morrido (ou agora, pois os autores estamos todos mortos em todos os livros que escrevemos), nem naquela pessoa futura que minha vida possa talvez influenciar, mas sim em meu contemporâneo: aquele que respira ao meu lado e cuja voz escuto. Pudemos imaginar outro tempo, um tempo que não transcorria por meio da substituição, mas que se eternizava no encontro; que não passava pela morte e a sobrevivência, mas que se transmitia, ia e voltava por meio da contiguidade, da coincidência, do contágio.

Foi uma novidade nos encontrarmos em espaços e momentos que não eram nem de trabalho nem de lazer. Do que eram? Eram espaços políticos do desejo e espaços erotizados da política. Nossa atitude era a devoção de Antígona, ao mesmo tempo apaixonada por seu irmão e dedicada à justiça, mais que à vontade do governante. Durante nosso protesto, no tempo diurno da história irrompeu outro tempo: noturno, confuso, sexual, onírico, hipnótico, hínico. Fomos como os personagens de “Sonho de Uma Noite de Verão”, que graças ao feitiço de uma flor se apaixonam pela pessoa mais próxima, pela primeira pessoa que veem ao despertar, pelo outro que é qualquer um. Os ritmos de nossas panelas ensaiavam variações das batidas do coração, de um coração comum e composto, e eram subversões da batida do relógio. Tal era a revolução que fazíamos: em rondas descrevíamos revoluções como os planetas, procurando uma temporalidade física, uma música verdadeira.

Nossas manifestações da vida palpitante durante a greve foram também, de maneira em nada contraditória, ritos fúnebres. Dias antes do 21 de novembro o Exército nacional matara crianças ao bombardear um acampamento guerrilheiro, fato que fez crescer a participação nas marchas. No meio da greve a polícia antiprotesto assassinou Dilan Cruz, manifestante pacífico de 18 anos. Velávamos a ele e a tantos jovens assassinados pela autoridade, ao mesmo tempo em que, como no conto “Os Funerais da Mamãe Grande”, de Gabriel García Márquez, festejávamos o final iminente da injustiça autárquica.

26 de dezembro de 2019

2020: É A POLÍTICA, ESTÚPIDO!

(Luís Eduardo Assis – O Estado de S. Paulo, 23) Tudo sugere que a economia em 2020 andará mais rápido que o ritmo modorrento que tivemos neste 2019 que estrebucha. Os economistas estão otimistas. A pesquisa Focus, divulgada pelo Banco Central, registra uma expectativa de crescimento de 2,25%. Não chega a ser um assombro, mas, se confirmado, será o maior avanço desde 2013. Os pessimistas, sempre eles, lembrarão que no fim de 2017 essa mesma pesquisa previa que o crescimento de 2018 seria de 2,7%. Veio 1,3%, menos da metade. De novo, no fim de 2018, os mesmos analistas previam um aumento do PIB de 2,5% para 2019. Teremos algo como 1,1%, menos da metade novamente. O otimismo dos economistas – esta coisa rara – será confirmado pelos fatos desta vez?

É bem provável que sim. Afora a liberação do FGTS e outros quejandos pontuais, a queda histórica dos juros tem tudo para liberar recursos que irrigarão a economia. Basta ver o ritmo das concessões de crédito, que cresciam em outubro último a uma taxa de 14% ao ano no segmento de pessoas físicas. Um aumento do PIB de até 2,5% parece plausível. No entanto, mesmo que o PIB cresça 2,5% em 2020, fecharemos o ano com um produto menor que o registrado em 2013. O PIB per capita encerraria o próximo ano com um valor 5,3% menor que o de 2013 e apenas 0,5% maior que o de 2010. É bom lembrar que entre 2000 e 2010 o PIB per capita cresceu 27,4%. Mais de 50 vezes a taxa de crescimento desta década – isso se os economistas otimistas estiverem certos e de fato crescermos mais de 2%. Já fomos melhores em matéria de otimismo.

A depender do avanço das reformas, esses sinais de vida podem ganhar tração. Mas isso depende não só do diminuto apetite do governo de fazer política, como do apoio que a atual administração poderá ter da população. Sem apoio, o governo terá ainda mais dificuldade em fazer valer sua agenda de mudanças na economia. Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) de setembro indica que 31% dos pesquisados avaliam o governo Jair Bolsonaro como “ótimo” ou “bom”. Não é pouco, mas é menos que os 33% que o presidente Sarney tinha em março de 1987, quando os Planos Cruzado 1 e 2 já tinham fracassado e a inflação em 12 meses acumulava 97%. Também é bem menos que os 56% de aprovação que a presidente Dilma recebeu no final de seu primeiro ano no governo. Por outro lado, os mesmos 31% que Bolsonaro registrou em setembro, com taxa de desocupação de 11,8%, tinha Dilma em junho de 2014, quando a taxa era de apenas 6,8 %. Analogamente, os 31% de Bolsonaro de setembro de 2019 foram obtidos quando o índice de nível atividade do BC crescia a um ritmo de 2,1% ao ano. Mas em 2009, quando a atividade chegou a cair 5,5%, a aprovação de Lula variou entre 64% e 72%. Tudo isso para dizer que relação entre aprovação do governo e indicadores econômicos está longe de ser mecânica. Parafraseando J. Carville, assessor de Bill Clinton, não é só a economia, estúpido. A melhoria dos indicadores econômicos não significa necessariamente aumento no apoio ao governo.

As mediações entre estes dois mundos são complexas e instáveis. Políticos mais carismáticos podem tirar proveito de uma situação econômica menos favorável, ao passo que governantes inábeis precisam de um melhor desempenho da economia para acumular capital político. Como até as pedras da Sé sabem, estamos aqui diante do segundo caso. Ao invés de amealhar apoio num espectro mais amplo, Bolsonaro teve a desvairada ideia de cristalizar suas posições sectárias. Isso torna 2020 um ano em que viveremos em perigo. A economia caminha para a frente, lentamente. Mas o que definirá o ano novo será o tempo da política. Ela poderá influenciar a economia muito mais que o contrário.

23 de dezembro de 2019

LA NACION: MATÉRIA SOBRE O DEPUTADO RODRIGO MAIA, PRESIDENTE DA CÂMARA!

Rodrigo Maia: el diputado brasileño que emerge como un contrapeso de Bolsonaro

RÍO DE JANEIRO.- “Está cerrada la votación”, dice Rodrigo Maia. Tras unos segundos de tensión en el recinto, el resultado aparece en las pantallas. Diputados da media sanción a la reforma de las jubilaciones. Algunos congresistas comienzan a festejar al grito de “¡Brasil, Brasil!”. Maia, en cambio, celebra en silencio y se seca las lágrimas antes de anunciar formalmente el resultado.

Es 10 de julio de 2019 y Diputados encamina un proyecto considerado clave por el gobierno de Jair Bolsonaro para achicar el déficit del Estado e impulsar la economía. Una reforma cuya aprobación define la suerte de un gobierno que llegó al poder hace siete meses, según coinciden varios analistas.

Maia es uno de los principales artífices del éxito en el trámite. Se lo reconoce el hijo de Bolsonaro y diputado federal, Eduardo. El presidente de la Cámara trabajó en la formación de una mayoría para aprobarlo, luego de que amenazara con naufragar por falta de articulación del oficialismo. “Colocaste tu nombre en la historia de Brasil”, le dice Eduardo.

Quedan en segundo plano los ataques de Bolsonaro, que más de una vez denostó al Congreso y a sus líderes al acusarlos de formar parte de la “vieja política”. También, las duras críticas de Maia al gobierno, al que ya calificó como “un desierto de ideas” que conduce Brasil a un “colapso social”.

Con un papel destacado en la aprobación de la reforma, el diputado lleva alivio al gobierno y cimienta una posición que construirá en los próximos meses. Sin romper puentes con el Planalto y mostrándose en Brasil y el exterior como un crítico colaborador en la agenda de reformas, Maia fortalece su figura de opositor responsable y emerge como contrapeso a Bolsonaro dentro de la centroderecha.

Maia nació en Santiago de Chile en 1970, durante el exilio de su padre, César, un exmilitante de izquierda perseguido por la dictadura que gobernó Brasil entre 1964 y 1985. Haber nacido en el exterior no le impidió ocupar cargos legislativos en el país porque su padre, también político, lo registró en el consulado brasileño en Chile.

Rodrigo es heredero de César, que trabajó para el gobierno de Salvador Allende en un organismo de Desarrollo Social y más tarde fue alcalde de Río por tres mandatos. “Somos políticos de distintas generaciones. La mayor virtud que [Rodrigo] desarrolló en sus años en la Cámara fue la capacidad de escuchar, articular y coordinar”, afirma César a LA NACION.

En su sexto mandato como Diputado por el partido de centro-derecha Demócratas (DEM), electo por Río, Maia es presidente de la Cámara desde 2016, luego de que Dilma Rousseff fuera destituida y el diputado Eduardo Cunha apartado del Congreso por corrupción.

A la par de su mayor experiencia en el Congreso, Maia también ganó paulatinamente mayor influencia en la vida política brasileña. En 2017 fue decisivo para que Michel Temer no cayera cuando lo blindó de los pedidos de juicio político, luego de que el diario O Globo revelara que el expresidente había avalado el pago de sobornos para frenar el avance del Lava Jato.

Maia fue alcanzado por dos investigaciones de la policía federal en la megacausa y quedó sospechado por corrupción. Sin embargo, la Procuraduría General no decidió si archivara las pesquisas o presentará denuncias.

“No es carismático ni un gran orador. Es un político pragmático, estratégico y su fuerte es la habilidad de negociación en los bastidores”, opina Paulo Calmon, politólogo y profesor de la Universidad de Brasilia (UnB).

Maia cruzó el Atlántico para reunirse en Suiza con representantes de organizaciones internacionales, habituales blancos de ataque de Bolsonaro. Fue un intento de suavizar la imagen del país en el exterior, según analistas, dañada por los incendios en la Amazonia y los cruces de Bolsonaro con autoridades internacionales. Además, un movimiento para reforzar su imagen de líder dentro de del país.

“Maia identifica y ocupa vacíos de liderazgo dejados por el gobierno. Así construye estratégicamente su espacio en el escenario político”, agrega Calmon.

Antes de viajar a Suiza, se convirtió en la primera autoridad brasileña en ser recibida en Buenos Aires por Alberto Fernández. Bolsonaro reaccionó con disgusto, al amenazar con no enviar a ningún emisario a la jura de Fernández.

“El presidente se muestra celoso porque Maia es un posible candidato en 2022, una alternativa moderada de centroderecha”, explica a LA NACION David Fleischer, analista político y profesor de la UnB.

El presidente de la Cámara también manifestó su contrapunto con el gobierno cada vez que Bolsonaro y sus hijos reivindicaron métodos dictatoriales e hicieron apología del gobierno militar.

“Bolsonaro es producto de nuestros errores. Si llegó donde llegó la culpa es nuestra”, dijo este año en un evento con diputados.

En 2018, Maia fue nombrado precandidato a la presidencia por el DEM, pero desistió de la carrera antes de que comenzara. Su partido, finalmente, terminó encolumnándose detrás de la fallida candidatura del exgobernador de San Pablo Geraldo Alckim.

Maia no lo descarta públicamente. Incluso, ya tendría una base de sustentación. Cinco partidos acaban de lanzar en noviembre la alianza política “Centro en movimiento” que, con Maia como figura destacada, pretende construir un espacio entre Bolsonaro y la oposición de izquierda.

20 de dezembro de 2019

A FORÇA (E AS FRAQUEZAS) DA DEMOCRACIA!

(Merval Pereira – O Globo, 15) As questões que estão em debate no Chile, no intervalo entre a suspensão das manifestações e a convocação de uma Constituinte, são as mesmas que afligem o mundo ocidental, em especial países em desenvolvimento, onde a insegurança pública mistura-se à insegurança econômica.

Da classe média precarizada e com receio do futuro aos jovens, setores fundamentais nas manifestações formidáveis que aconteceram nas grandes cidades chilenas, há uma gama enorme de anseios e angústias que são comuns no mundo atual.

O psicanalista Joel Birman diz que a angústia psíquica surge sempre que se entra num processo rápido de modernização do espaço social. Essas mudanças provocam um grande mal-estar, pela desestruturação de valores tradicionais e o surgimento de novos valores que levam a mudanças nos campos estético, erótico, alimentar, vestimentário, familiar.

No Chile, como já vimos em outros lugares na última década, as redes sociais tiveram papel fundamental na convocação das manifestações e na disseminação de ressentimentos, especialmente por parte da juventude. O fenômeno dos “nem-nem”, jovens que nem trabalham nem estudam, presente também entre nós, teve especial destaque nas manifestações, algumas violentas, que ocorreram no Chile.

A renda per capita dos chilenos, medida em paridade de poder de compra, chegou em 2018 a US$ 25 mil, na faixa dos países de maior nível de renda do Fundo Monetário Internacional (FMI). O Brasil está na faixa logo anterior, com US$ 15 mil. Os baixos salários, que em muitos casos fazem com que famílias não poupem para aposentadoria para manter o nível de vida de classe média, levam a ressentimentos e geram frustrações que não condizem com um país de alto desenvolvimento social pelo IDH, nem com o PIB per capita de país desenvolvido.

Por isso, a pesquisa do Latinobarômetro indica que, no Chile, 84% dos cidadãos se queixam do sistema democrático atual.  Uma ampla pesquisa apresentada no Instituto Fernando Henrique Cardoso pelo francês Dominique Reynié, da Fundação para a Inovação Política (Fondapol), realizada em 42 países em sondagem internacional que ouviu 35.000 pessoas no estudo “Democracias sob Tensão”, demonstrou que os sentimentos disseminados entre os cidadãos defendem “mais ordem” mesmo com “menos liberdade”.

Mas, ao mesmo tempo, a maioria rejeita governos militares, e considera a democracia o melhor sistema político existente. Porém, em relação ao estado da democracia, 51% da média mundial acreditam que “a democracia funciona muito bem ou bem” em seu respectivo país.

O  Brasil está bem abaixo dessa média, pois apenas 23% consideram que aqui a democracia funciona bem. Só estamos melhores que a Croácia.  As maiores preocupações do brasileiro são hoje o desemprego, a insegurança, a desigualdade e a perda do poder de compra.

O apoio à democracia também esbarra na busca de eficiência do sistema, pois 30% dos entrevistados gostariam de ter à frente do governo “um homem forte, que não se preocupe com o parlamento nem com as eleições”.

Dominique Reynié considera preocupante esse índice, e destaca que, pela primeira vez o mundo democrático é confrontado com o fato de que os países que mais produzem riqueza hoje não são democráticos.

Mesmo que existam dados para preocupação, como constatar que regimes militares são apoiados por 21% dos cidadãos – o Brasil puxa essa média para cima, pois entre nós 45% preferem esta hipótese -, Dominique Reynié acha que existe espaço político para aperfeiçoar o sistema democrático, que ainda é o preferido no mundo.

O embaixador do Chile no Brasil, Fernando Schimidt, diz que em seu país, apesar do grau de violência alcançado nas manifestações – ou talvez até por isso mesmo -, houve condições de aproximar os partidos não radicais para um grande acordo nacional que desembocará na Constituinte, depois de uma consulta popular.

19 de dezembro de 2019

JARI, A FORDLÂNDIA!

(Elio Gaspari – Folha de S.Paulo, 18) A repórter Stella Fontes informa: “Endividada, a Jari agoniza”. Deve R$ 1,75 bilhão. Sua recuperação judicial foi suspensa e não tem como pagar aos 750 empregados de sua fábrica de celulose, encravada na floresta amazônica.

Pode parecer mais uma história de fracasso numa época de crise. É muito mais, verdadeira aula sobre algo que poderia ter dado certo, deu errado e, ao longo de 30 anos, foi dando mais errado.

O Projeto Jari foi a primeira joia da coroa da ditadura. Coisa de sonho: nos anos 1960, Daniel Ludwig, um dos homens mais ricos do mundo, comprou 160 mil km² (um Líbano e meio) na divisa do Pará com o Amapá. Trouxe do Japão, por mar, uma fábrica de celulose e uma termelétrica.

Construiu uma cidade, plantou gamelinas, arroz e queria explorar bauxita. Septuagenário sem herdeiros, avarento e misantropo, tomava leite com vodca. Deu tudo errado. Crucificado no lenho do nacionalismo xenófobo que envolve a Amazônia, Ludwig fez as malas e foi embora.

Quem ouve falar da Jari tende a compará-la à Fordlândia, sonho de outro magnata misantropo. Em 1928 Henry Ford comprou 10 mil km² (um Líbano), onde pretendia plantar 2 milhões de seringueiras e também planejou uma cidade.

Deu tudo errado e em 1945 a propriedade foi vendida por 1% do seu valor. Nenhum negócio de Henry Ford ou de Daniel Ludwig deu tão errado.

As semelhanças terminam aí. Ludwig não saiu como Ford. Em 1982 ele perdeu algo como US$ 1 bilhão, mas deixou o projeto no colo da Viúva e o governo organizou um consórcio de empresários para ficar com a Jari. À frente, entrou o magnata Augusto Trajano de Azevedo Antunes, um dos maiores empreendedores do seu tempo. Numa carta de 20 de janeiro de 1982 ao presidente João Figueiredo, ele foi claro:

“Entendo que recebi uma missão do governo. (…) Ao se incumbir alguém de uma missão, cumpre propiciar-lhe também os meios indispensáveis para bem executá-la”.

Queria investimentos públicos, uma hidrelétrica e, sobretudo, simpatia para o “cumprimento de missão de alta relevância nacional”.

Um mês depois o Banco do Brasil entrou no projeto e ficou com 12% das ações da holding.

Coisa da ditadura? Nem tanto. Em 1994, depois de visitar o projeto, o candidato Lula informava: “O Ludwig foi um sonhador. Passei 20 anos da minha vida esculhambando a Jari, mas hoje o Brasil tem novos empresários”.

Referia-se aos netos de Antunes que tocavam o projeto. Lula perdeu a eleição para Fernando Henrique Cardoso. Em 1996 FHC sabia que o BNDES estava metido com 20% de participação na Jari e que era “grave a situação”.

Meses depois a empresa entrou em concordata branca e metade da dívida estava com a Viúva. Em 2000 a Jari foi vendida ao grupo Orsa, sob aplauso dos credores (a Viúva tinha um terço desse espeto). Por algum tempo conseguiu respirar, até que afogou-se e hoje o BNDES está com um mico de R$ 790 milhões.

Em 2010 o professor americano Greg Grandin publicou no Brasil seu livro “Fordlândia – Ascensão e Queda da Cidade Esquecida de Henry Ford na Selva”. Contou a história de um empresário que fez um mau negócio e foi em frente.

Algum dia alguém contará a história da Jari, um mau negócio no qual o governo entrou, juntando-se a empresários e banqueiros amigos, sempre dispostos a cumprir uma “missão de alta relevância nacional”.

18 de dezembro de 2019

A REBELIÃO DOS PREFEITOS DA EUROPA CENTRAL!

(Estado de S.Paulo, 17) Prefeitos de quatro capitais da Europa Central assinaram ontem um pacto de “cidades livres”, comprometendo-se a cooperar em projetos que vão da proteção ambiental ao planejamento urbano e o transporte público. O acordo é uma resposta aos governos nacionais “iliberais” do Grupo de Visegrado, formado por Polônia, República Checa, Hungria e Eslováquia.

Os prefeitos de Budapeste (Hungria), Praga (República Checa), Varsóvia (Polônia) e Bratislava (Eslováquia), que são politicamente independentes ou filiados a partidos de oposição aos seus respectivos governos nacionais, pediram financiamentos diretos da União Europeia e criticaram o aumento do populismo e do extremismo na Europa Central.

“Estamos testemunhando um afastamento de nossa região dos valores do mundo ocidental”, disse o prefeito de Bratislava, Matus Vallo. “Ainda assim, em nossas quatro capitais, vemos a maior concentração de diversidade: social, religiosa, política, étnica e nacional.”

A cerimônia de assinatura foi realizada em um local simbólico, a sede da Central European University, em Budapeste. Recentemente, a CEU foi forçada a transferir a maior parte de suas atividades para Viena, em razão de restrições legais impostas pelo governo do primeiroministro húngaro, Viktor Orbán, que proclamou uma cruzada ideológica contra o bilionário George Soros, que idealizou e fundou a universidade.

“O prefeito de Budapeste, Gergely Karacsony, colocou à disposição das outras três prefeituras o escritório da cidade em Bruxelas para facilitar o lobby por financiamentos mais diretos aos municípios e outros órgãos autônomos das capitais. Na década passada, uma parte significativa dos fundos da UE foi destinada a empresas de oligarcas que têm ligações com os governos”, disse Karacsony. “Na Europa, cada vez há mais gente revoltada com o fato de os fundos europeus para incentivar a inovação financiarem a corrupção e a autocracia na região.”

O pacto entre as quatro capitais também reconhece desafios comuns: “crise climática, desigualdade, déficit habitacional, envelhecimento da população, estratificação social e tribalismo político”.

De acordo com o prefeito de Praga, Zdenek Hrib, se os problemas dos cidadãos não forem resolvidos a tempo, eles podem ser vítimas de uma “nova onda de populismo que acena com respostas simples e erradas para os problemas”.

Imigração. As cidades do pacto também se opõem às políticas migratórias dos países do Grupo Visegrado. O prefeito de Varsóvia, Rafal Trzaskowski, disse que os governos nacionais optaram por simplesmente bloquear as políticas europeias, “em vez de propor novas iniciativas”.

“Queremos que nossas propostas sejam baseadas em evidências, e não em ideologia”, afirmou Trzaskowski. “Isso nos torna um pouco diferentes de alguns de nossos governos.”

17 de dezembro de 2019

POLARIZAÇÃO FAZ ELEITOR VOTAR EM QUEM O CANSE MENOS!

(David Brooks – O Estado de S. Paulo, 15) Hoje há dois blocos de poder impulsionando a política. O primeiro é o proletariado. São os eleitores da classe operária que vão aos comícios de Donald Trump, nos Estados Unidos, e impulsionaram o Brexit e a campanha de Boris Johnson, no Reino Unido. Eles sentem que o seu mundo, que consideram o máximo, está desaparecendo, e querem um sujeito duro que traga esse mundo de volta.

O segundo é o “precariado”, formado pelos eleitores jovens e formados, presos na armadilha de uma economia alternativa de trabalhos temporários que não têm nenhuma segurança na carreira. Eles apoiam líderes como Bernie Sanders e Jeremy Corbyn, que prometem políticas inclusivas – faculdade gratuita, internet grátis, creches – para se sentirem mais seguros.

Esses dois grupos são diferentes em alguns aspectos. Quando os proletários atacam seus inimigos, eles o fazer a partir de uma aparente posição de inferioridade social, de maneira que tais ataques são rancorosos e brutais. Quando o precariado ataca, ele o faz de uma aparente posição de superioridade moral. Seus ataques estão cobertos de escárnio, zombarias e desdém.

Mas os dois movimentos têm paralelos. Ambos são movidos pelo medo do futuro e pelo temor recíproco. Ambos tendem a adotar visões apocalípticas e catastróficas da ruína que nos cerca. A distopia se torna o opiáceo da classe ativista.

Atormentados pela insegurança econômica, eles tolerarão qualquer pecado do seu líder – racismo, antissemitismo, desonestidade –, desde que essa pessoa se disponha a lutar e esteja do seu lado. Ambos apoiam propostas políticas irrealistas, radicais, porque rejeitam a ideia de que política é simplesmente uma maneira confusa de solucionar as diferenças com pessoas com as quais discordamos.

Esses dois blocos poderosos estão orientando o debate e estabelecendo a agenda. Mas existe outro grupo de pessoas que se tornou a parte mais interessante do eleitorado, nos Estados Unidos e no Reino Unido. São os 75% de eleitores que estão exaustos, pessoas definidas não por qualquer ideologia comum, mas por um estado afetivo – simplesmente estão cansados da guerra sem fim entre aqueles dois exércitos. A exaustão se tornou uma força independente na política moderna. Muitas pessoas votam no candidato, seja lá quem for, que as canse menos.

A eleição britânica foi definida pelo fato de muitos eleitores simplesmente não terem nenhum entusiasmo por Johnson ou Corbyn. A revista The Economist chamou a eleição de “Pesadelo britânico antes do Natal”.

Escrevendo no Guardian, Rafael Behr observou: “Convivemos com a frustração e o pavor. Estamos fixados nestes sentimentos, como se estivéssemos vendo mãos calejadas revolvendo uma gaveta privada onde uma identidade emaranhada, delicada, está guardada, e tentando extraí-la. É como se fosse o exílio.”

As pessoas no campo dos exaustos estão cansadas de ter a pressão à sua frente toda hora. Como concluiu Ryan Streeter, do American Enterprise Institute, “os jovens que, de vez em quando, estão sós têm sete vezes mais probabilidade de se tornarem ativos na política do que aqueles com intensa vida social”. “Os que estão exaustos têm outras coisas para fazer. Eles querem recolocar a política no seu lugar correto e encontrar significado, ligação, entretenimento e moralidade em algo além das guerras no Twitter e campanhas eleitorais”, escreveu.

Anos e anos de exaustão também tornaram essas pessoas desgastadas, céticas e indignadas. A exaustão, como sempre, provoca uma espécie de pessimismo, sentimento que vivemos em épocas terríveis, uma espécie de desânimo da alma. Como Peter Stockland, do centro de estudos Cardus, definiu: “O efeito combinado do medo e da exaustão está produzindo um ceticismo tão profundo, tenebroso e tóxico que beira o pecado de prestar falso testemunho contra a realidade”.

Mas a característica principal dos eleitores desse grupo de exaustos é a timidez. Eles não extraem energia do conflito da maneira como Trump o faz. Sua tendência é abaixar a cabeça e sobreviver a essa loucura.

Nos câmpus universitários, 10% dos estudantes são capazes de intimidar os outros 90%, que não querem dizer a coisa errada. No Congresso, os “trumpianos” intimidam os membros que percebem que Trump é um problema. As pessoas nos dois grandes blocos de poder não conseguem vencer a guerra que travam um contra o outro, mas são boas em intimidar os moderados dentro do próprio campo.

Deste modo, os que estão no campo dos exaustos perpetuam a própria miséria. Eles se queixam das terríveis opções em cada ciclo eleitoral, mas nunca se organizam ou se tornam imaginativos o bastante para oferecer alguma coisa que eles desejariam.

No Reino Unido, eles tiraram os recursos financeiros da política, mas ainda assim tiveram uma eleição pior e mais polarizada do que a americana. No final, Johnson venceu facilmente, em parte porque os eleitores exaustos oscilaram para a demagogia nacionalista de Trump e de Johnson, uma vez que a última alternativa seria uma guerra de classes de Corbyn e de Sanders.

Nos Estados Unidos, os eleitores terão a chance de virar a página emocional e eleger uma pessoa que mostre que é possível ser progressista ou conservador sem transformar a política numa guerra perpétua. Pete Buttigieg vem crescendo e o apoio a Joe Biden é resiliente, exatamente porque eles não são fatigantes.

A pergunta interessante é se, no calor da batalha, os eleitores exaustos superarão sua fadiga, ceticismo e timidez e defenderão seus interesses na disputa.

A exaustão se tornou uma força independente. Muitas pessoas votam em seja lá quem for que as canse menos.

16 de dezembro de 2019

ELEIÇÃO NO PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO!

(Samuel Pessoa – Folha de S.Paulo, 15) Em 2014, o marqueteiro João Santana e o próprio PT foram muito criticados. A propaganda negativa contra seus adversários foi vista como muito violenta.

À primeira vista, essa percepção parece injusta. A violência nas disputas eleitorais faz parte da regra do jogo. Como apontou Nizan Guanaes, em entrevista a Luiz Maklouf Carvalho para o livro “João Santana – Um Marqueteiro no Poder”, “paixões à parte, o João cumpriu o papel dele. Se as pessoas acham que a campanha foi pesada (e ela foi) e que ela foi bruta (e ela foi), tem que ver os filmes negativos das campanhas americanas. Marketing político é UFC”.

A análise de Nizan tem um problema. Ela supõe que as instituições de nosso presidencialismo são próximas das instituições do presidencialismo norte-americano. Não é o caso.

O sistema de governo, se presidencialista ou parlamentarista, não é a característica mais importante dos sistemas políticos.

Arend Lijphart, professor de ciência política da Universidade da Califórnia em San Diego, mostrou que é possível classificar os sistemas políticos em duas grandes famílias: os sistemas majoritários e os consensuais.

Nos sistemas majoritários, as regras são estabelecidas para que pequenas maiorias na sociedade formem grande maioria no Parlamento (fato que ficou claro na eleição no Reino Unido, na semana passada). Eles priorizam a capacidade de resolução rápida de divergências. No limite, temos a ditadura da maioria.

Nos sistemas políticos consensuais, as regras são estabelecidas de forma a obrigar sempre o difícil processo de construção de consensos. No limite, inúmeros grupos têm poder de vetos. As transformações estruturais caminham lentamente.

Nos sistemas políticos consensuais, o voto é proporcional em grandes distritos, havendo, portanto, grande fragmentação partidária; o Legislativo é bicameral, e o Estado é federativo; a Constituição é prolixa e detalhista, e há uma corte suprema com grande poder de rever decisões do Legislativo; entre outras características. Inverta os sinais e teremos o modelo majoritário puro, cujo melhor exemplo é o sistema político inglês.

Evidentemente, entre o sistema inglês e o modelo holandês, um dos casos extremos de modelo consensual, há um contínuo de possibilidades.

No modelo brasileiro, o presidente eleito dificilmente tem mais do que 20% das Casas Legislativas, em geral tem 15%, e o desenho institucional requer a aprovação de emendas constitucionais. Desde a promulgação da atual, em 1988, temos emendado a Constituição Federal ao ritmo de três a quatro vezes ao ano.

É verdade que a política é feita por indivíduos que têm o couro bem grosso. E que, em boa medida, a disputa eleitoral tem dimensão teatral. Mas há limites. A política é feita por mulheres e homens de carne e osso.

Finalmente, a política é um jogo repetido. Um comportamento hoje pode ter um preço alto no futuro e inviabilizar alianças. Aplica-se ao sistema brasileiro a máxima de Ulisses Guimarães: “Em política nunca devemos nos aproximar muito de alguém, de sorte a não conseguimos nos distanciar; nunca devemos nos distanciar muito de alguém, de sorte a não conseguirmos nos aproximar”.

Assim, em vista das características de nosso sistema político, a percepção generalizada de que João Santana e o PT extrapolaram em 2014 parece ser correta. Em nosso presidencialismo de coalizão, a disputa política precisa ser travada em tom menor.

13 de dezembro de 2019

BRUNO KAZUHIRO: DESAFIOS DA INFRAESTRUTURA NO RIO!

A infraestrutura pública do Estado do Rio de Janeiro encontra-se em um momento de muitos desafios. Devemos trabalhar para romper seus gargalos e retomar o desenvolvimento e a geração de emprego. De um lado, é preciso finalizar obras importantes que hoje estão paralisadas há anos. São empreendimentos que consumiram dinheiro do contribuinte e precisam ser entregues à população como o Museu da Imagem e do Som (MIS), em Copacabana. Outro exemplo é o Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer (IEC), no Centro do Rio, que já teve suas obras retomadas em novembro. Com cerca de 80% prontos, o prédio contempla 59 novos leitos, sendo 39 de internação para adultos, 10 para internação pediátrica e 10 leitos de CTI (7 adultos e 3 pediátricos). Ou seja, é urgente sua finalização para o uso da população desse centro de excelência na medicina do Estado.

Mas, é preciso também fazer sair do papel novos projetos como conjuntos habitacionais que reduzam o déficit de moradias, o programa Comunidade Cidade, que levará saneamento e dignidade a áreas carentes começando pela Rocinha, e os conjuntos penais verticais, uma iniciativa inédita no Estado que contempla instalações dignas para os detentos, agentes penitenciários e demais servidores. Nessa lista estão ainda novas escolas, hospitais e distritos policiais, além da reforma de outros equipamentos públicos. Todos esses empreendimentos já contam com projetos desenvolvidos por servidores da própria Seinfra.

Esses desafios esbarram, no entanto, em entraves inerentes à administração pública como imbróglios jurídicos. Somam-se a isso, no caso específico do Rio, as imposições do Regime de Recuperação Fiscal, acordo que ajuda o Estado, mas limita investimentos. Para vencer esses obstáculos o foco é investir em prioridades, no controle de gastos e na adoção de projetos com estruturas padronizadas para serem replicadas, baixando os custos.

Há ainda outros caminhos como as parcerias com outras secretarias e, principalmente, o incentivo ao servidor público. Valorizando os quadros técnicos, dando espaço para sugestões e liberdade de atuação, é possível usufruir do qualificado funcionalismo do Estado. Outro fator importante nesse sentido é a mudança de paradigma na gestão pública do Rio, com a criação de novos mecanismos de controle e transparência.

Com o ordenamento do Estado, a austeridade nas contas e a ética como base, os investimentos se viabilizam. Por isso, temos a expectativa de que em 2020 o quadro possa ser revertido. Virando esse jogo, nosso povo viverá melhor e retomará sua confiança na gestão pública.

*Bruno Kazuhiro é Secretário de Estado de Infraestrutura e Obras do Rio de Janeiro

12 de dezembro de 2019

PAUL VOLCKER, UM SERVIDOR PÚBLICO!

(Elio Gaspari  – O Globo, 11) No final do século passado, Paul Volcker estava num coquetel na Universidade de Princeton, uma daquelas confraternizações nas quais os americanos tomam vinho branco em copos de plástico. Um curioso aproximou-se da sua imponente figura (2m01cm) e, no meio da conversa, arriscou:

— O seu livro publicado em parceria com o ex-presidente do Banco do Japão deixa a impressão de que em 1982 o senhor quebrou o Terceiro Mundo para salvar os bancos americanos.

Volcker assumiu o Federal Reserve Bank em 1979, com a inflação americana acima de dois dígitos. Como presidente do banco central mais poderoso do mundo, paulatinamente jogou os juros para cima, e eles chegaram a 21% ao ano. Com isso, num cenário de alta do petróleo e baixa de outras matérias-primas, as dívidas dos países do Terceiro Mundo atreladas às taxas americanas explodiram. Em 1982, o México não conseguiu pagar suas contas. Meses depois, foi a vez do Brasil, e em alguns meses, só na América Latina, 16 países estavam quebrados. Deu-se a esse período o nome de “Crise da Dívida do Terceiro Mundo”. Volcker respondeu ao curioso:

— Esse era o meu serviço (“That was my job.”), e a conversa migrou para amenidades.

Em 1982 não houve a tal “Crise da Dívida do Terceiro Mundo”, houve uma crise da banca internacional que emprestou dinheiro a quem não devia, mas os credores, com a ajuda dos governos caloteiros e do Fundo Monetário Internacional, inverteram o jogo. (Em 2007, quando a banca atolou-se, ninguém disse que havia uma crise dos devedores americanos inadimplentes.)

Anos depois, William Rhodes, chefe do cartel dos bancos, condecorado pelo governo brasileiro com a Ordem do Cruzeiro do Sul, escreveria:

“A crise da dívida latino-americana não foi apenas uma punição a excessos de endividamento. Foi também uma crise bancária.”

Volcker salvou a banca porque os servidores públicos americanos defendem os interesses de seu país. Ele era um economista do Federal Reserve de Nova York e aceitou a presidência do banco central sabendo que perderia metade do salário. Mudou-se para uma quitinete de estudante em Washington, e sua mulher alugou um dos quartos de seu apartamento em Manhattan. Fumava charutos baratos, comia congelados de mercearias e, certa vez, o presidente Jimmy Carter mandou-lhe um recado: ou comprava um terno novo, ou não o receberia na Casa Branca. (Há uns 20 anos, o milionário presidente da Goldman Sachs chegou em casa com um sobretudo novo, de uma loja caríssima. A mulher mandou que o devolvesse, pois já tinha abrigo para o inverno.)

Volcker tinha dois caminhos: quebrava os endividados do Terceiro Mundo ou quebrava os grandes bancos americanos. Seu serviço, como presidente do Fed, era defender o sistema financeiro dos Estados Unidos. Pouco importava se o presidente da estatal petrolífera da Indonésia havia fechado um empréstimo de 25 milhões de dólares assinando numa caixa fósforos de boate.

A grande proeza dele, da banca e do FMI foi conseguirem que todos os governos devedores contassem aos seus povos que a crise era deles.

Depois de sair do Fed, Volcker foi para a banca privada e contava que lá, num só dia, ganhou mais dinheiro do que em 30 anos de serviço público. Ele morreu na segunda-feira.

11 de dezembro de 2019

ESQUERDA VERSUS ESQUERDA!

(Vinicius Mota – Folha de S.Paulo, 09) O debate do significado e dos efeitos sociais do longo período de escravidão negra nas Américas ganhou neste ano a contribuição do projeto 1619, do jornal The New York Times. O nome alude ao ano em que aportou na Virgínia o primeiro navio com cativos africanos.

No texto que abre a coleção, a jornalista Nikole Hannah-Jones estabelece uma das marcas distintivas da iniciativa. A Independência dos EUA, de 1776, não teria passado de contrarrevolução da elite para preservar a escravidão então ameaçada pelos colonizadores britânicos.

Que a provocação não seria tolerada pela direita neocon já se antevia.

Mas a reação mais interessante surge agora da esquerda trotskista americana, que publicou num site da Quarta Internacional Socialista uma série de entrevistas com historiadores de alta reputação acadêmica que, embora ignorados na investigação do Times, formulam críticas substantivas a postulados do trabalho.

Resumindo grosseiramente o que dizem nomes como Gordon Wood e James McPherson, a coisa era bem mais complicada e contraditória do que leva a crer a narrativa do jornal.

É impossível sublimar o fato de o abolicionismo, novidade na trajetória milenar do escravismo, ter realizado a primeira reunião da história na Filadélfia, em 1775. A escravidão foi proibida em territórios do meio-oeste em 1787; a importação, em 1807. No norte, a abolição legal estava encaminhada em 1804.

Não se coloca numa Declaração de Independência a ideia revolucionária de que todos nascemos iguais e livres sem produzir, como consequência, um embaraço enorme para os interesses escravistas e racistas.

Da crítica da velha guarda de historiadores à mais jovem fica a impressão de que a esquerda abandona a boa tradição marxista de considerar as ambivalências, as incertezas e as contradições da sociedade em seus esquemas interpretativos.

O contexto, as nuances e as lacunas de informação vão sendo atropelados e trocados por mensagens de combate que cabem num tuíte.

10 de dezembro de 2019

ALIANÇAS REPUGNANTES!

(Moisés Naím – O Estado de S. Paulo, 09) “O partido centrista dominante na Suécia reverte sua posição e anuncia que está disposto a se aliar aos nacionalistas de extrema direita.” “Para se manter no poder, o (primeiro-ministro canadense) Trudeau precisa aprender a trabalhar com seus rivais.” “Israel está a caminho de sua terceira eleição em um ano.” “Os protestos de rua levam o primeiroministro do Iraque à renúncia.” “O primeiro-ministro da Finlândia renuncia após o fracasso de sua coalizão.” “Nancy Pelosi anuncia que o Congresso prosseguirá com a acusação formal contra Trump.” Essas foram as manchetes da imprensa na semana passada.

Existem países nos quais os rivais políticos conseguem entrar em acordo e governar compartilhando o poder. Em outros, o ódio entre os oponentes torna impossível qualquer acordo. Os adversários são encarados como inimigos mortais cujas ideias ou ações os desqualificam para qualquer papel na política ou no governo. A possibilidade de uma coabitação política com quem tenha um programa inaceitável ou, pior, que tenha sido acusado de crimes e abusos, é moral e psicologicamente inaceitável para seus adversários.

Uma aliança com esses inimigos muitas vezes equivale ao suicídio político daqueles que se atrevem a propô-la. Outras vezes, é a solução. Difícil de engolir, certamente, mas sem o qual o país pode estar condenado à paralisia. Por exemplo, entre 2010 e 2011, a Bélgica passou 589 dias sem que as facções em conflito conseguissem formar um governo.

Atualmente, a polarização é a norma na maioria das democracias do mundo. Embora sempre tenha existido, nos últimos tempos foi exacerbada por várias razões – ansiedade econômica, maior desigualdade, novas tecnologias de comunicação, frustração com o desempenho dos governos e muito mais. E essa divisão da sociedade se reflete toda vez que há eleições. Nenhum grupo político recebe votos suficientes para formar um governo, e a única maneira de conseguir isso é aliando-se a outras forças.

Nem sempre esse foi o caso. Décadas atrás, a África do Sul e o Chile conseguiram evitar a violência política e manter prolongados períodos de estabilidade e progresso graças a alianças entre inimigos históricos.

Nelson Mandela conseguiu o que ninguém acreditava ser possível: uma transição pacífica da hegemonia da minoria branca, que impôs o apartheid, para uma democracia na qual a maioria negra alcançou o poder pelas eleições. No Chile, o movimento democrático negociou um acordo com o general Augusto Pinochet que, para muitos chilenos, era inaceitável. O ditador se manteve não só como senador vitalício, mas como comandante intocável das forças armadas, uma vez que impediu os presidentes eleitos de remover chefes militares do cargo. A constituição também garantiu um número de senadores nomeados a dedo pelos militares e endossou a obrigação de alocar automaticamente às forças armadas 10% da receita gerada pelas exportações de cobre, a principal fonte de divisas do país.

Obviamente, para aqueles que sofreram as perseguições e torturas da junta militar, aceitar tudo isso foi como ingerir um purgante. No entanto, também no Chile, o resultado da negociação permitiu a transição pacífica de uma ditadura para uma democracia.

Como sabemos, nos últimos tempos, nem o Chile nem a África do Sul conseguiram se salvar das convulsões políticas que incendeiam as ruas. Mas ambas as sociedades se beneficiaram de um longo período em que inimigos políticos conseguiram conviver.

Na África do Sul, após a abolição do apartheid, a economia se expandiu, a inflação caiu e os programas sociais proliferaram, muitos dos quais, pela primeira vez, beneficiaram as maiorias mais necessitadas.

No Chile, os vários grupos políticos, incluindo os que apoiavam Pinochet e os que foram vítimas, conseguiram entrar em acordo sobre a política econômica. O resultado foi uma das economias mais bem-sucedidas do mundo. Segundo dados do Banco Mundial, em 2000, mais de um terço dos chilenos vivia na pobreza, enquanto em 2017 a proporção de pessoas pobres havia caído para 6,4%.

Tais sucessos não foram suficientes. Na África do Sul, o desemprego, a imensa corrupção e um estado inepto são fontes de grandes frustrações. No Chile, foram negligenciadas as necessidades de vastos setores da sociedade. Nos dois países, a desigualdade econômica está entre as mais elevadas do mundo.

O desafio enfrentado pelo Chile e pela África do Sul é suportado por muitas das democracias do mundo: a criação, em uma sociedade dividida, de acordos entre grupos que se odeiam.

É possível imaginar um futuro no qual as democracias do mundo se dividam entre aquelas que estão atoladas em conflitos irredutíveis que as paralisam e causam estagnação e outras que, graças a acordos entre inimigos políticos, conseguem formar governos capazes de governar. No século XXI, aprender a montar governos com pessoas que se odeiam pode ser um requisito para que as democracias prosperem.

Atualmente, a polarização é a norma na maioria das democracias do mundo.

09 de dezembro de 2019

REGIME NA EUROPA SOFRE COM FALTA DE LIDERANÇAS POLÍTICAS!

(David Brooks  – O Estado de S. Paulo, 08) Na faculdade eu me considerava um socialista. Lia revistas como a The Nation e matérias antigas da The New Masses. Sonhava em ser o próximo Clifford Odets, dramaturgo de esquerda que sempre tentou despertar a consciência da classe proletária. Se você for ao YouTube e buscar “David Brooks Milton Friedman”, vai me ver, um jovem socialista de 22 anos, debatendo com o grande economista.

A melhor versão do socialismo foi definida por Michael Walter: “O que afeta a todos tem de ser resolvido por todos”. Os grandes empreendimentos econômicos devem ser propriedade de todos. As decisões devem ter base naquilo que beneficia a todos, não ter como objetivo a maximização do lucro.

Não é o que “socialistas democratas” como Bernie Sanders falam, mas sei qual a razão de algumas das suas preocupações socialistas serem populares. Por que temos de conviver com essas pobreza e desigualdade? Por que não colocamos as pessoas acima dos lucros? O que é viver o melhor da vida nas sociedades mais justas? O socialismo é a mais persuasiva religião secular de todos os tempos, lhe dá um ideal igualitário pelo qual você se sacrifica e dedica sua vida.

Minhas simpatias socialistas não sobreviveram muito tempo depois que me tornei jornalista. Rapidamente notei que as autoridades de governo que eu estava cobrindo não eram capazes de planejar a sociedade que pretendiam criar. Não porque eram ruins ou estúpidas. O mundo é simplesmente muito complicado.

E então compreendi que o capitalismo é realmente bom na obtenção de algo que o socialismo é realmente ruim: criar um processo de aprendizado que auxilia as pessoas a encontrarem a resposta para alguma coisa. Se você quer montar uma empresa de aluguel de carros, o capitalismo tem um conjunto de sinalizações de preço e mercado e uma capacidade de resposta que vai lhe dizer que tipo de carros as pessoas querem alugar, onde colocar sua empresa, quantos veículos deve encomendar. E tem um processo competitivo impulsionado pelo lucro para incentivá-lo a aprender e inovar.

As economias socialistas planificadas – que é a propriedade comum dos meios de produção – interferem nos preços e outros instrumentos de sinalização do mercado. E suprimem ou eliminam o lucro que é o que estimula as pessoas a desejarem aprender e melhorar. O padrão de vida das pessoas sempre foi achatado em toda a história até chegar o capitalismo. Desde então o número de bens e serviços disponíveis para a média das pessoas aumentou 10.000%.

Se você tem alguma vivência, já observou que o capitalismo produziu a maior redução da pobreza na história humana. Em 1981, 42% do mundo vivia na pobreza extrema. Hoje a porcentagem está em torno de 10%.

E viu que nações que instituíram reformas de mercado, como Coreia do Sul e a China de Deng Xiaoping, ficaram mais ricas e orgulhosas. Aquelas que se voltaram para o socialismo, como a Grã-Bretanha na década de 1970 e a Venezuela mais recentemente, tendem a ter mais pobres e miseráveis.

E se deu conta de que o meio ambiente é muito melhor em países capitalistas do que nas economias planificadas.

O Produto Interno Bruto (PIB) americano mais do que dobrou desde 1970 e o consumo de energia aumentou. As emissões de carbono per capita dos EUA registraram sua maior queda em 67 anos, em 2017. As maiores degradações ambientais se verificam nos sistemas planificados, como a antiga União Soviética e a China comunista.

O Fraser Institute, um grupo de estudos direcionado para o livre mercado, realiza um ranking de países segundo dados como menos regulamentação, livre comércio, garantia de direitos de propriedade. As economias mais livres do mundo são de países como Hong Kong, EUA, Canadá, Irlanda, Letônia, Dinamarca. Ilhas Mauricio, Malta e Finlândia. Nações que estão nos quatro primeiros lugares em termos de liberdade econômica têm em média um PIB per capital de US$ 36.770. No caso dos que ocupam os quatro últimos lugares o PIB per capita é de US$ 6.140. As pessoas nas economias livres têm expectativa de vida de 79,4 anos. Nas economias planificadas, de 65,2 anos.

Durante o século passado, as economias estatizadas produziram muita pobreza e escassez. E é ainda pior quando as elites políticas sabem o que você pode fazer com essa escassez. Elas a transformam em corrupção. Quando as coisas são escassas você precisa subornar agentes do governo para consegui-las. Em breve todos estão subornando. Os cidadãos percebem que o sistema inteiro é uma fraude. Um sistema que começa com um grande idealismo acaba em corrupção, desonestidade, opressão e desconfiança.

Compreendi os males do socialismo rapidamente e lentamente me tornei republicano. Meu primeiro herói econômico foi Alexander Hamilton. Ele veio para os EUA com praticamente nada e encontrou uma economia dominada por oligarcas donos de terras como Thomas Jefferson. E entendeu que a solução era tornar todos capitalistas. Criou mercados de crédito de modo que o capital fluísse e mais pessoas tivessem acesso a investimentos.

Meu outro herói é Abraham Lincoln. Proferiu mais discursos sobre bancos e projetos de infraestrutura do que sobre escravidão porque desejava propagar o capital e azeitar as rodas do comércio para que rapazes e moças como ele pudessem ascender na vida.

Outra grande figura americana é Theodore Roosevelt. Ele amava o dinamismo que o capitalismo desperta e sabia que às vezes é preciso limitar as corporações gigantes de modo que capitalistas menos estabelecidos consigam competir. Todos esses líderes compreenderam que a resposta para os problemas do capitalismo é um capitalismo mais amplo e mais equitativo.

Mas o capitalismo, como todos os sistemas, sempre fica desequilibrado. Na última geração, ele produziu a maior redução da desigualdade de renda global na história. O inconveniente é que trabalhadores sem especialização nos EUA hoje competem com aqueles no Vietnã, na Índia e na Malásia. A redução da desigualdade entre as nações levou ao aumento da desigualdade nas nações ricas.

Além disto, os níveis educacionais não acompanharam a tecnologia. Esses problemas não são indicativos de que o capitalismo faliu. São sinais de que precisamos de um capitalismo melhor. Necessitamos de uma injeção maciça de dinheiro e reformas nos nossos sistemas de ensino. Precisamos de programas sociais que não só subsidiem o consumo das pessoas pobres, mas sua capacidade de produzir.

Precisamos de cooperativas de trabalhadores que criem capacidades e representem o trabalhador na mesa de negociação. Precisamos de subsídios salariais e subsídios para a mobilidade para que as pessoas possam transitar para onde houver oportunidades. Precisamos subsidiar os impostos para a saúde de modo a tornar mais fácil para um empregado mudar de emprego. E precisamos estabelecer créditos fiscais mais altos sobre a renda auferida para dar ao trabalhador pobre a segurança financeira.

Um grande erro dos conservadores foi achar que tudo o que torna o governo mais intervencionista também torna os mercados menos dinâmicos. Não conseguimos distinguir entre o Estado que oferece suporte e o Estado regulador.

Não sei se o modelo escandinavo funcionaria em países grandes e diversificados. Mas seu sucesso aponta para algumas verdades: o Estado cria prosperidade quando seus cidadãos se tornam capitalistas e gera níveis incríveis de miséria quando interfere demais. Hoje o debate real não é entre capitalismo e socialismo. Durante cem anos fizemos esses experimentos sociais e o capitalismo venceu. A discussão é entre uma versão de capitalismo democrático, como em EUA, Canadá e Dinamarca, e formas de capitalismo autoritário, como na China e na Rússia. Nossa tarefa é lograr a versão mais ampla e justa de capitalismo.

A discussão é entre uma versão de capitalismo democrático e formas de capitalismo autoritário.

06 de dezembro de 2019

FAKE NEWS E DEMOCRACIA!

(Fernando Schüler – Folha de S.Paulo, 05) Em agosto deste ano, o Congresso aprovou uma alteração no Código Eleitoral estabelecendo que os cidadãos são passíveis de prisão de dois a oito anos caso divulguem notícias falsas sobre (supostos) delitos cometidos por este ou aquele candidato, com finalidade eleitoral.

Em um país com quase 150 milhões de eleitores, supondo que apenas 1% ceda à tentação de compartilhar uma notícia falsa contra seu político detestável, teríamos 1,5 milhão de processos a mais tramitando na Justiça. Inútil falar do completo nonsense a que uma lei como essa, imagino que nascida de uma intensão generosa, pode levar.

Dias atrás, o TSE decidiu penalizar os candidatos que divulgarem fake news contra seus adversários. Com alguns requintes. Os candidatos terão de demonstrar que fundamentam suas informações em fontes de “notória confiabilidade”, sob risco de processo por parte de quem se sentir ofendido. Inútil perguntar se teremos, logo a seguir, algo parecido com uma certidão de confiabilidade. Vamos em frente.

Também o Congresso vem se dedicando, nas últimas semanas, a um debate sem fim na CPI das fake news, que se transformou em um desfile constrangedor de blogueiros explicando o óbvio e relatando toda a sorte de bizarrice, mentira serial e retórica de ódio que povoa a internet. Seus resultados são incertos, e é possível que tudo se transforme em conversa política. Mas há ali um material não desprezível para uma radiografia do ódio político no Brasil.

Em que pese achar esse debate teoricamente interessante e simpatizar com iniciativas que constranjam essa chaga da política contemporânea, penso o seguinte: fake news são, no limite, um problema sem solução nas democracias. Em ditaduras, como na China, é possível imaginar que o Estado tomará para si o direito de dizer o que é falso ou verdadeiro. Na democracia não tem jeito.

Fake news são um problema sem solução porque o incentivo para que cada um aja com responsabilidade, na esfera pública, é terrivelmente baixo. Anthony Downs descreveu esse fenômeno com maestria, nos anos 1950, em seu livro “Uma Teoria Econômica da Democracia”. Tudo funciona mais ou menos assim: se você soubesse que perderia um dedo polegar se errasse a resposta sobre a esfericidade da Terra ou sobre a existência ou não de déficit na Previdência, pouca gente diria coisas como essas.

Ocorre que as pessoas sabem que não perderão nenhum dedo, e tudo ainda pode render bons likes (ou votos). Por que não ir em frente? É evidente que esses são exemplos extremos. Mas é disso que trata o triste universo das fake news e suas múltiplas variações.

A grande novidade na democracia, nas últimas duas décadas, é o fato de que milhões de pessoas adquiriram o poder da palavra, em um jogo que antes era essencialmente mediado por instituições, frequentemente com resultados desastrosos. Nada garante que se tratava de um mundo melhor do que o que temos hoje. E este do qual dispomos é, sem dúvida, um mundo de maior liberdade. O ponto é que os indivíduos ganharam poder, mas não responsabilidade. Receberam um benefício, mas não o custo correspondente.

Eles farão uso desse poder. O resultado óbvio é que o barulho e a sensação permanente de guerra e instabilidade vieram para ficar.

Ninguém sabe bem como as democracias irão lidar com esse novo fenômeno. De minha parte, desconfio imensamente de qualquer solução em que o Estado se ponha a arbitrar sobre o falso e o verdadeiro, o confiável ou inconfiável. Ao mesmo tempo, acho tremendamente positivas iniciativas que partem da própria sociedade, envolvendo agências de checagem de fatos, jornalismo de dados e iniciativas de educação midiática.

Há uma imagem que ficou das recentes eleições no Uruguai. Militantes com bandeiras da Frente Ampla circulam por entre o comício de vitória de Lacalle Pou, do Partido Nacional, e são aplaudidos. É evidente que nem tudo é tão bacana assim, em nosso país vizinho mais ao sul. Mas há uma lição ali.

A democracia supõe o cultivo de certas virtudes, como o senso de moderação e o respeito, ou ainda o apreço pelas regras do jogo. Virtudes como o desapego ao poder, do tipo que afasta os presidentes americanos do front político após dois mandatos. A ideia simples de que somos falíveis, que ninguém, ocupando ou não funções de Estado, é proprietário da verdade.

Não passa de quimera imaginar que os cidadãos anônimos e dispersos, no mundo digital, irão cultivar virtudes desse tipo. Mas elas deveriam ser exigidas de quem ocupa posições de liderança, em qualquer nível, em nossas democracias.

05 de dezembro de 2019

A REFORMA DO ESTADO E A REFUNDAÇÃO DO BRASIL!

(Paulo Hartung  – O Estado de S. Paulo, 03) A impositiva mudança de rumo na História do Brasil passa necessariamente pela refundação do Estado. Para entrarmos no trilho que nos poderá levar a um caminho de prosperidade compatível com nossas potencialidades é preciso reconstruir a máquina governativa, que, ao longo dos séculos, dá prioridade ao patrimonialismo e ao privilégio, desviando-nos do caminho da igualdade de oportunidades, da inclusão social e do desenvolvimento socioeconômico sustentável.

A dramática realidade de desigualdade e baixa mobilidade social remonta a uma sociedade constituída sobre o colonialismo e o escravagismo. Construímos um país que ostenta distância abissal entre quem tem acesso à instrução e aos bens e serviços do progresso e os empobrecidos que quase nada têm para subsistir e cuja possibilidade de ascender a outra posição socioeconômica é quase nula.

Isso tem muito que ver com a estrutura de Estado que vem sendo historicamente montada. Para não nos afastarmos muito na linha do tempo, basta olhar para o getulismo, a ditadura militar e a Constituinte de 1988 e perceberemos o vulto fortalecido de um Estado concentrador de renda e de oportunidades, e perversamente promotor de desigualdades.

Neste modelo injusto de organização governativa se sustentam desde a oferta precária da educação básica, passando pela constituição de insustentáveis sistemas tributário e previdenciário, até a manutenção de inconcebíveis privilégios em corporações/carreiras de Estado.

Entendo que chegamos ao término desse ciclo. Estamos num fim melancólico produzido por absoluta crise de sustentabilidade fiscal. Não há recursos públicos suficientes para financiar este modelo de Estado, caro, injusto e ineficiente.

Os nefastos efeitos socioeconômicos dessa desvirtuosa estrutura governativa se somam a uma série de fatores contingenciais e o que tivemos em 2018 foi um processo eleitoral esvaziado da política em seu sentido estrito. Ao se avizinharem as eleições municipais de 2020, soam os alarmes da emergência democrático-republicana.

O Brasil, depois de um ciclo de potente crescimento, originado com o Real e dinamizado pelo boom das commodities, entrou em grave recessão. Com o equivocado manejo da política econômica aprofundando a crise de 2008-2009, vivemos uma brutal crise no emprego e na geração de renda, incrementando a tragédia nacional das camadas historicamente marginalizadas da população. Some-se a essa cena o déficit de lideranças políticas que vem assolando o País já há algum tempo. Há um vazio crescente na seara de líderes que pensem, formulem e inspirem a modernização do Brasil em termos contemporâneos nos aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais.

Deve-se, ainda, inserir nesse rol de complexidades a crise, vivida planetariamente, da democracia liberal, em tempos de alta conectividade digital em rede. Como bem formulado por Manuel Castells, “na raiz da crise de legitimidade política está a crise financeira, transformada em crise econômica e do emprego, que explodiu nos EUA e na Europa no outono de 2008”.

Como diz o pensador, essa crise política é global, mas também tem colorações nacionais. A brasileira, por exemplo, agravou-se assustadoramente por uma série de equívocos na gestão de políticas econômicas em ambiente atravessado por práticas de corrupção endêmicas. Esse conjunto explosivo nos jogou no fosso da mais grave recessão econômica de nossa História e só ampliou o descrédito da política.

Assim, nesse turbilhão de fatores desconcertantes da vida nacional, tivemos um processo eleitoral que não debateu o País, suas questões e suas oportunidades. Em vez de política genuína, tivemos embates de extremismos com conteúdos desimportantes para a cidadania e o desenvolvimento, dinamizados por redes sociais alimentadas por fake news, ódio e intolerância.

Olhar para a frente é buscarmos eleições em 2020 dignas de serem chamadas de republicanas, centradas que devem ser em ideias e em meios de se fazer prevalecer o bem-estar e o interesse comum. Mirar um futuro diferente do presente e muito distanciado do passado é incrementar os passos reformistas.

Nessa impositiva caminhada de reinvenção democrático-republicana nacional, precisamos fazer avançar as reformas estruturantes do Estado. É necessário reconstruir nossa máquina governativa, em todos os seus estratos. É preciso mudar a vocação de nosso Estado, fazendo de suas principais potencialidades não a promoção de privilégios e desigualdades, mas a indução de prosperidade para todos.

Precisamos que a reforma vá além de ajustes no mapa de arrecadações e responsabilidades governativas. Temos um Estado ineficiente para comprar, contratar e remunerar. Precisamos modernizar as máquinas de governo, dando-lhes capacidade de resposta, possibilitando-lhes agilidade nas entregas e fixando custos compatíveis com a realidade brasileira.

É necessário digitalizar os governos, promovendo o reencontro do modus operandi das institucionalidades com o modus vivendi da sociedade, infundindo eficiência e resolutividade às máquinas públicas e conectando os governos ao mundo em que o universo da produção já opera há muito.

Noutra frente, é preciso que se estabeleça um estável ambiente jurídico-normativo que inspire e torne viável o incremento da participação de empreendedores nacionais e estrangeiros, incluindo parcerias público-privadas, na dinamização da economia nacional.

Na urgente jornada de reinvenção da História brasileira, esse conjunto de reformas modernizantes do Estado é passo decisivo para que tomemos um caminho cujo horizonte seja um País contemporâneo do nosso tempo, verdadeiramente democrático e republicano, digno de nossas possibilidades de desenvolvimento humano e econômico, uma Nação de justiça social e inclusão autônoma e produtiva.

04 de dezembro de 2019

CRISE DERRUBA POPULARIDADES!

(Fernanda Simas  – O Estado de S. Paulo, 03) De cunho político ou econômico, onda antiestablishment que atingiu países sul-americanos derrubou a popularidade dos presidentes do Chile, da Bolívia, do Equador e da Colômbia. Confrontos deixaram ao menos 38 mortos e 4.700 feridos.

Desde outubro, uma onda antiestablishment atingiu a América do Sul, agravando a crise de governos tanto de esquerda quanto de direita. A insatisfação, de cunho econômico ou político, derrubou a popularidade de quatro presidentes sul-americanos, o que ajudou a colocar ainda mais lenha na fogueira dos confrontos, que deixaram ao menos 38 mortos e 4.700 feridos.

“Já tivemos outros governos com pouca aprovação, mas sem protestos desse tamanho. Agora, a baixa popularidade é uma causa e uma consequência. Há uma correlação”, disse ao Estado o cientista político Frédéric Massé, da Universidade Externado da Colômbia, de Bogotá.

No Chile, o presidente Sebastián Piñera assumiu o cargo em 2018 com 51% de aprovação. Em outubro, pouco antes dos protestos, o índice era de 31%. O estopim da insatisfação foi de cunho econômico, o aumento do preço da passagem de ônibus: de 800 pesos (R$ 4,10) para 830 pesos (R$ 4,26). Ao longo das manifestações, a crise se somou a outras demandas populares, como a mudança da Constituição – que data da ditadura de Augusto Pinochet. Hoje, a popularidade de Piñera está em 12%.

No Equador, o estopim foi o anúncio do corte dos subsídios no preço do combustível, em vigor há 40 anos, e a redução dos benefícios do setor público. O presidente Lenín Moreno, que contava com 65% de aprovação quando assumiu o cargo, em 2017, chegou a 31% após adotar ajustes econômicos coordenados com o FMI.

A insatisfação popular também derrubou a popularidade de Iván Duque, presidente da Colômbia, e de Evo Morales, da Bolívia. Em ambos os casos, a crise é mais política do que econômica.

Na Colômbia, Duque assumiu em 2018 com 53,8% de aprovação. Após deixar de cumprir partes do acordo de paz fechado por seu antecessor com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e ser acusado de negligenciar políticas voltadas para líderes camponeses, perdeu apoio. Pouco antes de os protestos começarem, ele tinha aprovação de apenas 26% dos colombianos.

Na Bolívia, o desgaste com o governo de Evo, que durou quase 14 anos, culminou com acusações de fraude na eleição de 20 de outubro – as denúncias foram comprovadas por uma missão da OEA. Isolado pelos protestos de rua, pela pressão do empresariado de Santa Cruz e sem apoio dos militares, ele renunciou e partiu para o exílio no México.

A onda atual de protestos de largo espectro desafia também a análise tradicionalmente simplificada da história latino-americana. Nos anos 60, era a cruzada socialista de Fidel Castro contra o imperialismo ianque. Nos anos 80, houve a “década perdida” da estagnação econômica. Nos anos 90, a virada do neoliberalismo, seguida por uma “maré rosa” de governos esquerdistas, nos anos 2000.

O pêndulo político que oscilava entre esquerda e direita parece ter desaparecido. A onda de protestos tem obrigado os acadêmicos a superar a simplificação histórica e buscar análises mais sofisticadas.

Michael Shifter, do centro de estudos Diálogo Interamericano, aponta o papel do celular nas manifestações recentes na América do Sul. Além de ajudar a concentrar multidões, a era da informação trouxe exemplos de outros cantos do mundo, como Hong Kong, França e Iraque, e apresentou um padrão de vida que muitos na região deixaram de ter.

“É um ressentimento generalizado contra quem detém serviços”, lembra Shifter. “Essas pessoas querem mais direitos e, muitas vezes, são questões difíceis de quantificar, como o acesso à Justiça e a serviços públicos de qualidade.”

Em paralelo, segundo ele, as bolhas e a disseminação de notícias falsas aumentam a radicalização política. “As pessoas estão com muita raiva, em um nível poucas vezes visto”, afirma Shifter. “Além disso, parecem dispostas a tolerar um alto grau de violência.”

Para Massé, as manifestações estão sendo instrumentalizadas por elementos extremos, mas analisar a crise exige muito mais do que isso. “São protestos contra diferentes tipos de governos. Os fatores em comum são a insatisfação e a vontade de ter mais voz dentro da política.”

03 de dezembro de 2019

EM BUSCA DO CENTRO PERDIDO!

(Thaís Bilenky – Piauí) Cinco partidos se reúnem em torno de Rodrigo Maia, assumem o nome de Centro e investem nas redes contra a “guerra dos extremos”.

O café na casa do primeiro vice-presidente da Câmara é melhor, então é lá que dirigentes de oito partidos se reúnem toda semana em Brasília. Marcos Pereira, do Republicanos, é o anfitrião, mas o “chefe”, brincam seus convidados, é Rodrigo Maia, do DEM, e presidente da Câmara. A rotina à base de cafeína estimula a articulação parlamentar que desde o início do ano possibilitou ao pragmático grupo, apelidado de Centrão, ser contraponto eficiente ao Palácio do Planalto e impor derrotas sucessivas ao governo Bolsonaro no Congresso. Nas últimas semanas, porém, o café com política saiu da casa de Pereira para tentar ganhar as redes e as ruas.

Cinco partidos contrataram uma equipe de marketing político para produzir peças publicitárias que reposicionem o Centro – por mais irônico que isso pareça – no inflamado debate político do país. “Reposicionar” é o jargão do marketing no qual os contratantes apostam para substituir o apelido Centrão, que desde os tempos da Constituinte e do governo Sarney virou sinônimo de “é dando que se recebe” no Congresso. Como tirar o superlativo depreciativo do centro? Demonstrando a hipótese de que não se deve deixar levar por extremos, seja à direita ou à esquerda, é fundamental para o país retomar o crescimento econômico, reduzir a desigualdade social e mitigar os principais problemas nacionais. Daí a convencer a opinião pública vão muitos posts, memes e vídeos, calcula a Turma do Cafezinho.

Um vídeo-manifesto com duração de dois minutos – assinado apenas como “Centro”, sem marcas de partidos nem nomes de políticos – foi disparado nas redes sociais na semana passada. “O centro não é ausência de posições, é ausência de preconceitos”, declara o narrador. “Ocupar os extremos é mais confortável do que ter que dialogar e aceitar as diferenças. Difícil mesmo é livrar-se dos preconceitos e enxergar o mundo não como você acha que ele deva ser, mas ver o mundo como ele é. O centro tem um olhar privilegiado dos problemas e é por isso que é no centro onde eles se resolvem.

DEM, Solidariedade, PL, Avante e PP aderiram integralmente ao projeto. Segundo o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, presidente do Solidariedade, cada uma das cinco legendas desembolsa R$ 40 mil por mês para bancar essa equipe de comunicação, que produzirá mais do que pequenos vídeos para a internet; a pretensão é criar uma plataforma digital que se torne referência de conteúdo das principais pautas do grupo. Os formatos ainda estão em discussão, mas se cogita fazer webséries multimídia sobre assuntos como as reformas tributária e administrativa, prioritárias para o Centro.

A iniciativa é inusual em anos ímpares, não-eleitorais, ainda mais ao tomar o risco de assumir um termo, o centro, que é malvisto pela opinião pública, segundo pesquisas. A ideia é acabar com o estigma naturalizando-o. Água mole em pedra dura, tanto bate…

Outros três partidos – MDB, Republicanos e PSD – participam das reuniões semanais na casa do primeiro vice-presidente da Câmara e estão em sintonia com a agenda parlamentar da Turma do Cafezinho, mas ainda não aderiram ao plano de comunicação do Centro. A aproximação do MDB é uma vitória do grupo, facilitada pela eleição do deputado Baleia Rossi como presidente da sigla, em outubro. Seu antecessor, o ex-senador Romero Jucá, não tinha as mesmas afinidades, era de outro grupo político-culinário, a Turma do Pudim – que comandou o MDB desde a morte de Ulysses Guimarães até o fim do governo Temer.

Ao indicar Baleia Rossi autor da reforma tributária na Câmara, Maia pavimentou a aproximação com o MDB, agregando mais 33 deputados ao grupo, que soma hoje 229 parlamentares – quase 45% da Casa.

Rossi tem uma dificuldade particular com sua bancada, especialmente heterogênea – no Nordeste, o MDB tende a apoiar o PT, mas, no Sul, é alinhado ao PSL e a partidos que orbitam o governo. O emedebista gaúcho Osmar Terra é ministro da Cidadania. A agremiação é um resumo do que acontece no país: parte defende “Lula livre”, parte quer vê-lo na prisão e se entusiasma com Bolsonaro. O comando nacional do partido, contudo, está alinhado com a agenda de Maia e seu grupo. “É um diálogo de lideranças para sair da briga maluca entre os extremos”, resumiu Rossi em uma conversa em seu gabinete, na Câmara.

Para Paulinho da Força, é preciso mostrar à população que “quem tem feito as votações importantes do Congresso é o Centro” – sendo a reforma da Previdência a mais simbólica delas. A mensagem, em meio à polarização, não chega com clareza nas pontas, na sua avaliação. “A gente aposta que a guerra dos extremos vai cansar. É mais fácil você aparecer como o dono da verdade, mas não resolve nada”, disse o deputado. “Vai chegar o momento em que as pessoas vão perceber.” Para isso, disse, o grupo precisa estar posicionado para atrair setores dispostos a embarcar no seu projeto político. Ele defende que os dirigentes estabeleçam pontes com a sociedade civil, empresários, organizações não governamentais, centrais sindicais etc., em atos e eventos públicos.

A articulação dos partidos, em alguns casos, pode azeitar a formação de alianças para as eleições municipais do ano que vem. O MDB, por exemplo, aproximou-se do DEM na cúpula nacional, mas também em São Paulo e no Rio de Janeiro. Na capital paulista, uma peça-chave do xadrez é o PSDB do prefeito Bruno Covas, que pretende disputar a reeleição. Lideranças emedebistas trabalham com a possibilidade de indicação de Henrique Meirelles para a vice.

Mas a aproximação é localizada. Nacionalmente, o presidente do PSDB, Bruno Araújo (PE), deixou claro que pretende batalhar para recuperar o protagonismo que o partido já desempenhou no passado e não vai aderir ao grupo de Rodrigo Maia, apesar de terem agendas similares. “Não interessa ao PSDB liderar nenhum movimento”, ele disse à piauí. “Vamos participar de toda organização que não esteja no extremismo, mas, se for institucionalizado com CNPJ de partido, é outra história”, rechaçou.

Há mais de um candidato a centro, assim como o centro tem mais de um candidato em 2022.

02 de dezembro de 2019

MEIO SÉCULO DE PASQUIM!

(Sérgio Augusto – O Estado de S. Paulo, 01) Coincidência ou ironia do destino, o fato é que, enquanto em Brasília o presidente promovia, com fascistoide estardalhaço, o primeiro partido familiar da história política do País, belicosamente kitsch e com o mais medonho logo de sua espécie, o Sesc Ipiranga de São Paulo abria uma exposição que era, é, em tudo, o seu antípoda.

Nada mais distinto da nova aliança da bala, do boi e da Bíblia que a jubilosa exposição dos 50 anos do Pasquim. A começar pela bela e, como sempre, criativa, montagem de Daniela Thomas. Está tudo lá, até uma sala reproduzindo a cela da Vila Militar em que a maior parte dos redatores do jornal ficou presa nos dois últimos meses de 1970. Pressa desnecessária; ela fica em cartaz no Sesc Ipiranga até abril do ano que vem.

Depois? Por enquanto, nada. Seu obstinado mentor, Fernando Coelho dos Santos, fez o diabo para que ela também acontecesse no Rio, mas só encontrou obstáculos, desinteresse e cagaço político nas instituições que poderiam acolhê-la. Soa no mínimo absurdo que o jornal que era a própria encarnação do espírito de Ipanema, que alardeava ver tudo de “um ponto de vista carioca”, tenha seu cinquentenário apenas celebrado em São Paulo.

Simultaneamente à mostra, a Fundação Biblioteca Nacional disponibilizou em sua hemeroteca a coleção completa digitalizada do Pasquim, do número 1 ao 1072. Esta é a cereja do bolo.

Em meio às conversas que animaram a abertura da exposição, um fiel leitor paulistano do Pasquim me perguntou qual fora, a meu ver, o melhor número do jornal, aquele que eu levaria para uma ilha deserta. Cravei o 300. Entre outros motivos, por ter sido o primeiro número sem censura prévia depois de duzentas e tantas edições rasuradas e cortadas pelos catões da ditadura.

O 300 chegou às bancas em 29 de março de 1975. Na capa, o baixo-ventre da modelo Nádia Patinha, as partes pudendas ocultas por um biquíni preto. Sob o logo do Pasquim, sua inegociável divisa: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”, vetada até então pelos censores.

Nas páginas internas, dois poemas inéditos de Drummond, textos de Chico Anísio, João Saldanha, Pablo Neruda, Dalton Trevisan, uma entrevista com Aurélio Buarque de Holanda, mais os habituais suspeitos do semanário (Jaguar, Paulo Francis, Ivan Lessa, Ziraldo, Claudius etc), todos de algum modo abordando a durindana censória. A recente viuvez de Jacqueline Onassis inspirou quatro cartuns de Henfil e um comentário de Millôr.

Henfil: “Jacqueline mudou a historinha. Agora é a galinha que mata o homem dos ovos de ouro”. Millôr: “Jacqueline, eis uma que não só nasceu de rabo para a lua, como soube usá-lo.”

O ápice da edição, ou melhor, os dois ápices da edição foram o histórico editorial de Millôr sobre o fim da censura prévia e uma fotonovela estrelada por Fernanda Montenegro, que na maior esportiva passou duas horas no casarão gótico fake do jornal, no cocuruto da rua Saint Romain, dividindo a pantomima com Ivan Lessa, Millôr, Jaguar, Dona Nelma, a legendária secretária do Pasquim, e quem mais estivesse dando sopa no pedaço.

Inspirada, por assim dizer, na peça More Stately Mansions, de Eugene O’Neill, com enredo e diálogos de Ivan Lessa, não recebeu o título de A Mais Sólida Mansão, como a traduzira Barbara Heliodora, e sim More nas Mansões Estatais. Cobertos por clâmides improvisadas com dois lençóis, Fernanda (no papel de si própria) e Ivan (fazendo-se passar por Fernando Torres) vão ao Pasquim levar “teatro para o povo”. Nelma, espantada, pergunta o que é povo. Ivan explica: “aquela turma sem camisa”. Ao que Fernanda complementa: “quase sempre descalça”. Convocados aos gritos por Nelma, contínuos, secretárias da contabilidade, até a cozinheira, D. Marta, acorrem à sala para assistir ao espetáculo. Ao ouvido de Ivan, Fernanda cochicha: “Joga um Shakespeare neles!”. E Ivan recita um trecho de Ricardo 2º. Millôr, de penetra no canto do quadro, interfere: “A tradução é minha!” (Mentira: Millôr não traduziu Ricardo 2º). Sem obter o efeito almejado, Ivan sugere a Fernanda: “Ataca de Sófocles”. E Fernanda, com um cartazete no peito escrito “Tirésias”, discursa aos senhores de Tebas. Millôr interfere de novo: “A tradução é minha”. (Outra lorota. Ele não traduziu Antígona.) Em vista da reação negativa da assistência (“muito cerebral”, “não tem mulher nua”, “cadê o Tarcísio Meira?”), Fernanda, Ivan e Millôr saem, acabrunhados, da casa. Fernanda perguntando-se se não seria melhor gravar um LP, Ivan pensando em “jogar na ponta do Flamengo” e Millôr cogitando traduzir as propagandas do macacão do Fittipaldi.

Quanto ao histórico editorial, foi o último ato do Millôr à frente do Pasquim. Começava assim: “Cinco anos depois, tão misteriosamente como começou – ‘ordens superiores’ – a sinistra censura sobre este jornal se acabou. O Dr. Romão, o último interventor de plantão dos vinte ou trinta que passaram pela tarefa nestes mil e quinhentos dias de violências, comunicou à Nelma que ‘Vocês, agora, não precisam mandar mais nada pra censura’. Mas, vício do ofício, não conteve a ameaça ‘Agora a responsabilidade é de vocês’.”

E continuava assim: “Se mesmo sob censura prévia, 10 dos principais redatores ficaram dois meses presos na Vila Militar, por crime de imprensa, ‘a responsabilidade sempre foi nossa’. Agora o jornal passa a circular sem censura. Mas sem censura não quer dizer com liberdade. Pois a ordem de liberação, como a ordem de repressão, não partiu de nenhuma ordem identificável (…) Veio, como tudo, hoje, da voz menor de um burocrata. De modo que – não nos enganamos! – assim como a ordem veio, pode ser negada amanhã de manhã e o jornal apreendido no momento que você lê este artigo.”

E não é que foi mesmo?