29 de dezembro de 2021

A EFICÁCIA DA CONFIANÇA, POR RUTGER BREGMAN!

(Alice Ferraz – O Estado de S. Paulo, 25) “Mudar sua visão sobre a natureza humana, olhar para os humanos de uma forma radicalmente nova, implicará consequências para sua própria vida.” Essa foi a frase que deu início à conversa com um dos mais proeminentes pensadores europeus da atualidade. O holandês Rutger Bregman é taxativo ao afirmar que uma mudança de visão sobre a humanidade nos conduzirá a transformar a forma como nos organizamos em sociedade e como democracia e que, obviamente, acarretará mudanças pessoais.

Em seu mais recente livro, o best-seller internacional Humanidade: Uma História Otimista do Homem, Bregman traz uma visão – em suas palavras, realista – sobre o caráter cooperativo e de confiança do homo sapiens que “nasce para aprender, se relacionar e interagir e que tem no ‘corar’ a quintessência da socialização”. Segundo o autor, corar é uma expressão unicamente humana. “Pessoas coram e com isso demonstram que se importam com o que as outras pessoas pensam, fomentando assim confiança e socialização.”

No final de um dos anos mais desafiadores da década, o historiador chama atenção em nossa conversa para uma das recorrentes pesquisas feitas por sociólogos do World Value Survey a cada ano desde a década de 1950. A pergunta feita é: “em média, você acredita que as pessoas são confiáveis?”. Segundo Bregman, não existe nenhum país na Terra com menor número de pessoas que confiam umas nas outras que o Brasil. Na última pesquisa realizada pelo projeto, só 5% dos brasileiros afirmaram poder confiar nas pessoas em comparação aos 70% na Noruega. “A confiança é o oxigênio da sociedade, confiar faz tudo funcionar melhor. Se você não tem confiança, você tem burocracia, mais advogados. Na minha opinião, devemos fazer tudo que pudermos para aumentar o volume de confiança em uma sociedade.”

Como, então, podemos aumentar o nível de confiança no outro nos tempos em que vivemos? Bregman afirma que a pandemia provou mais uma vez que a vasta maioria dos seres humanos quer fazer o certo e contribuir para o bem comum. “Temos de reconhecer que bilhões de pessoas ao redor do globo mudaram radicalmente seu modo de viver para parar a disseminação do vírus e isso é algo impressionante. Podemos sempre olhar para quem não usa máscara e se mostra conta a vacina, ignorando a realidade, mas a grande maioria fez o que era necessário, mesmo sendo difícil e frustrante do ponto de vista pessoal e profissional, incluindo homens de negócio”, conclui.

Se Bregman parece ingênuo à primeira vista, com o decorrer da conversa vemos que suas explicações se baseiam em pesquisas importantes e contundentes. Ele traz exemplos convincentes e atuais e uma teoria revolucionária sobre a base evolutiva do homo sapiens. “É exaustivo viver sempre preocupado com o que as outras pessoas estão tramando por trás de você. Assumir que os seres humanos são programados para a bondade, confiar e esperar esse comportamento dos outros é uma forma libertadora de se viver e, possivelmente, você terá de volta exatamente o que espera.”

O livro de Bregman está na lista do também historiador e best-seller Yuval Noah Harari, autor do premiado Sapiens: Uma Breve História da Humanidade como “o livro que me fez enxergar a humanidade sob uma nova perspectiva”. Para a última semana de 2022, pode ser uma boa aposta de leitura

28 de dezembro de 2021

UM PAÍS CAPAZ DAS REFORMAS!

(O Estado de S. Paulo, 24) A destacar as várias reformas feitas no País desde a redemocratização, o conjunto de podcasts A Arte da Política Econômica – uma iniciativa do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças – mostra que houve um considerável avanço no ambiente institucional e econômico do País. Não condiz com a realidade, portanto, a ideia de que nada foi feito ou de que as coisas só pioram. Muito se fez ao longo dessas três décadas e meia, e olhar em perspectiva a trajetória das reformas pode fornecer lições importantes para os tempos atuais, tão desafiadores.

Em primeiro lugar, ao considerar o que foi aprovado desde o governo de José Sarney, percebe-se que muita coisa foi feita. E ainda mais significativo: muitas reformas foram aprovadas em situações políticas e econômicas dificílimas. Elas não são uma utopia, tampouco exigem circunstâncias excepcionalíssimas. Demandam, isso sim, diagnóstico qualificado do problema, proposta séria e liderança e coordenação políticas.

Não se trata de otimismo ingênuo.

Levantamento do Estado, realizado a partir dos podcasts da Casa das Garças, contabilizou 28 reformas aprovadas desde 1986, começando pela extinção da chamada “conta movimento” do Banco do Brasil, que fazia com que a instituição recebesse um fluxo automático e ilimitado de recursos do Banco Central, como forma de viabilizar operações de interesse do governo federal (por exemplo, compra de produtos agrícolas e concessão de crédito rural). Na prática, a conta transformava o Banco do Brasil em autoridade monetária paralela.

Ao olhar as reformas em perspectiva, fica evidente também a disparidade entre os diferentes governos. Muitas reformas foram realizadas, mas elas não aconteceram por uma espécie de impulso histórico incontornável. Houve períodos com aprovação de medidas estruturantes em ritmo intenso, como os governos de Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, e outros em que nenhuma reforma foi aprovada. Não é exagero: durante o período em que Dilma Rousseff esteve na Presidência da República, nenhuma medida de modernização do País foi implementada.

A escandalosa omissão petista revela a responsabilidade do cidadão na escolha de seu voto. Dilma Rousseff não aprovou nenhuma reforma não porque não contasse com apoio político. Em seu primeiro mandato, tinha ampla maioria no Congresso. O ponto é que ela não queria nenhuma reforma. Sua agenda era intervencionista, em irracional adesão ao retrocesso.

Caso peculiar é o governo de Jair Bolsonaro. O Congresso, quando ainda Rodrigo Maia ocupava a presidência da Câmara dos Deputados, aprovou reformas significativas, como a da Previdência e o novo marco do saneamento básico. No entanto, em vez de representar mérito para o presidente Bolsonaro, a aprovação das duas medidas revela, sobretudo, o influxo positivo, ao longo do tempo, de um governo verdadeiramente reformista. Previdência e saneamento foram objeto de intenso estudo, debate e amadurecimento no governo de Michel Temer.

As “reformas” do governo Bolsonaro – entre aspas, porque carecem de elementos mínimos para se qualificarem como medidas estruturantes – nunca foram prioridade do Palácio do Planalto. Basta ver as PECs apresentadas, em fins de 2019, sob o rótulo de “Plano Mais Brasil” ou a proposta de reforma administrativa. O governo as esqueceu.

O diagnóstico em perspectiva das reformas deixa o presidente Jair Bolsonaro em situação delicada. O bolsonarismo travou a tramitação no Congresso de dois projetos de reforma tributária (de longe, os textos mais maduros sobre o tema que apareceram em anos) e trabalhou para aprovar a PEC do Calote, paradigma de retrocesso na política fiscal.

Seria equivocado, portanto, ignorar que, ao lado das reformas e avanços, também houve, ao longo do tempo, retrocessos e paralisias. A modernização do Estado e do ambiente econômico não é uma utopia, mas requer responsabilidade do eleitor e das lideranças políticas. O obstáculo não é uma eventual impopularidade do governante, e sim o populismo, seja qual for sua cor ideológica.

27 de dezembro de 2021

A QUEDA DE BORIS JOHNSON EM REDUTO CONSERVADOR!

(The Economist/O Estado de S. Paulo, 19) A eleição para o posto vago na Câmara dos Comuns para a região de North Shropshire deveria ter sido fácil para os conservadores que governam o Reino Unido. Neil Shastri-Hurst era um candidato verdadeiramente conservador para um assento verdadeiramente conservador. Cirurgião que serviu ao Exército e posteriormente virou advogado, ele trajava jaquetas e blazers – um visual meio antiquado, talvez, dada sua meia-idade, mas que combinava com os vilarejos e propriedades rurais que ele visitava para angariar apoio.

História e demografia sugeriam que ele encontraria bastante respaldo em North Shropshire. Os limites da circunscrição tinham mudado, mas a região vinha elegendo conservadores continuamente desde 1832, exceto por um hiato de dois anos, após a vitória de um liberal, em 1904.

Owen Paterson, o parlamentar anterior, havia garantido 63% dos votos na eleição mais recente, em 2019, o melhor resultado em sua carreira de 24 anos. Os eleitores da região são mais velhos, mais brancos e mais pró-Brexit do que a média entre as circunscrições, o que tipicamente sugere um terreno favorável aos conservadores.

Mas não foi o que aconteceu. Na votação para preencher o posto, em 16 de dezembro, os eleitores escolherem a liberal-democrata Helen Morgan com 17.957 votos, ante 12.032 do rival. Foi uma derrota considerável para o governo: a fatia de 34,1% dos votos capturada do eleitorado conservador foi a maior desde 2014. Sir John Curtice, especialista em eleições da Universidade de Strathclyde, afirmou que, se esse fenômeno fosse um terremoto, sua magnitude seria de pelo menos 8,5 na escala Richter.

O desdobramento segue-se a uma vitória igualmente dramática dos liberal-democratas em Chesham e Amersham, que lhes garantiu o importante assento de Buckinghamshire, em junho. O significado disso para os conservadores é claro: se circunscrições como essas correm risco sob a direção de Boris Johnson, as deles também estão em perigo.

O partido de Johnson aceitou seu errático estilo de governo acreditando que ele é um cabo eleitoral inigualável. Esse entendimento está se rompendo. O partido tolera incompetência ou impopularidade. Ambas, não. Nenhum desafio à liderança de Johnson sobre o partido parece iminente. Mas, afirmou Geoffrey CliftonBrown, poderoso líder conservador, algum desafiante poderá se materializar se o primeiro-ministro não se acertar nos próximos três meses.

Oliver Dowden, copresidente do Partido Conservador, minimizou o resultado, qualificando-o como uma ressaca de meio de mandato. “Os eleitores de North Shropshire estão irritados e nos mandaram uma mensagem”, afirmou. Governos em meio de mandato perderem eleições para postos vagos na Câmara dos Comuns é a regra geral, e este resultado é um retorno à forma histórica para os liberal-democratas, que há muito são habilidosos competidores em eleições para postos assim.

Com frequência, essas vitórias se revertem para o partido governante em uma eleição geral – veja, por exemplo, as vitórias liberais em Richmond Park, em 2016, ou em Brecon and Radnorshire, em 2019.

Em outros momentos, porém, elas representam pontos de inflexão: sinais de que um primeiro-ministro é irrevogavelmente impopular, prenúncios de sua derrota eleitoral. Para Margaret Thatcher, o começo do fim foi uma eleição para preencher um posto na Câmara dos Comuns em Eastbourne, em 1990. Para John Major, foi Newbury, em 1993. Para Gordon Brown, Glasgow East, em 2008. A diferença entre um tropeço ou um presságio fica clara somente em retrospectiva. Mas a coisa não parece nada boa para Johnson.

A primeira razão é a prova de que os eleitores estão respondendo ao governo não com mera insatisfação, mas com aversão. Paterson deixou o Parlamento em desgraça. Em outubro, uma investigação constatou que ele trabalhou indevidamente como lobista enquanto era parlamentar e recomendou sua suspensão por 30 dias da Câmara dos Comuns.

Ele achou a decisão injusta, assim como Johnson, que pressionou seus parlamentares a votar para derrubá-la e reformar a comissão que tinha decidido. Tratou-se de um reflexo autocrático, impedido por imediatas reações contrárias em seu próprio partido. Johnson recuou. Paterson renunciou ao cargo.

Seria possível sobreviver a isso, caso o fato não tivesse ocorrido no início de um mês catastrófico, que permitiu aos liberal-democratas transformarem a disputa em um referendo a respeito do estilo de governo de Johnson. Durante um discurso para empresários, ele embarcou numa desconexa digressão a respeito da Peppa Pig, a personagem de desenhos animados.

O Partido Conservador foi multado por infringir a lei eleitoral, por não relatar devidamente uma doação que havia financiado uma reforma no apartamento de Johnson, em Downing Street. Revelou-se que festas foram realizadas na residência oficial e em instalações do Partido Conservador, no ano passado, durante os lockdowns para conter a pandemia.

Em 14 de dezembro, Johnson enfrentou uma grave rebelião de parlamentares contra as novas medidas contra a pandemia, que a oposição interpretou como um sinal de fraqueza. Enquanto isso, sua aprovação cai: o instituto Ipsos Mori indicou que Keir Starmer, do Partido Trabalhista, é considerado mais capaz para exercer o cargo de primeiro-ministro por uma margem de 13 pontos, a primeira vez que um líder trabalhista fica à frente nessa sondagem desde 2008. Menos de um quinto dos eleitores considera que Johnson tenha bom julgamento ou represente bem o Reino Unido no exterior.

A segunda razão para Johnson se preocupar é que o resultado sugere que a volatilidade que redefiniu a política britânica nos cinco anos recentes não se abateu. O triunfo eleitoral de Johnson em 2019 decorreu do enfraquecimento de antigas lealdades ao Partido Trabalhista em circunscrições nevrálgicas para a legenda. Esse resultado sugere que lealdades estão indefinidas também em bastiões conservadores e, com o divórcio da Europa já estabelecido, o Brexit deixou de ser um grito de união para os conservadores como era dois anos atrás.

Ainda assim, mais onipresente para o primeiro-ministro é a evidência de que os eleitores de oposição estão se organizando de maneira marcadamente eficiente, concentrando o voto no candidato capaz de vencer um conservador. Enquanto a fatia de eleitores liberal-democratas aumentou em North Shropshire, a do Partido Trabalhista, a principal legenda de oposição, caiu mais que a metade.

Um padrão similar foi percebido em Chesham and Amersham. Há evidências de uma discreta e informal cooperação: os trabalhistas mantiveram o assento em Batley and Spen em uma eleição para ocupar um cargo vago na Câmara dos Comuns, em julho, auxiliados por um leve toque da campanha liberal-democrata. E os trabalhistas não lutaram o quanto poderiam em North Shropshire, apesar de ter terminado em segundo lugar na disputa de 2019.

Esse balé faz sentido: o número de circunscrições em que liberal-democratas e trabalhistas são os principais rivais uns dos outros reduziu-se acentuadamente na última década, à medida que as regiões mais promissoras para cada partido se distinguiram cada vez mais. Se o agrupamento em torno de um único candidato de oposição visto em North Shropshire se repetir em outras circunscrições dominadas por conservadores, isso poderia ser fatal para eles.

23 de dezembro

GABRIEL TARDE! 

(Cesar Maia – Folha de SP, 15/05/2010) Gabriel Tarde (1843-1904), sociólogo francês, pai da microssociologia (e da micropolítica), viu suas ideias serem atropeladas pelas escolas estruturalistas, como as de Marx, Durkheim, Weber etc., que prevaleceram no século 20. Sua obra capital foi “Les Lois de l’Imitation” (1890), texto fundamental para entender a lógica da internet 110 anos depois.

Em “Leis da Imitação”, Tarde analisa o processo de formação de opinião a partir das relações entre os indivíduos. Nos termos de hoje: os meios de comunicação, sistemas de publicidade, vocalizadores etc… distribuem informações, que são filtradas pelos indivíduos. Para assumi-las como opinião sua, o indivíduo as testa com alguém em cuja opinião confia.

Na medida em que haja coincidência, ele afirma a informação como opinião e a repassa. Esse processo ocorre em pontos infinitos, que vão formando fluxos de opinamento. Alguns são linhas tênues, que desfalecem. Outros fluxos se ampliam e vão avançando com diversas intensidades viróticas.

Para Tarde, há três tipos de indivíduos: os “loucos”, que iniciam fluxos de opinamento; os “tímidos” ou “sonâmbulos”, que são repassadores de fluxos, ou imitadores, na expressão de Tarde; os “tolos”, ou “descrentes”, que pouco repassam os fluxos recebidos.

Para Tarde, a imitação difunde-se em ondas concêntricas. Por esse processo se formam as instituições e a opinião pública. Se um grupo social afirma ideias, outros podem repassá-las por “imitação”. Olhando para os meios de comunicação de hoje, que são os mais importantes distribuidores de informação, estes obedecem à lógica da audiência, pois esta define suas rentabilidade e competitividade.

Estrito senso, os meios de comunicação não formam opinião, mas reforçam opinião formada. Mas, como estão inseridos socialmente, por sensibilidade, estudos ou pesquisas, dão conta de fluxos de opinamento em formação sustentada.

Quando propagam esses fluxos, aceleram enormemente a velocidade de transformação deles em opinião pública. Fluxos que constituiriam opinião pública em, por exemplo, dois anos, podem ser acelerados pela TV e formar opinião em duas horas, como ocorre algumas vezes.

A lógica da internet e de suas redes é essa, agregada à diversidade informacional de hoje. “Louco” é quem cria um fluxo e vê sua repetição às centenas e aos milhares nas redes, no YouTube…

“Tímidos” são os mais importantes para os iniciadores e estimuladores de fluxos (políticos entre estes).

São os “tímidos” que garantirão aos fluxos os múltiplos acessos e a aceleração na formação de opinião -e o voto. Um processo muito mais complexo e difícil que na TV dos anos 70/80.

22 de dezembro de 2021

BRASIL, AINDA UMA DEMOCRACIA?

(Albert Fishlow, economista e cientista político, professor emérito nas universidades de Columbia e da Califórnia em Berkeley – O Estado de S. Paulo, 19) Com o início do recesso parlamentar, depois de o Congresso preparar a votação do Orçamento federal, um ano decisivo de eleições presidenciais acaba de começar. Bolsonaro conseguiu garantir um novo partido político para apoiá-lo e, também, elevar o déficit federal projetado para o dobro do nível de 2021, aumentando os benefícios para os pobres, assim como a isenção do Imposto de Renda para aqueles com receitas mais altas.

Agora, ele só precisa se preocupar com a enorme liderança de Lula nas pesquisas e com a insistência do Supremo Tribunal Federal (STF) em manter os princípios eleitorais democráticos. Com o surgimento de novas informações nos EUA sobre as tentativas fracassadas de Trump de se manter no cargo presidencial ilegalmente, Bolsonaro e os filhos talvez queiram passar as férias lendo em vez de relaxar ou dirigir motos.

Lula, por outro lado, já está tentando se definir mais como centrista do que esquerdista. Ele também procurou enfatizar seu compromisso com uma política climática positiva na Amazônia, o que diverge de sua posição anterior. A decisão dele de oferecer a vice-presidência a Geraldo Alckmin, duas vezes candidato à presidência pelo PSDB, foi uma jogada inteligente. Desta forma, ele busca atrapalhar as esperanças de João Doria, governador de São Paulo.

Sérgio Moro também entrou na disputa. Sua fama é resultado de seu papel central na Lava Jato. A Operação também levou à prisão de Lula, que, posteriormente, foi anulada após revisão de um tribunal superior. Moro foi ministro da Justiça durante o primeiro ano de mandato de Bolsonaro, de quem se afastou mais tarde depois de pedir demissão. Por isso, ele se define, naturalmente, como opositor de ambos os principais candidatos.

A vitória de Lula proporcionará a faísca de inovação que o Brasil tanto precisa? O PT conseguirá reconstruir o Brasil afastando-se de seu forte compromisso atual de apenas gastar mais, em vez de alocar melhor?

Os problemas econômicos enfrentados pelo País são graves, e dificilmente serão resolvidos pela liderança de Paulo Guedes, cujo simples compromisso com o setor privado não funciona tão perfeitamente quanto ele acredita. As projeções econômicas para o futuro imediato são ruins.

Este padrão exige mudança. O compromisso com a inovação regular é a única solução. O Brasil deve se integrar ao mundo de forma mais eficaz, com menos dependência do nacionalismo e do populismo. Isso não é fácil. Tal estratégia não é completamente centrada no Estado, nem dependente de sinais de lucro privado. A democracia permite que ela funcione.

20 de dezembro de 2021

INDIGNADOS!

(Cesar Maia – Folha de SP, 11/06/2011) Manuel Castells apresentou, em 2009, seu livro “Comunicación y Poder” numa conferência na Universidade Complutense de Madri (ver no YouTube). Trata da mudança da política pela transformação da comunicação.

A construção do poder é a capacidade de atores sociais influenciarem outros, de maneira a reforçar o seu poder. Onde há poder existe contrapoder ou resistências às relações institucionalizadas.

A batalha pelas mentes se joga na comunicação. Não é o Estado, e sim a comunicação, o instrumento básico de construção do poder. Castells diz que a emoção fundamental é o medo, que elimina o espírito crítico e foca, nos indivíduos, a busca por proteção.

A informação que reforça o que uma pessoa pensa tem seis vezes mais probabilidade de ser registrada. Por isso, a imprensa vai atrás da opinião que as pessoas já têm. A comunicação cria o campo das mudanças na opinião pública. Isso não quer dizer que se siga a mídia -que constrói os espaços públicos. As pessoas opinam sobre o que é divulgado.

Informações omitidas pela mídia restringem o espaço público do debate. A audiência é ativa, mas se dá no espaço público do que é divulgado. Grave é o que a mídia omite.

Política sem comunicação de massa não chega ao público. A mídia não é detentora de poder, mas formadora dos espaços onde se constrói o poder. A comunicação política requer mensagens simples e poderosas. O mais simples é o rosto humano. O mais poderoso é a confiança.

A estratégia fundamental na disputa pelo poder é destruir a confiança numa pessoa ou num partido. Quem não participa de tal jogo não está na política.

Essa disputa é a política do escândalo. São batalhas pelo poder simbólico onde se joga reputação e confiança. Mas o excesso gera fadiga do escândalo que termina igualando a todos e desprestigiando o sistema político. A correlação entre corrupção percebida e descrédito nos políticos é clara.

Hoje, o jogo do poder depende também das novas mídias, via internet e celular, que são redes horizontais ou autocomunicação de massa.

O sistema se abre a mensagens de todo tipo, individuais e de movimentos sociais. Estes atuam sobre valores sem objetivar o poder, e estão fora da sociedade civil organizada.

Aqui surgem práticas políticas insurretas, movimentos espontâneos dos indignados, que até desestabilizam governos. Passam por cima dos partidos e das regras do jogo. É a cultura da indignação. Os indignados que não atuavam na política entram no jogo.

O espaço público está sendo reconstituído fora das instituições. As condições de mudança se produzem nesse novo espaço da comunicação. É a sociedade fora dos partidos e dos sindicatos. Esse é o mundo do poder e da mudança.

17 de dezembro de 2021

ANTIPOLÍTICA NO CHILE!

(João Vitor Cardoso, pesquisador do Centro de Estudios de Conflicto y Cohesión Social e doutorando pela Universidad de Chile – Folha de S. Paulo, 04) Devido ao marco eleitoral definido pela ditadura (o dito ‘sistema binominal’), no Chile se estabeleceram duas grandes coalizões políticas: por um lado, a ‘Concertación’, abrangendo os partidos de esquerda; e, por outro, a ‘Alianza por Chile’, com a direita. Apesar de outras coligações também se estruturem ao longo do tempo, como a ‘Frente Amplio’, do candidato presidencial esquerdista Gabriel Boric, este sistema gerou no país duas identidades políticas tradicionais.

Em 2015, houve uma reforma que pôs fim a tal sistema e, entre outras medidas, obrigou os partidos a apresentar 40% de candidaturas femininas. Antes, em 2012, o voto passou a ser facultativo e, desde então, a tendência de participação eleitoral apresentou baixa considerável. Em suma, nas últimas décadas, os presidentes foram sendo eleitos graças ao voto de aproximadamente um terço do eleitorado. A mobilização deste terço em cada banda ideológica vai provocando o espelhamento da representação política em duas minorias – enquanto, ao mesmo tempo, o grupo de pessoas que não se identifica com o sistema eleitoral cresceu nos últimos anos.

Esse processo acompanha a redução da identificação partidária que vem ocorrendo na América Latina. O Chile, depois da Guatemala, é o país da região onde as pessoas menos se identificam com um partido político. Para além da polarização direita-esquerda, como o cientista político Carlos Meléndez observa, a orientação negativa em relação aos partidos políticos é um previsor importante da intenção de votos.

Essa ‘anti-identificação’ com os partidos revelou-se no primeiro turno das eleições presidenciais com o sucesso do candidato outsider Franco Parisi, que abraçou uma identidade ‘antissistêmica’ e ficou em terceiro lugar. Neste gradual abandono da identificação partidária, as pessoas ‘apartidárias’, que aparentemente recusavam qualquer politização, agora parecem tender ao populismo.

Vale lembra que, em outubro de 2019, os levantes populares, conhecidos como ‘Estallido Social’, ecoaram a crise do modelo de ‘soluções privadas para problemas públicos’ estabelecido pela Constituição de 1980, como sintetiza o constitucionalista Javier Couso. Com efeito, observa-se uma tensão entre eficácia econômica e legitimidade política na medida em que esta última está ancorada na promessa de expansão do consumo e ascensão social das classes médias.

Assim, em um contexto de estancamento econômico, aumento nas tarifas de serviços básicos, alta concentração de renda, avanço da criminalidade, intenso movimento imigratório e profunda deslegitimação do sistema político, o modelo socioeconômico constitucionalizado pela ditadura colapsa.

Enquanto a desorganização da economia gera convulsão social, esta desorganiza o sistema político. Um ano depois, em outubro de 2020, 78% dos chilenos votaram a favor de abrir um processo constituinte, em plebiscito que teve a maior participação eleitoral da história do país desde a instituição do voto facultativo.

Os candidatos presidenciais que chegaram ao segundo turno colocam-se em polos opostos diante desse fenômeno: o ultradireitista José Antonio Kast chamou a população a votar pelo ‘recuso uma nova Constituição’ e reduziu a convulsão social a uma questão de segurança pública; já Boric estava na mesa de negociações do acordo multipartidário que abriu caminho para a institucionalização do processo constituinte.

Caso este resista às eleições, o Chile terá a primeira Constituição paritária do mundo, graças a um mecanismo de correção de resultados destinado a assegurar que nenhum sexo esteja super-representado no organismo que está redigindo a nova Carta do país. Aos representantes dos povos originários também foram garantidos 17 assentos, distribuídos de acordo com a prevalência de cada grupo étnico.

Na eleição do próximo dia 19 de dezembro, o exemplar processo constituinte, com regras eleitorais inovadoras, pode estar em jogo. Por um lado, as consequências da crise social abriram caminho para uma atuação crescente de grupos, setores e classes emergentes, culminando na Constituinte; por outro, observa-se uma pane na classe média, que acaba se deixando levar por populismos que prometem segurança e estabilidade na base da força.

16 de dezembro

CICLOS POLÍTICOS!

(Cesar Maia – Folha de SP, 16/10/2010) Há certa tendência do eleitorado em dar, aos governos, um prazo maior que o de um mandato para mostrar a que vieram. A reeleição é percebida como um mandato de oito anos, com ‘recall’ no quarto.

Só um governo desastrado – penso assim – não consegue a reeleição.

Mesmo aqueles com avaliação regular tendem a conseguir o segundo mandato, projetando expectativas a partir do tempo que precisam. E do uso da máquina. Nos regimes parlamentaristas, estes ciclos costumam ir além dos oito anos, mas raramente acima de 12 anos. Helmut Kohl, na Alemanha, foi uma exceção: governou 16 anos.

As razões para o esgotamento dos ciclos decenais são conhecidas. As expectativas excedem, e vem um julgamento muito mais enérgico que no primeiro mandato. O eleitorado muda, com a inclusão dos que eram jovens sem direito a voto antes. É o conhecido ‘desgaste de material’ que o exercício do poder impõe.

‘Desgaste de material’ é quando o governante passa a ter a intimidade do eleitor e perde a capacidade de criar expectativas e de surpreender.

A sensação de que as mudanças, ou mais mudanças, não virão estimula o eleitorado a buscar a alternância.

No entanto, nada disso é automático, e menos ainda compulsório. Depende da oposição. Quando uma força política, ou uma coligação, vê seu ciclo terminar e toma isso como fracasso seu, e não como a alternância de ciclos, produto da tendência natural do eleitor, se precipita e passa a se autoflagelar. E, assim, transforma em desastre uma derrota natural e previsível.

O novo ciclo, que poderia ser mais curto, termina sendo mais longo, pela fragilização da oposição. A entrada de um novo ciclo político exige das forças políticas que estão fora da nova onda paciência e talento. Paciência para entender esse processo e não ter crises de ansiedade. Talento para encurtar a duração da nova onda.

Em 2002, a percepção da oposição era que o governo que assumia produziria um desastre. Ficou esperando. O desastre não veio, e uma expansão mundial lhe deu até conforto. No ‘mensalão’ de 2005, a palavra de ordem que prevaleceu foi ‘deixar sangrar’. A sangria passou rapidamente, com umas demissões, o crescimento econômico e a intensificação dos programas assistenciais.

Por aqui, um novo ciclo atrai políticos de um lado para outro. Nos países em que o voto é distrital ou em lista, com poucos partidos, isso não ocorre. Num país federado e continental como o Brasil, esses ciclos se dão também em nível regional. E o que se vê, país afora, é uma ingênua e imprudente autoflagelação dos perdedores. Paciência e talento aos perdedores.

15 de dezembro de 2021

ESCÂNDALOS ASSOMBRAM CASTILLO!

(O Estado de S. Paulo, 10) O presidente do Peru, Pedro Castillo, sobreviveu a uma tentativa do Congresso de impedilo, mas apenas por agora. Na noite de terça-feira, Castillo provavelmente sentiu algo próximo a um alívio. Depois de horas de deliberação, o Congresso votou contra a abertura de um processo de impeachment para removê-lo da presidência, duas semanas depois de um grupo de parlamentares de direita apresentar a moção.

Até segunda-feira, a situação parecia ruim para o desgastado presidente e não apenas por causa da agressiva oposição que ele tem enfrentado de virtualmente todos os campos políticos – incluindo de seu próprio partido, o Perú Libre – desde o primeiro dia de seu governo. Enquanto uma série de escândalos chegava às manchetes ao longo do mês passado, parecia que a oportunidade para a direita se livrar de Castillo finalmente havia chegado, enquanto até partidos mais centristas, como Acción Popular e Alianza por el Progreso, consideravam publicamente a possibilidade.

Mesmo assim, a moção pela abertura dos procedimentos fracassou, aparentemente porque a oposição não obteve o coup de grâce que esperava para o fim de semana. Uma reportagem aguardada, que revelaria o teor de gravações de áudio que implicariam Castillo em um caso de suborno, não foi publicada, por fim.

Mas isso não importa. Apesar de seus erros, a oposição encontrará uma outra chance, porque ao que tudo indica Castillo logo lhe proverá um novo motivo para sua remoção. Apenas quatro meses após iniciar o mandato, múltiplas alegações de corrupção emergiram no entorno do presidente. Um ex-comandante do Exército acusou Castillo, seu ministro da Defesa e seu chefe de gabinete, Bruno Pacheco, de pressioná-lo para promover oficiais próximos a Castillo indevidamente.

O ex-comandante alega que foi aposentado compulsoriamente quando se recusou. O diretor da agência de tributos e aduana do Peru também acusou Pacheco de pressioná-lo para favorecer certas empresas com impostos atrasados, o que ocasionou uma investigação. Poucos dias depois, Pacheco, que desde então se demitiu do cargo, foi encontrado com US$ 20 mil escondidos no banheiro de seu escritório. Ele alega que o dinheiro era de sua poupança.

Para piorar as coisas, em 28 de novembro, um programa jornalístico mostrou imagens de Castillo encontrando-se secretamente, tarde da noite, com uma mulher, em um edifício não destinado a assuntos oficiais do governo. A mulher foi posteriormente identificada como Karelim López, lobista de uma empresa que recentemente venceu uma licitação do governo oferecendo seus serviços por exatos 27 centavos a menos do que sua competidora. Foi essa série de eventos que motivou parlamentares dos partidos Renovación Popular, Avanza País e Fuerza Popular a apresentar a moção de impeachment.

Num discurso ao país, Castillo declarou que o encontro com López foi “pessoal” e que houve uma tentativa de desacreditá-lo por parte de pessoas que não conseguem aceitar um presidente camponês. Em um anúncio paralelo, a respeito de esforços para coletar dinheiro para crianças órfãs, Castillo afirmou que explicaria a fonte dos recursos para o projeto “muito em breve”. A respeito da suposta interferência nas forças armadas, Castillo disse apenas que respeita a instituição.

Escândalos estão obscurecendo qualquer avanço em políticas que o governo possa estar promovendo. A principal proposta de Castillo, mudar a Constituição, parece mais improvável que nunca. Houve muito pouca resposta em relação aos relatórios a respeito dos poderes legislativos que o Executivo pediu ao Congresso no começo de novembro.

A vice-presidente, Dina Boluarte, a primeira na linha de sucessão, também enfrenta significativa hostilidade da oposição e dentro do Perú Libre. A atual primeira-ministra de Castillo, Mirtha Vásquez, tem se dedicado principalmente a apagar incêndios que parecem atingir diariamente o palácio presidencial – incluindo seu próprio anúncio a respeito do fechamento de quatro minas em Ayacucho, do que teve de voltar atrás dias depois após muitas críticas do setor privado.

Em um aparente esforço para negociar sua sobrevivência, Castillo chamou para conversar os líderes de todos os partidos no Congresso antes de terça-feira, sem especificar a agenda. Os dois maiores de direita, Fuerza Popular e Renovación Popular, não atenderam ao convite.

Sua reunião com Vladimir Cerrón e seu ex-primeiro-ministro Guido Bellido, membros da facção radical do Perú Libre, que por fim não apoiou a moção para impedi-lo, provocaram especulação de que Castillo voltará a se inclinar para a extrema esquerda por causa da determinação da direita em removê-lo do cargo.

Mas isso não aumentará seu poder nem o enfraquecerá. O verdadeiro problema de Castillo parece ser que ele, aparentemente, está pouco interessado em governar e, em vez disso, parece ter o foco em usar sua posição para favorecer seus aliados e talvez a si mesmo. Seus defensores argumentariam que isso não o diferencia em relação a presidentes peruanos anteriores, mas a questão é precisamente essa: longe de trazer uma mudança real, Castillo está dando continuidade aos mais tradicionais aspectos da política peruana.

Enquanto isso, os opositores darão tempo ao tempo. Eles se contiveram nessa ocasião, mas não por alguma preocupação verdadeira pela estabilidade democrática, nem, evidentemente, por qualquer apoio tácito a Castillo. A direita simplesmente aprendeu uma lição com o impeachment e a remoção do cargo do ex-presidente Martín Vizcarra, em 2020: enquanto o presidente tem algum apoio, tentativas de destituí-lo resultarão numa significativa reação contrária. Isso não quer dizer que os recentes eventos não estão prejudicando os índices de aprovação de Castillo.

Ele tem atualmente 25% de aprovação, em comparação a 35% em outubro, segundo o instituto de pesquisa IEP, mas 55% da população ainda é contra sua remoção do cargo – provavelmente porque o Congresso tem uma taxa de aprovação ainda pior, de 21%. Então, a direita vai esperar e acompanhar os desdobramentos. Com base em seu comportamento até este ponto, Castillo dará oportunidade para a direita lhe impingir o golpe mortal mais cedo que tarde.

14 de dezembro

TRAGÉDIA ANUNCIADA NA EDUCAÇÃO!

(O Estado de S. Paulo, 12) A pandemia de covid-19 está longe de ser uma tragédia superada, mas é inegável que o avanço da vacinação no Brasil tem diminuído as infecções e o número de mortes. Nada trará de volta as mais de 615 mil vítimas do novo coronavírus. O luto das famílias deve ser respeitado e o surgimento de novas variantes deve manter todos em alerta. Ao mesmo tempo, o País precisa voltar os olhos para o futuro antes que o retrocesso promovido pelo desgoverno nos últimos três anos seja irreversível. É urgente, portanto, conter o avanço da evasão escolar.

A partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, o movimento Todos pela Educação conseguiu traduzir em números uma catástrofe mais do que anunciada. Cerca de 244 mil crianças e adolescentes com idade entre 6 e 14 anos estavam fora da escola no segundo trimestre deste ano, um crescimento de 171,1% em relação ao mesmo período de 2019. Isso significa que 1% deles não estava matriculado em nenhuma instituição, ante 0,3% em 2019. É a maior taxa dos últimos seis anos. No Ensino Fundamental ou Médio, a taxa de atendimento dos estudantes recuou de 98% em 2019 para 96,2% neste ano, a pior desde 2012.

Mesmo com o retorno presencial das aulas em todo o País, a expectativa para os últimos meses deste ano não é de melhora. O líder de Políticas Educacionais do Todos pela Educação, Gabriel Corrêa, explicou ao Estado que o fechamento prolongado das escolas criou um preocupante desengajamento, principalmente entre os alunos mais pobres. O resultado dessa mazela social é evidente. Basta frequentar as ruas para perceber onde estão essas crianças: trabalhando para tentar ajudar suas famílias a trazer comida para dentro de suas casas. Na Bahia, por exemplo, a quantidade de pedidos para estudar à noite disparou, já que os interessados assumiram outras atividades econômicas durante o dia.

A evolução do porcentual de jovens fora da escola escancara a marca de irresponsabilidade do governo Jair Bolsonaro. A evasão, que caiu ano a ano entre 2012 e 2019, subiu de forma consistente nos últimos três anos. Há também muitas crianças atrasadas na trajetória de ensino. Mais de 700 mil daquelas com idade entre 6 e 14 anos estão matriculadas na pré-escola, etapa voltada para aquelas entre 4 e 5 anos.

O Banco Mundial já havia alertado, em março deste ano, para o grave quadro educacional que se desenhava na América Latina e no Caribe. A instituição financeira estimava que o abandono escolar poderia aumentar 15% na pandemia e que a região teria a segunda maior alta mundial absoluta de pobreza de aprendizagem – na época, um em cada dois alunos já era incapaz de ler e compreender um texto simples ao fim do Ensino Fundamental. O custo econômico agregado das perdas em capital humano e produtividade somaria US$ 1,7 trilhão, conforme o banco.

No Brasil, porém, o governo fez ouvidos moucos às previsões e continua a ignorar indicadores que apenas confirmam essa calamidade. A única preocupação do presidente Jair Bolsonaro na área de Educação era excluir do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) questões não alinhadas à pauta conservadora e promover um revisionismo histórico por meio do qual o golpe militar de 1964 seria tratado como revolução. Enquanto isso, o exame, que completou 23 anos e é a principal porta de entrada de universidades públicas, teve o menor número de inscritos desde 2005.

Depois de três péssimos ministros, cortes em verbas para bolsas e demissões coletivas em órgãos vinculados à pasta, a dúvida que remanesce é quando a crise na Educação brasileira encontrará o fundo do poço, de forma que o estrago possa finalmente começar a ser revertido. É mais do que necessária uma articulação entre União, Estados e municípios para promover a busca ativa dos estudantes e trazê-los de volta para a sala de aula, tarefa que hoje tem sido desempenhada apenas por professores e diretores. É algo desafiador e que, no caso das crianças carentes, passa pelo básico: oferecer refeições àquelas que têm fome.

13 de dezembro de 2021

GANGUES DISPUTAM CONTROLE DE CIDADES DA RIVIERA MAIA E ASSUSTAM TURISTAS NO MÉXICO!

(O Estado de SP, 06) Os mexicanos mais saudosistas ainda se lembram do paraíso que era o balneário de Acapulco, cantado na voz doce de Frank Sinatra – hoje, uma cidade tomada pela violência. Para não ver o pesadelo se repetir na Riviera Maia, o governo do Presidente Andrés Manuel López Obrador mandou para a região um batalhão de elite da Guarda Nacional, treinado especificamente para a segurança dos turistas. No fim de semana, homens fortemente armados começaram a patrulhar as praias de água azul turquesa.

O envio de um grupo de elite da Guarda Nacional foi anunciado por López Obrador em novembro após uma onda de violência tomar conta da Península de Yucatán. No dia 20 de outubro, um confronto entre gangues no bar La Malquerida, em Tulum, deixou dois turistas mortos – uma alemã e uma indiana – e três feridos.

No dia 4 de novembro, em Puerto Morelos, um lugarejo localizado entre Cancún e Playa del Carmen, um comando fortemente armado tomou de assalto a praia do hotel Hyatt Ziva Riviera com a intenção de assassinar dois traficantes de um grupo rival – ambos disputavam o ponto de venda de drogas. O confronto terminou com a morte de dois traficantes e cenas de pânico, com turistas e funcionários correndo em desespero em busca de proteção.

Na semana passada, documentos revelados pela agência EFE mostraram uma operação confusa da polícia do Estado de Quintana Roo, no dia 1º de outubro. Homens mascarados e fortemente armados invadiram o hotel El Pez, em Tulum, causando pânico entre os hóspedes. O governo estadual garante que foi uma missão de busca e apreensão, mas muitos turistas acabaram roubados – alguns foram até expulsos do lugar sob a mira de fuzis automáticos.

No México, há um excesso de forças policiais. Além de duas polícias federais e 31 estaduais, cada município também tem uma. No total, são mais de duas mil corporações diferentes. Apenas o Distrito Federal – Cidade do México – tem quatro forças policiais.

A ponta mais frágil da cadeia são os policiais municipais, que quase não têm direito a férias. A maioria, cerca de dois terços, ganha menos do que um salário mínimo e todos pagam pela munição que utilizam. Ao mesmo tempo, são eles que enfrentam mais de 90% dos crimes comuns cometidos e estão na linha de frente dos cartéis, portanto, mais vulneráveis à corrupção.

Por isso, a ideia de López Obrador é tentar federalizar a segurança pública, investindo nessa força de elite da Guarda Nacional. Ao todo, cerca de 1,5 mil integrantes foram enviados para a Riviera Maia, distribuídas entre as localidades de Benito Juárez, Isla Mujeres, Solidaridad, Puerto Morelos e Tulum.

De acordo com especialistas, quatro grandes cartéis disputam o domínio do tráfico de drogas nas praias de Quintana Roo – Los Zetas, Jalisco Nueva Generación, Golfo e Sinaloa. Essas quatro organizações estão ligadas a gangues locais, que não se importam em disparar contra qualquer um em plena luz do dia. Uma delas é conhecida como ‘Cartel de Cancún’, que é formado por ex-integrantes dos Zetas.

As receitas dos cartéis, no entanto, não se resumem ao tráfico de drogas. Segundo Edgardo Buscaglia, especialista da Columbia Law School, de Nova York, as organizações criminosas mexicanas complementam a renda com contrabando, falsificação de dinheiro, de documentos, fraudes, homicídios por encomenda, roubo, pirataria, prostituição, sequestro, tráfico de armas e de seres humanos.

No caso da Riviera Maia, a extorsão é uma importante fonte de recursos das organizações criminosas. Nos últimos meses, hotéis, restaurantes, pizzarias e até um shopping center sofreram violentos ataques associados à cobrança por proteção, o que levou muitos estabelecimentos a fecharem suas portas. ‘As investigações apontam que a violência é causada, principalmente, por células do cartel de Sinaloa que disputam o território entre si’, disse o governador do Estado, Carlos Joaquín González.

10 de dezembro de 2021

CARTAS EM TUPI TRADUZIDAS PELA 1ª VEZ MOSTRAM VISÃO INDÍGENA SOBRE FORMAÇÃO DO PAÍS!

(Reinaldo José Lopes – Folha de SP, 04) “Aîmondó benhe xe nhe’enga”, ou, em português, “Envio de novo minhas palavras”: assim começa um dos documentos mais preciosos do Brasil colonial, parte de um conjunto de seis cartas no idioma tupi escritas entre agosto e outubro de 1645.

A pequena coleção de mensagens, que acaba de ser integralmente traduzida pela primeira vez, é o único registro de indígenas colocando sua própria língua no papel durante os primeiros séculos da colonização do país.

Os textos são, além disso, testemunhos de uma guerra civil que dilacerou tanto o Nordeste como um todo quanto a tribo dos potiguaras, cujo idioma materno era o tupi. Essa etnia vivia em um território litorâneo que ia da Paraíba ao Ceará, e pertenciam ao grupo os autores e os destinatários das missivas.

As cartas foram traduzidas por Eduardo Navarro, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e um dos principais especialistas em tupi antigo do país.

A pesquisa de Navarro sobre os textos deve ser publicada em breve em artigo no Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. “Graças a Deus terminei”, brinca ele. “Creio que dei conta de resolver 99% dos desafios dos textos, se não todos.”

As cartas foram escritas durante a Insurreição Pernambucana, revolta organizada pelos colonos de origem portuguesa no Nordeste contra a ocupação holandesa da maior parte do litoral da região, que já durava 15 anos.

Ao longo desse período, alguns dos chefes potiguaras tinham se aliado à Holanda e se convertido ao protestantismo, enquanto outros permaneciam fiéis a Portugal e à Igreja Católica. As mensagens documentam a tentativa do segundo grupo, que contava entre seus líderes o militar Antônio Felipe Camarão (1600-1648), de convencer os demais potiguaras a abandonar a aliança com os holandeses.

Os documentos foram preservados pela Companhia das Índias Ocidentais, espécie de multinacional do comércio holandês que se apossara do Nordeste. Armazenadas na Biblioteca Nacional de Haia, as cartas são conhecidas dos historiadores brasileiros desde o fim do século 19, mas só uma delas já tinha sido traduzida integralmente até hoje.

Parte do mistério tem a ver com o fato de que, durante muito tempo, o conhecimento sobre o tupi antigo no Brasil tinha sido precário, com pouco acesso aos documentos a respeito da língua produzidos na época colonial (em geral por missionários jesuítas, como José de Anchieta) e poucos estudos sistemáticos, conta Navarro, ele próprio autor do “Dicionário de Tupi Antigo”.

“A ortografia também era instável, já que era uma língua usada quase sempre oralmente, no cotidiano. Algumas palavras que deveriam ser escritas juntas estão separadas, e vice-versa. O lado paleográfico [os maneirismos da escrita da época, como letra, abreviações e pontuação] também oferece algumas dificuldades”, explica.

Outro desafio é que os autores das cartas —além de Felipe Camarão, a lista inclui Simão Soares, Diogo da Costa e Diogo Pinheiro Camarão— não devem ter sido alfabetizados em tupi, mas provavelmente em português.

Isso significa que, na hora de escrever, eles parecem ter registrado seu idioma materno “de ouvido”, usando uma ortografia puramente fonética (imagine alguém que só conhece a forma falada do português escrevendo “táxi” como “tácsi” ou “táquissi”, por exemplo).

Por que, então, adotar esse método improvisado? “Porque era a língua deles, eles pensavam em tupi”, diz Navarro. Além disso, os destinatários das mensagens, como Pedro Poti, tinham sido alfabetizados em holandês (Poti chegou a passar cinco anos na Holanda antes de voltar para o Brasil com a frota que conquistou o Nordeste).

Não adiantaria, portanto, escrever para eles em português, mas o tupi continuava a ser um meio comum de comunicação entre os dois lados da guerra civil potiguara. Ironicamente, as respostas de Pedro Poti e dos demais potiguaras aliados da Holanda não foram preservadas nos arquivos portugueses.

Em suas mensagens, não por acaso, Felipe Camarão tenta apelar para o senso de identidade comum entre todos os potiguaras. “Por que faço guerra com gente de nosso sangue, se vocês são os verdadeiros habitantes desta terra? Será que falta compaixão para com nossa gente?”, questiona ele.

“Nossas antigas terras, nossos velhos ritos, nossos parentes paraibanos, os de Cupaguaó, os de Uruburema, os de Jareroí, os de Guiratiamim, todos os antigos filhos dos habitantes da caatinga, tudo e todos estão sob as leis dos insensatos holandeses, assim como seu corpo e sua alma também estão”, declara Camarão em outra carta. “Eu novamente farei vocês estarem bem, perfeitamente de acordo com seu modo de vida de antigamente”, promete.

Além de permitir enxergar os detalhes do cenário histórico pela perspectiva dos indígenas, as cartas também são uma janela para entender a evolução linguística do tupi.

Um exemplo é o uso do gerúndio em construções equivalentes a “estou falando” em português. Navarro conta que o padrão original do tupi era inverter essa lógica. Dizia-se “falo estando”, com o mesmo significado de “estou falando”.

Nas cartas, porém, aparece uma construção seguindo o padrão da língua portuguesa, possivelmente por influência do idioma europeu.

09 de dezembro de 2021

A METÓDICA RUÍNA DO ENSINO PÚBLICO!

(O Estado de S. Paulo, 05) A exemplo do que ocorreu com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), a demissão de mais de 50 técnicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), entre coordenadores, assessores e pesquisadores, evidencia que há um método no desmanche da educação pública no País. A maioria dos demissionários é da área de ciências exatas.

A crise começou a ser gerada no início do governo Bolsonaro, quando os órgãos das áreas de fomento à ciência e ensino superior, como a Capes, que fiscaliza o sistema brasileiro de pós-graduação, passaram a ter seus respectivos orçamentos congelados. Ela aumentou no ano seguinte depois que o então ministro Abraham Weintraub passou a desqualificar as universidades públicas, classificando-as como “locais de baderna e de maconheiros”. Atualmente, 80% dos programas de pós-graduação estão nessas universidades, que são responsáveis por quase toda a pesquisa acadêmica desenvolvida no País.

A crise evoluiu quando, em junho de 2019, ao discursar no XII Congresso Brasileiro de Ensino Superior Particular, Weintraub defendeu o fortalecimento do ensino superior privado, prometeu “mais liberdade para sua atuação” e voltou a criticar o ensino público. Ele deixou o cargo em 2020, mas a equipe de seu sucessor – oriundo de uma universidade presbiteriana – se mostrou simpática a um afrouxamento nas regras de fiscalização da pós-graduação e à adoção de um sistema de autoavaliação e certificação de qualidade expedido por entidades privadas. A tese é defendida há tempos pelas universidades particulares, que acusam a Capes de ser muito rigorosa ao avaliar os cursos de pós-graduação que oferecem.

Em abril de 2021, a presidência da Capes passou a ser exercida por Cláudia Toledo, reitora de um centro universitário particular de Bauru com pouca expressão educacional e científica, cujo curso de mestrado em “sistemas constitucionais” foi descredenciado na última avaliação quadrienal, por ter recebido uma nota baixa. Esse centro, no qual o ministro da Educação se formou, pertence ao pai da reitora. Cinco meses após sua posse, ela destituiu os integrantes do Conselho Técnico-Científico, o órgão responsável pelas avaliações quadrienais, e mudou sem comunicação prévia os parâmetros da avaliação em andamento, o que levou a Justiça a suspendê-la, em caráter liminar.

O pedido de exoneração de mais de 50 assessores e pesquisadores da Capes não causou surpresa. Há meses eles vinham acusando Cláudia Toledo de pressioná-los a liberar uma “expansão desmedida” dos cursos de mestrado integralmente a distância, ignorando os pareceres contrários dos coordenadores de área e consultores do órgão.

Seguindo um roteiro semelhante ao da crise do Inep, a crise da Capes é mais uma implosão – concebida com foco e rigor – de um órgão fundamental do sistema de ensino superior. É com base nesse método que o governo Bolsonaro vem destruindo o que resta do aparato de políticas educacionais que o País construiu, com êxito, nas três últimas décadas.

08 de dezembro de 2021

RESPONSABILIDADE FISCAL E CUSTO DA DÍVIDA!

(Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC e sócio da A.C. Pastore e Associados – O Estado de S. Paulo, 05) A aprovação da PEC do Teto, em 2016, deu início a uma redução simultânea da taxa neutra real de juros e da taxa de juros implícita da dívida bruta, que é o quociente entre os juros pagos em um ano e o estoque da dívida. A taxa implícita caiu de 16%, em 2016, para 7% em 2021.

Uma das consequências mais nefastas da destruição da âncora fiscal foi o aumento da taxa de juros e a queda do crescimento econômico. O rompimento da regra do teto de gastos gerou prêmios de risco que depreciaram o real, iniciando um surto inflacionário e elevando as taxas no ramo longo da curva de juros. A inflação mais alta obrigou o Banco Central a reagir com aumentos sucessivos da taxa básica de juros, que se propagou para o ramo curto da curva de juros, mas devido ao prêmio de risco decorrente da indisciplina fiscal aumentou ainda mais as taxas no seu ramo longo.

Atualmente, as taxas de juros em todas as operações, de um a dez anos, estão próximas de 12% ao ano. No Brasil, a dívida pública bruta (do Tesouro mais as compromissadas) tem um prazo médio de vencimento em torno de 3 anos, o que significa que em 2022 o governo terá de rolar um pouco acima de 30% da dívida. Ou seja, em 2022 títulos que atualmente pagam em média 7% ao ano terão de ser substituídos por títulos que pagam 12% ao ano.

Uma conta “nas costas de um envelope” mostra que, com um resultado primário nulo, a rolagem da dívida que vence em 2022 elevará a taxa de juros da dívida em 1,5 ponto porcentual. Se nada mais for feito para baixar os riscos, em dois anos essa taxa terá se elevada em mais de 3 pontos porcentuais, retornando próximo ao nível de antes da aprovação do teto de gastos.

Erro mais grave seria aumentar ainda mais os gastos para estimular a economia. Maiores gastos elevam o déficit primário, com o aumento dos prêmios de risco, depreciando o real e elevando a inflação. O Banco Central teria de aumentar ainda mais a taxa Selic, o que, devido ao prêmio de risco, seria acompanhado do aumento de todas as taxas, nos ramos curto e longo da curva de juros.

Taxas de juros mais altas reduzem a taxa de crescimento e pioram a dinâmica da dívida, elevando ainda mais os prêmios de risco. Gera-se um círculo vicioso que somente pode ser rompido com o retorno à disciplina fiscal. Mas como é possível ter disciplina fiscal quando, para aprovar transferências aos necessitados, os deputados cobram do governo o aumento das emendas do relator e de outros gastos primários?

07 de dezembro de 2021

A CRIMINALIZAÇÃO DAS EMENDAS!

(Adriana Fernandes – Estado de SP, 11) Com a suspensão pelo Supremo Tribunal Federal das emendas de relator, os caciques do Congresso correm para lançar uma operação de contenção de danos e barrar a sangria aberta pela PEC dos precatórios.

Eles buscam a reversão da decisão com a promessa de garantir transparência às emendas. Mas essa articulação trabalha também para segurar o processo de aceleração da criminalização da velha política. Na véspera das eleições, é prato cheio para uma renovação maior do Congresso.

Essa onda já vem sendo surfada pelos aliados no Congresso do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, que se filiou ao Podemos e fala como pré-candidato à Presidência em 2022. A luz amarela acendeu depois que o Senado aprovou nesta semana a criação da Frente Parlamentar de Defesa da Responsabilidade Fiscal, que teve como idealizadores os senadores Oriovisto Guimarães (Podemos) e Alessandro Vieira (Cidadania).

Os dois condenam a PEC e o espaço aberto para aumentar os recursos das emendas de relator com o furo do teto de gastos. A chamada ‘bancada da Lava Jato’ vota contra a PEC no Senado com o discurso renovado pela repercussão altamente negativa da votação do texto na Câmara, baseada em ameaças, chantagem e pagamento de R$ 15 milhões por voto.

A votação da PEC dos precatórios expôs para a opinião pública esse mostrengo Foi a criminalização da ‘velha política’, com o mote eleitoral do fim do ‘toma lá, da cá’, que deu gás para a eleição do Presidente Jair Bolsonaro em 2018. Com o controle do seu governo pelos caciques do Centrão, Bolsonaro já não pode mais se apegar a essa narrativa nas eleições de 2022.

Emendas parlamentares são instrumentos legítimos de negociação no Congresso, porém, a distorção criada com as emendas de relator, que (no máximo) deveriam ser algo residual, as carimbou com a marca da negociata, da maracutaia e, em alguns casos, até da corrupção. A votação da PEC expôs esse mostrengo para a opinião pública. Muitas pessoas não entendem e continuam sem entender direito como funciona o processo orçamentário. Mas sabem que as emendas de relator cheiram mal.

A saída para as lideranças é garantir transparência com a revelação do CPF do parlamentar que indicou. Isso não basta. Terão de diminuir os seus valores. O Senado vai fazer essa depuração na votação da PEC. Um nome já é alvo: o relator do Orçamento de 2021, o senador do Acre, Márcio Bittar. Aquele que indica e que abriu a porteira do Orçamento para as emendas bolsonaristas. Nos últimos tempos, ninguém viu, ninguém ouviu falar dele. Por onde anda o relator?

06 de dezembro de 2021

BRASIL EM RECESSÃO TÉCNICA: VEJA COMPARATIVO COM DESEMPENHO DE OUTROS PAÍSES!

(G1, 02) O Brasil aparece mais uma vez perto da ‘rabeira’ no ranking de desempenho econômico entre os países. Segundo o IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro caiu 0,1% terceiro trimestre, após cair 0,4% nos três meses anteriores, segundo dados revisados.

Com o crescimento da economia negativo nos últimos dois trimestres, o país ficou na retaguarda entre países com desempenho já divulgado.

De acordo com a Austin Rating, o PIB do Brasil no terceiro trimestre ficou abaixo do índice registrado na China, Colômbia, Chile, Espanha e Estados Unidos. Já o Japão registrou taxas inferiores no período.

Relatório divulgado pelo Banco Mundial aponta que a América Latina deve crescer 6,3% em 2021, uma recuperação “confiável”, mas ainda “insuficiente” para que a maior parte da região retorne aos níveis pré-pandemia — como é o caso do Brasil. Mas há diferenças entre os países:

“No topo, a Guiana registrou novamente altas taxas de crescimento do PIB [trimestrais], impulsionadas pela exploração de grandes descobertas de petróleo. Entre os demais países com melhor desempenho, Belize, Chile, República Dominicana, Panamá e Peru devem atingir taxas de crescimento superiores a 9% [em 2021]. A Argentina e a Colômbia devem avançar 7,5% e 7,7%, respectivamente, enquanto Brasil e o México devem apresentar taxas acima de 5%”, informou a instituição financeira.

Na avaliação do economista Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências, o país conseguiu recuperar o patamar pré-pandemia no início do ano, mas perdeu fôlego a partir do segundo semestre com a instabilidade política do governo Bolsonaro, além do fim dos programas de auxílio, crise fiscal, aumento desenfreado da inflação e alto índice de desemprego.

“O PIB do Brasil caiu menos que os demais países durante a pandemia. Mas isso não alivia a situação porque, quando se olha no horizonte de curto prazo, não há nenhum alento, já que a inflação cresceu muito e a atividade econômica caiu”, afirmou ele.

Cláudio Considera, pesquisador do FGV IBRE, destaca também que a visão dos investidores estrangeiros sobre o Brasil piorou nos últimos meses, fazendo com que eles retirem recursos do país.

“As incertezas que estamos tendo no governo Bolsonaro nos levou a ter esse resultado. Ninguém coloca dinheiro onde imagina que pode não dar certo”, disse.

De acordo com o Banco Central, os investimentos estrangeiros diretos na economia brasileira somaram US$ 45,788 bilhões nos dez primeiros meses deste ano, com alta de 33,3% na comparação com o mesmo período do ano passado (US$ 34,352 bilhões). Somente em outubro, porém, os investimentos somaram US$ 2,493 bilhões, o menor patamar desde junho deste ano (US$ 693 milhões).

Entre os latino-americanos, Considera afirma que o desempenho econômico do Chile e do Uruguai está acima da média da região, mas pondera que os dois países são pequenos em termos geográficos e têm menor complexidade que o Brasil, por exemplo.

Segundo o Banco Mundial, houve aumento da inflação nos países da América Latina que investiram em programas de transferência de renda durante a pandemia — principalmente o Brasil, com o Auxílio Emergencial, destacado no relatório.

“Em 2021, a incerteza diminuiu, embora permaneça elevada. A incerteza sobre a inflação deverá permanecer acima dos níveis normais até que a pandemia seja controlada e a defasagem entre oferta e demanda seja resolvida”, destacou a instituição.

A Argentina não ficou de fora: tem uma inflação (50,4%) que é quase cinco vezes a do Brasil (10,7%), e mais de oito vezes a do México (6,2%), de acordo com os indicadores oficiais para outubro.

“No Brasil, a questão cambial e o custo da energia elétrica e do combustível agravaram o cenário. Na Argentina, a inflação sempre foi um problema histórico. A própria condução da economia tem sido um erro há anos”, afirmou o economista.

A redução dos pedidos de auxílio-desemprego nos Estados Unidos indica que o país está acelerando o processo de retomada econômica e deve crescer 6% em 2021 e 5,2% em 2022, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI).

As previsões otimistas dos EUA, no entanto, geram apreensão aos emergentes, que temem que a redução dos estímulos da potência leve à saída de capital de seus países e à desvalorização cambial, afirmou Campos Neto, da Tendência.

A China, por sua vez, deve crescer 8% em 2021 e 5,6% em 2022, taxas que, embora altas, indicam que o país asiático perde fôlego. No terceiro trimestre deste ano, em relação ao período anterior, a potência registrou um crescimento de 0,2%. Nos três meses imediatamente anteriores, o avanço foi de 1,3%.

“A China negligenciou alguns aspectos, como ambientais, bolhas e alavancagem excessiva. Agora ela começa a lidar com esses desafios e enfrenta um crescimento menor, segurando a produção de aço para controlar as emissões de carbono, por exemplo”, explicou o economista.

02 de dezembro de 2021

NOVOS VENTOS NA ALEMANHA!

(O Estado de S. Paulo., 27) Após 16 anos de gestão conservadora dos democratas-cristãos de Angela Merkel na Alemanha, a coalizão dos vitoriosos nas eleições de setembro inicia um novo governo. Apelidado de “semáforo”, será liderado por Olaf Scholz, do Partido Social Democrata (vermelhos), em conjunto com os verdes e liberais (amarelos).

Em sua agenda “modernizante”, a coalizão promete tornar a cidadania alemã mais inclusiva, incrementar direitos LGBT, legalizar drogas leves, dinamizar procedimentos parlamentares e desburocratizar serviços públicos.

Dadas as disparidades, especialmente entre os liberais e os outros aliados, a coalizão estava longe de ser óbvia. Mas a arte da negociação prevaleceu, e o governo nasce concatenado.

Os social-democratas garantiram o aumento do salário mínimo sacrificando aos liberais seus planos de novos impostos. Já estes concordaram em flexibilizar a ancoragem da dívida pública e capitalizar o banco de desenvolvimento para gerar um espaço de ¤ 50 bilhões para investimentos e gastos sociais.

A corrida pela descarbonização será liderada pelos verdes, mas os social-democratas cuidarão para que ela seja socialmente sustentável e os liberais, para que seja dinamizada por investimentos em inovação.

Nas políticas migratórias, há a intenção de facilitar o ingresso de trabalhadores e a reunificação das famílias de exilados, mas também de agilizar deportações. A mudança em relação à política externa acomodatícia e transacional de Merkel transparece nas críticas incisivas aos abusos humanitários de parceiros como China e Rússia.

Numa era de erosão democrática, a República alemã dá um exemplo de alternância de poder sem polarização e de renovação sem ruptura. Com efeito, os social-democratas integraram o último governo; Scholz foi ministro das finanças e se vendeu na campanha como sucessor de Merkel. Enquanto os verdes e liberais trarão novas ideias e práticas ao governo, a experiência da oposição pode ser rejuvenescedora para os conservadores.

Muitos analistas apontam no governo “semáforo” um excesso de pragmatismo e falta de ambição. Mas quando se olha para as tensões exacerbadas por emoções extremistas e antipolíticas em países latinoamericanos, como o Chile, ou, nos EUA, para as guerras culturais entre os partidos e no interior de cada um, afastando-os cada dia mais da unidade prometida por Joe Biden, ou para a beligerância eleitoral na França, ou ainda para a crise existencial da Inglaterra pós-brexit, o que se vê é excesso de ambição e falta de pragmatismo.

Hoje, o presidencialismo de coalizão brasileiro – em meio às transações obscuras do Executivo com o Legislativo, à manipulação demagógica da arquitetura fiscal ou às intransigências à direita e à esquerda – parece uma caricatura do parlamentarismo alemão.

O teste da realidade logo chegará. A Alemanha está na iminência de uma quarta onda de covid e tem suas próprias dificuldades com a inflação. Mas, ao menos em tese, a principal economia da Europa se mostra um ponto de equilíbrio e uma fonte de vigor democrático no volátil teatro global.

01 de dezembro de 2021

VIKINGS MUDARAM O MUNDO COM SUAS VIAGENS, DIZ ARQUEÓLOGO!

(Reinaldo José Lopes – Folha de SP, 23) Basta uma rápida olhada nos mapas que documentam as incursões vikings durante a Idade Média para concluir que os guerreiros escandinavos eram capazes de meter o bedelho em praticamente qualquer lugar da Europa e da bacia do Mediterrâneo.

O alcance global dos vikings começou como uma mistura despretensiosa de pirataria e comércio, mas seu efeito ao longo de três séculos transformou a geopolítica da região de maneiras que ainda influenciam o mundo moderno.

A Inglaterra e a Rússia, por exemplo, provavelmente não teriam surgido sem um empurrãozinho viking, e o mesmo talvez valha para a França. Descendentes dos piratas nórdicos também tiveram papéis de relevo na política da Itália medieval e nas Cruzadas. Nada mal para habitantes de um cantinho remoto e economicamente marginal do continente europeu.

Os detalhes das mudanças operadas pelos viajantes escandinavos estão descritos em ‘Vikings: A História Definitiva dos Povos do Norte’, livro do arqueólogo britânico Neil Price, que chegou recentemente ao Brasil.

Price, que é professor da Universidade de Uppsala, na Suécia, afirma que o ingrediente secreto por trás da influência histórica dos aventureiros nórdicos é a sua tremenda adaptabilidade e capacidade de tirar vantagem das diferentes situações em que se encontravam – um ‘jeitinho viking’, digamos.

‘O efeito colateral não pretendido disso é que eles deixavam legados de longo prazo aonde quer que fossem’, explicou Price à Folha. ‘O ponto-chave é que esses legados, na prática, tomavam formas diferentes de lugar para lugar’.

Considera-se que a chamada Era Viking vai de 793 d.C. a 1066 d.C. Ambas as datas têm a ver com acontecimentos na Inglaterra: no início, o primeiro ataque de piratas escandinavos a um monastério cristão, na ilha de Lindisfarne; no fim do período, a derrota do rei norueguês Harald Hardrada na batalha de Stamford Bridge – Harald tinha tentado tomar para si o trono inglês e foi morto em combate.

O alcance geográfico das viagens e ataques vikings, no entanto, foi muito mais amplo. Cidades e reinos foram fundados em território inglês e também na Irlanda, na Escócia, na França e em diversas áreas da atual Europa Oriental. Cidades costeiras da Espanha e da Itália foram atacadas, e contatos diplomáticos e comerciais foram estabelecidos com representantes do mundo islâmico.

Aliás, um dos mais interessantes relatos sobre um funeral viking, incluindo detalhes sanguinolentos acerca de sacrifícios humanos, foi escrito pelo viajante e erudito Ahmad ibn Fadlan, enviado pelo califa de Bagdá à bacia do Rio Volga, na atual Rússia, no ano 921.

Os fatores que desencadearam a Era Viking são múltiplos, e ainda há considerável debate acerca deles. O historiador britânico Peter Heather, da Universidade de Oxford, aponta que o fim do século VIII da Era Cristã foi uma época de recuperação econômica para diversas regiões portuárias do norte da Europa.

Ao mesmo tempo, algumas décadas antes, os moradores da Escandinávia já tinham dominado a tecnologia dos barcos vikings, bastante confiáveis em mar aberto, mas também capazes de subir rios rumo ao interior.

Com isso, juntava-se a fome com a vontade de comer. ‘Várias regiões da Escandinávia, principalmente na Jutlândia – península da Dinamarca –, tinham mercados consolidados, com rotas e pontos de contato por todo o mar do Norte’, explica o historiador Johnni Langer, diretor do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (Neve) da Universidade Federal da Paraíba.

Os escandinavos podiam aproveitar a prosperidade crescente dessas regiões para fortalecer sua atuação mercante – ou para se transformarem em piratas.

Aliás, esse é mais ou menos o significado original de ‘viking’, que não é uma designação étnica, mas sim uma espécie de termo ocupacional, que também podia ser usado como verbo (o sujeito ‘ia vikingar’, ou seja, ia fazer incursões ou pilhagens por mar).

Além dos ricos mercados do mar do Norte, os piratas nórdicos descobriram que havia uma concentração considerável de metais preciosos dando sopa, sem defensores militares, nos monastérios e igrejas da região. E, por ainda não terem se convertido ao cristianismo, não tinha prurido algum de se apoderarem dessa riqueza.

Outro ingrediente importante que impulsionou cada vez mais os ataques, segundo Langer: a pulverização política nas regiões sob assédio.

‘Os séculos VIII e IX foram caracterizados pela situação de enfraquecimento de poderes centralizadores, originando o início do feudalismo na Europa, como na França e Inglaterra. Esses poderes políticos regionais eram frágeis e por muito tempo acabaram recebendo influências escandinavas’, explica o historiador.

É preciso levar em conta, por exemplo, o fato de que o território inglês não correspondia a um reino unificado, estando dividido em pequenas monarquias como as de Mércia (região central), Wessex (oeste do país) e Nortúmbria (região norte).

Esse é o cenário da Europa Ocidental, mas é preciso considerar também o que acontecia no extremo leste do continente. Enquanto vikings dinamarqueses e noruegueses avançavam pelos atuais Reino Unido e França, piratas e mercadores suecos começaram a controlar as rotas de comércio que passavam pelo interior da Rússia, da Ucrânia e da Belarus.

Eles passaram a ser conhecidos como ‘Rus’’, nome que provavelmente deriva do termo nórdico para ‘remadores’ e que acabaria originando o próprio nome da Rússia. Por fim, alguns se incorporaram ao exército do Império Bizantino, formando a famosa Guarda Varangiana, ferozmente leal ao imperador.

‘Eles também passaram a atuar como parceiros econômicos cruciais, como estimuladores da economia, mercenários e, às vezes ironicamente, como defensores do Estado’, resume Price.

No leste, os reinos fundados por vikings se cristianizaram, uniram-se à população eslava local e acabariam dando origem à Rússia imperial. Na Inglaterra, foi a reação às invasões escandinavas que levou ao surgimento de um reino unificado (o qual, no começo do século XI, chegou a ser dominado por Canuto, o Grande, rei dinamarquês que governou também a Noruega).

E, em solo francês, um acordo da monarquia local com os invasores levou à criação do ducado da Normandia, dominado pelos vikings e batizado com o nome deles (‘normando’ significa ‘homem do Norte’).

A história aventuresca dos normandos nos séculos seguintes mostrou que eles tinham ‘puxado’ seus ancestrais escandinavos. Guilherme, o Conquistador, duque da Normandia, tomou para si a Inglaterra em 1066, enquanto outros militares da região forjaram reinos na Sicília e até na Síria durante as Cruzadas.