29 de abril de 2022

CARNAVAL DEU O RECADO SOBRE O PROTAGONISMO NEGRO NO BRASIL!

(Cida Bento, conselheira do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, doutora em psicologia pela USP – Folha de SP, 27) Se em algum momento pudemos ter dúvidas sobre o quanto ecoam nas periferias e favelas as vozes de intelectuais e ativistas que lutam por um país que reconheça a força da cultura que emana de sua população, os Carnavais dos últimos anos não deixam dúvidas.

A maioria das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro (oito em 12 escolas) e de São Paulo (sete em 14 escolas) trouxe para a avenida enredos que homenagearam personalidades negras, a cultura afro-brasileira e o protagonismo negro na história do país. E fizeram duras críticas ao racismo e ao assassinato da juventude negra.

O recado foi dado!

Esse processo não começa agora e não ocorre por acaso, mas atinge um pico neste período de nossa história, no qual, não por coincidência, alcançamos um nível de violência racial que é o maior dos últimos 30 anos, em cidades como o Rio de Janeiro, segundo demonstra o Mapa da Violência no Brasil.

Personalidades negras queridas e respeitadas pela população brasileira que haviam sido atacadas nos últimos seis anos por órgãos do governo federal numa tentativa de desonrá-las foram exaltadas, homenageadas nas ruas, por milhares de sambistas. Num dos maiores e mais lindos espetáculos a que temos o privilégio de assistir.

E é assim que constatamos que o que acontece de negativo no Legislativo, no Executivo e no Judiciário, muitas vezes na calada da noite, vem sendo acompanhado por olhares atentos e críticos das periferias e favelas.

As escolas de samba são um território complexo onde muitas vezes não temos na liderança pessoas negras, como, aliás, acontece na maioria das organizações brasileiras e onde a luta pelo poder pode repetir a mesma lógica violenta e excludente que observamos em outras instituições brasileiras.

Mas é também um espaço de aquilombamento, de compartilhamento das raízes culturais pela música, pela dança e pelo teatro. E, nesse sentido, é território fértil para a ampliação da crítica social e da democracia, já que múltiplas vozes, LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência, pessoas negras e indígenas buscam se manifestar.

E um diferencial marcante nesse contexto de Carnaval vem sendo a maneira crescente com que aparece a valorização das religiões afro-brasileiras.

Num país que é laico, segundo a Constituição de 1988, não poderiam ocorrer relações de dependência com nenhum culto e, principalmente, não poderia haver perseguição ou impedimento do funcionamento de cultos de qualquer natureza.

Mas isso vem acontecendo!

A despeito de nossa Constituição ter consagrado o princípio de liberdade de crença, de culto, de liturgias e de organização religiosa, crescem as denúncias de violações de direitos no campo do credo religioso contra judeus, muçulmanos, dentre outros grupos. E as religiões afro-brasileiras vêm sendo duramente atingidas por diferentes formas de violência, como agressões físicas e verbais a religiosos, ameaças, pichações em templos e lugares públicos e propagandas de ódio veiculadas na internet.

São frequentes, ainda, as denúncias de invasão dos templos, praticadas por maus policiais, sem mandado judicial e a qualquer hora do dia ou da noite.

Assim é que foi muito animador ver as escolas de samba, em 2022, trazerem para a rua os orixás: narrarem a história de Oxóssi, cantarem Exu ou Oxalá, divindades das religiões de matriz africana.

Isso nos lembrou que a laicidade do estado brasileiro não é um elemento de restrição do pertencimento e expressão religiosos, pelo contrário, é uma riqueza que marca nossa sociedade tão diversa.

​Assim, que possamos contribuir para que essa crítica de parcela expressiva da nossa população à violência social, em particular a religiosa que se manifestou na avenida, se manifeste também nas eleições. Com a certeza de que podemos e vamos fazer a diferença.

28 de abril de 2022

A DESASTROSA POLÍTICA ECONÔMICA ATUAL!

(Claudio Adilson Gonçalez, diretor-presidente da MCM Consultores – Estado de SP, 18) O potencial de crescimento brasileiro declinou para patamar muito baixo, provavelmente algo entre 1% e 2% ao ano, com o País ainda pobre e desigual. Com PIB por habitante (conceito paridade do poder de compra) em torno de US$ 14 mil, o Brasil deve estar atualmente próximo à 100.ª posição no ranking organizado com base em dados do Banco Mundial. Uma vez atingido o pleno-emprego, a economia brasileira tem baixíssima capacidade de expansão da oferta de bens e serviços. Nessas condições, quando o Banco Central necessita elevar os juros para conter os efeitos inflacionários secundários de choques de oferta, como os que estão ocorrendo desde o segundo semestre de 2020, há um elevado risco de derrubar a taxa de crescimento para nível negativo, podendo jogar o País na recessão.

Além disso, a taxa estrutural neutra de desemprego, estimada pelos economistas em aproximadamente 9%, é muito elevada. Mesmo com a economia operando próxima ao ponto de equilíbrio não inflacionário, mais de 9 milhões de pessoas em idade ativa continuarão desempregadas. Se somarmos os desalentados e os subocupados, esse número quase dobra.

Esse elevado nível de desocupação tem múltiplas causas, mas a principal é a precária qualificação da mão de obra. Muitos que desejam trabalhar não têm as habilidades mínimas para conseguir um emprego. Claro, isso tem que ver com a fraca qualidade da educação, com a pobreza e com a enorme desigualdade de renda, que limitam as oportunidades para a formação profissional de uma enorme parcela da população.

Combater os pontos aqui levantados está longe do foco da política econômica capitaneada por Bolsonaro, Ciro Nogueira, Arthur Lira e, às vezes, por Paulo Guedes. Ao contrário, o que fizeram foi agravar as mazelas que sustentam o perverso círculo vicioso de baixa produtividade, elevado desemprego, pobreza e virtual estagnação da renda per capita.

Na educação, que tem muito que ver com economia, Bolsonaro já teve quatro ministros, incluindo Paulo Vogel, que ocupou o comando da pasta interinamente. Se houve abundância de ministros, inexistiu qualquer política para melhorar a qualidade de ensino.

Paulo Guedes e Arthur Lira mataram a excelente proposta de reforma tributária consubstanciada na PEC 110 do Senado, que, segundo estudos bem fundamentados, teria enorme impacto positivo no crescimento potencial. Da mesma forma, a reforma administrativa sucumbiu, as privatizações não andaram, anarquizaram-se as regras fiscais e faltou competência para ampliar a abertura da economia. Os investimentos da União, que já haviam caído muito, mesmo antes do atual governo, estão praticamente desaparecendo.

Talvez pior do que tudo isso é o Brasil ter se tornado um verdadeiro pária internacional, graças ao notório desprezo de Bolsonaro à democracia, aos direitos das minorias e ao meio ambiente.

18 de abril de 2022

BUSCA POR ‘DROGA SONORA’ PÕE SAÚDE DE JOVENS EM RISCO E PREOCUPA OS PAIS!

(O Estado de S. Paulo, 13) Vendidos pela internet, áudios com frequências e intensidades variadas podem afetar o aparelho auditivo.

Um adolescente ensina na rede social Tiktok a ficar “loucão” sem usar droga: segundo ele, bastaria ouvir um tipo de som em uma plataforma chamada i-doser para obter um efeito mental parecido ao de um alucinógeno. A busca na internet por essas “drogas sonoras” ou “drogas digitais” tem preocupado famílias e chamado a atenção de médicos. Não são entorpecentes. Especialistas dizem que esses áudios não trazem risco de dependência, mas recomendam cautela para não prejudicar a audição.

Mas o que são, exatamente, essas “drogas”? São áudios, com frequências e intensidades variadas, vendidos online, em sites ou aplicativos. Há também músicas do tipo gratuitas no Youtube. Elaborado com base em uma técnica conhecida como binaural beats, descoberta no fim do século 19, esse tipo de conteúdo não é novo, mas ganhou impulso com as redes sociais.

Mensagens na internet relacionam essas plataformas de som a efeitos alucinógenos e até a overdose – o que é falso. Ainda faltam evidências científicas para descrever consequências do consumo desses sons no organismo. Não é possível dizer que um adolescente que já ouviu esses áudios tenha sofrido algum dano cerebral. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomendou cuidado, no entanto, pelos riscos ao aparelho auditivo.

Adeptos das batidas binaurais dizem ouvir os sons para relaxar, trabalhar melhor ou ter experiências sensoriais novas. As batidas oferecem sons de frequências diferentes para cada ouvido – o que torna a experiência diversa da de ouvir uma música comum.

Um estudo australiano publicado no fim de março identificou, pela primeira vez, que parte das pessoas que escutam esse tipo de som busca, com a experiência, obter efeito semelhante ao de outras drogas. Na i-doser, uma das plataformas que vende as batidas, os nomes de alguns desses áudios fazem referência ao de drogas já conhecidas, como a maconha. Uma “dose” do aplicativo custa menos de R$ 7.

A pesquisa, publicada no periódico Drug and Alcohol Review, aponta que 5,3% dos entrevistados escutaram batidas binaurais para vivenciar estados alterados nos 12 meses anteriores. Desses, a maioria usou o recurso para relaxar ou dormir, mas 11,7% relataram usar os sons para simular a experiência com drogas. A pesquisa ouviu 30,8 mil pessoas em 22 países. Aqueles identificados com maior prevalência de uso das batidas foram Estados Unidos, México, Brasil, Polônia, Romênia e Reino Unido. A frequência de consumo desses sons é maior na faixa etária entre 16 e 20 anos.

A pesquisa não investigou se houve alteração cerebral entre quem relatou escutar essas batidas. “Não está claro se batidas binaurais são semelhantes em efeito às drogas psicoativas que buscam simular”, ponderam os cientistas, ligados ao Instituto Real de Tecnologia de Melbourne, na Austrália.

PLACEBO.

Especialistas destacam que áudios – mesmo esses de frequências variadas – não são capazes de viciar como as drogas. O que pode ocorrer, no entanto, é um efeito placebo. “Cria uma experiência sensorial auditiva incomum que faz com que uma pessoa sugestionada acredite que é o efeito de uma droga, psicodélico. Mas está longe disso”, explica o neurologista e neuroimunologista Thiago Taya, do Hospital Brasília, da rede Dasa.

Ele afirma que tem crescido a preocupação sobre esse tipo de consumo, mas o risco pode ser até inverso: ao experimentar essas batidas sonoras, vendidas como semelhantes a drogas, e identificar que parecem inofensivas, os jovens podem se sentir encorajados a buscar entorpecentes de verdade – esses, sim, com efeitos nocivos.

Diante do aumento da preocupação de famílias sobre as falsas drogas sonoras, a SBP divulgou este mês uma nota de alerta sobre o tema. O documento descreve o i-doser como um “fenômeno atual”, disseminado em vídeos nas redes sociais. A preocupação é com danos aos ouvidos de crianças e adolescentes e com a estimulação auditiva exagerada. “A estimulação exagerada e contínua pode ocasionar a perda da neuroplasticidade e assim, afetar as conexões necessárias para o desenvolvimento cerebral e mental saudável”, aponta a nota de alerta da SBP.

No vídeo publicado no Tiktok, o adolescente que incentiva outros a ouvir as batidas diz que a experiência só funciona com fones de ouvido em “um volume consideravelmente alto”. O documento da SBP destaca que o uso indiscriminado de fones de ouvido, em volumes acima do tolerável “vem repercutindo negativamente na audição, configurando um modismo que merece a atenção especial na era digital”.

RUÍDO.

A sociedade médica esclarece que o nível de intensidade de ruído de fones de ouvido varia entre 60-70 decibéis e 110-120 decibéis. Entre crianças e adolescentes, o nível seguro de ruído é de 70 decibéis. Para tentar obter o efeito alucinógeno prometido, é provável que adolescentes escutem essas batidas em níveis de intensidade superiores à recomendada. “Os adolescentes são curiosos, impulsivos, desafiam limites, e mesmo percebendo riscos vão tentar ‘esticar’ seus limites corporais”, diz Evelyn Eisenstein, coordenadora do Grupo de Trabalho Saúde Digital da SBP. Outro problema é a exposição prolongada a sons intensos, o que pode levar à perda auditiva.

Segundo especialistas, a nova moda ressalta a necessidade de que as famílias acompanhem a vida digital dos filhos e o uso que fazem dos eletrônicos. “É importante que os pais tenham calma para entender que não é tudo o que dizem por aí. E que os filhos sejam instruídos e façam uso com bom senso de qualquer experiência na vida, não só do i-doser”, diz Taya. A reportagem não conseguiu contato ontem com a plataforma i-doser.

14 de abril de 2022

COMÉRCIO E PAZ: A GRANDE ILUSÃO!

(Paul Krugman – O Estado de S. Paulo, 13) Em 12 de abril de 1861, a artilharia rebelde abriu fogo contra o Fort Sumter, dando início à Guerra Civil Americana. A guerra foi uma catástrofe para o Sul, que perdeu mais de um quinto de seus jovens. Mas por que motivo os secessionistas acharam que seriam capazes de vencer?

Uma razão foi que eles acreditavam ter em mãos uma poderosa ferramenta econômica. A economia do Reino Unido, a maior potência da época, era profundamente dependente do algodão do Sul, e os confederados achavam que uma interrupção do fornecimento forçaria os britânicos a intervir ao seu lado. Realmente, a Guerra Civil criou inicialmente uma escassez de algodão que deixou milhares de britânicos sem trabalho.

NEUTRALIDADE.

Por fim, evidentemente, o Reino Unido permaneceu neutro – em parte porque os trabalhadores britânicos consideraram a Guerra Civil uma cruzada moral contra a escravidão e se uniram em torno da causa da União, apesar do próprio sofrimento.

Por que recontar essa antiga história? Porque ela tem relevância óbvia com a invasão russa à Ucrânia. Parece bastante claro que Vladimir Putin considerou a dependência da Europa, e particularmente da Alemanha, em relação ao gás natural russo da mesma maneira que os donos de escravos consideraram a dependência britânica em relação ao Algodão Rei: uma forma de dependência econômica que coagiria essas nações a favorecer suas ambições militares.

ALEMANHA.

E ele não estava completamente equivocado. Na semana passada, castiguei a Alemanha por sua falta de disposição em fazer sacrifícios econômicos em nome da liberdade da Ucrânia. Não devemos esquecer que a resposta da Alemanha aos pedidos de ajuda militar da Ucrânia quando a guerra era iminente também foi patética.

Os britânicos e os americanos se apressaram em prover armamento letal, incluindo centenas de mísseis antitanque que foram cruciais para repelir o ataque russo contra Kiev. A Alemanha ofereceu e demorou para entregar 5 mil capacetes.

E não é difícil imaginar que, digamos, se Donald Trump ainda fosse presidente, a aposta de Putin de que o comércio internacional seria uma força de coerção, não de paz, seria comprovada.

Se você acha que estou tentando ajudar a expor a Alemanha para que o país se torne um melhor defensor da democracia, você está certo. Mas também estou tentando apresentar um argumento mais amplo a respeito da relação entre globalização e guerra, que não é tão simples como muitos acreditam.

Há uma crença antiga e persistente entre as elites ocidentais de que o comércio favorece a paz – e vice-versa. O extenso esforço dos EUA pela liberalização do comércio, anterior até mesmo à 2.ª Guerra, sempre foi parte de um projeto político: Cordell Hull, secretário de Estado do então presidente Franklin Roosevelt, acreditava firmemente que tarifas mais baixas e a intensificação no comércio internacional ajudariam a construir as fundações da paz.

A União Europeia também foi um projeto tanto econômico quanto político. Suas origens remontam à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, estabelecida em 1952, com o objetivo explícito de tornar as indústrias da França e da Alemanha tão interdependentes que jamais poderia haver outra guerra europeia.

VULNERABILIDADE.

E as raízes da atual vulnerabilidade alemã remontam à década de 60, quando o governo da Alemanha Ocidental começou a perseguir a Ostpolitik – “política oriental” –, buscando normalizar relações, incluindo relações econômicas, com a União Soviética, na esperança de que uma integração crescente com o Ocidente fortaleceria a sociedade civil do Oriente a caminho da democracia. O gás russo começou a fluir para a Alemanha em 1973.

Então, o comércio promove paz e liberdade? Em alguns casos, sem dúvida. Mas, em outros casos, governantes autoritários, mais preocupados com poder do que com prosperidade, podem considerar integração econômica com outras nações uma licença para mau comportamento, acreditando que democracias com um forte empenho financeiro em seus regimes farão vista grossa para seus abusos de poder.

Não estou falando apenas da Rússia. A União Europeia tem permanecido apática há anos enquanto vê Viktor Orbán, da Hungria, desmantelar sistematicamente a democracia liberal em seu país. A que medida essa apatia pode ser explicada pelos enormes investimentos na Hungria feitos por empresas europeias, especialmente alemãs, em busca de custos menores de mão de obra?

E então vem a questão verdadeiramente enorme: a China. Xi Jinping considera a íntima integração chinesa com a economia mundial um motivo para evitar políticas aventureiras – como invadir Taiwan – ou uma razão para esperar respostas subservientes do Ocidente? Ninguém sabe.

SEGURANÇA.

Mas veja, não estou sugerindo um retorno ao protecionismo. Estou sugerindo que preocupações de segurança nacional sobre comércio – preocupações verdadeiras, não visões fantasiosas e ridículas, como Trump invocando a segurança nacional para impor tarifas sobre o alumínio canadense – precisam ser levadas mais a sério do que eu e outras pessoas acreditamos anteriormente.

Mais imediatamente, porém, nações cumpridoras da legalidade precisam mostrar que não serão dissuadidas em relação à defesa da liberdade. Autocratas podem acreditar que o envolvimento financeiro dessas democracias com seus regimes autoritários fará com que esses países tenham medo de defender seus valores. Precisamos provar que eles estão errados.

E isso significa, na prática, que a Europa deve se movimentar rapidamente para cortar suas importações de petróleo e gás da Rússia; e o Ocidente precisa fornecer para os ucranianos as armas que eles precisam não apenas para deter Putin, mas para alcançar uma vitória incontestável. Não é apenas o futuro da Ucrânia que está em jogo

13 de abril de 2022

QUAL POLARIZAÇÃO?!

(Angela Alonso, professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – Folha de SP, 07) Polarização é palavra da moda. Borda o debate público a torto, a direito e ao centro. Grudou na língua de presidenciáveis, que se propagandeiam como o meio entre “polos” igualmente extremados e indesejáveis.

Anda pop tratar o fenômeno como fruto das mídias sociais, mas a clivagem nós/eles está aí desde que o mundo é mundo —e com mais assiduidade que a tolerância. Sempre existiram comunidades autorreferidas, cujos membros se insulam, que respeitam somente opiniões, estilos, ações de seus compatriotas de grupo, enquanto depreciam, atacam e, se possível, destroem os que lhe são estrangeiros.

Nem é coisa nova, nem veste bem conjuntura eleitoral. Segundo turno só tem mesmo duas opções, obriga afunilar. O termo “polarização” ajuda quem se pretende o centro, pois bane o resto para os cantos, como extremos. A operação intelectual de equiparar adversários à direita e à esquerda —Lula vale tanto, ou tão pouco, quanto Bolsonaro— legitima a terceira via como uma necessidade.

A equivalência ajuda uns, reconforta outros, mas é falsa.

Não existem dois extremos na cena eleitoral. Há um conjunto de candidaturas dentro do espectro democrático —de moderadas a conservadoras. Não há candidatura radical à esquerda, disposta a desacatar resultados eleitorais e decisões judiciais, destruir instituições e pegar em armas para eliminar adversários. Tudo isso floresce exclusivamente em torno de uma única candidatura, à direita.

A retórica do “tudo farinha do mesmo saco” empana o fundamental: a candidatura Bolsonaro é uma candidatura extremista. Embora eleito por meio das regras democráticas, jamais ocultou a intenção de subvertê-las.

Extremismo que anima o jogo presidencial preferido, o do bem contra o mal. Assim insufla a ilusão da sociedade partida pela metade, quando é socialmente minoritário —conta com apoio contínuo e firme de cerca de 15% do eleitorado. Para atrair mais votos, é útil ao presidente desenhar a outra candidatura viável como um extremismo especular.

Assim, bolsonarismo a terceiraviismo se encontram na produção retórica de um “extremismo” de esquerda. Produção porque o “outro extremo” é, de fato, um conjunto vazio. A candidatura Lula-Alckmin é moderada, no máximo, de centro-esquerda.

Na ditadura, Lula, tido por radical, foi preso. Cumpriu a pena. Depois de presidir o país, acatou sentença judicial, quando tinha faca e queijo para se converter em líder político no exílio. Nos dois casos, não conclamou apoiadores à resistência armada, defendeu-se dentro das instituições. Nesta eleição, buscou vice na ala direita do PSDB, um político de proclamados valores conservadores.

A situação nada tem de bipolar. Há várias candidaturas democráticas e um único extremismo de tipo reacionário e autoritário.

O contraste ficou patente em episódio desta semana. Lula exortou sindicalistas a irem às residências dos deputados e pressioná-los: “não é para xingar não, é para conversar.” O cabo Junio Amaral, deputado pelo PL mineiro, logo deu seu endereço e o seu estilo de conversa, encerrou seu vídeo com pistola engatilhada. Carla Zambelli o secundou noutro vídeo, encimado pelo letreiro “Lula ameaça famílias”, no qual fala em “pregar bala” em “legítima defesa”.

Esta é a genuína polarização, entre os fiéis aos mecanismos democráticos da persuasão e do voto e os amantes das alternativas autoritárias e violentas

12 de abril de 2022

POPULISTAS DE DIREITA ESTÃO PROSPERANDO!

(Fareed Zakaria – Washington Post/Estado de SP, 09) Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, inúmeros comentaristas acreditaram que ao menos uma coisa boa decorreria dessa nuvem de catástrofe. O ataque de Vladimir Putin contra a ordem liberal, esperavam eles, exporia e deslegitimaria forças iliberais populistas que têm surgido há anos.

Um deles especulou que a guerra na Ucrânia poria fim à era do populismo. Outro, o acadêmico Francis Fukuyama, considerou o episódio uma oportunidade para as pessoas finalmente rejeitarem o nacionalismo de direita. Contudo, passadas seis semanas do início deste conflito, tais noções parecem ilusões otimistas.

ELEIÇÕES. Na Europa, duas eleições cruciais – na Hungria e na França – revelam a verdade. Até poucos dias atrás, era possível sugerir, como o fez um artigo da Atlantic, que a guerra na Ucrânia estava “agitando a política europeia” ao expor registros iliberais e próPutin da líder francesa de extrema direita Marine Le Pen e do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán.

Esses especialistas foram citados afirmando que Orbán “estava tentando desesperadamente reformular os acontecimentos da guerra” e prevendo que os franceses veriam o presidente, Emmanuel Macron, neste momento, “provavelmente como a única pessoa capaz de liderá-los através desta crise”.

Na realidade, Orbán acaba de ser reeleito – e para o quarto mandato consecutivo – por uma margem conveniente, com sua coalizão obtendo cerca de 53% dos votos e os opositores, aproximadamente 34%. No mesmo dia, eleitores da Sérvia reelegeram um presidente populista, convictamente próPutin, que venceu de lavada.

LE PEN. Na França, onde o primeiro turno da eleição presidencial ocorre amanhã, pesquisas sugerem que a liderança de Macron tem evaporado e Le Pen cresceu significativamente. Conforme afirmou a manchete do New York Times: “Mesmo antes de a França votar, a direita francesa é a grande vencedora”. Na Europa, pelo menos, o populismo de direita continua a prosperar.

Isso não significa que as ações da Rússia na Ucrânia sejam populares, mas elas não dominam a visão de mundo das pessoas. As reputações de políticos pró-putin não sofreram com a guerra da maneira que muitos esperavam.

Frustrado com o líder húngaro se aconchegando com Putin, Volodmir Zelenski apostou num ataque direto a Orbán, afirmando que ele é “virtualmente o único na Europa a apoiar Putin abertamente”. Isso não funcionou.

Nos EUA, é possível observar forças similares em ação, apesar de não serem tão fortes. Nas primeiras semanas da guerra, o Partido Republicano parecia ter revertido sua histórica belicosidade em política externa. Muitos republicanos da velha-guarda são veementemente anti-putin e próUcrânia.

Mas essa posição não descreve as opiniões do homem que continua sendo o líder mais popular do partido: Donald Trump, que tem elogiado Putin desde o início da invasão. O âncora mais graduado da Fox News, Tucker Carlson, que mais de dois anos atrás declarou que estava do lado da Rússia em sua batalha contra a Ucrânia, passou recentemente a repetir propaganda russa a respeito da existência de supostos laboratórios de armas biológicas na Ucrânia.

VANTAGENS. Vale notar alguns matizes. Orbán manipulou a democracia da Hungria de maneiras que lhe proveram vantagens estruturais. Em 2010, ele se movimentou para conceder cidadania a 2,4 milhões de húngaros étnicos que viviam no exterior e se retratou como o único defensor de seus direitos, o que lhe garantiu amplo apoio desses novos eleitores. Ele esmagou quase todos os meios de comunicação independentes.

O governo húngaro promove a imagem de Orbán, distribuindo pôsteres financiados com dinheiro público. Esse tipo de prática levou a Freedom House a classificar a Hungria como o único país da Europa que é “parcialmente livre”.

POPULISMO. Mesmo assim, o populismo de direita é genuinamente popular na Hungria e em outros países. Ainda que Le Pen tenha tirado vantagem da inflação em alta, culpando o governo de Macron por todo e qualquer aumento de preços, o magnetismo fundamental dela emana de seu estridente nacionalismo cultural. Orbán, Le Pen e outras personalidades da direita vociferam constantemente contra imigrantes, multiculturalismo e “lacração”, a nova palavra que aflora na França.

Ao mesmo tempo, esses líderes deixam de lado a economia de livre mercado da velha direita. Le Pen criticou muitas das reformas neoliberais de Macron e abraçou antigas políticas estatizantes da esquerda, como jornada de trabalho de 35 horas e aposentadoria antecipada. Ela especulou publicamente que poderia trazer membros da esquerda que concordem com suas ideias a respeito de protecionismo e política industrial. Orbán tem praticado há muito tempo um tipo de populismo estatizante que distribui generosos subsídios estatais para grupos que seu partido favorece.

Na França, Marine Le Pen, de extrema direita, subiu nas pesquisas às vésperas das eleições

ULTRAJES. Nos EUA, Carlson gasta pouco tempo com a guerra na Ucrânia, preferindo em vez disso colocar o foco de seu programa num cardápio diário de ultrajes contra políticas lacradoras e a cultura do cancelamento. Republicanos proeminentes, como o governador da Flórida, Ron Desantis, fazem o mesmo. Se você ouvisse a direita americana, você acreditaria que os temas mais prementes do mundo atual são diretorias de escolas que doutrinam crianças com ideias de fluidez de gênero.

É verdade que essas ideias atraem apenas parte do eleitorado – especialmente os eleitores mais velhos, mais rurais e menos educados. Mas já deveria estar claro que esses eleitores são numerosos o suficiente e apaixonados o suficiente para vencer eleições – nos dois lados do Atlântico.

11 de abril de 2022

QUAL É O FUTURO DOS BRICS APÓS GUERRA DA UCRÂNIA – E COMO BRASIL SE EQUILIBRA NO BLOCO?!

(BBC News Brasil, 05) Quinze anos depois de ser criado, o bloco de países emergentes formado por Brasil, Rússia, China, Índia e, mais tarde, África do Sul, e conhecido pela sigla Brics, está numa encruzilhada.

A Guerra da Ucrânia, iniciada por um de seus cinco membros, pode forçar o grupo a cumprir um dos destinos que analistas internacionais apontam como o futuro da instituição: de um lado, virar um “bloco zumbi”, sem impactos práticos para seus membros; de outro, se fortalecer a ponto de representar uma força alternativa ou antagonista a grupos dos países ricos como o G7 (composto por Canadá, França, Alemanha, Japão, Reino Unido, Itália e EUA).

Especialistas em relações internacionais ouvidos pela BBC News Brasil se dividem sobre qual será o destino dos Brics mais de um mês após os tanques russos adentrarem as fronteiras com a Ucrânia, em uma guerra que já gerou milhares de mortos e mais de 4 milhões de refugiados na Europa.

“Instituições não somem e por isso os Brics devem seguir funcionando, mas com pouca relevância em termos de definições de posicionamentos e de peso geopolítico. O bloco flerta com a condição de zumbi, não há coesão ideológica e seus membros devem seguir com planos independentes paralelamente ao bloco”, afirmou à BBC News Brasil Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial e membro do Policy Center for The New South, que acompanhou a formação e o desenvolvimento dos Brics.Manjari Chatterjee Miller, pesquisadora sênior para Índia, Paquistão e Sul da Ásia do Council on Foreign Relations, discorda do prognóstico de Canuto. Segundo ela, nos quase 16 anos de existência, os Brics permitiram a seus membros compartilhar informação (não só econômica, mas estratégica, como dados de segurança) e tirar do papel planos compartilhados, como a criação do banco do bloco, o New Development Bank (NDB).

O NDB, composto por cotas de 20% de cada um dos países membros, financia projetos em países emergentes a juros mais baixos e em moeda local, uma forma de proteger as economias desses países das oscilações do dólar.

No começo de março, o banco informou que, por decisão “técnica”, suspendeu as operações com a Rússia, depois que parte significativa do sistema bancário russo foi alvo de sanções e de exclusão do sistema internacional de transações financeiras, o Swift.

“Tudo isso foi feito em um espaço que excluía países ocidentais e os Estados Unidos. E foi muito importante para todos os seus membros porque fomentou a cooperação e permitiu a liderança. Duvido que veremos uma desintegração do Brics em breve, mesmo que haja bloqueios e recuos pontuais atualmente, como no caso do NDB, que suspendeu todas as novas transações na Rússia por causa da crise na Ucrânia”, disse Manjari à BBC News Brasil.

07 de abril de 2022

ENTREVISTA DE RODRIGO MAIA AO ESTADÃO (05/04) – PARTE II!

(O Estado de S.Paulo, 05) Ex-presidente da Câmara, deputado licenciado defende que tucanos se assumam como principal contraponto ao PT e busca experiência fora do Legislativo.

O antipetismo deixou de ser então o grande eleitor que foi em 2018?

O antipetismo é a mola mestra do presidente Bolsonaro, mas ninguém deu uma alternativa que o ocupe o lugar dele na centro-direita democrática. Temos que derrotar o Bolsonaro com uma candidatura que defenda aquilo que motivou o eleitor em 2018: um Estado moderno, eficiente, bom prestador de serviço e que segurança jurídica para o setor privado investir.

Qual a sua leitura sobre esse debate no PSDB sobre uma possível revogação das prévias pela convenção do partido e qual o valor dessa carta que o Bruno Araújo, presidente do partido, escreveu validando o resultado da consulta interna?

O governador Doria venceu um modelo de prévias que em tese era favorável ao governador Eduardo Leite. Ele (Doria) mesmo assim se dispôs a disputar. Não foi um voto para cada eleitor, mas com pesos diferentes para os líderes políticos. O melhor modelo era ser um voto para cada filiado ao PSDB. O processo escolheu de forma democrática o Doria e foi legitimado pelos adversários. Isso certamente tem muito mais valor que uma convenção. Mas não tenho nenhum interesse em participar desse debate, até porque isso pode enfraquecer o partido. O PSDB é o principal partido de contraponto ao PT, para não usar o termo centro direita, que alguns tucanos não gostam. Reclamam comigo quando eu uso. A gente devia ajudar o governador Doria a se viabilizar. Se lá em julho isso não acontecer, ele vai certamente construir uma solução. O nosso campo, que tem uma linha mais pró-mercado, está fora do debate. O debate está sendo feito entre valores conservadores – e muitas vezes reacionários – e por outro lado liberais demais com o PT e seus aliados.

Por que o sr. não encaminhou o processo de impeachment contra o Bolsonaro quando era presidente da Câmara?

Porque não havia apoio político. Uma vitória de Bolsonaro poderia fortalecer demais o presidente e organizar uma narrativa contra as instituições democráticas.

Avalia que a campanha do Rodrigo em São Paulo deve ser casada com a do Doria para presidente?

O governador Rodrigo precisa primeiro mostrar a sua história e sua experiência com 5 governadores e defender o Governo de São Paulo, que teve grandes acertos. Ele tem que ser o governador do Estado de São Paulo. Não tenho dúvida que ele chega ao 2° com pelos menos 25% dos votos.

Por que João Doria tem uma rejeição incompatível com a aprovação do governo?

Todos os políticos que se colocam no centro terão uma rejeição alta. Se você projetar a rejeição do Eduardo Leite e da Simone Tebet sobre o que eles têm hoje de imagem positiva e negativa, e o alto desconhecimento, eles chegarão a uma rejeição parecida a do governador Doria. Ele fez o enfrentamento a máquina bolsonarista, o que gera uma rejeição grande. Eles operam unidos. Não é à toa que o Tarcísio cresce rapidamente.

O sr não gosta do termo terceira via?

Não tem terceira via. O Tony Blair se dizia terceira via, mas não era. Eram os trabalhistas contra os conservadores. Depois de um ciclo longo com os conservadores no poder o partido trabalhista estava mofado. Tony Blair modernizou o partido e criou o termo terceira via apenas para sair isolamento da esquerda e caminhar para o eleitor de centro, que existe. O eleitor de centro pode decidir a eleição, mas não é majoritário no processo eleitoral em nenhuma democracia do mundo. Se você olhar as eleições no Brasil vai ver que sempre sobram os dois. Em 2002 Roseana (Sarney) foi alternativa e caiu. Depois veio o Lula disputar contra o Serra, que era o candidato do governo. Em 2018 o Bolsonaro ocupou o lugar do PSDB na polarização contra o PT. A polarização comandou o processo político brasileiro desde 1994.

A tendência então é a polarização se repetir esse ano?

Se nós não entendermos que o nosso campo é à direita do Lula, estaremos fora do segundo turno. Não é fácil ocupar esse espaço porque estamos no campo da direita com o Bolsonaro à nossa direita. Precisamos buscar esse 1/3 do eleitor do presidente Lula que não sairá com ele sendo agredido.

06 de abril de 2022

ENTREVISTA DE RODRIGO MAIA AO ESTADÃO (05/04) – PARTE I!

(O Estado de S.Paulo, 05) Depois de seis mandatos consecutivos no Congresso e de presidir a Câmara duas vezes, o deputado federal licenciado Rodrigo Maia (PSDB), 51, desistiu de concorrer novamente ao Legislativo e abriu caminho para sua irmã gêmea, Daniela Maia (PSDB), que deixou a presidência da RioTur.

Maia chegou a se licenciar do governo paulista na semana passada para cumprir o prazo a Justiça Eleitoral, mas na segunda feira, 4, reassumiu o cargo de secretário de Projetos e Ações Estratégicas.

Em entrevista ao Estadão no seu gabinete no Palácio dos Bandeirantes, o ex-presidente da Câmara, que vai assumir a presidência da federação formada por PSDB e Cidadania no Rio de Janeiro, contou que segue como coordenador do plano de governo de João Doria e vai se dedicar a política fluminense nos finais de semana.

Após ser apontado como presidenciável no início dos debates sobre a sucessão de 2022 e visto como principal interlocutor entre os poderes nas crises provocadas por Jair Bolsonaro, Rodrigo Maia mergulhou de cabeça no projeto do governador Rodrigo Garcia e decidiu ficar fora das brigas internas de sua nova legenda no plano nacional.

O ex-presidente da Câmara prega que o PSDB se assuma como um partido de centro-direita e rejeita o rótulo de terceira via. “O eleitor de centro pode decidir a eleição, mas não é majoritário. O PSDB é o principal partido de contraponto ao PT, para não usar o termo centro-direita, que alguns tucanos não gostam. Reclamam comigo quando eu uso”, afirmou.

Maia disse, ainda, que se Lula e Bolsonaro forem para o segundo turno, votaria no petista. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

Por que o sr. desistiu de tentar o 7° mandato como deputado federal?

Eu fui tudo na Câmara dos Deputados e quero agora uma experiência fora do Legislativo. Tive a experiência com Doria e agora com o Rodrigo (Garcia), que é de fato o meu grande amigo, e vejo a possibilidade de ajudar no governo dele esse ano. E com a provável reeleição nos próximos quatro anos também. Ser deputado a carreira inteira não é ruim, mas quem chegou à presidência da Câmara já ocupou quase todas as posições na Casa. O político tem que estar sempre aprendendo. Talvez esse seja um dos problemas da política brasileira: as pessoas acabam se acomodando no papel de parlamentar. Quero cumprir um ciclo no executivo e me reciclar. Quero aprender mais sobre gestão e orçamento público para que no futuro eu possa ter outros desafios na política ou até no setor privado.

O sr. segue também como coordenador do plano de governo de João Doria. Acredita que vai haver de fato sinergia entre a campanha dele e a do Rodrigo Garcia à reeleição em São Paulo?

Na campanha do João eu coordeno o plano de governo. Quero me restringir a isso. Entrei no PSDB, mas existem muitos conflitos no PSDB dos quais eu não quero participar. O que me dá prazer na política hoje é aprender. Sou cristão novo no PSDB. Já em relação ao Rodrigo Garcia, é uma eleição diferente. Ele é meu amigo. Na eleição nacional vou me ater aos temas técnicos para construir um plano transformador da vida das pessoas.

O sr. vai estar na campanha do Rodrigo também?

Vou ajudar o Rodrigo no que ele precisar.

Como avalia o cenário no PSDB?

Como deputado e um filiado que acabou de entrar no PSDB, acho esse conflito muito estranho, mas não quero participar disso. Esse conflito vem de antes da minha entrada no partido. Teve prévias e foram questionar. Foi uma votação com 44 mil pessoas. Isso deve ser tratado por quem está no partido há mais tempo. Doria se viabilizou como candidato. Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, o PSDB tem um problema de aceitar que está à direita do Lula. O PSDB precisa aceitar isso. É assim que a sociedade nos vê. A gente fez pesquisas por muitos anos. Se a sociedade entende que o Lula é esquerda, então o adversário tem que estar no outro polo. Precisamos resgatar o nosso eleitor e mostrar que nesse campo existe um caminho a ser ocupado.

Como o sr. avalia os encontros de tucanos como FHC, Aloysio Nunes e outros com Lula?

Como todos foram para a oposição ao Bolsonaro, que é considerado uma direita não democrática, isso confundiu a cabeça do eleitor. Se você olhar o cruzamento de pesquisas na avaliação positiva do governador João Doria, vai ver que o Lula tem 40% das intenções de voto. No cenário de São Paulo, o candidato hoje que tem os votos com perfil tucano é o Fernando Haddad, e não o Rodrigo Garcia ainda. Naturalmente o Haddad vai para a oposição e nós vamos ocupar aquele espaço da boa avaliação que o governo tem hoje. Nacionalmente, o nosso eleitor tem hoje mais restrição ao Bolsonaro do que vontade de apoiar uma candidatura fora da polarização. Um terço dos votos do Lula está no antibolsonarismo. O Churchill tem uma passagem muito interessante. Um jovem deputado chegou para ele no início da legislatura, olhou para o lado dos opositores e disse: ‘Primeiro-ministro, lá na frente eles serão nossos inimigos’. Churchill respondeu: ‘Não, lá na frente eles serão nossos adversários. Nossos inimigos estão aqui atrás’. É um pouco do que acontece hoje no PSDB e no nosso campo. Se conseguirmos ocupar um espaço, será tirando a vaga do Bolsonaro.

Qual deve ser o discurso para o PSDB entrar nesse jogo?

Não deve ser atacar o presidente Lula. Eu disse isso ao governador João Doria. Temos que dizer aos eleitores que se decepcionaram com Bolsonaro que temos uma alternativa que não seja a volta ao passado e o PT. A esquerda acha que se reduz desigualdade intervindo no Estado. Nós acreditamos que vamos redistribuir renda estimulando o setor privado.

05 de março de 2022

OS INIMIGOS DO LIBERALISMO MOSTRAM O QUE ISSO SIGNIFICA!

(O Estado de S. Paulo, 05) “Após duas décadas de dominância, o liberalismo político está perdendo espaço entre as mentes ocidentais”, escreve Matthew Rose em seu novo livro A World After Liberalism (Um mundo depois do liberalismo). Rose não se refere ao liberalismo político da maneira que empregamos o termo tipicamente. Ele se refere ao liberalismo enquanto conjunto de percepções compartilhadas no Ocidente: uma crença na dignidade humana, em direitos universais, no florescimento individual e no consentimento de quem é governado.

Esse liberalismo tem sido atacado por crises financeiras, pela crise climática, pelas questionáveis respostas à pandemia, por populistas de direita e pela China. Ele parece exaurido, moído, definido pelas contradições e promessas não cumpridas que se seguem à vitória, e não pela criatividade e a inspiração presentes na luta.

Pelo menos parecia ser assim. A recusa da Ucrânia em se ajoelhar diante de Vladimir Putin lembrou ao Ocidente que, para aqueles que não têm garantido o liberalismo, vale a pena lutar por ele. Mas uma renovação verdadeira exigirá mais do que horror em relação à invasão russa ou louvores à coragem ucraniana. Significará enfrentar as deficiências do liberalismo político e redescobrir o radicalismo em seu núcleo.

A World After Liberalism é um revigorante ponto de partida para iniciar essa redescoberta, em parte porque tanto da obra se passa na era de ascensão do liberalismo, mesmo enquanto se via sob violenta ameaça. No livro, Rose perfila Oswald Spengler, Julius Evola,

Francis Parker Yockey, Alain de Benoist e Samuel Francis, cinco pensadores de extrema direita do século 20 que estão experimentando uma popularidade renovada na atual direita – e cada vez mais no centro. Alguns deles influenciam nosso mundo diretamente.

ORIGENS. O argumento dos antiliberais é mais ou menos assim: nossas verdadeiras identidades têm suas raízes na terra em que nascemos e nos nossos parentes mais próximos. Nossas vidas ganham ordem e significado porque estão inseridas em uma estrutura maior e na luta pelo nosso povo.

O liberalismo político e, até certo grau, o cristianismo, envenenaram nosso solo cultural, deixando-nos à deriva em um mundo que privilegia o prazer e zomba da tradição. O multiculturalismo, nessa narrativa, torna-se um ideal conservador: deveríamos celebrar a força da distinção cultural, rejeitar as ocas compaixões universalistas dos progressistas e insistir na preservação daquilo que diferencia as pessoas. A genialidade dessa crítica, conforme escreve Rose, é que ela redefine as virtudes do liberalismo enquanto vícios.

Parte da sinistra relevância do livro decorre do papel que a Rússia desempenha na obra. Yockey, um dos mais notórios supremacistas brancos no zoológico de Rose, escreveu “à espera de uma Rússia ressurgente, que ajudará a corrigir um Ocidente decadente”. É justamente este o papel que Putin reivindica para si, insistindo numa identidade arraigada em solo e cultura, num imperialismo justificado por poder e passado; e num conceito de si e da Rússia enquanto bastiões solitários em luta pela cultura europeia tradicional.

O choque descabido ao ver Putin agir da mesma maneira que muitos líderes do passado agiram reflete o longo trabalho do liberalismo na reelaboração não somente o que acreditamos ser moral, mas também no que acreditamos ser normal.

Em sua melhor forma, e às vezes também na sua pior, o liberalismo político constrói o passado como uma terra verdadeiramente estrangeira, capaz de transformar aqueles que ainda o habitam em anacronismos em relação ao próprio tempo. Mas os progressistas enganam-se quando passam a acreditar que isso acontece apenas com os inimigos do liberalismo. Isso também acontece com pretensos amigos do liberalismo.

01 de abril de 2022

PENSANDO A UCRÂNIA!

(Renato L. R. Marques, embaixador do Brasil na Ucrânia entre 2003 e 2009 – Revista CEBRI, 28) A ofensiva armada da Rússia contra a Ucrânia é a face visível de uma operação muito mais complexa e articulada, que envolveu uma longa campanha prévia de desinformação e fakenews, destinada a desviar a opinião pública do que seria a maior operação bélica na Europa no século XXI, em total desconsideração aos princípios do direito internacional, à letra da Carta das Nações Unidas e a compromissos como os expressos no Memorando de Budapeste, de 1994. Naquela ocasião, a Rússia, os EUA e o Reino Unido ofereceram garantias de respeito à soberania e à integridade do território ucraniano, no contexto da devolução à Rússia, pelo regime de Kiev, do arsenal nuclear soviético existente no país.

Apesar disso, boa parte da comunidade internacional preferiu, no início, levar às últimas consequências o princípio da não intervenção nos assuntos internos dos Estados, em que pese a óbvia ameaça contra a integridade territorial e a independência da Ucrânia, em franca contradição ao art. 2.4 da Carta da ONU. Preferiu debater os inúmeros e variados argumentos manipulados por Putin para “justificar” sua programada invasão da Ucrânia e revisão do mapa geopolítico da Europa. Campanha que, coerente com os propósitos de uma “guerra híbrida”, teve o mesmo efeito que os decoys lançados por aviões quando invadem o espaço aéreo inimigo, ao promover uma interferência magnética capaz de embaralhar a leitura do radar e impossibilitar a identificação do alvo. A atenção do planeta esteve, assim, praticamente hipnotizada pelo discurso do líder russo, embora parecesse impossível ignorar que a mobilização e estacionamento, em níveis sem precedentes, de tropas e material bélico na fronteira com a Ucrânia, representava, por si só, um instrumento efetivo de intimidação e coação do país vizinho.

O mundo perdeu um tempo precioso discutindo alegações descabidas, como as infantis acusações de ameaças ucranianas à Rússia (o que lembra a fábula do Lobo e do Cordeiro), a caracterização do governo Zelensky como “nazista” (quando sabidamente ucranianos e russos são oriundos da mesma matriz étnica eslava) e as notórias deturpações históricas do tortuoso e insinuante discurso de Putin, de 12 de julho de 2021, sobre a existência de um “estado trino”, integrado por Rússia, Ucrânia e Belarus. Uma “guerra de narrativas” aparentemente impossível, ante o grande arsenal de informações hoje ao alcance de todos e a ampla cobertura midiática dos acontecimentos. Algo que, para ser minimamente compreensível, teria que ser estudado contra o pano de fundo da formação de seu principal ator, indiscutivelmente o Presidente Putin, egresso da KGB no período soviético. Daí se poderia depreender seu apego à prática da “soberania limitada”, imposta a ferro e fogo aos países da Europa Oriental à época, cujos “desvios de conduta” (como o levante anticomunista na Hungria, em 1956, e a Primavera de Praga, em 1968) acionariam o “dever internacionalista de intervenção” da URSS (rótulo com que mascarou guerras de repressão e expansão). Agregue-se a isso a permanência, ainda que subliminar, da mentalidade imperial, perceptível no discurso de Catarina, a Grande, para quem “a única maneira de defender minhas fronteiras é as expandindo” (à que a voz corrente acrescentou “a Rússia termina lá onde termina o idioma russo”). Nesse sentido, a veemente contestação, por Putin, da existência da Ucrânia é também coerente com a doutrina do Kremlin de combate sistemático à ideia de “nação”, na medida em que operava contra os interesses do internacionalismo soviético e, em última instância, da hegemonia russa. Sintomas detectados pelo diplomata e estrategista americano George Kennan, em sua passagem pela embaixada em Moscou, em 1946, quando afirmou, em seu Longo Telegrama, que a URSS não poderia manter “uma coexistência pacífica permanente com o Ocidente”, como resultado de sua “visão neurótica dos assuntos mundiais” e do “instintivo sentimento russo de insegurança”.

Nesse contexto, a reivindicação de recuar a OTAN às suas posições anteriores a 1997 faz supor que o presidente russo busca reativar os entendimentos alcançados em Ialta, em fevereiro de 1945, por Stálin, Roosevelt e Churchill, para definir zonas de influência entre os vitoriosos, em circunstâncias radicalmente distintas das atuais. Hoje, depois de consolidado o novo quadro geopolítico, com a incorporação dos países da Europa Oriental e bálticos à OTAN, sem que disso tenha resultado nenhuma ameaça real à segurança da Rússia, a proposta soa extemporânea e revanchista. Mais ainda quando é estendida, inopinadamente, à Finlândia e à Suécia, o que revela, sem meios tons, que a intenção é aplicar o conceito de “soberania limitada” aos países que considera em sua “esfera de influência”, condenados, pela lógica de Putin, a se tornar “estados tampões” entre a Rússia e a Europa. A neutralidade da OTAN, tanto agora quanto nos episódios da independência de províncias da Geórgia, em 2008, e da Ucrânia, em 2014, reafirma o caráter defensivo da Aliança. Seu erro terá sido o de anunciar uma “política de portas abertas”, e de com isso induzir a população e os governos interessados a alimentar expectativas infundadas e a avaliar equivocadamente os riscos de eventuais ações militares. Ucrânia e Geórgia tinham, desde o início, chances muito frágeis de se tornarem membros da OTAN, por se manterem em estado de guerra não-declarada com o vizinho, por terem áreas de seus territórios contestadas e, por último, por um desafortunado fatalismo geopolítico. No caso da Ucrânia, acrescente-se, a presença de uma base militar estrangeira (a base naval russa de Sebastopol, na Criméia).  

Da mesma forma, no tocante à UE, a Ucrânia teria que cumprir com os requisitos básicos enunciados em Copenhague em 1993, que incluem a problemática estabilidade de suas instituições políticas e econômicas no day after e sua capacidade de incorporar e cumprir com o acervo jurídico comunitário. De quebra, a Ucrânia colocaria em cheque o funcionamento de um dos cimentos da unidade europeia, a onerosa Política Agrícola Comum (PAC), ao incorporar um dos países mais competitivos neste setor. O ingresso no atraente clube econômico está assim comprometido por interesses potencialmente afetados dos próprios europeus e pelos elevados suprimentos energéticos russos à Europa (que tenderão a recuperar importância política, quando a opinião pública se desmobilizar, por ação do tempo e na presunção de que a Alemanha e seus parceiros não encontrem fontes alternativas confiáveis no médio prazo). A preservação da economia ucraniana na esfera de influência russa a condenará à estagnação e praticamente anulará suas oportunidades de recuperação. Com o agravante que, ao contrário da época da antiga Guerra Fria, a Rússia não oferece à Ucrânia atrativos do ponto de vista político, nem ideológico nem econômico, por abrigar um regime crescentemente autoritário, com grande intervenção do Estado na estrutura produtiva e por sua condição de exportador de commodities energéticas e agrícolas (onde são concorrentes).

Isto posto, quem se debruçar sobre a história da região, identificará, sem maiores esforços, que a Rússia “nasceu” da diáspora de contingentes do maior estado da Europa medieval, entre os séculos IX a XIII, a Rus de Kiev. Esse principado, que teve seu apogeu com Vladimir, o grande (980-1015), implantou o cristianismo ortodoxo ainda vigente na Ucrânia e na Rússia. Após a morte de seu filho, Iaroslav, o sábio (1019-1054), a Rus de Kiev passou por um longo período de lutas internas e invasões mongóis. Como resultado, seus nobres se deslocaram para outras regiões, como Moscou, que se tornou o novo centro hegemônico. Ou seja, a Rus de Kiev, com seus belos mosteiros do século XI e XII, tem uma incontestada precedência histórica sobre os demais e teve sua existência reconhecida (e não “inventada”) por Lênin, como sugerido por Putin. Por outro lado, a necessidade de proteger “grupos étnicos russos” na Ucrânia é um jogo de palavras, tendo em vista que o Velho Continente, tradicional área de emigração, adota o jus sanguinis, pelo qual a cidadania é determinada pela nacionalidade dos ascendentes paternos ou maternos das novas gerações (ao contrário do Brasil e do Novo Mundo, que adotam o jus soli, que considera nacional os nascidos no país). A russificação imposta pelo Império Russo a seus domínios desde o século XVIII e a localização de russos no leste da Ucrânia – na esteira do vazio demográfico provocado pela “Grande Fome” de 1932-1933 (Holodomor), imposta por Stálin, para promover a coletivização forçada da agricultura – tornam inevitável a presença de “russos étnicos” na região (tanto quanto de “portugueses étnicos” no Brasil). Esse argumento não teria, entretanto, o peso que tem se, desde os anos 2003-2009, não tivesse a Rússia, segundo reiteradas denúncias do governo ucraniano à época, promovido frequentes “missões consulares” para oferecer passaporte e nacionalidade russa aos locais, em preparação para o presente cenário de guerra.

Qualquer que seja o desfecho da guerra, a invasão russa já provocou impacto e efeitos previsíveis no relacionamento internacional. No campo político, expôs novamente os limites da ação da ONU, em decorrência do poder de veto das cinco potências nucleares. A ONU foi, entretanto, importante como caixa de ressonância da consciência mundial, como comprova a condenação maciça da Rússia como “país agressor”. A crise promoveu um surpreendente consenso entre os países europeus, que alcançou áreas pouco suscetíveis de acordo no passado recente, como a decisão de restringir as importações de gás e petróleo da Rússia e a concordância da Alemanha em deixar inoperante o gasoduto Nord Stream 2, que proveria mais combustíveis ao seu território e vizinhos. Como resultado, é de se esperar uma aceleração da busca de fontes alternativas de energia, em consonância com os objetivos já acordados em matéria de política ambiental. Também a OTAN, que chegara a ser ameaçada de retirada de tropas e de corte de contribuições pelo governo americano, à época de Trump, atuou com uma única voz e recuperou seu prestígio como instrumento de defesa coletiva. Mas traz, em contrapartida, um renovado clima de belicismo e o rearmamento da Alemanha. A ação militar russa desviou, por sua vez, o foco dos EUA de suas divergências com a China, que assinou uma aliança com a Rússia de alcance ainda desconhecido. A China tem interesses econômicos que transcendem, no curto prazo, seus ganhos com a desestruturação da segurança na Europa, seu mercado preferencial. No âmbito econômico, a ruptura das grandes cadeias de fornecimento estimulam o offshoring por razões de segurança e, subsidiariamente, tenderá a reforçar correntes desenvolvimentistas favoráveis a velhas políticas, como a de substituição de importações e o relançamento dos mesmos “campeões nacionais” de sempre. Em que pese o impacto atual dessas tendências, deve-se supor que ao final prevalecerá a lógica econômica e a globalização retomará, mesmo que com dificuldades, seu curso anterior. Enquanto isso, o mundo sofrerá com aumento dos preços das commodities, inflação e menor crescimento econômico. Finalmente, o grande fluxo de refugiados deverá forçar a Europa a redimensionar seu programa de apoio e a buscar a difícil acomodação desses novos contingentes à sua estrutura produtiva.

Tudo somado, a ofensiva russa ainda tem que mostrar até onde pretende avançar. O estrago já realizado não deixa margem a dúvidas quanto aos objetivos expansionistas da iniciativa. Tal como se encontra o quadro atual, pode-se apenas descartar a hipótese de manter o país inteiro sob ocupação, dado seu alto custo militar, econômico e político, ante a exacerbação inevitável dos sentimentos nacionalistas e a recusa dos ucranianos em abandonar sua assumida vocação europeia. As fricções daí decorrentes levariam a uma grave instabilidade política, com riscos de atentados, ações de guerrilha e outras formas de autodefesa. Como as forças russas não são suficientes para assegurar a terceira etapa de uma invasão, o controle da população civil, a alternativa mais provável seria a instalação de um governo fantoche, de imprecisa duração. Não está claro onde a Rússia traçará os limites de eventuais novas anexações que, mesmo se restritas ao leste, provocariam uma radical desestruturação da base industrial do país (posto que ali se concentram suas minas de carvão, usinas siderúrgicas, fábricas de turbinas, altos-fornos, tratores, indústria espacial). Se abranger os portos de Mariupol (no Mar de Azov) e de Odessa (no Mar Negro), por onde escoam as exportações de aço, fertilizantes, trigo e produtos alimentícios, estaria estrangulando a economia e inviabilizando o país. O que será aceitável para as duas Partes, quando sentarem à mesa de negociação, tendo em vista que Putin não pode abrir mão do papel de vitorioso e Zelensky não pode fazer concessões que deem a entender que todo o esforço de resistência foi em vão? Qualquer que seja o desfecho, terá um alto custo em vidas inocentes, defensores de seu torrão natal e de capital humano para o futuro. Para concluir: a generosa ajuda que vem sendo oferecida ao país pelo Ocidente está destinada a que “Ucrânia”?