30 de novembro de 2018

“O SIMBOLISMO DE UM ACORDO”! BRASIL-CHILE!

(Editorial do Estado de S.Paulo, 23) 1. O valor simbólico do novo acordo de livre comércio entre Brasil e Chile vai muito além dos benefícios materiais esperados para os dois países. Do lado brasileiro, é a reafirmação de um novo rumo para a diplomacia comercial, agora voltada, segundo o presidente Michel Temer, para uma ampla integração nas cadeias globais de negócios. Mais abertura e menos protecionismo devem ser marcas dessa nova orientação, ressaltou o presidente.

2. Do lado chileno, é mais um passo de uma estratégia há muitos anos convertida em política permanente, como declarou o ministro de Relações Exteriores do Chile, Roberto Ampuero, segundo o jornal Valor. Essa política, mantida no Chile por governos ideologicamente distintos, tem sido, de acordo com o ministro, um eficiente mecanismo para o desenvolvimento e a redução da pobreza. Estará o presidente eleito, Jair Bolsonaro, disposto a sustentar a diplomacia econômica de seu antecessor?

3. O candidato Bolsonaro defendeu na campanha a multiplicação de parcerias comerciais, sem as limitações diplomáticas da fase petista. Falta saber se haverá restrições ideológicas de outra cor. Para avaliar a questão, vale a pena lembrar a coincidência de dois eventos da quarta-feira passada. Enquanto se reuniam em Santiago presidentes e ministros do Chile e do Brasil, exibia-se em Genebra, na Organização Mundial do Comércio (OMC), um novo capítulo da briga iniciada pelo presidente Donald Trump ao impor barreiras a importações de aço e alumínio.

4. Atendendo a demandas apresentadas por China, União Europeia, Canadá, México, Rússia, Turquia e Noruega, o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC ordenou investigações para determinar se são legais as barreiras impostas pelo governo Trump sob alegação de interesse da segurança nacional. A delegação americana classificou como inaceitável a investigação e ameaçou a entidade. Segundo os americanos, a iniciativa pode “minar a legitimidade do mecanismo de disputa da OMC e até a viabilidade da OMC como um todo”.

5. Rejeitar regras e até ameaçar os organismos internacionais têm sido uma das marcas de Donald Trump. Bolsonaro já deixou clara sua admiração pelo presidente americano, afirmada também pelo diplomata escolhido para ser chanceler do próximo governo.

6. Se dominar a diplomacia brasileira, essa afinidade negará a política de abertura e de integração do presidente Michel Temer. Mais do que trocar concessões e participar de cadeias produtivas, integração envolve a disposição de agir segundo regras aplicáveis a todos os membros e elaboradas com a mais ampla participação. As da OMC são o melhor exemplo. Aderir a um sistema desse tipo é também um compromisso com a civilização.

7. O Brasil nunca renegou a ordem regulada pela OMC, a mais adequada, até hoje, a um sistema razoavelmente disciplinado, eficiente e equitativo. A diplomacia brasileira falhou, sim, no período petista, principalmente ao limitar a participação do País nos muitos acordos de alcance regional, inter-regional e bilateral negociados enquanto a Rodada Doha permanecia emperrada.

8. O presidente Michel Temer está tentando repor o País no caminho adequado e assim ampliar e diversificar suas parcerias. Para isso foi necessário, com a cooperação argentina, reconduzir o Mercosul à vocação de bloco voltado para a inserção global.

9. Conversações preliminares foram abertas com Canadá, Coreia do Sul, Cingapura, Líbano, Marrocos, Tunísia e Associação Europeia de Livre Comércio, formada por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein. As negociações com a União Europeia prosseguem.

10. O novo acordo com o Chile, bem mais ambicioso que o já estabelecido pelo Mercosul, vai além das questões tarifárias e envolve, entre outros temas, serviços, comércio eletrônico, oportunidades para microempresas e facilitação de comércio. É um passo para um acordo com a Aliança para o Pacífico, formado por Chile, Peru, Colômbia e México. É um pragmatismo comprometido com a civilização e a globalização. Sua manutenção a partir de 1.º de janeiro é incerta.

29 de novembro de 2018

“O ESTRANGULAMENTO DAS LIVRARIAS”!

(Ruy Castro – Folha de S.Paulo) 1. Há 20 anos, as lojas de discos, centenário ramo de comércio dirigido às pessoas que gostavam de música, começaram a sofrer vários ataques. Um deles, ainda remoto, era a possibilidade de se capturar no ar um hit das paradas dispensando o disco físico —o streaming. Outro, já mais do que real, era o do comércio eletrônico. A ideia de encomendar pela internet um lançamento em CD a preço muito menor que o da praça, menor até do que o preço de custo, e ele ser entregue na sua porta era irresistível.

2. Por que a Amazon, líder desse gênero, faria isto? Porque, para ela, os discos eram uma isca para atrair clientela e levá-la aos outros 200 mil artigos da sua verdadeira base, que vai de celulares e ear phones até tratores e caminhões. As pequenas lojas de discos não tinham como competir e fecharam. E a implantação do streaming foi a pá de cal nas megalojas, como as internacionais Tower, Virgin e HMV e a nossa Modern Sound.

3. Certo, o mercado dita as regras e dane-se o avião, mas quem ganhou com isso? A música é que não foi. Milhões de pessoas não se adaptaram à nova tecnologia e deixaram de ter CDs para comprar. Com isso, ou se contentam em ouvir os discos que já têm ou vão para a praça jogar damas com os amigos.

4. O mesmo se dá hoje com o mercado de livros. O comércio eletrônico oferece os lançamentos com descontos de tal ordem, 50 ou 60 por cento, que aslivrarias físicas não têm como competir. Não que esse comércio queira perder dinheiro —ao contrário, os best-sellers que ele vende a preço abaixo do custo permitem-lhe conquistar clientes para o que realmente lhes interessa vender. Como fizeram com os CDs.

5. Mais uma vez, quem ganha com isso? Agora sabemos: por onde a Amazon passa, só a grama dela cresce. E, com a omissão oficial e o estrangulamento das livrarias —as pequenas já estão deixando de existir—, algo muito maior vai perder. Começa com B, de Brasil.

28 de novembro de 2018

INTERNACIONAL DEMOCRATA DE CENTRO (IDC): REUNIÃO DO COMITÊ EXECUTIVO – 26 e 27 de novembro de 2018.

Cabo Verde. Ilha do Sal. Hotel Meliá Dunas. 80 delegados de 35 países.

Relatório de Cesar Maia – Democratas. Brasil. Vice-Presidente IDC.

1. Primeiro Ministro Ulysses. Cabo Verde não tem recursos naturais. Mas se destaca por sua estabilidade institucional. Tem uma ampla diáspora sem nenhum conflito. Integrada à União Europeia, com quem faz 80% de seu comércio. Afirma os mesmos princípios da União Europeia. 1/3 de turistas do Reino Unido. Diáspora nos EUA desde século 16 em função da pesca de baleias e não de escravidão. Mantém segurança, o que é fundamental. Não é passagem de drogas. É uma plataforma do Atlântico Médio. Mantém um regime democrático exemplar. África terá 2,4 bilhões de pessoas em 2050. Boom das commodities parou. Grave problema do narcotráfico. Economia informal muito alta. Cabo Verde: cresceu grau de confiança na democracia. Cooperação África-Europa fundamental, em tecnologia, etc. Parlamentares da IDC África para aumentar influência no Parlamento Africano. Importância dos fatores internos de boa governança.

2. Secretário Geral Lopes. Brexit: Vitoria dos extremismos. Divisão interna do Partido Conservador. Laboristas liderados pelo setor mais à esquerda. União Europeia unida flexibilizou o acordo para aceitar Brexit. Agora teremos 2 votações: no Parlamento Britânico em 29/03. Sim se avança. Não será um desastre interno no Reino Unido. Depois virá a votação na União Europeia que será tranquila, pois não se quer aplicar castigo no Reino Unido. Problemas pontuais como Gibraltar e Irlanda foram resolvidos. Após aprovar Brexit, RU terá que fazer 180 acordos bilaterais. No plebiscito do Brexit, britânicos moradores fora não puderam votar. Só na Espanha 280 mil. Prioridade da UE são as pessoas. Depois o dinheiro e a fronteira da Irlanda. Não haverá mais concessão.

3. IDC-Ásia-Pacífico. Segurança, guerra fria, China-Taiwan, finalmente julgamento dos líderes do Khmer Vermelho. Ásia-Pacifico entre grandes atores.

4. América Latina: Colômbia, paz sem pagamentos. Venezuela e Nicarágua com situações se agravando. Nicarágua com 500 presos políticos, repressão aos meios de comunicação.

5. Eslovénia: crise institucional, “partido judicial”, governo federal contra a igreja. \ Guiné Bissau: autoritarismo / Explosão demográfica na África. Necessário apoio financeiro a países democráticos. Atenção ao cyber espaço e fake news. Cuba: ter observadores ao referendum de 24/02 da nova constituição. Visita do primeiro ministro da Espanha a Cuba vai legitimar governo. Situação de Bangladesh muito complicada.

6. Novas adesões a IDC: partidos da Bulgária e Indonésia (PKD, muçulmano).

7. Distribuído regimento e estatura da Juventude da IDC. Só Juventude Democrata do Brasil propôs emendas. Candidaturas para a presidência do Movimento de Mulheres IDC se encerra 31/12.

8. ASSEMBLEIA: Lopes: IDC agregou nos últimos anos 25 novos partidos. Socialismo caindo não é mais resposta às demandas dos trabalhadores. Populismo latino-americano agora se espalha na Europa. Brexit é produto do populismo. / Transformar desafios em oportunidades.

9. Ulysses: África cresce economicamente, mas precisa ser mais e melhor. Fatores de progresso e desenvolvimento. Intangíveis: estabilidade e segurança. Novas alianças: desafios a partir de 2020. Reforço das instituições sustentam o crescimento e não são exportáveis. Imigrações: busca de melhorias. Fatores globais como climáticos, em que não se controla os efeitos para os vizinhos. Segurança: responsabilidade compartilhada.

10. Relatório Camboja. Novos ambientes de insegurança. Fatores geopolíticos. Segurança regional. Segurança marítima no Mar da China. Programa Nuclear da Coreia do Norte.

11. Pastrana: grandes mudanças políticas na região. Eleições recentes na Colômbia, Paraguai e Brasil. Esquerda corrupta aumentou a pobreza. Foro de S.Paulo é exemplo. Maduro é um narcoditador. Caravanas imigratórias para EUA. Novo aeroporto no México: plebiscito para não assumir responsabilidades. 4,5 milhões de venezuelanos migraram. Só em 2018 foram 1,5 milhão. Problema sanitário, vacina…, custo para atender US$ 7,5 bilhões. Corte constitucional no exílio condenou Maduro a 18 anos de prisão. FARC e Eln ainda ocupam boa parte do território da Colômbia. Cuba mantém a perseguição política.

12. Brasil: novo Presidente. Derrota da esquerda. Também da centro-direita. 3 eixos: Trump-Brexit, segurança e combate à corrupção, e proposta econômica liberal. Deve-se aguardar posse e primeiros passos. Bolsonaro agregou antipetismo no primeiro turno. Partidos de centro-direita e centro caíram. No palácio presidencial haverá 4 ministros: 3 são generais.

13. La Torre, ODCA. Nos últimos 2 anos ODCA se fortaleceu. Combate o populismo e a corrupção. Fluxos migratórios afetam a América Latina também. Chile recebeu 700 mil venezuelanos nos últimos anos. Comportamento dos EUA não ajudar é controverso.

14. Wergue. CDU-Alemanha. Merkel não concorrerá mais. Serão mil delegados que escolherão substituto. Três grandes debates regionais. Pesquisas mostram que haverá segundo turno entre os 4 pré-candidatos.

15. PARTIDOS IDC DEVEM INDICAR CONTATO PARA REDES SOCIAIS.

27 de novembro de 2018

REUNIÃO ANUAL DO CONSELHO DA JUVENTUDE DA UNIÃO DEMOCRATA INTERNACIONAL (IYDU COUNCIL MEETING) 2018!

Helsinki, Finlândia, 8 a 11 de novembro!

(Bruno Kazuhiro – Juventude Democratas – Presidente Nacional)

Primeiro dia – 08/11

1. Jantar de abertura patrocinado pela Finnish Energy, empresa de consultoria do setor energético da Finlândia, com palestra sobre o cenário do país e da região:

2.  Atualmente Finlândia tem 25% de sua energia de matriz nuclear, 24% importados dos vizinhos, 17% hidroelétrica, 13% biomassa, 7% carvão e 6% éolica. Previsão é reduzir combustíveis fósseis, dependência dos vizinhos e também matrizes instáveis e chegar a 2030 com 45% nuclear, 45% somando hidrelétrica, éolica e solar e apenas 10% fósseis.

3.  A emissão de CO2 no país caiu significativamente na produção de energia mas quase não diminuiu no setor de aquecimento de residências, fábricas e comércios.

4.  Os vizinhos têm situação diferente. Noruega é privilegiada com grandes reservas de petróleo mas ao mesmo tempo 97% da energia sendo hidroelétrica. Lucra muito vendendo excedente para Dinamarca que tem 44% de energia éolica o que é positivo para não poluir mas gera instabilidade no sistema por ser variável. Suécia tem 40% nuclear e 40% hidroelétrica. Estônia tem 86% combustíveis fósseis mostrando seu passado soviético. A geração de energia varia muito de país a país ao contrário do que se poderia pensar.

5.  Mesmo com tantos esforços, no mundo todo os combustíveis fósseis eram 93% da produção de energia em 1965 e hoje são ainda 85%. Que toda a queda foi por conta da energia nuclear. Devemos incentivar essa energia e mostrar que pode ser totalmente segura. Combinando a estabilidade da geração de energia nuclear com energia limpa hidroelétrica, éolica e solar, eliminamos CO2.

6.  França reduziu muito mais seu CO2 com matriz nuclear do que Alemanha com éolica e solar desde que decidiu abandonar nuclear após acidente em Fukushima

7.  Finlândia desenvolveu com a Suécia a melhor tecnologia de estoque do lixo nuclear e será operacional em 2020. Tubos de cobre com lixo nuclear são enterrados a 500 metros de profundidade com concreto até a superfície.

8.  Hoje a opinião pública na Finlândia é 41% favorável à energia nuclear e 22% contrária.

9.  Maior problema do CO2 no mundo será pela necessidade de aquecimento e não de energia. Aquecimento é difícil de transmitir e hoje 85% é baseado na queima de combustíveis fósseis, Hoje na Europa os partidos verdes já votam a favor da energia nuclear pois entenderam que é única proposta realista conta o CO2.

Segundo Dia – 09/11

A) Visita ao Parlamento finlandês com tour nas galerias do plenário:  Parlamento tem 200 membros. 1 se torna presidente e não pode votar nas matérias, ficando neutro. A praxe política é o maior partido no parlamento indicar o primeiro ministro e o segundo maior indicar o presidente da Câmara.

B). Presidente da República só pode entrar com convite formal. Ministros que não sejam parlamentares não podem sentar no plenário, apenas na mesa.
Sociais democratas sentam à esquerda, moderados no centro e conservadores à direita, reproduzindo suas doutrinas.

C) Existe o partido nacional sueco na Finlândia, representando a minoria sueca e elege alguns deputados.  Debate do orçamento anual é longo e muito detalhado com projeto enorme. Livro com o texto fica em cada cadeira do plenário.

D) – Palestra do Leadership Institute (EUA), em sala de reunião do Parlamento, sobre redes sociais:

a- Hoje o adulto em país desenvolvido passará em média 5 anos de sua vida navegando nas redes sociais. Rede social é contar histórias visualmente

b- A evolução que gera votos: Fã (gosta de você) > Seguidor (consome seu conteúdo) > Doador (ajuda sua causa) > Defensor (divulga e defende você).   No Facebook e Youtube estão todos. No Instagram estão os jovens. No Pinterest estão as mulheres.

c-  Ideal é escrever até 80 caracteres em postagem do Twitter. O que você posta hoje volta contra você amanhã. Faça limpeza periódica das redes.
Diferencie a mensagem em diferentes redes.

d- Pedidos de doação em rede social funcionam muito mais do que em e-mails. Fake News: denunciar imediatamente, conhecer os executivos do Facebook em cada país, conte uma narrativa clara para os seguidores que evite que fake news sejam verossímeis.

e- Lauri Skon, chefe de redes sociais do Partido da Coalizão Nacional Finlandês (Kokoomus), partido anfitrião do evento. Lauri fez sucesso no Facebook falando de política e foi recrutado pelo partido para cuidar das redes

f-  Candidatos são treinados ao redor do país e devem saber explicar em 20 segundos o porquê de serem candidatos
Candidato deve contar sua história, seu passado, de onde vem e falar de sua personalidade, de sua família, se humanizar e mostrar situações cotidianas

g- Rede social precisa ser mais sincera do que perfeita.
Partido tem ônibus de campanha que roda o país e redes sociais mostram onde o ônibus está

h- Mostrar amizade com membro de outro partido pode suavizar imagem

I- Usar cores alegres nas redes

10- Visita à Confederação das Indústrias da Finlândia com palestras no auditório:

10.1- Mika Kussmanen, economista chefe.  Somos a favor do mercado e não das empresas. Estimulamos novos empreendedores e competição, regras claras e igualitárias. Grandes empresas fazem acordos sobre salários e não levam em conta a realidade das pequenas empresas.

Defendemos menos taxação direta e compensação com taxação indireta.

Urbanização na Finlândia é uma das mais intensas do mundo atualmente em escala proporcional. Área metropolitana de Helsinki crescendo rapidamente, deve aumentar a produtividade do país.

As licitações exigem certo tamanho das empresas. Somos contra. Entendemos que as grandes empresas dão mais garantia mas não é justo que as pequenas não possam competir.

Setores fortes da Finlândia: Tecnologia (Nokia), Papel/Embalagens/Fibras e Aço. Setor de papel compensa menor demanda por papel com maior demanda por embalagens

10.2- Joonas Mikkila, Analista de Inovação

Atual geração é a mais empreendedora da história. Quer ter o próprio negócio. Uma das razões é a educação empreendedora nas escolas.

Novos empreendedores são mais educados, ambiciosos, inovadores, internacionais e focados no consumidor

Mais de 90% são microempresas na Finlândia. Tendência mundial. 65% destas com microempreendedores individuais. A criação de novas vagas é majoritariamente na pequena e média empresa.

Cada vez mais os empreendedores serão mulheres e imigrantes na Europa

Entre 1988 e 2018 o poder dos computadores aumentou 33000 vezes. Ele dobra a cada 2 anos e a capacidade de armazenar dados também. Isso influencia totalmente o empreendedorismo.

A economia digital permite que o pequeno seja grande e ajuda países como a Finlândia, que tem economia pequena mas sistema ótimo de educação e identifica talento.

10.3-  Jyri Hakamies, Presidente da Confederação

Somos formados por 24 federações que representam 70% das exportações, 2/3 do PIB, 2/3 do emprego e 70% da pesquisa na Finlândia

Escritório em Bruxelas visa acompanhar e influenciar a legislação

Finlândia era um dos países europeus mais pobres após o fim da guerra em 1945. Cresceu pela educação. Temos os melhores professores do mundo. Acadêmicos dão aulas para crianças.

10.4- Simo Pinomaa, economista sênior

Em 1900 éramos 70% agricultura. Em 1945 eram 40% da economia. Hoje 4% e 50% são serviços.

Temos a 4a menor desigualdade de renda da Europa e o 2o maior gasto estatal per capita, com a 5a arrecadação per capita.

Finlândia demorou a se recuperar da crise de 2008. Suécia por exemplo se recuperou muito mais rápido. Alemanha também. Fomos afetados pela crise do Euro, pela menor demanda por papel, pela crise russa que diminui exportações, pelo envelhecimento da população e pelos problemas da Nokia.

Para enfrentar a crise, aumentos de salário foram congelados em 2017, aumentamos a jornada de trabalho anual em 24 horas, reduzimos os salários em 30% durante as férias até 2019, aumentamos a contribuição previdenciária do trabalhador e reduzimos a parcela patronal (2% de um lado para o outro). Custo trabalhista caiu 3,5%. Esperamos 2,8% de crescimento do PIB em 2018.

Ainda temos que fazer mais pois o déficit público é projetado em 100% do PIB para 2030 pelo envelhecimento da população.

Terceiro Dia – 10/11

– Reunião Anual do Conselho da Juventude da União Democrata Internacional 2018:

– Secretário-Geral da IDU, Christian Kattner (CSU Baviera/Alemanha) abre a reunião falando que IDU terá evento na América Latina em 2019 e que instituição está feliz com reunificação bem-sucedida da Juventude IDU.

– Relatórios regionais:

Nepal apresenta relatório local contando que família real foi assassinada, com período de transição complicado posteriormente e convocação de eleições democráticas. Partido maoísta venceu com apoio da China. Direita pede ajuda da IDU para se preparar tecnicamente para próximas eleições.

Bruno Kazuhiro (Brasil) é questionado sobre expectativa quanto a Bolsonaro e apresenta relatório contando sobre como foi o processo eleitoral e citando convite a Guedes e Moro para o ministério, que seriam indicativos da suavização do discurso do presidente eleito, gerando expectativa de moderação. Carlo Romanis (Itália) solicita que Brasil busque extraditar Cesare Battisti.

República Checa celebra o fato de membro de seu partido ter sido eleito o candidato a presidente da comissão européia da Aliança de Conservadores e Reformistas da Europa, partido europeu mais à direita com relação ao PPE. Primeira vez que a ACRE apresenta candidato de país do leste europeu. Conta ainda que Partido Pirata checo é favorito para eleger prefeito de Praga na próxima eleição e diz que verdes e piratas são o novo socialismo.

Australianos contam que juventude do seu Partido Liberal cresceu quando se envolveram mais com movimento estudantil e social. Partido mudou o primeiro-ministro recentemente, substituindo Turnbull por Morrison, que é mais liberal. Foco da mudança foi tentar melhorar desempenho nas eleições que ocorrerão em maio e manter maioria no congresso.

– Fundação Westminster, que atende a todos os partidos britânicos, patrocinará, com o setor que é do Partido Conservador, um programa de mentores onde políticos já estabelecidos de partidos da IDU darão conselhos a jovens de juventudes partidárias da IYDU. Serão reuniões online e trocas de email para que o jovem possa absorver sugestões e pedir dicas. Foco na formação política, bastidores, carreira, etc.

26 de novembro de 2018

ILUSTRÍSSIMA (FOLHA DE S.PAULO, 25) ENTREVISTA LUÍS CLÁUDIO VILLAFAÑE G. SANTOS, HISTORIADOR E BIÓGRAFO DO BARÃO DO RIO BRANCO!

Rio Branco era monarquista, filho de um político importante do Império e ainda reteve o título no nome durante a República. O que a sua trajetória revela sobre a transição de regime e o comportamento da elite política da época?

R- Rio Branco foi um dos protagonistas da consolidação da “República dos Conselheiros”. No plano intelectual, houve uma recuperação de parte dos valores e hábitos do período monárquico. Nos primeiros anos da República, tinha havido um grande empenho em se diferenciar da monarquia e apresentar o 15 de Novembro como uma grande ruptura. Quando o barão virou chanceler, em 1902, isso já tinha esfriado e, pouco a pouco, essa ideia de ruptura radical foi sendo matizada e a colonização portuguesa e o Império passaram a ser revalorizados. Rio Branco pode ser visto como um símbolo dessa reacomodação, inclusive porque —como eu mostro no livro— ele trabalhou ativamente na construção dessa narrativa de continuidade de políticas e valores.

Depois de obter um cargo no exterior por prestígio do pai, a sua ascensão na diplomacia se deu principalmente pelo excelente desempenho na negociação das fronteiras. Por que ele foi tão exitoso?

R- Desde menino, ele se interessou pela história e pela geografia do Brasil e na maturidade se tornou um grande erudito.  Com as duas arbitragens em que atuou como advogado aproveitou esse cabedal, mas também soube agir nas demais dimensões da questão: com argumentos jurídicos sólidos e com uma extraordinária capacidade para promover a causa brasileira em todos os contextos. Na arbitragem sobre o Amapá, por exemplo, ele usou o naturalista Emilio Goeldi como espião para descobrir como os técnicos suíços estavam analisando a questão. Sem que eles soubessem que Goeldi estava sob ordens de Rio Branco, Goeldi forneceu informações que favoreciam o Brasil a seus compatriotas.  No caso das negociações com a Bolívia e o Peru, mais do que conhecer os antecedentes históricos e geográficos da questão, Rio Branco mostrou grande capacidade política, e não só no plano diplomático. A questão do Acre também foi um intricado problema de política interna.

Há muita especulação sobre a compra do Acre, envolvendo desde o suborno ao presidente da Bolívia com um cavalo, versão já mencionada por Evo Morales, até a suposta existência de documentos secretos. Há algo de verídico nesses rumores? Falta esclarecer algo dessa negociação?

R- Seriam dois cavalos, dados de presente ao general Pando, então presidente da Bolívia, depois de assinado o tratado. É possível —até provável— que em alguma circunstância tenha havido esse gesto. Trocas de presentes são comuns na diplomacia até hoje, mas isso, se ocorreu, não tem nada a ver com o resultado da negociação. O Arquivo Histórico do Itamaraty está aberto para os pesquisadores há muitos anos e não há documento que indique uma negociação escusa. O resultado se explica por uma trama intricada de interesses, inclusive das elites bolivianas, que tinham como objetivo crucial exportar os minérios bolivianos. E, naquele momento, as exportações estavam muito prejudicadas com as disputas com o Brasil e o com o Chile, o que dificultava a saída das exportações; daí a ferrovia Madeira-Mamoré e a livre circulação pelos rios brasileiros como moeda de troca.

O seu livro também aborda a tensa e menos conhecida negociação com o Peru. O que estava em jogo?

R- Esse é um ponto importantíssimo. Rio Branco, que se assustou com a possibilidade da não aprovação do Tratado de Petrópolis no Congresso, garantiu publicamente que a questão com o Peru não seria um problema. Mas o Peru queria não só todo o Acre como também grande parte do sul do estado do Amazonas.  A disputa entre a Bolívia e o Peru sobre quem teria a posse do Acre (entre outros territórios) só acabou em 1909. Com o Tratado de Petrópolis, de 1903, o Brasil poderia ter comprado o Acre de quem não era seu verdadeiro dono e ver-se obrigado a negociar tudo de novo, depois de ter dado 2 milhões de libras e partes do Mato Grosso à Bolívia. De fato, o resultado da arbitragem que resolveu a questão entre a Bolívia e o Peru determinou que parte do Acre, que tínhamos adquirido da Bolívia, era peruana. A situação da negociação com o Peru era muito difícil também porque como Rio Branco havia anunciado publicamente que na disputa com o Peru nosso direito era indisputável, qualquer concessão seria uma derrota política terrível. Assim, a negociação durou cinco anos e quase houve uma guerra. O barão chegou a assinar um tratado secreto de aliança militar com o Equador para juntos enfrentarem o Peru, algo que nenhum biógrafo jamais mencionou. Como disse, no limite, se o laudo arbitral que decidiu a questão entre a Bolívia e o Peru e sobre o qual não tínhamos nenhum controle, tivesse dado todo o território do Acre ao Peru o Tratado de Petrópolis teria sido pior do que inútil; teria dado à Bolívia, a troco de nada, 2 milhões de libras, territórios brasileiros e outras concessões… Imagina o desastre.  Para ocultar essa complicação que, de certa forma, ele mesmo, se não criou, agudizou, o próprio Rio Branco inaugurou uma linha de interpretação historiográfica que trata a negociação com o Peru como algo menor, quase burocrático, e desvinculado da questão com a Bolívia.

A negociação do Tratado de Petrópolis ocorreu sob grande polêmica, principalmente pelo Brasil optar pela negociação direta, em vez da arbitragem. Por que o barão preferiu não seguir o caminho do qual havia saído vitorioso duas vezes?

R- Havia um tratado anterior, de 1867, entre o Brasil e a Bolívia. Rio Branco preferiu não tentar a sorte em uma arbitragem, basicamente, porque tinha a convicção de que certamente perderíamos a parte sul do Acre, área sobre a qual não haveria nenhuma maneira de interpretar favoravelmente ao Brasil as disposições do tratado de 1867. Mesmo para o restante do território era muito duvidoso que tivéssemos êxito. A questão está bem desenvolvida no livro. Foi difícil convencer a opinião pública e setores da imprensa e da classe política de que, depois de vencer disputas contra a Argentina pelo território de Palmas, contra a França pelo Amapá, e contra a Inglaterra pela ilha da Trindade, poderíamos perder contra a Bolívia. Como se vê, havia falta de bom senso e mesmo um certo preconceito e pouco caso pela Bolívia.

O período do Barão no comando da diplomacia ocorreu durante a chamada Era dos Impérios e a ascensão norte-americana. Qual era a visão dele sobre o lugar do Brasil no mundo?

R- Rio Branco era um conservador e passou um par de décadas na Europa e um par de anos nos Estados Unidos. Em termos gerais, ele compartia a visão de mundo das elites europeias e estadunidenses. Ele entendia o funcionamento do sistema internacional a partir do domínio das grandes potências que estabelecia uma hierarquia entre as nações —ainda que sujeita a alterações no tempo. A posição de cada país nessa hierarquia determinava o conjunto de regras que seriam aplicados a cada caso.  Assim, a África, por exemplo, foi considerada “terra de ninguém” e foi repartida entre as potências. Os países que não atendiam aos critérios de “civilização” —instáveis politicamente ou que deixavam de pagar suas dívidas— estavam sujeitos a intervenções consideradas legítimas. Os países considerados “civilizados”, ainda que relativamente menos poderosos, estavam a salvo das expressões duras do imperialismo. Nesse contexto, a preocupação extremada com a imagem do Brasil não era somente uma expressão da vaidade de Rio Branco, pois se constituía em um elemento importante nas relações com as potências.

O livro revela que Rio Branco fez rápida fortuna no consulado de Liverpool, de US$ 160 mil a US$ 1,2 milhão em seis anos, em valores corrigidos. Qual é a origem desse dinheiro?

R- O Estado brasileiro era tremendamente patrimonial. Durante o Império, o grosso da renda arrecadada pelos consulados ia para o bolso dos cônsules. O consulado em Liverpool era um dos empregos mais rendosos do Brasil, pois por aquele porto passava a maior parte dos navios que iam ou vinham do Brasil e ele chefiou o consulado por 19 anos.  Mais rendoso do que isso, só a função de ministro em Londres, ocupada por décadas pelo barão de Penedo: ele embolsava —legalmente— uma porcentagem dos empréstimos internacionais tomados pelo Brasil. Quanto mais o país se endividava, mais Penedo enriquecia.

O senhor faz parte do corpo diplomático que o Barão tratou de profissionalizar. Qual é o legado dele para o Itamaraty de hoje?

R- Em termos objetivos, ter concluído com êxito todas as questões de limites (terrestres) foi um aporte inestimável. Esse tema segue central e inconcluso em muitos países e, em alguns casos, absorve uma parcela considerável das energias da diplomacia. Em termos mais amplos, as vitórias do barão e seu carisma se tornaram fonte extraordinária de legitimidade para o Itamaraty perante a sociedade. A ideia de excelência do Itamaraty começou com ele. Até então não havia uma percepção especialmente positiva dos diplomatas ou da diplomacia brasileira.

Rio Branco não conseguiu evitar uma corrida armamentista com a Argentina e teve de lidar com várias situações de tensão entre os dois países. O que explica o recrudescimento da rivalidade naquele período?

R- Não se pode dizer que Rio Branco tenha provocado a corrida armamentista entre o Brasil e a Argentina no início do século 20, mas ele era, sim, partidário de que o Brasil recuperasse a preponderância militar na América do Sul que o país tinha desfrutado no Império. Houve momentos de imensa tensão entre os dois países e chegou a haver um plano na Argentina de fazer uma invasão militar relâmpago do Rio de Janeiro. Uma das poucas críticas que se faz a Rio Branco é que ele poderia ter manejado melhor as relações com Buenos Aires. Eu não só acho que essa crítica procede, como dedico muitas páginas para discutir isso a fundo.

O senhor dedica parte do livro para detalhar a relação do barão com a imprensa. Como ela funcionava na época e de que forma ele usou a seu favor?

R- A trajetória de Rio Branco no jornalismo foi longa. Ainda como estudante, ele atuou como correspondente de um jornal estrangeiro, isso em 1865. Depois, foi sucessivamente um combativo jornalista “de oposição”, cronista social, jornalista “governista”, editor e, na década de 1890, uma das cabeças na fundação do Jornal do Brasil. Ele também cultivou uma relação íntima com o Jornal do Comércio que foi do Império à República. Como chanceler, ele travou uma verdadeira guerra contra o Correio da Manhã e o seu célebre editor Edmundo Bittencourt; e movimentou —contra ou a favor— a imprensa carioca e brasileira no início do século 20, usando de todos os meios: desde seu carisma a pressões sobre jornalistas e editores, favores pessoais e mesmo pagamentos a jornais e jornalistas com recursos públicos. De forma indireta, um dos grandes temas do livro é justamente a relação entre imprensa e poder no jornalismo brasileiro do fim do Império e do início da República.

23 de novembro de 2018

SITUAÇÃO DO EMPREGO COM CARTEIRA ASSINADA!

Miguel Filipe, Vice-Presidente da Juventude Democratas.

Tabelas do CAGED de outubro e acumulado de janeiro a outubro de 2018, assim como os saldos por setores. Tabelas 12 e 3.

Algumas considerações gerais

* Em outubro o Rio de Janeiro voltou a ter saldo negativo de -847 postos segundo o CAGED.

* O Brasil teve saldo positivo de 57.733 postos em outubro de acordo com o CAGED.

* Segundo o CAGED em outubro apenas 4 estados tiveram saldos negativos no emprego formal: Rondônia, Rio de Janeiro, Pernambuco e Goiás.

* De acordo com o CAGED em outubro o setor que teve melhor desempenho no Rio de Janeiro foi o comércio com saldo de 1.491 postos e o que teve pior desempenho foi a agropecuária com saldo de -1.178 postos.

* No acumulado de janeiro a outubro São Paulo e Minas Gerais tem respectivamente o primeiro e o segundo melhor saldo de empregos formais, Espírito Santo tem o décimo segundo saldo e o Rio de Janeiro o vigésimo primeiro.

 

22 de novembro de 2018

GARCIA LINERA – SOCIÓLOGO E MATEMÁTICO, VICE DE MORALES E PRESIDENTE DO SENADO DA BOLÍVIA E O MAIS QUALIFICADO ESTRATEGISTA DA ESQUERDA NA AMÉRICA LATINA!

(Entrevista à Folha de S. Paulo, 21) 1. A esquerda vem perdendo espaço na região. No Brasil, diz-se que um dos motivos da derrota do PT na última eleição foi a falta de autocrítica. Qual a sua opinião?

– Este é um bom momento para que a esquerda faça um balanço do que se avançou quando esteve no poder e também das dificuldades e dos erros. A perspectiva tem de ser tirar lições para uma nova onda progressista.

2. Como isso ocorreria, quando vários países se voltam para a direita?

–  Temos de nos preparar, pois virá uma nova leva de manifestações populares em resposta às políticas desses governos de direita. Então se abrirá espaço para a expansão de pensamento progressista. Os tempos estão se comprimindo, logo será novamente um momento de lutas, na região e no mundo. A autocrítica é obrigatória em qualquer movimento progressista. Se, no caso da esquerda brasileira, não se fez, foi um equívoco. Não defendo uma autocrítica de bater com uma pedra no peito, mas uma autocrítica positiva, para entender por que tropeçou e não tropeçar de novo.

3. Por que a direita ganha espaço?

–  Todo processo de transformação gera uma reação, é uma lei sociológica. Um estrategista político tem de pensar em como impedir que essa reação de rejeição de um setor chegue a extremos, e que se expresse de modo racista e desagregador. É preciso impedir que isso se apodere do senso comum da sociedade.

4. Como?

-Há duas chaves para evitar que setores reacionários, que se viram invadidos pela plebe, não irradiem uma reação conservadora que atinja um caráter popular, como acaba de acontecer no Brasil. A primeira é a estabilidade econômica. Quando setores populares sobem, precisam ter garantia de que há estabilidade e continuidade na ascensão. Se isso não ocorre, esses setores podem se acoplar ideologicamente ao sentimento conservador que predomina na classe média. Isso só se alcança se as pessoas que saíram da pobreza têm certeza de que não haverá retrocesso. Um governo progressista que logra avanços não pode seguir falando com esse setor na linguagem reivindicativa de antes. O discurso e as decisões políticas têm de apontar um futuro. Só assim essas pessoas continuarão apoiando o governo.
Isso não parece ter ocorrido no Brasil. Além disso, a economia estancou, truncando a mobilidade social. Nesse ambiente, é natural que as novas classes médias, que se beneficiaram do processo progressista, se voltem contra suas próprias decisões.

5. E qual é a segunda chave?

– O sentido comum. Ondas progressistas chegam com uma narrativa, um conjunto de preceitos morais que removem uma parte do sentido comum acumulado por décadas. Se há uma grave crise econômica ou uma frustração coletiva, o sentido comum transformado volta a ser engolido pelo sentido comum de antes. Se um movimento progressista não tem capacidade de seguir irradiando um novo sentido comum —isso se faz criando uma nova cultura, mais solidária e afincada na auto-organização coletiva—, passará a ser ameaçado pelo velho sentido, reacionário. Quando os sociólogos se perguntam por que as classes médias fruto dos processos progressistas agora se voltam contra eles, é por isso.

6. A economia boliviana tem tido bom desempenho. Isso é parte do plano revolucionário?

– Sim, é uma obsessão. Garantir que a economia cresça e que nunca seja interrompida a possibilidade de ascensão social. Isso é o que mantém a esperança nas transformações culturais que por fim podem mudar a sociedade. Tratamos a economia com pragmatismo. Quando chegamos ao poder vivíamos do gás e em parte da mineração. Montamos um sistema em que, se houvesse uma queda no preço das coisas que exportamos, nosso mercado interno nos garantiria. Somos globalistas por conveniência e protecionistas por convicção. Nacionalizamos o gás, a eletricidade, as comunicações. Mas com os bancos, fizemos acordo e os obrigamos a dar-nos parte de seus lucros. Esse dinheiro, que antes saía da Bolívia, vai para a agricultura, para a construção de infraestrutura e moradia, para a criação de empregos. E o resultado é que, em 2005, éramos uma economia de US$ 9 bilhões e hoje somos uma economia de US$ 38 bilhões.

7. Quando entrevistei o presidente Evo Morales em 2014, ele disse que o aborto não era prioridade na Bolívia e que as políticas para a mulher estavam voltadas ao plano familiar. O sr. não acha que o feminismo virou uma bandeira da esquerda e essa visão é ultrapassada?

– Sim, e esse mesmo presidente que te disse isso em 2014 hoje pensa diferente e esteve ativo para convencer nossa bancada a alterar a lei atual, que permite o aborto apenas em duas circunstâncias [risco de morte da mãe e estupro], para oito. Não conseguimos porque os médicos, ou seja, a classe média, ameaçaram fazer colapsar o sistema de saúde. Quem queria aprovar era a nossa bancada, camponesa, a que estaria vinculada a valores tradicionais, mas quem barrou foi a classe média. Essa não era uma bandeira de nossa revolução. Mas, quando se dá espaço para que entrem na política indígenas, pobres, minorias e mulheres, eles vêm com suas pautas. Portanto é nossa obrigação acompanhar as mulheres. Nosso movimento absorveu a agenda despatriarcalizadora.

8. Evo Morales perdeu um referendo em 2016, em que pretendia mudar um artigo da Constituição para poder tentar um quarto mandato. Mas vai se candidatar às eleições de 2019. Qual é a estratégia?

– Há um artigo da Convenção Internacional de Direitos Humanos que diz que postular-se à Presidência é um direito humano, e a Constituição reconhece que os convênios internacionais estão acima dela. Negar que o presidente se candidatasse era atentar contra seu direito humano.

9. O artigo visa garantir que presos políticos possam se candidatar, não que um presidente no cargo há três mandatos o faça.

-É questão de interpretação, nós levamos ao Tribunal Constitucional, que decidiu que se aplica ao presidente.

10. A Bolívia tem dado respaldo ao regime venezuelano. Como resolver, então, a crise humanitária que vive o país?

–  Há um princípio inegociável: ninguém no mundo pode se meter nos problemas de outro país. A Venezuela tem de resolver essa crise sozinha.

21 de novembro de 2018

ALTERNATIVAS PARA O “MAIS MÉDICOS”!

(João Manoel Pedroso, Diretor Geral do INC – Instituto Nacional de Cardiologia)

O programa Mais Médicos foi instituído para resolver um problema crescente e crônico de distribuição da força de trabalho médico, principalmente fora dos grandes centros urbanos. Este problema não é uma “Jabuticaba” própria do país, vez que países continentais como o Canadá também têm sérias dificuldades em alocar profissionais da área de Saúde também distantes e com menor densidade populacional.

Uma solução mais eficaz para o problema subentende compreender a dinâmica do mercado de trabalho dos profissionais de saúde.

Embora o Brasil disponha do Sistema Único de Saúde – SUS, que atende a cerca de 75% da população, sabe-se que a fração de cerca de 9% do PIB investida em saúde está repartida numa razão de cerca de meio a meio entre o serviço público (SUS) e o privado, o que significa que metade dos recursos alocados em saúde está na área privada, não-SUS (planos e seguros saúde), e este montante financeiro está, em geral, concentrado nas regiões com maior renda per capita (regiões metropolitanas e cidades de médio porte).

Essa desigualdade sob o viés do investimento privado não pode ser alterada sob bases artificiais e requer compensação com os serviços públicos.

Por outro lado, a necessidade de profissionais de saúde para a atender ao SUS é enorme e, portanto, torna-se quase impossível, dado o PIB brasileiro e respectivo percentual alocado em Saúde pelo sistema público (Federal, Estadual e Municipal) que sejam definidos, em tão ampla escala, salários compatíveis com a carreira médica embora seja viável a execução de programa federal específico, conhecido como Mais Médicos, considerado estratégico, apesar de necessitar de redefinição, qualificação e melhoria.

No serviço público, com raras exceções, a base remuneratória para médicos que cumprem carga horária entre 20 e 24h semanais, está em torno de 3 a 6 mil reais/mês, enquanto no setor privado pode atingir, em média, o dobro deste valor.

Como então os médicos sobrevivem? Em sua grande maioria, trabalham 60 a 80h por semana com 2 ou 3 empregos e mais alguma complementação salarial como autônomos (ou seja, quem mora em centros urbanos consegue, com certa facilidade, alcançar renda mensal entre 15 e 25 mil reais/mês).

Esse modo de trabalho massacrante tem ampliado problemas para esses profissionais, que sofrem crescentemente com depressão, doenças crônicas, dependência química e síndrome de Burnout (vale ler sobre esta síndrome que foi mais recentemente descrita). Além da questão salarial, a atividade médica também cumpre ciclos curtos devido aos ajustes relacionados aos avanços tecnológicos e por mudanças periódicas nas diretrizes médicas o que implica na necessidade de treinamento continuado e educação permanente. Nesse contexto, o distanciamento dos centros urbanos é quase uma garantia de rápida desatualização, reduzindo-se a perspectiva futura de valorização e empregabilidade.

Nas décadas de 80 e 90, os médicos já viviam problemas dessa ordem e muitos vislumbraram como boa oportunidade a mudança para cidades menores (sobretudo de médio porte) onde poderiam ter uma vida menos estressante, constituir família e propriedade e conseguir cumprir, de forma digna, a missão de suas carreiras, cujo juramento, Hipócrates sacramentou.

Novo estímulo, agora ao contra fluxo ocorreu nos anos que seguiram a essa época: excetuando-se aqueles colegas que migraram para regiões que caminhavam para a prosperidade (associada, por exemplo, ao agronegócio), a maioria das prefeituras não conseguiu sustentar o pagamento de salários vantajosos, muitas vezes até por prometer salários acima do teto legal. O movimento para a interiorização (revelada como sem garantia futura) gerou graves problemas para muitos profissionais que, ao tomarem tal decisão se desligaram de seus empregos públicos e privados para, transcorridos alguns meses, perceberem que a decisão estava equivocada.

A falência do modelo de renovação profissional em cidades de menor porte gerou uma convicção, na classe médica, de que não haveria segurança para novos médicos que ousassem tentar a renovação, por movimento similar, no interior dos estados, ou apenas fora dos grandes e médios centros (cidades de porte maior, regiões metropolitanas e cidades de médio porte).

Outro ponto bem reconhecido é que a grande maioria das queixas sobre o sistema de saúde provém principalmente de contingente de pessoas que não consegue acesso ao sistema. Muitas pesquisas de satisfação do usuário demonstram que aqueles que logram atendimento ou internação sentem-se satisfeitos com o cuidado. Ou seja, a falta de acesso é um fator determinante para a má-avaliação.

O programa Mais Médicos ampliou o acesso ao SUS a contingente de cidadãos então “excluídos” do sistema e, portanto, ressaltou a relevância da simples oferta e presença do cuidado, ainda sob qualquer tipo de crítica ou discussão relativa à qualidade do atendimento, que parece menos importante quando comparada à ameaça de perda do acesso ao profissional de saúde.

Antes de se ensaiar uma solução, parece relevante mencionar que o pagamento de bolsas no valor de 10 mil reais não deva ser atrativa para muitos médicos brasileiros que logram ganhos salariais correspondentes em funções análogas, nas cidades, por meio de complementação salarial com plantões e atividades privadas paralelas, como citado acima.

É natural que uma parcela do contingente dos médicos brasileiros  atualmente inscritos no Mais Médicos esteja relacionada aos profissionais que já viviam nestas regiões e que optaram por cambiar seus vínculos mais desvantajosos, eventualmente nos próprios municípios atendidos pelo programa, assim trocando seus vínculos precários com estas pequenas prefeituras para garantir melhor retribuição, por meio de contrato com o aval do Governo Federal (situação também muito cômoda para as prefeituras que deixaram de gastar com profissionais que já atuavam em seus municípios). Melhor dizendo, o desafio não parece mais a manutenção de quem já estava lá e trocou seu vínculo de trabalho, e sim o estímulo para trazer e interiorizar os médicos que estão em cidades maiores em que há mais e atrativas oportunidades de trabalho.

Qual a vertente de solução em curto e médio prazo que se pensa ser efetiva?

Planejar duas modalidades de contratação, buscando agregar contingente mais expressivo de pessoal sob vinculação mais flexível, porém contando, simultaneamente com equipe permanente (mais reduzida), que se mantenha sob “carreira de Estado”, modalidade tão aguardada e que deveria ser instituída. Essas modalidades são intercambiáveis e mantêm características, regimentos e critérios de seleção específicos.

1. Primeira Modalidade – Vinculação de profissionais autônomos (sem cometimentos funcionais, mas também sem encargos trabalhistas), mediante inscrição voluntária de interessados com vistas à adesão a essa forma de contribuição profissional e  chamamento, de forma descentralizada, nos Municípios, e nas Metrópoles, sendo essa descentralização estendida como conceito também nas áreas regionalizadas (por distritos, regiões administrativas ou áreas de planejamento regionalizadas).

Para viabilizar a ampla contratação de pessoal, haveria um Chamamento Público nacional específico, com normas próprias, para operacionalização de forma descentralizada, mediante divulgação de listagem de Unidades Assistenciais de trabalho a serem voluntariamente escolhidas pelos próprios profissionais, que elegeriam aquelas em que gostariam de colaborar.

Desta forma simplificada, já no ato de inscrição, os profissionais escolheriam 5 (cinco) Unidades em que poderiam colaborar, em ordem decrescente, para serem vinculados mediante seleção simples pela equipe responsável pela seleção para cada Unidade (por meio de Curriculum e Entrevista). Essa base de dados da inscrição seria diretamente utilizada para a seleção e reposição de profissionais (tal como já ocorre com as Organizações Sociais – OS…).

A forma contratual -por adesão- seria simplificada e comum a todos os Estados, com variações salariais regionais e locais. A base salarial em Municipalidades menores e com oferta de profissionais poderia seguir os limites de mercado local, no topo da variação salarial praticada, não se propondo inflacionamento regional artificial. Forma contratual flexível para permitir a eventual realocação, por meio de disponibilidade do profissional que não se adaptou ao trabalho local, mas que poderia ser selecionado para outra localidade ou área.

A atratividade para o interior se faria justamente por essa base salarial maior, porém no limite superior do mercado local, de tal forma a não gerar disparidades. Por tratar de cerca de 15 mil trabalhadores para todo o pais, garantir um nível salarial maior e diferenciado geraria um movimento interessante para o novo governo e, ao mesmo tempo, sem grande impacto orçamentário (com variações entre 7 e 14 mil reais/mês, de acordo com o mercado local, entendendo-se que limites superiores a 10 mil se aplicariam apenas nas metrópoles).

Atualização permanente seria garantida por plataformas de ensino à distância, como disponíveis na ENSP/FIOCRUZ, propondo-se algumas conferências inaugurais regionais, além de oferta de outros Cursos adicionais remotos. Uma premiação regular, a cada ano de trabalho, segundo o desempenho profissional, por regiões seria estimulante para as equipes. O prêmio poderia ser a participação em Congresso Clínico nacional. Novas formas de relacionamento com as equipes, supervisionamento/Matriciamento e construção de equipes locorregionais não apenas contribuem para a qualificação, mas também para fixar os profissionais, assim amparados em seus nichos locais de trabalho.

2. Segunda Modalidade – Equipes “permanentes” vinculadas mediante Carreira “de Estado”:

Esses profissionais disporiam de proteção e encargos trabalhistas, contudo também estariam associados a “cometimentos” e compromissos com o Estado, cumprindo programa de Integridade, obrigações de atualização permanente, tais quais Cursos a serem efetuados para progressão funcional, e estariam associados a eventuais missões (como os militares).

O Plano de Cargos, Carreira e Salários definiria bem essa Contribuição especial, assemelhando-se, quanto ao aspecto das missões, aos contratos com militares. Haveria, assim, a possibilidade de se recrutar, para missões específicas e por tempo limitado, pessoal de “Estado”, em situações de “crise”, epidemias, catástrofes, para a organização das condições de atendimento local, até a assunção das equipes regionalizadas, sob organização e capacitação pelas equipes centrais.

A participação de equipes experientes, e bem formadas, nos “gabinetes de crise” acelera e induz ao mais adequado manejo de “crises”. Essas equipes “centrais”, permanentes, poderiam “circular” periodicamente pelo país, “induzindo”, regionalmente, a soluções, garantindo maior uniformidade a padrões aceitáveis de Atenção em Saúde, contribuindo para reduzir as desigualdades, e aprimorando o Sistema Nacional de Saúde.

O “framework” federal, que sustenta a estruturação do Sistema de Saúde, bem exigente quanto à capacitação e seleção de seus integrantes, trata da estrutura flexível que atenda às necessidades de formulação e definições principais para todo o Sistema Nacional de Saúde híbrido, desde o planejamento do Sistema Nacional Público, e da formulação de Políticas e Práticas que alcancem as diretrizes maiores também para o Sistema Privado, até o atendimento a necessidades pontuais ou emergenciais em cada canto do país, por meio da constituição conjunta de gabinetes integrados interesferas de “crise”, para apoio a soluções adequadas locais, com consultoria de equipe especializada.

As duas modalidades estariam desenvolvidas de tal forma que não haveria um modelo propriamente estanque, rígido e duplo, porém intercambiável, por meio do qual também estariam previstas transferências profissionais de um modelo para outro, mediante dispositivos de transferência, cujos filtros seletivos fossem mais rigorosos do lado do “framework” federal. Também a “Carreira de Estado” está, desta forma sujeita ao cumprimento de requisitos.

A partir de rigorosa a seleção, os profissionais médicos a ingressarem na “Carreira de Estado”, como para a Magistratura se assumem compromissados com o cenário nacional e prontos a atuarem no cenário nacional sempre que necessário, cumprindo e qualificando-se perante programas paralelos de atualização e pontuação.

Similarmente, há que se expor a programação de “bases realistas” para o modelo de interiorização, à semelhança da proposta delimitação do  tempo de trabalho em terapia intensiva e emergências, como “via de saída” ou transferência após período significativo de contribuição, na contratação de profissionais em localidades remotas: a previsão contratual de permanência seria de 5 (anos) prorrogáveis, porém seria facultado ao profissional a mobilidade no âmbito da contratação, após esse período, mediante realocação em localidade mais próxima de centros urbanos.

Ainda para garantir a fixação dos profissionais que aderissem ao programa de autonomia ou interiorização programada (que só funcionaria como interiorização se o profissional migrasse de fato, mas poderia “fixar” nessa modalidade de atenção também os profissionais locais), o Ministério da Saúde planejaria programa de equipamento mínimo para os locais de atendimento, situação a ser melhor desenvolvida adiante; bem como a possibilidade de supervisionamento remoto (Telessaúde ou similar); além de estudar grades salariais adequadas por área.

Nesse contexto, o Ministério da Saúde estaria construindo bases para prover de forma mais adequada a Atenção em Saúde, no cenário nacional, simultaneamente contribuindo para reduzir as desigualdades, e aprimorando o Sistema Nacional de Saúde.

19 de novembro de 2018

O TECNOPOPULISMO!

(Evgeny Morozov, escritor e pesquisador de tecnologia com passagem pelas universidades de Harvard e Stanford; é autor de “The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom” – Ilustríssima – Folha de S. Paulo, 18)

1. O tecnopopulismo —que envolve fazer promessas vazias por conta do desordenamento digital sísmico— tem uma história longa e nebulosa. Sabemos, no entanto, a data exata em que a ideia começou a circular amplamente: foi em 2006, quando a revista Time escolheu “vocês” —os milhões de pessoa comuns que formavam a web gerada por usuários na década de 2000— como “pessoa do ano”, o que gravou profundamente esse tema no inconsciente coletivo. Os colaboradores efetivos de sites como a Wikipedia e o Flickr eram relativamente poucos. Mas a celebração de sua contribuição postergou ou defletiu o questionamento sobre o poder das grandes empresas e sobre a durabilidade da utopia digital que estava emergindo.

2. Não é surpresa que, apenas alguns anos mais tarde, a utopia tivesse desaparecido: altamente centralizada e dominada por algumas poucas plataformas poderosas, a web se tornou apenas uma sombra de seu excêntrico eu do passado. Em 2018, o usuário criativo onipotente de 2006 se tornou um viciado em conteúdo com algo de zumbi, que não para de girar telas e apertar botões de “like”, aprisionado eternamente nas jaulas invisíveis dos mercadores de dados. De algum modo, um esforço nobre de fazer de cada pessoa um membro honorário do círculo de Bloomsbury (grupo de artistas e intelectuais da primeira metade do século 20) terminou com os nomes de todos nós catalogados permanentemente nos servidores da Cambridge Analytica.

3. O mito do usuário como artista pode ter desaparecido, mas o espírito do tecnopopulismo persiste. Hoje, o que o embasa são os mitos igualmente poderosos do usuário como empreendedor e do usuário como consumidor. Esses dois mitos também prometem muito —mais descentralização, mais eficiência, mais informalidade—, mas desviam a atenção da dinâmica mundial que forma a economia digital.  Como resultado, o futuro digital efetivo que nos aguarda —dominado por centralização, ineficiência, opacidade e controle— torna-se difícil de perceber.

4. Cinco anos atrás, quando Uber, Airbnb e outras plataformas ainda eram novas, era fácil acreditar em uma revolução mundial que estimularia mais atividades econômicas horizontais e informais, distantes das corporações centralizadas e hierárquicas do passado. Os motoristas profissionais, limusines e hotéis desapareceriam; e teríamos amadores, bicicletas e hospedagem em sofás! Era uma visão atraente, enraizada em uma rebelião contracultural que tinha como inimigos as autoridades, a hierarquia e o conhecimento especializado. Por mais atraente que fosse, faltava uma coisa a essa visão: o apoio de partidos políticos convencionais e movimentos sociais. Estes últimos, assim que chegassem ao poder, poderiam ter garantido que as plataformas locais contassem com financiamento público adequado, para que não ficassem sujeitas às leis brutais da competição, e também poderiam usar sua influência política para excluir do mercado a concorrência de empresas com fins lucrativos e dotadas de recursos consideráveis.

5. Afinal, no século anterior, um esforço semelhante e, na verdade, um projeto político exemplar, nos deu o Estado de bem-estar social. Em lugar de abrir a provisão de serviços de educação e saúde a provedores privados, esses domínios foram deliberadamente protegidos contra a lógica do mercado; investimentos públicos substanciais mais que compensaram esse esforço deliberado de não transformar esses serviços em mercadorias. O Estado de bem-estar social que emergiu desse processo tinha alguns traços autoritários e excessos hierárquicos, mas representava provavelmente o melhor compromisso possível, dadas as limitações —tanto políticas quanto tecnológicas— da era.

6. Hoje, por outro lado, pode-se imaginar com facilidade uma provisão mais horizontal desses serviços, com maior respeito à autonomia local, a um processo decisório democrático e às idiossincrasias individuais. Isso se aplica à economia como um todo. As plataformas digitais, como intermediárias da interação entre cidadãos e empresas, mas também entre cidadãos e instituições, têm importância crucial para essa transformação. No entanto, não surgiu nenhum projeto político parecido, com o objetivo de impedir que a democratização do Estado e da economia seja transformada em mercadoria.

7. Como resultado, o único caminho que permitiria atingir objetivos louváveis como o empoderamento, a promoção da autonomia local e o horizontalismo seria a rota seguida para o louvável objetivo de reforçar a expressão artística individual uma década atrás: a sincronização do batimento cardíaco e das necessidades das plataformas digitais aos do capital mundial. E como no caso citado, tudo parecia funcionar, ao menos no começo: carros compartilhados, bicicletas compartilhadas, apartamentos compartilhados; todas essas atividades passaram por crescimento explosivo recentemente, entre outras coisas porque receberam injeções imensas de capital, boa parte dele vindo de fundos nacionais de investimento e empresas de capital para empreendimentos.

8. É muita gentileza da Arábia Saudita —com ajuda de parceiros como o SoftBank do Japão— despejar o dinheiro que o país ganha com o petróleo no financiamento de serviços de transporte individual de passageiros e de entrega de refeições em todo o mundo! O rápido florescimento da economia digital vem sendo um prêmio para aqueles que oferecem bens e serviços em plataformas digitais e para aqueles que os compram ou alugam. Os primeiros encontram uma maneira de monetizar seus recursos ociosos, de apartamentos vazios a tempo livre. Os segundos conseguem grande desconto em transportes, comida e reservas de acomodações, graças ao capital internacional.

9. Muitos governos municipais em crise também decidiram entrar no jogo, recorrendo ao capital privado para bancar a provisão de infraestrutura e para facilitar o turismo, uma das atividades essenciais para as economias pós-industriais. Esse conto de fadas, como o da década passada, não vai durar. 2018 está sendo para a economia do compartilhamento o que 2006 foi para o conteúdo gerado por usuários: as coisas só vão piorar daqui por diante.  Isso não significa que as plataformas vão desaparecer; longe disso. Porém aqueles objetivos iniciais altaneiros que ajudaram a legitimar publicamente suas atividades darão lugar ao imperativo prosaico e ocasionalmente violento imposto pela lei férrea da competição: a busca por lucro.

10. A Uber pode ter conquistado muita simpatia ao prometer que ajudaria os pobres a manter as contas em dia ao lhes oferecer trabalho ocasional como motoristas. A necessidade de gerar lucro, contudo, significa que ela não hesitará em abandonar seus motoristas e adotar veículos completamente automatizados; uma empresa que sofreu com um prejuízo de US$ 4,5 bilhões em 2017, e a quem não faltam concorrentes oferecendo exatamente os mesmos serviços, seria insensata se agisse de outra maneira.

11. O Airbnb pode ter se apresentado como um aliado da classe média contra o lobby dos setores imobiliário e de hotelaria. Mas a busca por lucro já o força a formar parcerias com empresas como a gigante internacional dos imóveis Brookfield Property Partners para desenvolver residências com recursos de hotéis e portando a marca Airbnb, em muitos casos por meio da compra e conversão de blocos residenciais já existentes. Não há muito incômodo a interesses estabelecidos —exceto os dos inquilinos que são despejados porque seus apartamentos se tornarão hotéis operados pelo Airbnb— em casos como esses.

12. Dadas as quantias envolvidas —dezenas e, em breve, centenas de bilhões de dólares— o desfecho mais provável das batalhas em curso atualmente em setores como o de serviço de carros será mais centralização e mais consolidação, com apenas uma ou duas plataformas dominantes sobrevivendo em cada região.  E o capital que emergirá vitorioso das batalhas dos serviços de carros vai pertencer a jogadores estabelecidos, o que explica a recente aquisição da Spin, uma promissora start-up de scooters elétricas, pela Ford.

13. Desdobramentos como esses contradizem a retórica da descentralização e desintermediação associada à economia do compartilhamento. E eles também geram muitos resíduos: as bicicletas abandonadas que hoje proliferam em muitas cidades da Europa e da Ásia são apenas um prenúncio do que está por vir. O aumento do tráfego em ruas congestionadas —que resulta na permissão ao capital privado para que trave sua batalha quanto aos serviços de carros compartilhados, em lugar de investir em serviços de transporte público muito mais eficientes— já é perceptível.

14. Montanhas de resíduos plásticos geradas por startups de entrega de comida tampouco formam a solução sustentável que a economia do compartilhamento prometia. As corridas de serviços de carros e as refeições fortemente subsidiadas, e assim baratas, que resultam de uma concorrência intensa mas temporária, tampouco vão durar; as empresas que saírem vencedoras terão de recuperar seus pesados prejuízos —e o mais provável é que isso aconteça via aumento de preços. Pode ser que demore alguns anos, mas o mito da economia do compartilhamento sem dúvida cairá, da mesma forma que o mito do conteúdo gerado por usuários desabou uma década atrás. Mas o tecnopopulismo sobreviverá, por meio de um novo conjunto de promessas audazes e abrangentes sobre o blockchain, a inteligência artificial, as cidades inteligentes.

15. Todas essas promessas parecerão razoáveis e até mesmo atraentes. Nenhuma delas será cumprida enquanto não forem enquadradas em uma agenda política robusta —uma agenda que não se iluda sobre a capacidade do capital mundial para cumprir suas promessas de emancipação social. Não temos como comprar uma sociedade mais democrática —e muito menos com dinheiro saudita.

16 de novembro de 2018

TUNÍSIA: ENTRE A DEMOCRACIA E O TERROR! 

(FIRMA – Analista de risco político – Diogo Noivo, 10 Novembro) 1. A Tunísia é o único caso de êxito da chamada Primavera Árabe. O país celebrou eleições livres e plurais, promoveu a alternância no poder com base no voto e de forma pacífica, além de conseguir feitos inéditos como eleger uma mulher para o cargo de presidente do município de Tunes, a capital do país. Tão ou mais significativo é o facto de a agora presidente de câmara Souad Abderrahim ter sido eleita nas listas do partido Ennahda, uma formação política conservadora de matriz assumidamente islamista.

2. Desde a queda de Zine El Abidine Ben Ali, presidente deposto em 2011, o país aferrou-se às instituições democráticas superando vários obstáculos e demonstrando solvência na resolução de crises políticas. O caminho a percorrer não é linear nem isento de perigos, mas a Tunísia está, de facto, a levar a cabo um processo de transição democrática. Também por isso o país é alvo de organizações jihadistas. Na passada segunda-feira, uma mulher fez-se explodir ferindo 15 pessoas. Foi o último episódio de uma estratégia de desgaste promovida pelo jihadismo para ocultar os progressos obtidos pela Tunísia sob o manto da violência e, em última análise, para descarrilar o processo de transição política em curso.

3.  O atentado ocorreu na Avenida Habib Bourguiba, topónimo que homenageia o primeiro presidente tunisino, o homem que proclamou a República em 1957. Não obstante o carácter autoritário do regime instituído por Bourguiba, que redundou numa gerontocracia assente em redes clientelares, o primeiro presidente do país edificou o Estado com base em princípios reformistas cujos efeitos explicam em parte o sucesso no pós-Primavera Árabe. Admirador de Mustafa Kemal Ataturk e entusiasta dos valores da República francesa, Bourguiba separou Estado e religião e fundou sistemas nacionais de educação e de saúde. Mais emblemática do espírito reformista foi a aprovação de um conjunto de medidas de grande calado social no domínio da paridade de género como, por exemplo, a proibição da poligamia, o incentivo à iniciativa empresarial feminina e outorgar às mulheres o direito ao divórcio. Em 1956, Bourguiba fez da Tunísia o primeiro país de maioria muçulmana a legalizar a interrupção voluntária da gravidez. Foi uma modernização conduzida sob batuta de ferro, reprimindo quem a ela se opunha, mas marcou os alicerces do Estado e definiu o tecido social.

4.  Mais importante, a Tunísia criou instituições capazes de garantir a continuidade administrativa do país. Ao contrário do que sucedeu na Líbia, a queda do regime tunisino não provocou o colapso do Estado. Prova disso foi a capacidade de o país prestar serviços públicos essenciais no meio do tumulto resultante da queda de Ben Ali. Os ventos de mudança de 2010-2011 encontraram no país alicerces sociais e institucionais onde assentar um novo regime político, mais aberto e plural. No entanto, o brilho do sucesso tunisino é ofuscado por dois males. Primeiro, a economia tarda em despontar. O crescimento ronda os 2%, mas a taxa de desemprego oficial parece estagnada nos 15%, a inflação atingiu um máximo de 7,8% em junho deste ano e o investimento direto estrangeiro é insuficiente. A dificuldade em obter consensos políticos sobre reformas estruturais não permite antever soluções de fundo no curto prazo.

5. Segundo, a ameaça terrorista. O atentado da passada segunda-feira interrompeu um hiato de ausência de violência iniciado em 2015, ano em que foram assassinadas 21 pessoas no museu nacional do Bardo, em Tunes, e 38 numa estância balnear em Port El Kantaoui – uma das vítimas mortais era cidadã portuguesa. Vale a pena recordar que a Tunísia está sobrerrepresentada no contingente de combatentes terroristas estrangeiros do autodenominado Estado Islâmico (EI). Até 2017, um país com 11 milhões de habitantes teve cerca de 3000 jihadistas a combater no Iraque e na Síria, mais de metade do total de 5300 oriundos do Magrebe. Oitocentos jihadistas tunisinos já terão regressado a casa.

6. A proliferação de jihadismo num país em claro trajeto de democratização e com uma tradição de secularismo com mais de 50 anos parece surpreendente. A explicação não é simples nem se presta a relações de causalidade direta. A abertura da arena política no pós-Primavera Árabe destapou o ressentimento gerado por décadas de repressão de liberdades religiosas às mãos de Bourguiba e de Ben Ali. Levou também à libertação de presos políticos e ao regresso de clérigos exilados, alguns dos quais associados a movimentos jihadistas que souberam explorar a imaturidade política de uma democracia nascente. Exploram a insatisfação de jovens desiludidos com a lentidão da recuperação económica. Capitalizam as reações desproporcionais e arbitrárias por parte das Forças e Serviços de Segurança. Aproveitam as assimetrias regionais entre zonas urbanas e rurais, em particular nas áreas fronteiriças, como foi o caso da tentativa de assalto uma cidade perto de Ben Guerdane, junto à Líbia, em março de 2016.

7. O perfil do jihadismo contemporâneo na Tunísia não indicia radicalização fundada em zelo religioso, mas sim em necessidades mundanas como a procura de garantias de segurança física e de recompensas pecuniárias. Num plano mais transcendental, a adesão a um projeto político que promete transformar o contexto social, tornando-o mais justo, tem um efeito sedutor junto daqueles que se sentem abandonados pelo novo status quo. Tudo isto é exacerbado pela instabilidade vinda da Síria, da Líbia e do Sahel.

8. A política de reintegração na sociedade dos indivíduos com menores níveis de radicalização que não tenham participado em ações violentas sugere que o governo tunisino compreendeu as limitações da estratégia puramente securitária que tinha implementado. No entanto, continua a atribuir a ameaça a influências externas, mostrando relutância em assumir as causas locais de radicalização. Mostra-se igualmente incapaz de reformar o sistema prisional que, por estar sobrelotado e ser palco de práticas nada consentâneas com a natureza democrática do país, é um foco de radicalização a ter em conta.

9. A Tunísia dispõe das condições políticas estruturais para concluir com êxito a sua transição democrática. No plano económico o cenário é menos favorável, mas nem tudo são más notícias: o turismo, setor que representa 8% do produto interno bruto, deve regressar neste ano aos valores anteriores a 2015, superando assim a quebra provocada pelos atentados em Tunes e em Port El Kantaoui. O terrorismo deve ser encarado como um desafio interno e enfrentado com inteligência por parte do governo tunisino, tal como pela da União Europeia, que tem aqui uma oportunidade para, a um só tempo, aumentar a sua segurança a sul, fortalecer um parceiro comercial e demonstrar que, após ter respaldado o ditador Ben Ali, percebeu que autoritarismo não equivale a estabilidade política.

14 de novembro de 2018

CAMPUS: FAZER E COMUNICAR, HACER Y COMUNICAR! A POLÍTICA EM NÍVEL LOCAL! 

Colônia do Sacramento, Uruguai. Promovido pela Fundação Konrad Adenauer do Uruguai. Representante do Democratas Antônio Mariano, presidente Juventude do Rio, 9 e 10 / 11.

1. Estratégias para o desenvolvimento sustentável dos municípios (Philipp Lerch, diretor da Academia Comunal da Fundação Konrad Adenauer, Alemanha)

–       Konrad Adenauer dizia que a política municipal é a arte da verdadeira política e da democracia.

–       Dos 80 milhões de habitantes na Alemanha, calcula-se que 100 mil tem mandato, mas 15 milhões trabalham, de alguma forma, na política municipal, principalmente como voluntários.

–       As comunas, os municípios, devem funcionar como famílias. Pensamento da CDU no pós guerra.

–       Político consegue ser pior do que um vendedor de seguros: ninguém gosta e ninguém confia nele.

–       Quanto maior o nível de governo, menor o contato com a população, por isso é de suma importância o contato diário com o cidadão.

–       Comunidade é conectividade, identidade, cultura de um local, o que une a todos.

–       Quanto menos entendemos o mundo e quanto mais rápido muda a política, mais as pessoas não se sentirão em casa e rejeitarão as mudanças.

–       Mozart: escutar, copiar, emular, criar boas notas. Igual deve ser na política, devemos observar as boas práticas de outros lugares e não ficar tentando inventar a roda.

–       Sustentabilidade se transformou em um conceito transversal, saindo apenas do conceito de meio ambiente e da ecologia, passando para todos os setores. Devemos fazer uma política sustentável.

–       Um desafio atual, em todo o mundo, é conseguir encontrar bons quadros que queiram trabalhar para além da sua profissão e da sua família e que se dediquem à política local, a mais importante e mais esquecida.

2.  Eficiência local e participação cidadã (Philipp Lerch, diretor da Academia Comunal da Fundação Konrad Adenauer, Alemanha)

–       “Quando alguém tem de construir um barco, você não deve ensinar a conseguir madeira, ou a fazer os planos unicamente para a construção, mas sim a entender e a amar o mar.”

–       Nenhum administrador poderá cumprir suas promessas, se não tiver total consciência de quais são seus recursos humanos.

–       É preciso criar diversas redes que nunca trabalharam em conjunto antes. Pq não juntar a equipe de meio ambiente com a equipe de jovens? Constante aprendizado, onde todos aprendem com todos.

–       Apesar dos compromissos de uma administração municipal, é de suma importância a criação de um núcleo de servidores que estejam dedicados a novos projetos para a cidade.

–       O governo só vai dar certo, se houve um canal de diálogo constantemente aberto com a sociedade.

3. Eficiência local e participação cidadã (Christoph Jansen, vereador em Bonn, Alemanha)

–       “Aqui vocês tem uma língua comum para ajudar na integração, então aproveitem! Quem dera ter uma língua única para toda a Europa…”

–       Há muito mais transparência do que há 20 anos e isso é uma tendência contínua. Assim sendo, temos uma cidadão cada vez mais responsável e que deve ser incluído nas tomadas de decisões do Estado.

–       Precisamos de mais participação cidadã, afim de evitar o avanço do populismo, seja de esquerda ou de direita. Os partidos de extremos estão conseguindo mobilizar mais os eleitores que antes optavam pelo centro, por conta da desilusão com a política.

–       Modernizar o conceito do humanismo e buscar o consenso em temas conflitantes.

–       É imperativo que todos os estratos sociais participem o máximo possível e da maneira mais igualitária possível. A equidade de gênero é algo urgente e necessário, por exemplo. Jovens também devem ser incentivados, são o futuro – ideal se pudessem participar diretamente nos partidos.

4. Estratégias para uma gestão municipal pró ativa (Andrés Abt, prefeito do Município CH, Montevidéu, Uruguai)

–       Montevidéu é dividida em 7 municípios menores (A, B, CH, D, E, F, G) e o Partido Nacional utiliza o governo no CH como laboratório para tentar se eleger em Montevidéu. Em 183 anos, governou a capital apenas uma vez.

–       Equipe multidisciplinar composta por técnicos, vizinhos e militantes do partido, para montar um plano de governo possível de ser aplicado.

–       A gestão aponta para mudanças de filosofia, com a inclusão e participação da população. Mudança na relação da sociedade com o governo.

–       Convênios para capacitação de voluntários que trabalham em atividades sociais do município.

–       Saúde e educação não são de responsabilidade dos municípios. Logo, sobra mais orçamento para outras áreas.

5. Desafios atuais das agendas de governos municipais na América Latina (Doménica Tabacchi, vice prefeita, Guayaquil, Equador)

–       O modelo de governo de Guayaquil busca a parceria com a iniciativa privada.

–       Apenas 15% do orçamento é para gastos administrativos, inclusive salários, ou seja, 85% volta para a população em investimentos e serviços.

6. Desafios da nova gestão local e municipais em contexto de centralismo autoritário (Elías Sayegh, prefeito, El Hatillo, Venezuela)

–       Há quatro anos o orçamento do município era de 7 milhões de dólares ao ano. Agora mal chega a 80 mil dólares anuais. Na Venezuela os municípios são responsáveis pela saúde primária e pela polícia.

–       O governo central não tem emitido os títulos de propriedade para os imóveis, logo, o município vem assumindo essa função.

–       A descentralização promovida pela prefeitura, vem procurando gerar o mínimo de motor na economia e, por incrível que pareça, existem investidores abrindo empresas. Para gerar mão de obra, a prefeitura promove cursos de capacitação técnica e arranja emprego para estas pessoas.

–       Envio de relatório semanal para a população do município com todas as ações e fatos da Prefeitura naquele período. Dividido em seis áreas, inclusive segurança, mostrando quais delitos foram cometidos, onde, por quem, etc.

7. Desafios da nova gestão urbana e política local (Diego Valenzuela, prefeito, 3 de fevereiro, Argentina)

–       A descentralização de poder e de dinheiro é uma tendência global.

–       O governo nacional procurar fazer trabalhos na ponta, sem diálogo com a comunidade local. Resultado: conflitos e dinheiro mal investido.

–       Um projeto pode ser lindo, mas irá realmente causar impacto para melhorar a qualidade de vida da população? Essa é a pergunta que sempre deve ser feita, para não jogarmos dinheiro fora.

–       Planejamento urbano de modo a fortalecer a convivência e o consumo dentro do próprio bairro.

–       No mínimo 50% da agenda é feita na rua e sempre procurando equilibrar regiões da cidade e setores da sociedade.

–       Urbanismo também é direito: importante ter um advogado que entenda do assunto, para o planejamento não esbarrar em questões legais.

–       Como é do mesmo partido de Macri, procura estar na rua o máximo possível, conversando com os vizinhos, de modo a mostrar o seu trabalho e não vincular a crise nacional ao seu governo.

8. As redes sociais no governo municipal (Martín Yeza, prefeito, Pinamar, Argentina)

–       Um governo democrático requer uma comunicação democrática.

–       Não há tema na comunicação política que não haja sustentação, desde que a matéria-prima seja de qualidade.

–       Durante a transição, passou a contar curiosidades por meio das redes sociais e com isso conseguiu mídia gratuita nacional e até internacional.

–       Apesar das profundas mudanças realizadas na gestão (inclusive cortando o salário em mais da metade), a aprovação era a mesma da rejeição. Pinamar tem um histórico de prefeitos que não terminam o mandato e, por isso, a população tinha o receio de que fosse acontecer o mesmo com ele.

–       O principal problema do político é o ego, o que faz com que respondamos ao adversário. Não é a ele que devemos satisfação, mas sim ao eleitor. Somente a eles devemos responder.

–       Não aceitem as regras dos outros, o líder é você e neste momento, uma pequena dose de soberba é necessária e saudável. Caso contrário, você ficará eternamente refém de quem não lhe apoia.

–       Liderar significa saber bancar e aceitar os insultos. Mas também é representar a melhor visão de futuro possível para uma sociedade.

–       Não é possível liderar sem saber qual é o conteúdo da mensagem que você quer transmitir. Além de tudo, seja breve.

–       A Prefeitura quintuplicou a frota de veículos e mesmo assim, consegue gastar 20% menos de gasolina, comparado ao início do mandato. Se bem comunicado, a população vai entender que antes havia corrupção, não é algo que precisa ser dito explicitamente, de modo não a gerar desgaste para a sua imagem.

9. O bom governo local: a cooperação a nível municipal (Christoph Jansen, vereador em Bonn, Alemanha)

–       Bonn é um exemplo de como foi feita a transição no início dos anos 1990. Deixou de ser a capital, mas passou a congregar organismos internacionais, como a ONU.

–      O fator internacional é um grande atrativo para a cidade, que leva o desenvolvimento, não só com o turismo, mas também a trabalho. Intenso trabalho de cooperação internacional.

–       Parcerias nas áreas de energia e reciclagem, prevenção a enchentes e intercâmbio cultural com La Paz, no Peru e intercâmbio entre temas de juventude e culturais e turismo sustentável com Buchara, no Uzbequistão, por exemplo. Parcerias parecidas com cidades na África, China, Mongólia, Ucrânia, etc.

–       Cooperações multilaterais, além das bilaterais.

–       Para alcançar as metas globais de desenvolvimento sustentável, propostas pela ONU, é indispensável a participação das Prefeituras, do poder local.

13 de novembro de 2018

LATINOBARÔMETRO INDICA 2018 COMO UM PÉSSIMO ANO PARA A DEMOCRACIA NA AMÉRICA LATINA!

(JANAÍNA FIGUEIREDO – Buenos Aires – Globo, 10) 1. A pesquisa anual do Latinobarômetro, feita em 18 países da América Latina, mostrou que 2018 foi o pior ano para a democracia na região desde o início da medição, em 1995. Dois países do continente deixaram de ser democráticos (Venezuela e Nicarágua), e todos os indicadores de confiança na democracia regrediram. Desde que a Latinobarômetro começou a realizar pesquisas em todos os países do continente, há 23 anos, o respaldo à democracia teve momentos de auge, como em 1997, quando chegou a 63%. Hoje, o percentual caiu para 48%, o ponto mais baixo desde 20

2. No Brasil, a satisfação com a democracia é a menor na região,9%, e o percentual de brasileiros que a poiam o regime democrático também encontras e entre os menores—apenas 34% dizem apoiara democracia, e o país só fica à frente dos centro-americanos Honduras, Guatemala e El Salvador. Quando a pergunta feita foi se o país em que vive o cidadão está progredindo ou regredindo, outra vez os brasileiros mostraram-se desapontados, e o Brasil figurou no final do ranking, empatado em último lugar coma Venezuela. Só 6% dos brasileiros acreditam que o país está progredindo. A má percepção da economia afeta a avaliação do sistema político, registra o relatório.

3. O levantamento também perguntou se as pessoas acreditam que vivem em países democráticos. Neste tópico, 17% dos brasileiros responderam que o Brasil não é uma democracia, contra 37% na Venezuela e 35% na Nicarágua. A maioria dos brasileiros (52%) acredita que o país é uma democracia com “grandes problemas”, enquanto em Chile, Costa Rica e Uruguai mais de 40% veem uma democracia com “pequenos problemas”.

4. Para a pesquisa deste ano, a entidade entrevistou 20.204 pessoas entre 15 de junho e 2 de agosto, o que considera “uma amostra representativa da população total dos 18 países, que chega a 650 milhões de habitantes”. Ante os números, a diretora do Latinobarômetro, Marta Lagos, definiu 2018 como um “annus horribilis” para a região. Poucas vezes, segundo ela, o continente viveu um período tão convulsionado em sua História desde o início da transição para a democracia, nos anos 1980.

5. Em entrevista ao GLOBO, Lagos fez um alerta para a falta de consciência sobre o que chamou de “diabetes democrática” que se espalha pelo continente, e afirmou que é necessário “saber declarar e entender onde estamos posicionados”: — No caso do Brasil, por exemplo, a eleição de Jair Bolsonaro é consequência e não causa de uma situação. Mas o Brasil não está sozinho, a confiança e a credibilidade da democracia estão sendo questionadas em todos os países da região.

6. Para ela, “a eleição de Bolsonaro explica-se pelo desejo dos brasileiros de elegerem alguém que tire o país do buraco e alguém que é visto como alheio ao sistema político tradicional e suas mazelas”. — No Brasil, a confiança interpessoal é de 4%. Isso significa que os brasileiros praticamente não confiam em ninguém, muitos menos nas instituições e partidos políticos. A crise da democracia é consequência disso —frisou. Somente em nove países, de acordo com o levantamento deste ano, o apoio ao sistema democrático supera 50%, e o percentual mais elevado foi registrado na Venezuela (75%), onde se impôs, nas palavras de Marta, “um autoritarismo eleitoral”, mesmo caso da Nicarágua. Na Argentina, o apoio à democracia alcança 59%; no Uruguai, 61%; e no Brasil, apenas 34%.

7. No outro extremo, o autoritarismo é visto como um modelo positivo por 27% dos paraguaios, 23% dos chilenos e 20% dos guatemaltecos. “Os povos da América Latina querem prosperidade e desenvolvimento, não há evidências de uma demanda por autoritarismo, mas por ordem e ausência de violência”, diz Lagos em texto que acompanha o relatório.

8. Na visão da professora Maria Regina Soares de Lima, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj e coordenadora do Observatório Político Sulamericano (Opsa), nos casos de países como Venezuela e Nicarágua o grande problema atualmente é “que não existem governos dispostos a negociar”. —São democracias que estão por um fio, mas elas não podem ser excluídas nem ignoradas.

9. Tampouco pode-se pensar numa intervenção — enfatizou a professora. No caso do Brasil, sustentou Maria Regina, “a eleição de Bolsonaro explica-se pela demanda de liberalismo econômico e segurança e, ao mesmo tempo, rejeição à corrupção”. —O presidente eleito foi visto como uma novidade, mas rapidamente ficará claro que não é —disse a professora. A Latinobarômetro analisa a eleição brasileira e afirma não entender a surpresa do mundo com a vitória de Bolsonaro. “Essa surpresa não deveria ser tal se levarmos em consideração que 65% dos brasileiros dizem que a democracia tem problemas (grandes e pequenos) e 17% asseguram que não existe democracia no país. O Brasil é simplesmente um país onde a crítica à democracia teve consequências eleitorais. E não é uma exceção. Em outros países, como o Chile, por exemplo, 84% dos cidadãos se queixam do sistema democrático atual”, diz o relatório.

10. No Brasil, a satisfação com a democracia é a menor na região: apenas 9% se dizem satisfeitos.

12 de novembro de 2018

50 ANOS DEPOIS, LIVRO RECONTA INVASÃO DA POLÍCIA A CONGRESSO DA UNE EM 1968!

No auge das manifestações contra o regime militar, quase 800 jovens foram presos; leia trecho da obra.

Cesar Maia já tomara o seu café e aguardava o início da reunião dentro da tenda, sentado num dos degraus forrados com plástico. (…) O único na tenda que parecia sem nenhuma pressa era Cesar Maia. Sentado num degrau, sabia que não adiantaria tentar fugir, seria fatalmente preso, mais uma vez.

( Jason Tércio – Iliustrissima – Folha de S.Paulo, 11) Em outubro de 1968, o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes acontecia num sítio em Ibiúna, a 74 km de São Paulo, quando foi descoberto pela polícia. Quase 800 jovens foram presos. A história é recontada em “Sitiados – A História do Congresso Estudantil de Ibiúna em 1968”, com lançamento previsto para este mês; leia trecho.

“Divalte Figueira saiu da tenda enrolado no cobertor, a caminho do córrego, onde um grupo lavava o rosto e escovava os dentes. Os que haviam dormido no primeiro turno já estavam na fila do café. Entre eles o cearense José Genoino, o paranaense Deslandi Torres, o paulista Luiz Merlino e o carioca Luiz Rodolfo, descalço, por não ter encontrado seus sapatos.  Vladimir bebia café com Travassos, conversando sobre a plenária na qual informariam que a polícia estava a caminho e discutiriam o que fazer.

César Maia já tomara o seu café e aguardava o início da reunião dentro da tenda, sentado num dos degraus forrados com plástico. A maioria do pessoal do segundo turno ainda dormia ou estava se levantando.

Sem vontade de enfrentar a fila, Divalte voltou para a tenda e se sentou num degrau, na expectativa da eleição. Pretendia votar em Dirceu, apesar da inevitável sensação de desencanto.

Viera com uma grande esperança no congresso como sendo o apogeu das lutas do movimento estudantil, mas o resultado até aquele momento o tinha decepcionado. Ele mal sabia que o pior estava prestes a acontecer. Merlino bebeu mais um gole de café. No alto do morro, o coronel Barsotti puxou seu revólver da cintura e deu um tiro para o ar. Era o sinal. Merlino ouviu o estampido repentino ecoando no ar e, antes que pudesse pensar qualquer coisa, ouviu outros tiros e viu surgirem os soldados e agentes que entravam porteira adentro disparando fuzis e metralhadoras e pistolas, gritando palavras que ninguém entendia.

Na fila, todos olharam surpresos para os incontáveis soldados correndo em todas as direções, atirando e jogando bombas de efeito moral. O segurança Gradel jogou fora seu revólver, correu para a cozinha.  Outro segurança saiu da sua barraca perto da porteira e, quando viu os soldados, disparou a carabina para o alto, avisando o pessoal. Os soldados responderam com rajadas de metralhadoras para o alto, um deles deu uma coronhada na cabeça do segurança e apreendeu a arma.

Roberto Menkes acordou na barraca dos seguranças pensando que estivesse sonhando. Saiu meio zonzo e viu os soldados correndo na sua direção. Na cozinha, as garotas largaram tudo o que estavam fazendo e correram, Gradel viu um outro segurança, ajoelhado atrás da mureta apontando uma Beretta na direção da tropa, e gritou “joga fora!”, para evitar a morte do colega. Confirmou-se na prática que as armas dos seguranças tinham efeito apenas simbólico e não significavam nenhum projeto de iniciação guerrilheira.

Merlino tentou saltar a cerca do sítio. Parou imediatamente ao ouvir um tiro e voltou com os braços para cima. Um agente do Dops apontou-lhe o revolver gritando: — Corre, seu vagabundo, se quer levar um tiro! O rapaz cruzou as mãos atrás da cabeça e se juntou aos demais. O coronel Divo Barsotti e o delegado Paulo Bonchristiano corriam de um lado para o outro, vociferando nos megafones. Teresa Sales voltava do banheiro para a casa com passos titubeantes, se desviando da lama.

Ao escutar os tiros, tentou se apressar, escorregou e caiu, pensando ter sido atingida por um tiro, mas se ergueu e continuou andando. Perto da fila do café, um grupo de garotas pensou em correr, mas a indecisão as impediu.  Vilma Amaro tinha nas mãos uns panfletos que pretendia guardar na sacola como material de pesquisa para escrever a reportagem sobre o congresso, e jogou os papéis no chão ao ser empurrada.

Dentro da tenda, os que estavam acordados se entreolharam intrigados e assustados. Gradel entrou correndo e bradou: — Pessoal, a polícia tá aí!  Houve sorrisos de dúvida: seria um trote? Uma brincadeira de mau gosto a esta hora da manhã? A maioria levou a sério e se levantou depressa com intenção de fugir. Como tinham dormido com a roupa do corpo, foram apanhar apenas os sapatos e a sacola. Difícil era encontrá-los. Gradel quis evitar pânico: — Calma, calma! A ordem é não resistir, não adianta.

Caterina Koltai dormia ao lado de sua grande amiga Leda Gitahy e por isso se sentiu segura. Ana Bursztyn estava acordando e demorou uns segundos para entender o que acontecia. Devancyr ficou paralisado, sem saber se saía correndo ou continuava deitado.

O único na tenda que parecia sem nenhuma pressa era César Maia. Sentado num degrau, sabia que não adiantaria tentar fugir, seria fatalmente preso, mais uma vez. Demonstrou tranquilidade escutando os ratatata tata pam, bang, ratatata pam bang pam! Bonchristiano entrou na tenda com megafone na mão esquerda e uma pistola na direita:  — Estão cercados! Todo mundo com as mãos na cabeça ou vamos atirar!

Com ele entraram soldados apontando fuzis e pistolas. Os estudantes ainda deitados se levantaram aturdidos, procuraram seus calçados, e foram saindo com bagagens, olhos arregalados, cabelos desgrenhados. Os soldados se movimentavam com rapidez, encurralando e empurrando os estudantes para o centro do terreno. O delegado Bonchristiano gritava sem parar: — Fiquem parados onde estão! Mãos na cabeça! Joguem tudo no chão!

Com braços levantados, Pedro de Albuquerque saiu da casa e, enquanto caminhava para se juntar aos outros, um colega perguntou o que iria acontecer. Naquele momento ninguém sabia. O coronel Barsotti mandou os soldados colocarem os estudantes em fila indiana, para serem revistados. O caseiro ficou junto deles. Bonchristiano, pistola em punho, continuava a gritar: — Não resistam! Temos ordem de atirar pra matar! Estão todos presos!

09 de novembro de 2018

PRONUNCIAMENTO DO PRESIDENTE DA CÂMARA DE DEPUTADOS, DEPUTADO RODRIGO MAIA, NA SOLENIDADE COMEMORATIVA DOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA!

É com grande satisfação que me junto a todos neste Plenário para comemorar as três décadas da Constituição de 1988. Comemorar é mais que celebrar: É rememorar. E, em conjunto, trazer o passado a memória. E, hoje, gostaria de começar lembrando que nossa tradição constitucional republicana, em seus quase 130 anos, nos legou Constituições que duraram pouco.

Nesta nossa história de Constituições breves, não é trivial que propostas que acenaram para a substituição da Constituição em vigor tenham sido repudiadas pela opinião pública durante o último processo eleitoral. Em um contexto de forte polarização política, houve quem pensasse que as pessoas se deixariam seduzir pela ideia fácil de que basta trocar de constituição para resolver os problemas do país. A sociedade brasileira, contudo, surpreendeu seus intérpretes mais desatentos e reafirmou que tem na Constituição de 1988 a sua bússola.

A nossa Constituição é extensa e detalhada. Como todo produto do trabalho humano, tem imperfeições. Dr. Ulysses já o admitia no próprio discurso de promulgação: “Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora”, disse ele. Ela tem se mostrado, ao longo desses trinta anos, mais forte do que os críticos de primeira hora ousariam imaginar. Seu núcleo repousa em princípios muito gerais, como a liberdade, a igualdade e a dignidade da pessoa humana. Princípios que nos irmanam e, ao mesmo tempo, nos separam. Sua interpretação desperta controvérsias profundas e é legítimo que seja assim, como tem sido em todas as grandes democracias do mundo.

O sentido da Constituição está em permanente disputa. Ele é definido em uma troca constante entre a opinião pública, notadamente a imprensa e a sociedade organizada, e as instituições do Poder Legislativo, Executivo e Judiciário. As democracias constitucionais não são forjadas apenas a partir do que de antemão compartilhamos, mas a partir daquilo que somos capazes de construir em comum, a despeito – e, por vezes, exatamente em razão – das nossas diferenças.

Mas o fato de não querermos uma nova Constituição não é o mesmo que negar a necessidade de reformas. Pelo contrário. Constituições longevas passam por processos profundos de mudança para que possam continuar dialogando com o mundo. Mudam para permanecer. Alteram o seu texto para fortalecer suas fundações. Temos, nesse sentido, agendas que são prementes. Algumas envolvem ajustes no próprio texto constitucional, outras a adoção de medidas legislativas que garantam a sua eficácia.

A reforma da previdência é uma delas. E preciso controlar o déficit e construir um sistema previdenciário mais justo, que não seja concentrador de riqueza, ainda que tenhamos que enfrentar críticas e incompreensões no processo.

No campo da segurança pública, precisamos de uma resposta coordenada e inteligente à violência. Combater o crime organizado e o tráfico de armas e drogas de forma efetiva exige um Sistema Único de Segurança Pública em pleno funcionamento. A Câmara dos Deputados tem feito sua parte até o momento e fará mais. Há diversas pautas em construção no âmbito do Congresso para reforçar a segurança da população. Cito, entre outras, os anteprojetos de lei apresentados  pela Comissão de Juristas presidida pelo Ministro Alexandre de Moraes, em tramitação nessa Casa desde junho, com o patrocínio de diversos líderes.

Também oferecemos ao debate do Congresso anteprojeto de reforma de lei de improbidade administrativa, coordenado pelo Ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça, que traz contribuições importantes ao combate à corrupção.

Precisamos, enfim, aumentar o dinamismo da economia brasileira e do setor público. Deflagramos iniciativas importantes que podem ajudar a construir medidas concretas nesse rumo, como a reforma tributária, em debate na Comissão Especial, e os grupos de trabalho sobre tributação da renda corporativa, sobre o mercado de debêntures e sobre a legislação social brasileira. Ao mesmo tempo, uma comissão de juristas coordenada pelo Ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, se debruça sobre temas ligados a gestão e ao controle da administração pública.

Essas iniciativas buscam reforçar e atualizar o compromisso constitucional com a justiça social e com o desenvolvimento econômico. Não é possível combater a desigualdade com baixo crescimento econômico, mas, ao mesmo tempo, não é admissível que apenas alguns poucos se beneficiem desse crescimento. O Congresso Nacional é o espaço por excelência para realizar esse debate e para conceber medidas que possam nos conduzir aos objetivos fundamentais de nossa República. Nossa Constituição é sábia. Seu arranjo institucional prevê um Poder Executivo com grandes responsabilidades e amplos poderes. E, ao seu lado, um Congresso Bicameral, complexo e plural, composto pelo princípio proporcional e majoritário, que equilibra as perspectivas políticas presentes na sociedade e os interesses dos entes da Federação. As decisões que moldam o futuro do Brasil passam necessariamente por essas mediações institucionais e delas retiram sua legitimidade democrática, observados, sempre, os princípios que estruturam a Constituição. Dr. Ulysses nos lembrou, há pouco mais de trinta anos, aqui mesmo neste Plenário: “a persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia”.

Termino reforçando que o fracasso ou o sucesso de um empreendimento constitucional não está selado com o ato de promulgação de uma Constituição. A propósito, uma lição mais antiga e igualmente sábia, vem de Benjamin Franklin. Ao ser questionado sobre o que resultara da Convenção da Filadélfia, em 1787, ele teria respondido: “Uma República, se vocês forem capazes de mantê-la”. A sociedade e as suas instituições têm a responsabilidade diuturna e indelegável de promover e aprofundar o projeto constitucional. Sem seu compromisso e sua lealdade, mesmo o texto mais engenhoso não resiste às intempéries da política.

Parabéns à nossa Constituição por seus trinta anos. Há vitórias que merecem ser lembradas. Mas há mais a fazer do que a celebrar. O melhor tributo que podemos prestar é nosso trabalho incessante e nosso compromisso penhorado com o que significa a Constituição Cidadã. Que não nos falte força e nem sabedoria para cumprir os seus desígnios.

Muito obrigado.

08 de novembro de 2018

SEPARAÇÃO DE PODERES!

(MERVAL PEREIRA – GLOBO, 04) 1. O debate sobre a nomeação do juiz Sérgio Moro para o ministério da Justiça com superpoderes no governo Bolsonaro levantou pontos relevantes sobre a relação entre os Poderes da República, e o exercício da política para além do jogo partidário.  Moro sempre declarou que nunca faria carreira política, obviamente se referindo à politica partidária. Mesmo porque já era um “agente político” na sua atuação como magistrado, de acordo com a definição da Corregedoria Geral da União (CGU): “agente político é aquele investido em seu cargo por meio de eleição, nomeação ou designação, cuja competência advém da própria Constituição, como os Chefes de Poder Executivo e membros do Poder Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas, além de cargos de Diplomatas, Ministros de Estado e de Secretários nas Unidades da Federação, os quais não se sujeitam ao processo administrativo disciplinar”.

2. Separação dos poderes não é intrínseca à democracia, mas ao presidencialismo, criada na Constituição americana em 1789. Já existia na teoria, pela famosa obra de Montesquieu “O espírito das leis”, e outras, e incipientemente na Inglaterra, à época uma monarquia constitucional que ainda não separava claramente o Poder Judiciário do Executivo.

3. Os EUA formaram a primeira república constitucional do mundo moderno. O verdadeiro fundo filosófico é que nos EUA, quem governa, dá os rumos, é o Congresso. Um congressista faz parte de um poder verdadeiro. O Legislativo é um poder que não tem chefe. Um deputado, um senador, não é subordinado a nenhum chefe. Não pode ser demitido por chefe nenhum. Muito menos pode ser subordinado ao simples chefe de outro poder, o Executivo.

4. A independência de poderes legítima impede que um deputado ou senador americano seja ministro. Se quiser ser ministro, tem de renunciar ao seu mandato de legislador e virar auxiliar do presidente. Nos EUA, a senadora Hillary Clinton teve de renunciar ao seu mandato para ser Secretária de Estado de Barack Obama.

5. Norberto Bobbio, um dos maiores filósofos políticos do século XX, escreveu a “Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos Clássicos”, onde dá a sua definição sobre política. Para ele, falar em política leva ao conceito de poder, que é a capacidade de se obter os meios para fazer prevalecer suas ideias em uma sociedade.

6. Os poderes políticos são legitimados, dependendo das circunstâncias, pela tradição, pelo despotismo ou pelo consenso, uma característica da democracia. Na Grécia Antiga, Aristóteles, em “A Política”, tratava dela como inerente à atividade humana, pelo interesse pelas coisas das cidades (pólis). “Fazer política” não é, portanto, apenas uma prática partidária e eleitoral, mas refere-se às atividades do Estado, e como a sociedade se relaciona com ele. Os políticos que criticam Moro por ter aceitado participar de um ministério, o fazem como consequência de uma luta política que só demonstra como estão dissociados das mudanças que o país está vivendo.

7. Se quiséssemos mesmo exercer um presidencialismo na sua essência, deveríamos seguir o exemplo dos Estados Unidos, e exigir que os membros do Congresso renunciassem a seus mandatos se quisessem ir para o ministério, assim como é exigido dos membros de outros Poderes, como o Judiciário. Moro teve que renunciar à carreira para exercer um cargo em outro Poder. Acabaríamos com o toma-lá-dá-cá radicalmente.

8. Na véspera de seu encontro com o presidente eleito Bolsonaro, Moro releu trechos do livro “Excellent cadavers”, de Alexander Stille, sobre a atuação do juiz Giovanni Falcone, o líder do combate à Máfia que gerou a Operação Mãos Limpas da Itália, que também foi para o governo. No livro, Moro marcou o seguinte trecho: “em poucos meses em Roma, Falcone mudou o papel do Executivo na guerra contra a máfia”, segundo Ignazzio De Francisci, membro do grupo anti-máfia anterior à chegada de Falcone ao governo italiano.

07 de novembro de 2018

BOLSONARO E MORO! 

(Lucas Mafaldo, filósofo, professor e pesquisador no Canadá) 1. Uma coisa importante sobre essa nomeação de Moro é que ela revela uma qualidade enorme do próprio Bolsonaro que está passando desapercebida.

2. Cesar Maia alertou para o risco de indicar alguém que você não possa demitir — uma observação tão certeira quanto reveladora de uma cultura problemática. Cesar Maia está certo no seguinte sentido: Moro, tanto por sua história como por vir de fora da política, tem uma reputação ainda mais forte do que o próprio Bolsonaro em termos de respeito às instituições e luta contra a corrupção.

3. Portanto, embora Bolsonaro seja o chefe, Moro tem tanto capital social que não pode ser demitido facilmente. Por isso, ao nomeá-lo, Bolsonaro diminuiu o próprio poder: ele colocou deliberadamente no governo alguém que ele não pode controlar.

4. Em termos de pura estratégia pessoal, seria uma decisão equivocada. Porém, em termos do que é melhor para o país, é algo certíssimo: é como se Bolsonaro estivesse amarrando o próprio governo ao combate a corrução. Ele está se diminuindo para que sua equipe possa subir mais alto.

5. E aí volto ao problema da cultura brasileira que, infelizmente, incentiva exatamente o contrário: o rapaz estudioso é objetivo de piada, a moça competente não é contratada porque a vaga vai para um puxa-saco. Como se comentou mais cedo, há uma dose imensa de pose na cultura brasileira: as pessoas “importantes” mostram sua importância no modo de se vestir, na linguagem utilizada, na repetição das opiniões chiques e nas frases de efeito — e raramente por meio de alguma competência específica.

6. Essa falta de competência gera líderes fracos, inseguros, que precisam sempre recrutar pessoas que estejam abaixo de si próprios. Elas não percebem que o bom líder é justamente quem sabe escolher e motivar pessoas com talentos complementares: o bom líder é o centro de aglutinação de pessoas de alto nível, capazes de superar o próprio líder nos seus respectivos campos de atuação.

7. E é exatamente isso que estou começando a enxergar em Bolsonaro. Ele fez algo muito parecido ao convidar o General Heleno e Paulo Guedes. O primeiro tem muito mais experiência militar e administrativa do que ele, enquanto o segundo tem muito mais conhecimento de economia. Em vez de ficar intimidado, ele adicionou outro peso-pesado à sua equipe: um cara com uma excelente reputação e ampla experiência no combate à corrupção.

8. Se esse padrão continuar, o país irá recuperar muito do terreno que foi perdido nos últimos anos.”

06 de novembro de 2018

CENTRO-RADICAL!

(Fernando Henrique Cardoso – O Estado de S.Paulo, 04) 1. Com a eleição de Bolsonaro e a hecatombe que se abateu sobre o sistema partidário, o melhor é manter a “paciência histórica”. Com a idade, algo se aprende. A principal lição talvez possa ser resumida em antigo ditado popular: “Não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe”. Como em todo slogan, nesse há muita coisa indefinida: o que alguns qualificam como “bem” para outros pode ser o “mal”. A despeito de opiniões distintas, penso que a onda conservadora que se prenuncia não será boa, como não seria a da arrogância petista, que está na raiz do atual estado de coisas, com a polarização do “nós” contra “eles”.

2. Democrata, curvo-me à decisão da maioria. Mas não me amoldo, como não me amoldaria se fosse vencedor o polo oposto. Pertenço à família espiritual dos que pretendem ser razoáveis, aceitam o diálogo, podem mudar de opinião e quando o fazem dizem o porquê. E não querem ficar espremidos num “centro amorfo”. Essa família sabe que a emoção existe, deixa-se envolver por ela de vez em quando, mas tenta apegar-se a algum grau de razoabilidade.

3. Nas circunstâncias, há que esperar. Como será o governo Bolsonaro? Como enfrentará os desafios de reduzir a desigualdade social, como retomará o crescimento econômico para criar empregos; porá ordem nas finanças públicas, assegurará a tranquilidade às pessoas assustadas com tanta violência nas ruas e no campo, será capaz de combater o crime organizado? Sem falar na hercúlea tarefa, que é de todas as forças políticas, sobretudo das que tenham maior convicção democrática, de recolocar nos trilhos o sistema eleitoral e partidário, que afundou na corrupção, na fragmentação e na perda de conteúdo programático.

4. Não se trata de esperar sem fazer nada, nem de assumir a posição fácil de criticar tudo o que o governo faça. A possibilidade de se criar um “centro” não amorfo implica tomar partido com base em valores e na razão. Li outro dia uma expressão de que gostei: um “centro radical”. Radical em não aceitar o arbítrio e, portanto, em respeitar a Constituição. Ah, dirão, ela está obsoleta. Então que se mude o que pereceu, mas por meio de emendas que o Congresso aprove, mantidas as cláusulas pétreas. Ser radical de centro implica ser firme na preservação dos direitos civis e políticos e propor uma sociedade não excludente e justa. Sem conservadorismo.

5. A onda conservadora concentra-se principalmente nos costumes, na cultura. O centro radical prega o respeito à diversidade e sua valorização, que é constitutiva da democracia, embora se recuse a transformar a diferença em expressão única do que é positivo. Opõe-se à violência contra os que têm preferências, sexual ou sobre o que seja, divergentes do padrão e sustenta os direitos das minorias. O mesmo vale para a preferência religiosa: há que respeitá-la integralmente, mesmo quando diversa da crença dominante ou quando composta de fragmentos de várias crenças ou quando for nenhuma. O que vale para as crenças vale com a mesma força para as ideologias, desde que elas aceitem não ser a expressão única da verdade e da moralidade.

6. A radicalidade de um centro progressista não se limita, contudo, aos aspectos comportamentais. Propor soluções econômicas antiquadas, a exemplo do controle estatal dos setores produtivos e do desprezo pelo equilíbrio fiscal, como setores da esquerda fazem, não somente é anacrônico, como também contraria os interesses do povo. Como oferecer emprego e melhorar a renda dos mais pobres propondo uma política econômica que leva à estagnação e ao desemprego, como se viu recentemente com a “nova matriz econômica”?

7. Sem fundamentalismos desnecessários e mesmo contraproducentes, o “centro progressista e radicalmente democrático” deve incorporar ao seu credo uma visão mais liberal, sem medo de ser tachado de “elitista” ou “direitista”. Sem cair, por outro lado, na apologia do “individualismo possessivo”, porque o mercado não é a única dimensão da vida nas sociedades contemporâneas. A ideia de que se pode comandá-lo ou regulá-lo com mão de ferro é irrealista. E o realismo não é de direita nem de esquerda, é um requisito para o bom governo. Este, por sua vez, não se resume à adequação eficiente entre meios e fins. É preciso crer numa “utopia, viável”: a da busca de uma sociedade aberta, decente e, portanto, mais igualitária. A sociedade civil, em sua pluralidade de opiniões, tem um papel crítico na construção de tal tipo de utopia.

8. Num artigo de jornal não cabem demasiadas considerações sobre os valores que poderão dar arrimo a um centro que não se confunda com a fisiologia de “centrões”, nem se perca na vacuidade das indefinições. Mas é preciso deixar no ar a pergunta: que movimentos e partidos poderão materializar o radicalismo de centro?

9. Comecemos com a autocrítica. Também o PSDB, ainda que vitorioso em Estados expressivos, se desfigurou nas últimas eleições. Será capaz de se remontar? Francamente, não sei. E os demais partidos e movimentos de renovação, que rumos eles tomarão para sobreviver?

10. Se for o da adesão oportunista ou o da crítica indiscriminada a tudo o que o novo governo fizer, de pouco servirão para a retomada do rumo democrático e progressista. É cedo para apostar. A paciência histórica é boa conselheira e não se confunde com inação. A consolidação de um novo movimento requer desde já a pavimentação de alianças, não só no círculo político, mas principalmente na sociedade, para formar um polo aglutinador da construção de um futuro melhor. E como as eleições de outubro mostraram, não basta ter boas ideias, é preciso que elas circulem nas redes que conectam as pessoas e mobilizam corações e mentes.

05 de novembro de 2018

CONSOLIDAÇÃO DA EXTREMA DIREITA!

(Vladimir Safatle é professor de filosofia da USP – Ilustríssima – Folha de S.Paulo, 04) 1. A consolidação da extrema direita brasileira é um fato recente e merece ser debatido de forma mais analítica.  Por mais que o país tivesse parcelas significativas de sua sociedade imersas na defesa tácita da ditadura militar, em práticas marcadas pela ausência de qualquer solidariedade social com grupos vulneráveis, além do culto à violência como resposta ao medo generalizado próprio a um país que se constituiu através da opressão e da guerra a índios, negros e pobres, a Nova República impediu que tais parcelas se constituíssem em atores políticos relevantes.

2. Uma conjunção de fatores internacionais e nacionais permitiu o despertar dessas células dormentes. Na verdade, uma comparação entre a extrema direita europeia e brasileira pode nos ajudar a compreender o que ocorre conosco neste momento. Comecemos por lembrar como duas datas são fundamentais para a consolidação da extrema direita no eixo Europa-EUA. São elas: 2001 e 2008. A primeira está relacionada ao uso global do terrorismo como princípio de coesão social; já a segunda à mais séria crise econômica do capitalismo desde 1929. A partir dos ataques de 11 de setembro de 2001, ficou claro que a legitimidade da força soberana do Estado nas sociedades de capitalismo avançado regrediria ao seu solo original, a saber, ao uso da insegurança e do medo como afetos políticos centrais.

3. Não foram poucos aqueles que insistiram em como as ações direcionadas à “guerra contra o terror” não eram, em larga medida, pautadas exatamente pelo cálculo do combate às causas e da consolidação global de alianças. Logo saltou à vista a desproporcionalidade entre ações como a invasão do Afeganistão, do Iraque e os resultados efetivos referentes à segurança dos cidadãos e cidadãs das democracias liberais de Primeiro Mundo.  Mas isto não poderia ser diferente, já que tais ações estavam ligadas, principalmente, às lógicas de produção de adesão social a partir do impacto da generalização do medo.

4. No entanto, era claro que neste horizonte a extrema direita seria a grande beneficiária política da nova situação. Seu ideário sempre fora resultado de uma noção paranoica de Estado-nação, na qual as temáticas da fronteira, do limite, da invasão, da imunização necessária e do contágio eram os elementos centrais.  Agora, seu discurso estava caminhando em direção ao centro do debate político. Bastava forçar o amálgama entre imigrantes e terroristas, uma operação relativamente simples se levarmos em conta como o significante “árabe” e “turco” (os grupos mais relevantes de imigrantes) estava ligado no imaginário europeu às guerras coloniais com seus estereótipos primários.

5. Mas faltava um elemento a mais para a consolidação da extrema direita europeia, e ele veio com 2008. A crise econômica demonstrou a inanidade da política hegemônica baseada na balança social-democracia/liberais. As mesmas políticas de “austeridade” foram aplicadas tanto por governos à esquerda quanto à direita.  Do ponto de vista de suas políticas econômicas, Schroeder e Merkel na Alemanha, Sarkozy e Hollande na França, Zapatero e Aznar na Espanha, Blair e Cameron no Reino Unido não significaram mudança alguma e isto ficou claro para a população empobrecida e submetida a regimes cada vez mais brutais de insegurança social.

6. A extrema direita compreendeu isso e posicionou-se com um discurso antiliberal marcado pela crítica ao livre-comércio, pelo retorno a práticas protecionistas, pela crítica ao mercado financeiro global e por propostas de seguridade e garantia social partilhadas com a esquerda. A diferença era que tais propostas conjugavam-se em uma gramática nacional e xenófoba. O tópico da solidariedade internacional e da indiferença à nação em nome de uma universalidade concreta, tão caro à esquerda, estava fora.  Nesse sentido, a extrema direita europeia recuperou suas raízes fascistas e nacional-socialistas, ou seja, assumiu sua matriz de discurso nacionalista e antiliberal. Esse antiliberalismo mostrou o que podia produzir com o Brexit britânico e com a ameaça da volta das moedas nacionais e do controle de alfândegas.

7. Isso obrigou o neoliberalismo europeu a se deslocar para outras regiões da política, criando um “neoliberalismo com rosto humano” cujo laboratório é a França de Emmanuel Macron: um governo que aplica as mais brutais políticas de desmonte de direitos sociais, a mais explícita violência policial contra toda forma de manifestação enquanto cultiva falas baseadas na tolerância, no cosmopolitismo e em remixes da filosofia de Paul Ricoeur. No entanto, ficou claro que este modelo não poderia ser aplicado ao Brasil. Nem o combate ao terrorismo era um tópico relevante em um país completamente fora do eixo colonial, nem a crise de 2008 foi espaço para a aplicação de políticas de “austeridade” nos moldes europeus. A princípio, o horizonte que permitiu a ascensão da extrema direita na Europa parecia longe.

8. Assim, todas as tentativas de vencer eleições presidenciais no Brasil com pautas neoliberais naufragaram e continuariam naufragando. Não poderia ser diferente. Pesquisa feita pela Ipsos e divulgada em agosto mostrava que 68% da população brasileira era contra privatizações, 71% era contra a reforma da Previdência (Datafolha, maio de 2017) e 85% era contra a reforma trabalhista (Vox Populi, maio de 2017).  Isso não era o resultado de alguma forma de “herança ibérica”, mas de uma constatação pragmática simples. As relações de trabalho no Brasil são marcadas pela espoliação brutal, haja vista as diferenças salariais entre os mais ricos e os mais pobres.

9. Segundo dados do IBGE, a parcela mais rica da população brasileira ganha salários (sem contar bonificações e stock-options) 36 vezes maiores do que a parcela mais pobre. Nesse contexto, a parcela mais pobre vê o Estado como alguma forma de anteparo contra as relações brutalizadas do mercado de trabalho.  Ou seja, no Brasil a pauta neoliberal só poderia ser aplicada em condições de governo autoritário ou através de um processo eleitoral totalmente alterado.  Para tanto, seria necessário inicialmente recriar uma aliança em torno de atores políticos fora do eixo de governabilidade da Nova República, a saber o PT e o PSDB. Pois os dois partidos se comprometeram, cada um a sua maneira e seguindo inflexões distintas, com um certo regime de conciliações e pactos próprios do período pós-ditadura. Isso significaria tentar um modelo que fora inicialmente testado no Chile de Pinochet ao aliar neoliberalismo e extrema direita autoritária.

10. No Brasil, significaria apoiar-se nas células dormentes intactas desde o fim da ditadura militar. Em um país que produziu uma transição democrática infinita, feita para nunca terminar, que nunca aplicou princípios elementares de Justiça de transição e dever de memória, esta operação era possível, contrariamente a outros países latino-americanos como Argentina, Chile e Uruguai.  Seria necessário reeditar a aliança de 1964 entre empresariado, agronegócio, igrejas e imprensa conservadora, além das Forças Armadas, o que foi feito enfim nesta eleição através do eixo de apoio de Jair Bolsonaro.

11. Mas não seria possível apresentar diretamente a verdadeira matriz da pauta econômica com seus discursos de “privatizar tudo” (algo que não foi feito em nenhum, repito, em nenhum país do mundo) para o pagamento de dívida pública, seu respeito sagrado ao teto de investimentos do Estado com o consequente desmantelamento final dos serviços públicos, sua autonomia para o Banco Central.  Seria necessário que tais discussões saíssem de cena para dar lugar a um eixo no qual a “desordem”, a “corrupção” e a “violência” fossem os elementos maiores do embate político. E, neste ponto, as manifestações de 2013 foram decisivas.

12. De certa forma, para a extrema direita brasileira, 2013 foi nosso 2001, pois foi o momento no qual o medo pôde se consolidar como afeto político central. Há de se lembrar como a imagem paradigmática de 2013 foi a destruição de um símbolo do Estado e da ordem: a massa de manifestantes em Brasília ateando fogo no Palácio do Itamaraty, já que tinha sido impedida pela polícia de fazer o mesmo com o Congresso Nacional.  Nunca na história do Brasil houve a expressão mais evidente da desidentificação entre a população e as instâncias da ordem estatal.

13. Junto disso, a população brasileira viu, durante meses, séries ininterruptas de manifestações nas quais a visibilidade dos invisíveis ganhou corpo. Grupos vulneráveis (como mulheres, LGBTs, negros) exigiram visibilidade e garantias jurídicas, mostrando como o perfil dos padrões de existência no interior da sociedade brasileira tendia a mudar. Não é por acaso que foi a partir de então que discursos exigindo “ordem” ganharam relevância. Toda movimentação real de revoltas sociais tem sempre como contraponto a produção de sujeitos reativos que procurarão negar a força emancipadora dos acontecimentos.

14. Diante de uma Brasília em chamas, não é de impressionar que vários começaram a pedir “seu país de volta” envoltos na bandeira nacional e sonhando com “intervenção militar”. Tratava-se então de consolidar uma operação de basteamento significante. “Violência” e “corrupção” poderiam ser portas de entrada para a hegemonia de um discurso de esquerda no Brasil. Bastava que “violência” fosse associada à desigualdade obscena da sociedade brasileira e “corrupção” a um sistema político distante da deliberação popular e da participação direta.

15. Mas o significante “ordem” produziu outra hegemonia, na qual a falta de um governo forte, de cunho militar, aparecia como a causa da degradação da República, mesmo que a tirania fosse a forma fundamental da corrupção, haja vista a própria história corrupta da ditadura brasileira. Na verdade, aliada ao antiestatismo neoliberal, a luta contra a “corrupção” foi apenas a senha para as classes média e alta legitimarem seu desejo inconfesso de eliminar toda solidariedade social através de sistemas de tributação. Foi desta forma que a extrema direita brasileira foi criada com seu neoliberalismo de rosto inumano.

01 de novembro de 2018

POLÍTICA EXTERNA SEM PEDALADAS DIPLOMÁTICAS!

(Embaixador Hélio Ramos e Marcelo Dantas – Correio Brasiliense 30) Alguns aspectos do novo governo já estão delineados: a ênfase na agenda da segurança pública; a defesa da propriedade privada e dos valores familiares; o fomento ao empreendedorismo e à inovação; o apoio ao agronegócio e à exploração responsável das riquezas naturais; e a retomada de projeto de desenvolvimento abrangente, despojado de viés ideológico. Mas a diplomacia nacional e internacional, empresários, enfim, muitos se perguntam sobre a política externa.

O que, de fato, podemos esperar? A resposta ainda não é clara. Muito vai depender das escolhas que o presidente venha a fazer. Se quiser obter sucesso no front internacional, precisará cercar-se de equipe coesa e fiel. Não apenas nos cargos de chefia do Itamaraty, mas também na assessoria diplomática do Palácio do Planalto e no comando das principais missões do Brasil no exterior. A tarefa anuncia-se trabalhosa.

Sem prejuízo das escolhas a serem feitas, existem elementos indispensáveis para o realinhamento da ação diplomática brasileira, com base no interesse nacional.

O fator estruturante mais imediato é a necessidade de habilitar a economia brasileira a beneficiar-se dos estímulos externos. Compete à diplomacia criar oportunidades, atrair investimentos, negociar acordos comerciais e garantir a abertura de mercados para os produtos nacionais.

A busca desses objetivos precisa ganhar maior protagonismo na agenda externa. Isso implicará, entre outros fatores: fortalecer a Apex e os setores de promoção comercial do MRE; adotar postura mais assertiva nas negociações da OMC; restabelecer a racionalidade econômica do Mercosul; e conferir a nosso país maior liberdade para aproximar-se dos EUA, da União Europeia e das economias asiáticas.

Na área político-diplomática, é fundamental que se volte a enfatizar a diplomacia bilateral. A ação externa deve estar centrada em diretrizes objetivas, que propiciem maior segurança para as fronteiras nacionais, melhores relações com a imediata vizinhança, diversificação de nossas parcerias internacionais, diálogo aprimorado com as principais potências e fortalecimento de uma imagem positiva do Brasil.

No campo da segurança internacional, devemos estar atentos para a crescente articulação entre crime organizado, terrorismo e regimes autoritários. A diplomacia, em coordenação com os órgãos de defesa e inteligência, terá de situar o país entre os protagonistas no combate a essa aliança explosiva.

Nesse esforço, cabe revigorar a atuação regional, construindo iniciativas para o fortalecimento da democracia e o combate ao narcotráfico na América Latina. Também a política para o Oriente Médio precisará de ajustes. Embora devamos seguir atentos aos interesses comerciais do Brasil, será importante adotar postura firme de condenação ao terrorismo e aos que o financiam.

Com respeito aos direitos humanos, ajuste cuidadoso da atuação internacional seria bem-vindo. Desde os anos 90, grupos de orientação liberal-progressista têm dominado esse segmento da política externa. Nesse exercício, aplicam o que poderíamos chamar de “bicicleta multilateral”: aprovam em foros multilaterais textos que contradizem ou vão muito além do disposto na legislação do país; em seguida, buscam internalizar esses textos, tornando-os parte do arcabouço legal brasileiro. Assim, vão contornando obstáculos ao avanço da agenda. É o caso dos grupos favoráveis à legalização do aborto.

Ao coibir a prática de “pedaladas diplomáticas”, o governo não deve incorrer no erro de romper com os mecanismos internacionais de promoção das liberdades civis. Pelo contrário, precisamos atuar com firmeza e serenidade nesses foros, promovendo iniciativas em sintonia com as aspirações da sociedade brasileira. Temos um papel importante a desempenhar na promoção dos direitos de deficientes físicos, idosos e crianças; na defesa da democracia, do pluralismo político e da liberdade de culto; e no combate a toda forma de extremismo.

Outra questão que exige cuidado é o tema da mudança do clima. Nas últimas décadas, o Brasil esforçou-se em assumir posição de destaque na defesa da agenda ambiental. Esse capital de credibilidade não deve ser desperdiçado. Em 2015, no Acordo de Paris, 174 países adotaram “contribuições nacionalmente determinadas” para conter o aquecimento global. As metas brasileiras serão atingidas com relativa tranquilidade em 2025 e 2030 graças à participação dos biocombustíveis e das novas fontes renováveis na matriz energética.

É indispensável, no entanto, que a atuação brasileira nos foros internacionais ambientais esteja alinhada com as prioridades nacionais. Devemos preservar nossa capacidade soberana de explorar o potencial do país em petróleo e gás, mineração, energia elétrica, infraestrutura de transportes e agronegócio. Tais setores serão fundamentais para o crescimento da economia nos próximos decênios e caberá ao Itamaraty proteger-nos de ingerências externas.

Uma diplomacia competente faz-se com constância, sobriedade e ajustes precisos. Como no lema de Rio Branco —– “Ubique Patriae Memor” —, devemos ter sempre presente o amor à pátria e a promoção do interesse nacional. Com a inauguração do novo ciclo político, teremos a oportunidade de trazer a política externa brasileira de volta às raízes lançadas por nosso insuperável barão.