31 de agosto de 2018

HOJE, COMEÇA A CAMPANHA NA TV E NO RÁDIO!

Hoje, começam as veiculações, pela televisão e rádio, das candidaturas. Hoje, há senador, governador e deputado estadual. 

Este será um teste importante porque as ruas estão silentes. A taxa daqueles que não apontam candidatos é muito alta, 50%, 60%. E a televisão, em geral, desperta o eleitor para a própria campanha eleitoral. É como se o eleitor só soubesse que haverá campanha eleitoral no momento em que a televisão entra. 

Mas, neste momento, há uma dúvida se a entrada da televisão produzirá, como produziu em eleições anteriores, o envolvimento do eleitor ou vai manter esse quadro desaquecido, como tem sido até agora e os institutos de pesquisa têm demonstrado. 

Para se ter ideia, na eleição para governador de MG, mais de 50% não marcam candidato nenhum. Branco, nulo, não sabe, não respondeu. Mesmo no caso na eleição presidencial, quando se apresenta a lista de nomes, parece que brancos, nulos, não sabe, não respondeu, diminui, mas não é assim. É que são muitos nomes para a pessoa optar e vai se marcando. 

Eu diria que a probabilidade, nesta eleição para presidente e governador, de os votos brancos, nulos, de a abstenção alcançar 40% ou mais é muito grande. No caso de senador, provavelmente. O que se vê, curiosamente, é que no primeiro voto e no segundo voto a porcentagem daqueles que não marcam candidato algum é semelhante. Como são dois votos, no final, se tem algo em torno de 50%. 

É uma situação que vai nos levar a acompanhar com muito cuidado. Os institutos que fizerem pesquisas a partir do final da semana que vem já poderão indicar de que maneira o leitor tende a se comportar. Se haverá uma tendência à participação, mobilização, ou se esse quadro de inércia se manterá até o final da eleição.

30 de agosto de 2018

“TEMPO DE TV TEM EFEITO INCERTO E ELEIÇÃO DE 2018 TEM PARADOXOS INÉDITOS”!

(ANTONIO BRITO – Drive – Poder 360, 29)  A tradição e um mínimo de cautela mandam que se espere pelo menos duas semanas (ou seis programas eleitorais dos candidatos a presidente) para que se possa começar a medir os efeitos dessas propagandas nas intenções de voto. Teremos de aguardar até 15 de setembro para saber se e como as intenções de voto começarão a se cristalizar ou a se modificar.

Entre tantos paradoxos desta eleição, um se destaca: nunca foi tão reduzido nem tão importante o tempo de propaganda no rádio e na TV. Por isso, é inevitável que desde o primeiro dia, 6ª feira (31.ago.2018), torne-se esporte nacional tentar adivinhar o que cada jingle, palavra ou imagem provocarão na decepcionada cabeça do eleitor brasileiro.

Um breve roteiro do que vem por aí:

1. O índice de audiência dos programas eleitorais será, em si, um fato com consequências eleitorais. Se baixo, perde o PT, que precisa fazer a transferência de votos para Haddad. Perdem Alckmin, Marina e Ciro. E só Bolsonaro ganha. Se os índices de audiência forem altos, inverte-se, em princípio, o quadro;

2. Grupos de discussão e avaliações qualitativas do impacto de cada comercial serão muito mais importantes do que análises sobre o efeito dos programas eleitorais;

3. Falar em comerciais é aguardar especialmente pelo que farão Alckmin e o PT, num primeiro momento. São deles, com diferença gigantesca em relação aos demais, os espaços para mensagens publicitárias. Ciro, Marina e, de certa forma, Bolsonaro vão depender do que Alckmin e o PT souberem ou não fazer com essa poderosa vantagem;

4. Alckmin tem latifúndios de tempo para falar para os que não o apoiam. Conseguirão os tucanos pela primeira vez desde o real utilizar um idioma compreensível para a maioria dos brasileiros? A jogada é arriscada. Não se constrói um perfil em dias, ainda mais de alguém resistente/conservador como Alckmin, para o bem e para o mal. Um surpreendente sucesso televisivo de Alckmin vai aproximá-lo do segundo turno. Uma monótona repetição das últimas semanas do tucano dará força a Ciro e Marina, além de impulsionar Bolsonaro;

5. O outro jogador destaque desse primeiro momento é o PT. A impotência do partido diante de seu criador levou-o a deixar-se encarcerar junto com Lula. Agora, pode acarretar punição adicional ao não conseguir colar em Haddad rapidamente a imagem do ex-presidente. Mas se o PT conseguir a façanha de transferir ao menos um terço das intenções de Lula para Haddad, o ex-prefeito de São Paulo se viabiliza para tentar um segundo turno;

6. Ciro e Marina, e, de outra forma, Bolsonaro começam o jogo esperando e dependendo do eventual insucesso de Alckmin e/ou do PT no uso do tempo na propaganda eleitoral;

7. Ciro e Marina estarão, é claro, sentados à mesa desde o primeiro momento do jogo eleitoral na TV. Mas a organização da disputa deu-lhes apenas as senhas de número 3 e 4. Antes, estarão juntos na torcida por tropeços de Alckmin ou do PT;

8. Parte do fascínio desta eleição vem daí. Ciro e Marina dependerão muito da evolução/involução do PT e de Alckmin;

9. Bolsonaro vive outra situação curiosa. A encrenca em que se meteram seus dois aparentes principais adversários –PT e Alckmin– deixa-o otimista para uma ida ao segundo turno, apesar de desconhecida ainda a eficácia do tiroteio que sofrerá. Mas, para Bolsonaro, qualquer risco no primeiro turno é nada diante do fato que de todos os nomes principais é o de pior perfil e piores chances no segundo turno, de acordo as pesquisas recentes.

Perto de 60 milhões de pessoas sem voto definido; dependendo de apenas cinco semanas de propaganda eleitoral e no meio desse período candidatos tendo de ajustar estratégias da noite para o dia. Vai ser ótimo de acompanhar e talvez difícil de esquecer.

29 de agosto de 2018

POLITÓLOGO JAIRO NICOLAU E A TRANSFERÊNCIA DE VOTOS NO NORDESTE!

(Coluna do Merval – Globo, 25) 1. A partir das eleições de 2006, o Nordeste passou a ser um reduto eleitoral petista. Foram seis turnos de vitórias avassaladoras. Em trabalho recente, o cientista político e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jairo Nicolau analisa fatores que podem afetar a intensidade da transferência de votos no principal reduto petista, sem a presença de Lula nas campanhas e, sobretudo, na urna eletrônica.

2. Em 2006, Lula obteve 60% dos votos dos eleitores nordestinos no primeiro turno, o maior percentual alcançado na história das eleições presidenciais por um candidato em uma determinada região, ressalta Nicolau. Ainda que Dilma Rousseff tenha obtido em 2010 e 2014 um percentual levemente menor do que Lula, a ideia de reduto se manteve.

3. No primeiro turno das eleições de 2014, 27% dos eleitores que compareceram para votar moravam no Nordeste. Desse modo, um candidato que receba 50% dos votos na região já garante cerca de 13,5% em âmbito nacional. Lula tem até 80% em certos estados nordestinos.

4. Jairo Nicolau diz que ninguém pode ter dúvida de que Fernando Haddad crescerá no Nordeste à medida que se torne conhecido dos eleitores da região. Existe uma versão corrente que sugere que essa transferência de votos de Lula será simples e automática, mas Nicolau lembra que, embora isso possa acontecer, há alguns obstáculos. O reduto petista no Nordeste foi consolidado quando o partido estava à frente da Presidência.

5. As eleições de 2006, 2010 e 2014 tiveram um caráter plebiscitário, a favor ou contra as políticas públicas do governo petista, fator que não estará presente este ano. Jairo Nicolau lembra que temas centrais da campanha ainda não estão postos. “Será a divisão entre os que apoiam e rejeitam Bolsonaro? Ou a crise econômica e as melhores propostas para superá-la? Ou até, quem sabe, uma mera ênfase nos atributos dos candidatos, sem grandes discussões sobre o país”, questiona o cientista político.

6. Para o PT, diz Nicolau, interessa recolocar o tema plebiscitário em outras bases, em torno de uma nova agenda: os que defendem a “volta do PT” versus os que são “contra a volta do PT”. A polarização pode ter um papel fundamental para impulsionar a transferência de votos no Nordeste.

7. Nas três últimas eleições, o PT praticamente não teve adversários no Nordeste. A dúvida, ressalta Jairo Nicolau, é até que ponto a candidatura de Ciro Gomes, político que fez sua carreira no Ceará, poderá ser uma barreira para o crescimento do PT. Nas duas eleições em que concorreu, Ciro teve o seu melhor desempenho no Nordeste — 12% dos votos dos que compareceram em 1998, e 15% em 2012 —, embora em patamares inferiores à votação do PT e do PSDB.

8. Jairo Nicolau acha que ainda é cedo para falar sobre o desempenho de Marina e Bolsonaro no Nordeste, já que a expectativa é que o crescimento do candidato petista “avance” sobre os votos que hoje esses candidatos obtêm na região. No primeiro turno de 2014 havia uma expectativa de que os votos nulos e em branco poderiam crescer. Como tradicionalmente os votos inválidos são mais altos nas cidades mais pobres e com menor escolaridade, esse crescimento poderia afetar a candidatura de Dilma Rousseff. Mas isso não aconteceu. O percentual de votos nulos e em branco foi praticamente o mesmo das eleições anteriores. A expectativa do cientista político Jairo Nicolau é que os votos nulos por protesto cresçam nas eleições de 2018, repetindo padrão já observado nas eleições municipais de 2016.

9. Mas, segundo ele, o que deve preocupar os dirigentes petistas é outro tipo de voto inválido, fruto da desinformação e do erro. Com uma campanha curta, sem dispor do mesmo tempo de televisão das eleições anteriores, sem a presença física de Lula nas atividades de rua e com muito menos dinheiro para gastar na campanha, o desafio do PT é fazer o nome do candidato Haddad chegar aos eleitores de baixa escolaridade, baixa renda e moradores das pequenas cidades do Nordeste. Para Jairo Nicolau, sem uma informação precisa sobre a existência de um “candidato do Lula”, o voto nulo e em branco tenderá a crescer na região.

10. A dúvida, ressalta Jairo Nicolau, é até que ponto Ciro Gomes, que fez sua carreira no Ceará, poderá ser barreira ao PT.

28 de agosto de 2018

ENTREVISTA COM O ARQUITETO E URBANISTA PAULO CASÉ, FALECIDO ONTEM, FALANDO DE SUA RELAÇÃO COM CESAR MAIA!

Revista Vitruvius

Opinião sobre arquitetos e políticos

AAB: César Maia, Ex-Prefeito do Rio.
PC: César Maia é uma das pessoas que mais me impressionou na minha vida, ele tem uma cabeça extraordinária. E agora ficou na moda meter o pau nele já que ele não está mais no poder. Ele é um homem que ficou 16 anos à frente da Prefeitura dessa cidade e ainda se encanta com a cidade. Agora, política é um suicídio, política é um suicídio, e quando você tem que confrontar a sua ideia com os outros pra se afirmar, não adianta, acaba. Eu por exemplo, eu tenho as minhas ideias, depois que eu recolhi as minhas críticas que achei mais importante eu peguei meu caminho e fui seguir o meu caminho. Eu não quero saber de discutir com ninguém. Mas o político ele tem que discutir com todo mundo e isso desgasta muito.

AAB: O senhor trabalhou muito para a Prefeitura durante as gestões dele. E então, qual a principal virtude que o senhor viu no César Maia com relação a essa questão da Cidade?
PC: O trabalho. Trabalha, trabalha, um homem interessante tem uma cabeça rica pra cacete, muito inteligente. A última vez que eu estive com ele, foi junto a um hoteleiro português que ia fazer um hotel aqui, e o projeto era meu. Então ele marcou um encontro e eu fui lá. Ele tava terminando o governo. Ele já estava há dezesseis anos, ele já deveria estar em outra, mas não, de tudo ele fazia. Eu já trabalhei muito com ele e eu sempre falava: “Cesar, vamos fazer uma coisa? Vamos terminar este seu governo e vamos abrir um gabinete de conversa”. Gênero, ele é gênero tá entendendo. Eu tenho vários amigos intelectuais, completamente diferentes dele, mas ele é um gênero diferente, um homem de uma sagacidade. Eu tenho por ele um apreço. Uma vez eu escrevi na minha coluna do Jornal do Brasil, uma das primeiras colunas foi sobre o pós modernismo. Foram dois números de pós modernismo. Então escrevi sobre a arquitetura, sobre o moderno, como é que nasceu a arquitetura moderna e etc. Aí, ouça só, eu estou em casa um dia e toca o telefone: “Alô, Paulo Casé? Aqui quem fala é o Deputado Cesar Maia”. E eu falei: “Pois não, Deputado”. E ele, que é economista, me falou: “Eu acho que a economia tem muito a ver com aquilo que você escreveu no Jornal do Brasil sobre arquitetura e pós-modernidade. Você pode vir conversar comigo?”

AAB: O senhor nunca tinha falado com ele antes?
PC: Nunca. Falar com Político? Aí fui lá depois que ele me ligou e esta conversa que tive com ele me marcou. Fui lá nove horas da noite e saí duas horas da manhã de lá. Quando saí, eu pensei, não é possível esse cara deve ser um maluco. É um cara fora do normal. Aí eu disse: “Ô Cesar, eu posso marcar outra conversa com uns amigos e você”. Então fiz um grupo, Geraldinho Carneiro, Silvio Tender, uma porrada de gente interessante, tinha também o Conde. O Conde então ele conheceu o Cesar Maia lá em minha casa. Aí eu disse, “Ô Cesar, aconteceu isso, isso e isso depois daquela nossa primeira conversa e eu reuni esses amigos aqui para você falar pra eles o que você disse para mim, porque eu estou impressionado com a sua visão da Cidade, do mundo e etc.”. E todo mundo saiu de lá também com boas impressões dele. Então é isso, pra mim o César Maia é essa história que te contei agora.

AAB: O senhor falou muito aqui do arquiteto Luiz Paulo Conde, ex-prefeito do Rio. Ele é mais ou menos um arquiteto da sua geração, não é? E vocês sempre estiveram em alguns momentos muito próximos. Como é que o senhor vê a passagem do Conde da arquitetura para a política e os caminhos que ele seguiu depois aqui na Cidade já como Prefeito e etc?
PC: Foi a primeira visão urbana de um prefeito sobre a cidade nos últimos anos. Ele pensou a Cidade, fez os Programas Rio Cidade o Favela Bairro e etc.

AAB: Foi o senhor que apresentou o Luiz Paulo Conde ao César Maia?
PC: Não apresentei exatamente, mas eu que trouxe o Conde para aquela reunião com o César Maia. Eu soube depois, que ele foi quem levou o César Maia para casa, pois o Cesar morava na Barra da Tijuca e eles foram conversando e o Conde já gostava de política. Ele foi Diretor da Escola de Arquitetura só fazendo política, fazendo política. Falando com funcionário aqui com outro funcionário ali. Eu não ia fazer isso nunca tem que ter essa tendência e esse talento. E o Conde é um cara inteligente e culto. Quando teve a chance dele de ser o Secretário de Urbanismo do César Maia ele foi embora e fez realmente o negócio andar e muito. Então ele tem essa virtude de ter trazido o debate urbano para a prática cotidiana do cidadão. Que muitos não tenham entendido o que ele queria fazer aí é diferente. Também a gente não está aqui para as pessoas sempre nos entenderem. Infelizmente.

27 de agosto de 2018

CARLOS LACERDA: PARTE FINAL DO ESTUDO DE OTÁVIO FRIAS FILHO NA REVISTA PIAUÍ! 

1. Restaram dele poucos registros em vídeo, mas diversos em áudio, preservados. É pena que tanto material tenha-se perdido, não apenas no sentido físico. Pois Lacerda era mestre numa arte que não pode mais ser apreciada na medida em que também desapareceu – a oratória pública, substituída pela padronização publicitária e pelos improvisos disparatados. Mas não se imagine que ele fosse um orador à antiga, com tremulações de voz e sentenças abstrusas. Ao contrário, contribuiu como poucos para introduzir a linguagem coloquial no jornalismo e na política.

2. E foi talvez o primeiro a adotar, no Brasil, em vez da peroração apoplética, o tom de conversa amena que se recomenda no rádio e mais ainda no veículo que se instalava na década de 50, a televisão. Embora somente 5% dos domicílios no país contassem, em 1960, com televisor (e não mais de um terço tivesse rádio), os poderes encantatórios do meio, que propiciava um laço aparentemente tão íntimo com o falante, eram evidentes. Segundo seu biógrafo, ele aprendeu com o popular programa de Fulton Sheen, arcebispo católico americano que recorria a um quadro-negro em cena (como Lacerda passou a fazer) para que os telespectadores fixassem melhor suas sorridentes mensagens anticomunistas.

3. A voz de Lacerda era grave, robusta e um pouco anasalada, mas percorria uma escala ampla de tons, chegando às vezes a um timbre algo andrógino pela blandícia. Sua entonação, no entanto, em geral era áspera, como quando, em certos momentos, ele parecia cuspir as palavras com desprezo ou asco, quase omitindo a sílaba final, conforme o costume carioca. Outras vezes, para obter um efeito comovente qualquer, sua voz se alongava e perdia volume até concluir a frase como a onda que alisa a praia. Teve aulas com a atriz Ester Leão, que se recusou, por motivo ideológico, a treinar a voz de Brizola.

4. Não tinha, aliás, o “s” português (como em festa, “feichta”) nem o “r” francês (como em porta, “pohta”) de seus conterrâneos, talvez por exigência dos primórdios do rádio, quando os fonemas deviam se distinguir nitidamente em meio à estática das transmissões precárias – talvez porque esse sotaque não fosse tão acentuado nas gerações mais antigas ou em sua família. A consagração do hábito fazia os cariocas pronunciarem seu nome, conforme ressaltou o poeta paulista Régis Bonvicino, como se fosse uma palavra só (“Cahlacehda”), pequena glória desfrutada por raras figuras públicas.

5. Seu melhor retrato pessoal foi traçado em menos de dez páginas pelo memorialista católico Antonio Carlos Villaça no capítulo “Júlio Tavares” de seu O Livro de Antonio (74). Villaça era um literato que viveu para descrever o que via. Seu olhar ávido e inquieto focaliza Lacerda com um interesse minucioso, quase erótico. Este era tomado por uma “sofreguidão alucinante”. Sabia “perfeitamente” inglês e francês. Tinha um “ar de rapaz, um tanto brejeiro, boêmio, leve, livre, sensual”. Gostava de cinema e viagens. Era um místico que se interessava por espiritismo, astrologia e tinha “tendência profunda à superstição”. Não sabia nadar, batia furiosamente à máquina com dois dedos, cozinhava um peixe “temperadíssimo” e gostava “muito de queijos”.

6. Não lhe escapa tampouco a ciclotimia de Lacerda, dado a trabalhar sem trégua durante dias e noites, para daí desabar, prostrado. Numa crônica sobre Winston Churchill, que chamava a própria depressão de “cão negro”, Lacerda admitiu ser vulnerável a suas investidas. Um de seus melhores contos (parodiado no livro do neto) explora essa metáfora e se chama “Aparição do Cão Negro”. Seu estado de espírito há de ter piorado no ostracismo, quando se esfalfava para preencher o ócio e suprir a vocação desperdiçada. A epígrafe de seu livro Crítica e Autocrítica são dois versos do escritor português Miguel Torga que costumava citar a próprio respeito: “Podia ser melhor o meu destino/Ter o sol mais aberto em cada mão.”

7. Revisadas a sua vida e a sombra que ela projetou nos livros, o que resta ou ressalta? Sua ambição, certamente. Como tantos estadistas, era escravizado pela necessidade narcísica de liderar a multidão a fim de realizar obras que lhe valessem a estima pública. Essa ambição talvez fosse, nele, apenas o mais poderoso aspecto volitivo de uma personalidade inteiramente consumida pela “sofreguidão” que Villaça identificou. “Sou dos que querem tudo”, Lacerda escreveu.

8. Escrevia, falava, trabalhava, lia, viajava, comia e comprava com voracidade (um parente refere a quantidade prodigiosa de presentes que ele trazia para familiares e amigos quando voltava de viagem). Essa índole se ambientava bem, por sua vez, numa geração impaciente como a sua – grosso modo, a dos “tenentes” e dos modernistas –, para a qual o Brasil já perdera tempo demais no Império e na República Velha, disposta a abrir seus próprios atalhos para apressar o advento de um futuro sempre adiado.

9. “Depois que se provou o poder, só o poder interessa”, disse certa vez. Os longos anos na oposição purificaram sua têmpera, fazendo dele o emissário de um ideal. Após experimentar o fruto tanto tempo proibido – depois de ser governador e ver sua viável candidatura a presidente esfarelar no maquinismo da ditadura de 64 –, sua ambição decai em oportunismo e se extravia no desespero.

10. Ele continua o voluntarista incorrigível e o adversário (e aliado) perigoso de sempre. Mas antes sua vontade de poder vinha embalada em princípios, bons ou maus, e sua escalada tinha uma galhardia romântica a que os anos de ostracismo deram um ar surrado, canastrão. É quando, por exemplo, ele se aproxima do ministro do Exército do presidente Ernesto Geisel (1974–79), um obtuso “linha-dura” candidato a suceder ou depor o chefe para reverter a abertura política, e se envolve com o general António de Spínola, ex-presidente português exilado no Rio, num plano amalucado para invadir Portugal (então em pleno desvario revolucionário) com apoio da ditadura brasileira.

11. Legou à linguagem corrente o termo “lacerdismo”, que resume um moralismo seletivo, praticado contra os adversários do momento, sobretudo na forma de campanhas jornalísticas devastadoras, baseadas em indícios frágeis e conclusões precipitadas. Não há como eximi-lo desse pecado, exceto recordando que quase todos o cometiam, embora com menos paixão e talento, além de outros pecados piores, dos quais Lacerda nunca foi acusado, como venalidade e até extorsão. Há quem considere o jornalismo dos nossos dias engajado, parcial, faccioso, mas a imprensa do século passado não somente incidia nesses atributos, como costumava ostentá-los com desenvoltura. As apurações eram mais levianas, as reportagens eram opinativas, os jornais tomavam partido acintosamente e admitiam pouca ou nenhuma divergência em suas páginas.

12. Jamais alguém levantou contra ele, a sério, alguma denúncia de corrupção. Nunca dependeu do governo, que atacava de maneira quase sistemática, mesmo quando correligionários seus o ocupavam. Foi provavelmente o primeiro político brasileiro a proclamar a educação pública como prioridade máxima. Foi um dos raríssimos a ter, mais que veleidade literária, um autêntico apetite intelectual. Seu nome se inscreveria, ainda que não sem controvérsia (como tudo nele), no panteão dos brasileiros que, sendo os mais capacitados de sua época, nunca chegaram a presidente: Rui Barbosa, Osvaldo Aranha, San Tiago Dantas.

13. A restauração do capitalismo na Rússia e na China e o ressurgimento da democracia liberal como fórmula adotada por toda parte reatualizaram a pregação de Carlos Lacerda, embora não exatamente seus métodos. O que melhor sobrevive dele foi haver encarnado, em tantos episódios de sua vida transbordante, um inconformismo essencial e uma altivez de espírito que percorrem também a crônica de seu avô e de seu pai, como a transmissão de um impulso intermitente, às vezes errôneo, às vezes inspirador, a empurrar as gerações e os países.

24 de agosto de 2018

23 DICAS PARA A CAMPANHA ELEITORAL!

1. O fracasso é certo quando se tenta agradar todo mundo. Escolha o seu lado, o seu discurso.
2. O seu adversário de votos é quem pensa como você ou se dirige ao mesmo perfil de eleitor.
3. O seu antagônico é atacado só para lhe dar nitidez.
4. Primeiro o eleitor decide em quem não se deve votar. Ajude.
5. Eleição é como lavoura. Os meios de comunicação irrigam. Mas só o contato direto semeia.
6. Candidato que se explica, perde.
7. Tenha sempre a iniciativa. Jogue com as peças “brancas”.
8. Discuta só o tema que você propôs. O tema proposto pelo adversário deve ser simples ponte para você chegar ao seu.
9. Candidato tem que se comprometer.
10. Em debates perguntar é sempre mais arriscado que responder. Na resposta você fala por último. A pergunta tem que imobilizar o adversário e impedi-lo de mudar de tema.
11. O tema honestidade é visto pelo eleitor de outra forma. O tema certo é CONFIANÇA.
12. A comunicação de campanha tem que mostrar que os valores do candidato são os mesmos do eleitor. Valores e crenças básicas são a base da campanha.
13. A linguagem do marketing político é a do marketing de valores e não do marketing comercial.
14. O eleitor vota racionalmente, embora com pouca informação. Ou seja: relaciona causa e efeito.
15. O centro é o alvo, não é o ponto de partida. Ou seja, se parte desde posições nítidas para se atingir espaços políticos de centro.
16. O voto mistura crenças e conjuntura. Esquecer quaisquer das duas é perder a eleição.
17. Não necessariamente divulgue a agenda. Só a que interessa.
18. As pesquisas mexem com o animus de campanha. E com o financiamento.
19. Não ataque diretamente. Use “ouvi falar”, “dizem”, “soube”, ou na TV locutor ou testemunhais.
20. Os ataques devem ser desconcertantes, surpreendentes. As agressões (gritos e palavras chulas) ofendem o eleitor.
21. Currículo não ganha eleição. O que ganha eleição é capacidade de desenvolver a campanha. É a campanha.
22. O eleitor vota pragmaticamente. Ele já sabe como usar as pesquisas. O voto útil é fundamental e já ocorre no primeiro turno.
23. Não ataque todas as candidaturas no primeiro turno. Você precisará de uma delas, pelo menos, no segundo turno.

23 de agosto de 2018

PROGRAMAS/COMERCIAIS ELEITORAIS NA TV, NO BRASIL, E AS LIMITAÇÕES PARA A COMUNICAÇÃO!

1. A professora e pesquisadora norte-americana Kathleen Jamieson, uma das mais importantes autoridades em comunicação política e autora de vários livros, realizou, no início dos anos 90, uma enorme pesquisa desde a Universidade da Pensilvânia sobre as eleições presidenciais norte-americanas de Kennedy a Clinton. Trabalhou com 5 mil pesquisadores.

2. No final, as conclusões da pesquisa foram publicadas em um livro com o nome “O que você pensa que sabe sobre política e por que você está errado”. Esse livro não foi ainda traduzido para o português.

3. Uma das conclusões mais importantes foi testar que tipo de comercial de trinta segundos é o mais efetivo sobre os eleitores. Jamieson agrupou os comerciais em três tipos: comerciais defensivos, comerciais negativos e comerciais de contraste.

4. Os comerciais defensivos são aqueles que os candidatos dizem o que fizeram, dizem o que pensam, enfim, falam bem de si mesmos e de seus governos ou de seus mandatos. Os comerciais negativos são aqueles que os candidatos atacam seus adversários, mostrando os erros em seus governos ou no exercício de seus mandatos.

5. Finalmente, os comerciais de contraste são aqueles que os candidatos, ao afirmarem suas posições, contrastam com as posições dos adversários sobre aquele tema. Os amplos testes feitos foram agrupados como conclusões. Os comerciais que menos efeito tem sobre a decisão de voto e a memória do que foi dito são os comerciais defensivos.

6. Os comerciais negativos criam certo desconforto no expectador quando são vistos. Mas depois disso, geram muito mais memória que os defensivos e têm muito maior efeito sobre o voto. Jamieson considera os comerciais defensivos fracos sobre o voto e a memória e os comerciais negativos regulares sobre voto e memória, mas de bem maior impacto que os defensivos.

7. Finalmente, os comerciais de contraste de longe são os que produzem maior impacto sobre a memória e a decisão de voto.

8. No Brasil, a legislação eleitoral proíbe os ataques de uns –em seus programas- sobre outros, especialmente com o uso da imagem dos adversários, coisa que é liminarmente proibida com perda de tempo de TV e direito de resposta. Dessa forma, proíbem, e por proibir, inibem os comerciais negativos e de contraste.

9. Sendo assim, abrem-se todas as portas e janelas para quem tem mais tempo de TV, pois pode falar a vontade de seus feitos –mesmo que ficcionais- e se sentem protegidos pela legislação. Com isso, com estas limitações, os eleitores ficam pouco informados diretamente pelos programas/comerciais eleitorais e ficam dependentes da imprensa.

10. Ou seja, a legislação termina estimulando a ficção eleitoral e a desinformação do eleitor –impedindo o debate publicitário entre candidatos. Para ativar a crítica ou o contraste, resta contar com a imprensa. Ou, agora, as redes sociais.

22 de agosto de 2018

OITO ESTRATÉGIAS ELEITORAIS!

Thomas Holbrook: Pensamentos selecionados de seu livro: “As campanhas são importantes?”

1. Como o valor da informação diminui com o aumento do volume de informações, os eventos que acontecem no início do período de campanha têm um potencial maior de influenciar os eleitores do que os eventos que ocorrem na parte final. “Lei” do rendimento decrescente das informações.

2. A opinião básica sobre os candidatos não vai mudar na fase final.

3. Os partidos na campanha não são fonte de informação. A campanha é centrada no candidato.

4. O eleitor conservador é mais constante que o de esquerda.

5. Os últimos a decidir (indecisos) não tendem a votar no candidato do governo.

6. Regra básica: nunca pise em sua própria história.

7. Debate só tem importância em disputa muito acirrada.

8. Expectativa de quem vai ganhar pode influenciar indecisos na reta final.

21 de agosto de 2018

“O DILEMA DO PORTO MARAVILHA”!

(Luiz Fernando Janot – Globo, 18) 1. No século passado, o Rio passou por grandes transformações urbanas. Arrasaram morros, criaram aterros, derrubaram casas, alargaram ruas, abriram avenidas, perfuraram túneis, construíram parques, praças e jardins; enfim, um conjunto de obras que fez do Rio a “Cidade Maravilhosa”. Após um período de marasmo, novas oportunidades surgiram com a realização dos Jogos Olímpicos. Havia grande expectativa quanto ao legado que esse evento deixaria para a cidade. A expansão do metrô, a criação das linhas do BRT, a implantação do VLT e a ampliação do Elevado do Joá fizeram da mobilidade urbana o principal legado.

2. Mas as obras que mais despertavam preocupação eram a derrubada do Elevado da Perimetral e a construção dos túneis subterrâneos para absorver o tráfego de veículos. Graças a tal iniciativa, foi possível reurbanizar a antiga região portuária e criar a Orla Conde, com sua bela paisagem litorânea desde a Praça Quinze até a Praça Mauá. Para viabilizar as obras do Porto Maravilha, a prefeitura elaborou uma sofisticada operação financeira destinada a captar recursos junto à iniciativa privada.

3. Criou os Certificados de Potencial Aditivo de Construção (Cepacs), que asseguravam aos seus adquirentes o direito de construir além dos parâmetros mínimos fixados para ocupação do solo. Ou seja, a possibilidade de edificar prédios com até 50 pavimentos. Apesar desse atrativo, ninguém se interessou em adquirir tais certificados nos leilões realizados. O fracasso dessa iniciativa obrigou a prefeitura a recorrer a políticos influentes para convencer a Caixa Econômica Federal a adquirir a totalidade dos certificados. Assim foi feito, e as obras puderam ser realizadas. Todavia, esses títulos permanecem até hoje encalhados, sem perspectiva de comercialização.

4. Equivocou-se a prefeitura ao privilegiar o viés econômico em detrimento dos conceitos de planejamento urbano utilizados para a ocupação gradativa de territórios com grandes dimensões. O imediatismo, mais uma vez, falou mais alto. Em consequência, os poucos prédios empresariais ali construídos permanecem desocupados, gerando um espaço inóspito no seu entorno.

5. Se não existia demanda para ocupar as salas vazias no Centro da cidade, como achar que aqueles imensos edifícios seriam ocupados simultaneamente? Na verdade, se tal ocupação ocorresse, estaríamos hoje assistindo ao esvaziamento irreversível do Centro Histórico da cidade. É preciso ficar claro que o desenvolvimento de uma localidade jamais pode ser feito à custa da decadência de outras.

6. Para superar essa encrenca, será preciso rever o quanto antes o plano de ocupação do Porto Maravilha à luz de critérios diferentes dos que foram utilizados. Uma das saídas seria privilegiar no novo projeto urbano a construção planejada de edificações residenciais tipologicamente diferenciadas e entremeadas por equipamentos comerciais com usos diversificados. Enquanto se planeja metodologicamente essa transformação, seria de bom tom retomar a construção do conjunto de edifícios de apartamentos e espaços comerciais que fazem parte do que foi chamado de Porto Olímpico, cuja obra se encontra paralisada desde que foi decidido transferir para a Barra da Tijuca todas as unidades residenciais relacionadas com a Olimpíada.

7. A recuperação desse interessante conjunto arquitetônico — resultante de um concurso de projeto organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil —ajudaria a resgatar a confiança dos investidores e proporcionar um novo alento para a ocupação progressiva da área. Não dá mais para insistir em soluções improvisadas ou invencionices de curto prazo, que não correspondem à realidade desse território.

8. Chega de pragmatismo de resultados imediatos. A cidade precisa voltar a ser pensada de maneira integrada, para evitar novas e desnecessárias decepções. O momento atual parece propício para incorporar ao planejamento urbano alguns projetos voltados para o desenvolvimento harmonioso dessa área privilegiada da cidade. Não há tempo a perder, é agora ou nunca.

9. Se não havia demanda para as salas vazias no Centro, como achar que aqueles imensos edifícios seriam ocupados ao mesmo tempo?

20 de agosto de 2018

30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO ESPANHOLA E 30 ANOS DA BRASILEIRA! 

(André Rufino do Vale, 11) 1. Neste ano de 2018, duas Constituições completam aniversário — 30 anos da Constituição do Brasil e 40 anos da Constituição da Espanha — enfrentando o desafio da sobrevivência em meio à circulação, na esfera pública, de vozes cada vez mais convictas no sentido de seu esgotamento como alicerce de unificação e pacificação social e de sua superação como documento normativo orientador da política.

2. É interessante rememorar que, em 1968, Brasil e Espanha viviam o auge de suas ditaduras. No Brasil, como se sabe, aquele ano ficaria marcado não apenas pela influência globalizante da revolução cultural em curso — como tão bem retratado no famoso livro de Zuenir Ventura—, mas sobretudo pelo acirramento da força do regime ditatorial — a “ditadura escancarada”, como qualificou Elio Gaspari—, cujo ápice está representado pelo Ato Institucional 5, do dia 13 de dezembro. Na Espanha, o regime autoritário do general Franco logo abafou as incipientes manifestações influenciadas pelos protestos estudantis da primavera francesa e deu continuidade ao seu plano desenvolvimentista (el plan de desarrollo). É curioso notar que, naquele ano, o grupo ETA produziu seus primeiros atentados, uma resposta terrorista ao excesso do regime.

3. A década posterior ao ano de 68 foi decisiva para os espanhóis. Após a morte de Franco, em 1975, o rei Juan Carlos assumiu a liderança do país com o difícil desafio de redemocratizar o Estado e pacificar uma sociedade que ainda sentia e vivia os reflexos da profunda divisão causada pela guerra civil de 1936-39. A Constituição da Espanha, de dezembro de 1978, nasceu como fruto de uma transição de regime em que, como qualificou seu maestro político, o então presidente de governo Adolfo Suárez, “fue posible la concordia” entre as radicalmente distintas forças e ideologias políticas (de esquerda e de direita), assim como entre as diversas culturas (inclusive suas distintas línguas) coexistentes no território espanhol. O objetivo primordial da denominada “Constitución de la concordia” foi assegurar “la indisoluble unidad de la Nación española, patria común e indivisible de todos los españoles”, garantindo ao mesmo tempo a autonomia dos povos das diversas regiões espanholas.

4. Após 40 anos, e muitos problemas superados — como o terrorismo do grupo ETA —, os recentes e crescentes movimentos políticos separatistas na região da Catalunha, intensificados em grande parte como reflexo da polêmica decisão Tribunal Constitucional espanhol de 2010, colocaram sérios desafios para a Constituição de 1978 como base política de unificação de um só povo espanhol, fazendo surgir no debate público as teses defensivas de sua completa superação. De fato, a Espanha passou a lidar nos últimos anos com o abrupto recrudescimento de um dos fatores que contribuem para a estabilidade da democracia, que é a manutenção de uma unidade política em meio ao pluralismo cultural, que no caso espanhol, como se sabe, é extremamente acentuado pelas nítidas diversidades regionais. Se a atual questão separatista levar a divisões profundas demais para serem superadas pelos mecanismos constitucionais previstos, a atual ordem constitucional espanhola estará em sério risco.

5. Os 30 anos da Constituição do Brasil de 1988 também têm servido de palco de controvérsias a respeito de sua capacidade para proporcionar o desenvolvimento de todo o potencial da democracia brasileira. A Constituição que permitiu a completa superação do anterior regime ditatorial e fundamentou, por três décadas, a convivência democrática das diversas forças políticas agora se vê fortemente criticada como uma das possíveis causas das graves crises políticas vivenciadas desde 88 — especialmente os impeachments de dois dos quatro presidentes eleitos no período —, sobretudo em razão de ter fornecido as bases para o desenvolvimento muito peculiar do sistema presidencialista (o denominado “presidencialismo de coalizão”).

6. A Constituição que é denominada de cidadã, por amplamente albergar as reivindicações por direitos fundamentais e inclusão de grupos e minorias, é alvo atual de contestações quanto ao possível excesso de promessas sociais que realizou e que, pelo tamanho das despesas obrigatórias que implica, a tornaria a principal responsável por uma dívida pública incontrolável e pela grave crise financeira que atinge União, estados, municípios e, portanto, afeta o seu próprio sistema federativo. A Constituição que alicerçou o funcionamento dos poderes estatais e possibilitou o desenvolvimento de modelos minimamente eficazes de checks and balances e de accountability horizontal entre eles, em especial pelo fortalecimento de instituições de fiscalização e de controle (Ministério Público, advocacia pública e Defensoria Pública, tribunais de contas), se encontra confrontada pelas teses que discutem sobre sua real (in)capacidade de conter (para muitos, ela seria a verdadeira influenciadora dos) os cada vez mais alegados fenômenos do “ativismo judicial”, dos “ímpetos autoritários” dos membros da polícia e do Ministério Público, do “excesso” dos órgãos de controle.

7. Em meio a todas essas vozes, cada vez mais eloquentes, é preciso relembrar que os problemas de um país, especialmente os possíveis déficits democráticos, dificilmente serão resolvidos com a confecção, no calor das circunstâncias, de novos arranjos constitucionais. Uma Constituição, assim como não é a única causa de crises políticas, econômicas e sociais, tampouco pode servir de projeto inovador para a solução dessas crises. Toda Constituição possui defeitos. Todos os arranjos constitucionais trazem alguma desvantagem política. Como lucidamente constatou Robert Dahl em um de seus principais estudos sobre as democracias contemporâneas: “De um ponto de vista democrático, não existe a Constituição perfeita”. Constituições possuem desenhos e modelos que, em algum momento histórico, poderão favorecer ou não o desenvolvimento das instituições e nortear o caminho para se sair das crises. De todo modo, manter os atuais desenhos institucionais ou modificá-los completamente pode não ter um efeito direto sobre crises se não for acompanhado de práticas políticas que criem condições para a democracia.

8. A tarefa primordial de uma Constituição democrática é oferecer o fundamento jurídico que estabeleça as balizas para o funcionamento regular dos poderes estatais e que permita o desenvolvimento, em todo o seu potencial, das instituições políticas e das condições favoráveis ao pleno florescimento da democracia: eleições livres, justas e frequentes, liberdade de expressão e amplo acesso à informação, liberdade e autonomia para as associações (partidos, sindicatos, grupos etc.), cidadania inclusiva, com adequada garantia de direitos e proteção das minorias, etc.

9. Uma breve visão retrospectiva das últimas décadas demonstra que, quanto ao cumprimento desses objetivos essenciais, as Constituições do Brasil e da Espanha foram exitosas. Todas as crises políticas e econômicas foram superadas dentro dos marcos constitucionais. A manutenção dos regimes democráticos nesses países, portanto, não está a depender de mudanças constitucionais totais ou radicais, mas do cultivo permanente de todas aquelas instituições políticas tidas como essenciais para a existência de uma verdadeira democracia. O fato é que ambos os países podem estar vivendo atualmente em um daqueles pontos de inflexão histórica, no qual devem enfrentar o sério desafio da preservação das democracias que conseguiram construir até o momento com fundamento nas Constituições de 1978 e de 1988. Ambas ainda oferecem as bases jurídicas suficientes para a continuidade do processo de consolidação de suas instituições políticas democráticas. Nos dois casos, requer-se mais prática política democrática do que novos projetos constitucionais.

10. A objeção a qualquer proposta de substituição completa da Constituição não significa, por outro lado, a inviabilidade de se levar a frente estudos sobre a sua capacidade normativa atual e análises sobre a real necessidade de reformas pontuais em seu texto, com vistas a revigorar periodicamente a sua força normativa. Esse, inclusive, é um conselho dado por Robert Dahl, quando assevera que “não seria má ideia se um país democrático reunisse mais ou menos uma vez a cada 20 anos um grupo de estudiosos, líderes políticos e cidadãos bem informados para avaliar sua Constituição não apenas à luz da experiência, mas também do corpo de conhecimentos em rápida expansão obtidos de outros países democráticos”.

11. No Brasil e na Espanha, 2018 é um ano propício ao desenvolvimento dessas reflexões e estudos aprofundados sobre as suas Constituições, inclusive para a proposição das reformas necessárias e pontuais, seguindo-se sempre os procedimentos previstos nos próprios textos. Enfim, democracias como Brasil e Espanha não precisam atualmente de novas Constituições, mas da persistência no contínuo processo de construção e consolidação das suas instituições democráticas, sobretudo por meio do cultivo das condições políticas, sociais e econômicas que favorecem o pleno desenvolvimento da democracia. Não há mais espaço para soluções radicais, de tudo ou nada, muito menos revolucionárias.

12. Nesse aspecto, Robert Dahl bem recorda que, “movido por seu otimismo em relação à Revolução Francesa e à norte-americana, Thomas Jefferson uma vez disse que seria bom haver uma revolução em cada geração”. Porém, como se sabe, “essa ideia romântica foi por terra durante o século XX pelas incontáveis revoluções que falharam trágica ou tristemente — ou, pior, produziram regimes despóticos”.

17 de agosto de 2018

A COMPETIÇÃO GEOPOLÍTICA ENTRE CHINA E ESTADOS UNIDOS NA AMÉRICA DO SUL!

(Matias Spektor, Professor de relações internacionais na FGV) 1. A competição geopolítica entre China e Estados Unidos chegou com tudo à América do Sul. O fenômeno não é novo, mas ganhou relevo com a visita do secretário de Defesa americano aos quatro grandes países da região —Brasil, Argentina, Chile e Colômbia.

2. A pergunta que importa é simples: como a disputa entre Washington e Pequim moldará o ordenamento regional sul-americano, e quem vem ganhando as primeiras rodadas?

3. A resposta passa pelos três mecanismos diplomáticos básicos que a China vem utilizando para comunicar suas intenções aos países da vizinhança. O primeiro diz respeito ao modo pelo qual a diplomacia chinesa demanda concessões dos governos sul-americanos.

4. O melhor exemplo recente foi a intricada operação da China em Brasília para abocanhar lotes do pré-sal e conseguir comprar um terço do setor elétrico brasileiro, além de boa parte da produção hidrelétrica nas fronteiras.  A negociação demandou dos chineses a capacidade de manter o fio da meada em meio à turbulência que derrubou Dilma e que levou Temer ao Palácio do Planalto.

5. O segundo mecanismo refere-se à forma como a diplomacia chinesa faz compromissos críveis capazes de levar seus parceiros sul-americanos à mesa. Aqui, o melhor exemplo é a costura elaborada pela embaixada chinesa em Buenos Aires para emplacar a construção de uma base de monitoramento de satélites e de segurança cibernética na Patagônia. A manobra demandou trabalho minucioso para evitar reação adversa da opinião pública e das Forças Armadas argentinas, que têm ojeriza à ideia de expor seu território ao radar dos Estados Unidos.

6. O terceiro mecanismo é composto pelos sinais que a China emite aos países da região quando sente seus interesses ameaçados pelos Estados Unidos. Ela avança e busca o conflito ou dá um passo atrás para evitá-lo?  A ilustração mais contundente é a decisão chinesa de reduzir seu apoio ao regime venezuelano depois que os desmandos do governo Maduro atiçaram a atenção do Congresso americano.

7. A explicação parece simplista, mas não é o caso. O futuro geopolítico da América do Sul será, em grande medida, uma função desses poucos mecanismos de sinalização adotados pela China (e da reação a eles dos países da vizinhança).

8. A verdadeira notícia da semana, portanto, não é fala do chefe do Pentágono na Escola Superior de Guerra, mas a dificuldade americana de responder à escolha chinesa de fazer demandas moderadas, entregar promessas e recuar de situações conflituosas.

9. A entrada de uma potência no quintal de outra é sempre conflitiva. Pelo menos até agora, a China tem uma estratégia ganhadora.

16 de agosto de 2018

RELATÓRIO DA APRESENTAÇÃO DO LIVRO DE CESAR ZUCCO E DAVID SAMUELS SOBRE PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL! 

Por Antônio Mariano presidente da juventude do DEM-RJ – 14 de agosto na Livraria Blooks.

Partidos importam minimamente para os políticos.

Nos últimos 30 anos, há uma parcela significativa da população que diz sentir simpatia por algum partido. A curva do PT foi crescente e do PSDB decrescente.
Os mesmos atributos encontrados em pessoas partidárias, são encontradas em pessoas não partidárias, mas ao contrário.

Se você é partidário e não tem opinião sobre algum tema, muito provavelmente terá a mesma opinião do partido.

A Argentina tem a maior média de antipartidários no mundo. A média mundial é de 46% da população.

Não existem diferenças claras entre petistas e anti-petistas quando observamos o perfil socioeconômico.

Todo petista é lulista, mas nem todo lulista é petista.

Petista geralmente é engajado politicamente e na sociedade civil organizada. Mas os lulistas não.

O partidarismo sobe e desce em função da economia.

Se um grupo quiser ganhar uma eleição e não estiver em um partido, terá de fazer um grande esforço para conseguir convencer a população a pagar esse preço. Apenas o PODEMOS, na Espanha, conseguiu fazer isso.

Antipartidário no Brasil não necessariamente anula o voto. Ele não foge da política.
Nada indica que Bolsonaro carrega seus votos e transforma como uma organização no longo prazo. Está mais para fenômeno eleitoral.

Há 20 anos que a média ideológica não muda no Brasil. De 0 e 10, sempre fica em torno de algo entre 5 e 6.

Se você não identificar atitudes como petistas ou tucanas, o nível de discordância entre petistas e não petistas cai muito.

Entre 2013 e 2016, PT perdeu filiados e simpatizantes. Mas desde que passou para a oposição, a curva volta a crescer.

Lula talvez só consiga transferir metade de seus votos.

15 de agosto de 2018

“BENDITAS RESERVAS CAMBIAIS”!

(Claudio Adilson Gonçales – Estado de S.Paulo, 13) 1. As reservas cambiais brasileiras (US$379 bilhões, julho/18) têm sido o objeto de cobiça de alguns economistas e de muitos políticos. As principais críticas são de que o valor é exagerado, com enorme custo de carregamento, e que, se parte delas fosse aplicada em investimentos, o resultado seria a redução dos encargos financeiros da dívida e maior crescimento econômico. Alguns, menos afoitos, propõem o uso de parte dessas reservas para reduzir o estoque de dívida pública. Essa alternativa, menos lesiva do que a primeira, também apresenta problemas.

2. Comecemos com o tão falado custo de carregamento. Como se sabe, quando o Banco Central (BC) compra dólares ou outras divisas, ele liquida a operação em reais, aumentando a oferta de moeda. Essa liquidez adicional tem de ser enxugada pela venda no mercado doméstico de títulos públicos, cuja taxa de juro é bem superior à que será obtida pela aplicação, no exterior, das reservas. É com base nessa diferença de taxas que se estima, de forma grosseira, o custo de carregamento das reservas. Há alguns problemas sérios com esses cálculos. Vejamos.

3. O mais óbvio é de que o juro incidente sobre os recursos captados em contrapartida à acumulação de reservas é em reais, enquanto as reservas pagam o rendimento em dólar, mais a variação cambial. Se tomarmos o período 2009 a 2017, para o qual o BC disponibiliza dados comparáveis, veremos que o custo de captação dos reais que financiaram as reservas foi de R$ 689 bilhões. O erro é não deduzir, desse valor, o resultado em reais decorrente das variações (para baixo e para cima) da taxa de câmbio e os ganhos obtidos com as aplicações das divisas no exterior. Segundo a série do BC, esse resultado, no mesmo período, foi positivo em R$ 497 bilhões. Assim, o tão falado custo de carregamento das reservas, no período, foi de R$ 689 bilhões – R$ 497 bilhões = R$ 192 bilhões. É um valor relevante? Sim, mas muito menor do que se apregoa. Observe-se que esse custo se refere a um período de 9 anos, e corresponde aproximadamente a 0,3% do PIB, ao ano.

4. Até agora falamos apenas em custo (0,3% do PIB, ao ano). No entanto, apesar de ser difícil quantificar, há um enorme benefício decorrente da acumulação de reservas, qual seja, a redução do risco da dívida soberana, hoje em torno de 2% ao ano. Se levarmos em conta a precária situação fiscal do País, o baixo crescimento, as frequentes crises políticas e, atualmente, as incertezas eleitorais, é pertinente supor que tal risco seria muito mais alto, não fosse a sólida posição líquida em moeda forte do Brasil (a dívida pública em moeda estrangeira é de apenas US$ 70 bilhões). Como se sabe, o risco soberano incorpora-se à taxa de juro de equilíbrio que incide sobre todo o estoque da dívida pública mobiliária federal, hoje em quase R$ 5 trilhões.

5. Há muitas outras repercussões macroeconômicas decorrentes de vendas expressivas de reservas cambiais, cuja análise vai além do escopo desse artigo. Basta citar a provável valorização (não sustentável) do real, aumento da volatilidade cambial, efeitos sobre as exportações e importações, entre outros.

6. A proposta de utilizar os reais obtidos pela venda das reservas na capitalização do BNDES, para que o mesmo aumente o crédito direcionado subsidiado, mais do que equivocada, soa assustadora. Basta olhar o resultado que o incremento desse tipo de crédito causou ao País nos governos Lula/Dilma.

7. E vender reservas para reduzir a dívida bruta? Se a análise sobre as consequências da queda da liquidez do setor público em moeda forte exposta anteriormente estiver minimamente correta, é improvável que haveria qualquer ganho macroeconômico para o País. Então, fazer para quê?

8. Pelo bem do Brasil, deixem as benditas reservas cambiais em paz e foquem no ajuste fiscal, senhores candidatos.

14 de agosto de 2018

“A CRISE FINANCEIRA DOS ESTADOS”!

(Editorial – Estado de S.Paulo, 13) 1. É até surpreendente que 60% dos governadores pretendam renovar seus mandatos. Diante da dramática situação financeira dos Estados, agravada nos últimos anos pela queda da arrecadação em razão da crise econômica e pelo crescimento contínuo das despesas – especialmente com pessoal –, é até surpreendente que 60% dos governadores pretendam renovar seus mandatos na eleição de outubro. Estarão dispostos a enfrentar nos próximos quatro anos os graves problemas que não enfrentaram com a coragem necessária durante o mandato que se encerra no dia 31 de dezembro? Infelizmente, o acompanhamento da evolução recente das finanças estaduais sugere que não.

2. A recessão teve papel decisivo na redução das receitas nos últimos anos. Entre 2015 e 2017, como mostrou reportagem do Estado, a receita dos Estados poderia ter sido R$ 278 bilhões maior do que o valor efetivamente arrecadado caso se mantivessem as condições econômicas anteriores. Como disse o economista Raul Velloso, esse é o dinheiro adicional que teria entrado nos cofres estaduais caso o País não tivesse mergulhado na recessão.

3. Estados mais industrializados perderam mais receita, proporcionalmente e em valores, porque a crise afetou mais duramente, e por mais tempo, a produção de bens industriais. No Rio de Janeiro, a receita caiu até mesmo em valores nominais.

4. Os valores impressionam, especialmente se se lembrar que o dinheiro não arrecadado daria para cobrir os custos da construção de mais de mil hospitais do nível da unidade que o Hospital Sírio-Libanês está construindo em Brasília, com 144 leitos. Daria também, como lembrou Velloso, para pagar o aumento das despesas com o sistema previdenciário.

5. Em boa parte dos casos, porém, à gravidade do impacto da crise sobre a arrecadação não correspondeu a necessária austeridade que se espera de um gestor comprometido com o bom uso do dinheiro do contribuinte.

6. Em 2017, por exemplo, quase todos os Estados gastaram mais da metade de sua arrecadação líquida no pagamento dos servidores públicos, ativos e inativos, segundo dados informados pelos governos estaduais à Secretaria do Tesouro Nacional, como exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Essa lei (Lei Complementar n.º 101, de 4/5/2000) estabelece em 60% da receita corrente líquida o gasto máximo com pessoal dos Estados. Quando os gastos com pessoal atingirem 95% desse limite (ou 57% da receita líquida), os Estados não poderão conceder vantagens, aumentos ou reajustes aos servidores, nem criar cargos ou funções.

7. No ano passado, uma parte dos Estados conseguiu reduzir os gastos com pessoal ativo, em razão da não substituição dos servidores que, por alguma razão, saíam da folha do pessoal em atividade. Mas, desde 2015, os gastos com inativos estão crescendo mais depressa e é praticamente nula a competência dos governos estaduais para conter esse crescimento.

8. A combinação de gastos em crescimento e arrecadação em queda (o aumento da receita real no ano passado não foi suficiente para compensar as perdas dos dois ou três anos anteriores) resultou no crescimento da dívida dos Estados, que no segundo semestre do ano passado somava R$ 781 bilhões. Renegociadas em 1997 com grande ônus para o Tesouro Nacional, mas com regras rigorosas para evitar seu crescimento, as dívidas estaduais voltaram a aumentar a partir de 2009, em razão de financiamentos concedidos por instituições federais e organismos multilaterais.

9. Cercadas de medidas de prudência no início, as operações com bancos federais tornaram-se mais fáceis para os Estados depois que o governo do PT autorizou empréstimos sem o aval do Tesouro Nacional. O risco da operação, antes bancado pelo Tesouro, passou a ser da própria instituição financiadora. Chegou-se à situação em que a Caixa Econômica Federal tem a receber R$ 21,4 bilhões de empréstimos concedidos a Estados e municípios sem aval do Tesouro, como mostrou o Estado. Foi um estímulo para os gastos estaduais e para a deterioração de sua já combalida situação financeira.

13 de agosto de 2018

AINDA SOBRE O DEBATE PRESIDENCIAL NA BAND!

1. As reações imediatas da mídia relativas ao debate entre os candidatos a presidente na BAND foi realçar o inusitado. Isso lembrou uma velha história de um professor aos alunos de jornalismo: “Cachorro morder alguém não é notícia. Notícia é alguém morder um cachorro”.

2. Nessa lógica, a participação do Cabo Daciolo foi exaltada. De outro lado, a participação pífia de Bolsonaro foi destacada como estratégia, quando o que estava claro era um certo desconcerto nas respostas.

3. Alckmin e Ciro – que se portaram como presidenciáveis e responderam as perguntas sem subterfúgios e fizeram perguntas dentro do que se espera de um presidenciável -, foram quase esquecidos. Exceção de Elio Gaspari, que destacou na sua coluna deste domingo: “Alckmin e Ciro se deram bem na BAND”.

4. Talvez o grande destaque do debate tenha sido a audiência de 6,2% na Grande SP,  chegando em certos momentos a 8%. Essa audiência, maior do que a da emissora nesse horário e similar ou maior que os talk-shows de prestígio na TV aberta e na TV por assinatura, deveria ser exaltada e comentada. Foi mais ou menos o dobro do Roda Viva e GloboNews com os presidenciáveis.

5. Tal audiência é uma prova de que o eleitor não está tão desligado da campanha presidencial como se avalia. Se as pesquisas mostram altos índices de “Não Voto” (abstenção, brancos e nulos), isto não quer dizer alienação ou ausência, mas posicionamento que em algum momento da campanha pode apontar preferências participativas por este ou aquele candidato.

6. E se estes altos índices forem mantidos, há que sublinhar que não se tratará de alienação, mas de posicionamento sublinhado por argumentos, e com forte multiplicador. As redes sociais servem como desaguadouro de reação às crises, e não devem ser tomadas como posicionamento definitivo até as eleições.

7. Com isso, as pesquisas eleitorais de até aqui, mostram apenas que as respostas de intenção de voto indicam ainda preferências superficiais ou espera pela campanha para se decidir. Nesses sentidos, a campanha 2018 está aberta. Ou seja, os que estão atrás nas pesquisas não têm por que desanimar. E os que estão na frente devem saber que suas porcentagens são, por enquanto, apenas provisórias.

8. Depois de 15 dias de TV, as pesquisas começarão a mostrar as efetivas tendências de voto…, ou não voto.

10 de agosto de 2018

AS RAZÕES DO PLANO MARSHALL! 

Artigo de Daniel Kurtz-Phelan sobre seu livro “The China Mission: George Marshall’s Unfinished War, 1945-1947”. Daniel Kurtz-Phelan é editor executivo da revista Foreign Affair e foi membro da Equipe de Planejamento de Políticas do Departamento de Estado no governo Obama.

1. Mais do que qualquer outro período da história americana, os anos imediatamente posteriores à Segunda Guerra Mundial representam a época de ouro da política externa. Eles marcam o início da era americana, um período de liderança ousada que nos deu as doutrinas e conquistas que invocamos hoje. Mais do que qualquer outra figura nessa narrativa, George C. Marshall incorpora a concepção do poder americano no seu melhor. Como general do Exército, ele liderou os EUA à vitória na Segunda Guerra Mundial; como secretário de Estado e depois Defesa, ele forjou um modelo de liderança global que fundia força e ambição com generosidade e sabedoria.

2. Entre o serviço heroico de Marshall na Segunda Guerra Mundial e sua diplomacia visionária no alvorecer da Guerra Fria, ele assumiu a missão mais difícil de sua vida. Por 13 meses, do final de 1945 até o início de 1947, ele foi o enviado especial à China, trabalhando para intermediar a paz na guerra civil entre os comunistas de Mao Tsé-Tung e os nacionalistas de Chiang Kai-shek e estabelecer as bases para uma democracia chinesa aliada aos EUA. Quando ele falhou, tanto as consequências quanto as lições moldaram o resto de sua aclamada carreira e décadas de política externa dos EUA.

3. Marshall não queria ir à China. Depois de um período esgotante de seis anos como chefe do Estado-Maior do Exército, que começou no dia em que Hitler invadiu a Polônia, em 1939, ele queria se aposentar. Mas uma guerra civil na China e o risco de uma vitória comunista ameaçaram demolir a visão dos EUA para a ordem mundial do pós-guerra. Então o presidente Harry Truman pediu a Marshall – a quem ele chamou de “o maior militar que este ou qualquer outro país já produziu” – para assumir o que deveria ser uma missão final. O senso de dever de Marshall não permitiria que ele dissesse não.

4. Em questão de semanas, Marshall conseguiu o que até os cínicos chamavam de milagre. Sob sua direção, os nacionalistas e os comunistas concordaram com um cessar-fogo numa guerra civil que durava duas décadas. Quando Marshall visitou a remota sede revolucionária dos comunistas, Mao declarou: “Todo o povo do nosso país deve sentir-se grato e em voz alta dizer ‘longa vida à cooperação entre a China e os Estados Unidos’.”

5. Mas, como sabemos agora, a base preparada por Marshall para uma aliança sino-americana pacífica e democrática não sobreviveria. As discussões passaram do acordo de alto escalão para os detalhes da implementação, e o aparente acordo deu lugar a diferenças irreconciliáveis sobre o futuro da China. Com o crescimento das tensões entre Washington e Moscou, Joseph Stalin passou de apoiar os esforços de Marshall para encorajar Mao a acelerar sua guerra de guerrilha.

6. Marshall lutou por mais 10 meses para evitar um colapso – e o consequente risco de vitória comunista e renovada guerra mundial. Autoridades em Washington o comparavam a Sísifo, tentando de novo e de novo restaurar o progresso. Somente no final de 1946 ele finalmente desistiu. “Agora, será necessário que os próprios chineses façam as coisas pelas quais me empenhei para liderá-los”, concluiu ele.

7.  Mas na fase seguinte de sua carreira – observando-o trabalhar na China, Truman decidiu torná-lo secretário de Estado – Marshall lutaria com uma escolha dolorosa: o que fazer enquanto a guerra se alastrava e a vitória de Mao aparecia cada vez mais certa. No entanto, sua missão na China o deixara com pouca esperança de que a ajuda americana pudesse fazer uma diferença decisiva ali e o convencera de que um grande esforço militar para impedir Mao traria enormes riscos, ao mesmo tempo em que utilizaria recursos americanos que eram desesperadamente necessários em outros lugares.

8. A implicação – de que os governantes norte-americanas haviam, a partir de uma combinação de passividade e traição, perdido a China para o Comunismo – desencadeou uma das transformações mais sombrias da vida cívica norte-americana. Para gerações de estrategistas e legisladores da Guerra Fria, a lição foi clara: eles não podiam se deixar vulneráveis às acusações de terem “perdido” um país para o comunismo. O presidente Lyndon Johnson e alguns de seus contemporâneos chamariam o Vietnã de uma oportunidade de buscar o rumo que deveria ter sido buscado na China uma década e meia antes. Mesmo nos anos 80, a analogia se manteria viva, com a “perda” da China invocada como um argumento para intervenção em outros lugares.

9. Mas o próprio Marshall tirou lições diferentes do fracasso, especialmente quando se tratou da luta global da Guerra Fria contra o comunismo apoiado pelos soviéticos que estava apenas começando quando ele assumiu o cargo de secretário de Estado. Embora reconhecesse a necessidade de liderança americana para enfrentar esse desafio, ele também reconheceu os limites do que o poder americano poderia alcançar sozinho. Como ele enfatizou, “A principal parte da solução dos problemas da China é em grande parte uma dos próprios chineses”.

10. Ao enfrentar a perspectiva de colapso na Europa quando a Guerra Fria começou, foram essas lições que Marshall aplicou. Ele viu a necessidade de abordar “fome, pobreza, desespero e caos” como pré-condição para evitar a propagação do comunismo, bem como a necessidade de os parceiros da América tomarem certas medidas antes que a ajuda americana pudesse ser eficaz. Ele enfatizou esses princípios básicos para uma nova unidade do Departamento de Estado, a Equipe de Planejamento de Políticas, tornando-a responsável por encontrar uma maneira de impedir que a devastação na Europa Ocidental abrisse caminho para a dominação soviética. O resultado foi o Plano Marshall – o maior esforço de ajuda externa na história americana e, sem dúvida, a maior conquista da história da política externa americana.

09 de agosto de 2018

PARTIDÁRIOS E ANTIPARTIDÁRIOS NO BRASIL!

(Cesar Zucco, PHD em Ciência Política – Blog do Ibre, 02/08) 1. A pergunta que fica é como e por que o PT foi o único partido no Brasil a criar uma ligação mais resiliente com eleitores. As explicações óbvias de “aparelhamento” ou “clientelismo” não dão conta do fenômeno, pois o PT cresceu quase que de forma contínua e já era o maior partido em termos de simpatizantes antes de chegar ao poder em 2002, e cresceu novamente depois que deixou o governo.

2. Nós encontramos evidência quantitativa para a tese, já bastante difundida na literatura qualitativa, de que o partido cresceu, ao menos até 2002, acoplando-se a organizações da sociedade civil. Essa estratégia de “mobilizar os organizados”, que não é diferente do que ocorreu na origem dos partidos de massa europeus, permitiu que o PT obtivesse não apenas eleitores, como os demais grandes partidos brasileiros, mas também simpatizantes.

3. É possível que essa estratégia tenha sido relegada para um segundo plano nos anos em que o partido governou o Brasil, seja por decisões estratégicas de seus dirigentes, seja pelas contradições inerentes a ser governo e tentar representar a sociedade civil ao mesmo tempo. É possível também que o arrefecimento da estratégia tenha sido simplesmente fruto da simples escassez de mão de obra, afinal recursos humanos antes dedicados a construir o partido foram dirigidos para a tarefa de governar.

4. Um aspecto importante  é que nem todos os não-partidários são iguais. Há, entre eles, um significativo grupo de eleitores que não simpatiza com nenhum partido, mas que antipatiza com alguma agremiação.

5. De forma análoga ao que encontramos sobre os partidários, os antipartidários de fato não votam em candidatos do partido com o qual antipatizam, e tendem a discordar de posições políticas quando atribuídas a este partido.

6. Uma implicação prática desse resultado é que não é verdade que metade (ou mais) da população brasileira não tem preferências partidárias. Partidários e antipartidários, somados, sempre alcançaram cerca de 60% do eleitorado.

08 de agosto de 2018

REDES SOCIAIS E DECISÃO DE VOTO E MOBILIZAÇÃO!

1. As Redes Sociais empoderam o indivíduo. Cada indivíduo tem a sensação de que decide individualmente e não como parte de uma organização.

2. Nesse sentido, o que as Redes Sociais multiplicam são as ideias. Quando um partido ou um líder político imagina que tem poder individual de arraste e que os eleitores o seguem independentemente do que possa escrever ou dizer, enfim, postar, se iludem.

3. Candidatos devem ficar atentos às ideias que circulam nas redes sociais. Na medida em que as ideias com maior circulação nas redes tenham convergência com as do candidato, este, ao prioriza-las nas redes sociais, conseguirá um forte multiplicador.

4. O equívoco é imaginar que foram as postagens do candidato que criaram e produziram o multiplicador. As postagens de sucesso dos candidatos são, na verdade, as opiniões espalhadas e convergentes dos indivíduos.

5. O nome do candidato junto às ideias postadas pode até atrapalhar o multiplicador, na medida em que sua rejeição é transportada nas redes.

6. Os movimentos que pensaram que eram os responsáveis por atrair tantas pessoas às ruas, quando passaram a se assumir como organizações nas redes sociais e imaginar que o poder de convocação e aglutinação era seu, fracassaram nas novas convocações.

7. Esse foi o erro ingênuo dos movimentos a partir de 2013 no Brasil. Se tivessem humildade e sublinhassem que estavam acompanhando ideias das pessoas e que naquelas mobilizações tinham um papel calendário, sugerindo dia e hora, teriam sustentado o sucesso inicial. A multiplicação dessas sugestões pelos indivíduos nas redes é que multiplicaram e aglomeraram.

8. Tanto que dali para frente, o efeito multiplicador das convocatórias desses movimentos fracassou.

07 de agosto de 2018

REPRESENTAÇÃO PROPORCIONAL NO BRASIL: “MAIORIA FEITA AOS PEDAÇOS”!

(Marcus André Melo, Professor da Universidade Federal de Pernambuco – Folha de S.Paulo, 06) 1. “Não conheço melhor sistema para a representação das minorias, nem pior para a constituição de maiorias”, escreveu Barbosa Lima Sobrinho em 1952. Seu pessimismo sobre a recém introduzida representação proporcional (RP) era também partilhado por muitos atores influentes.

2. Em “Lições da Crise” (1955), Hermes Lima, homem forte de Getúlio e ex-ministro do STF, atribuiu à representação proporcional “o espetáculo das maiorias feitas aos pedaços, instáveis, artificiais e onerosas que os presidentes e governadores são compelidos a arranjar nas Câmaras”. E apontou para “combinações oportunistas e esdrúxulas que exaurem a vida política num processo contínuo de reajustamentos, compromissos, imposições e cumplicidade. Maiorias débeis vizinhas da corrupção”.

3. Certas características da nossa RP —exemplo o fato que os distritos eleitorais são estados, alguns gigantescos– exacerbavam os problemas de formação de coalizões e produzia distorções: eleições caras. “Não é por outro motivo que as emendas ao orçamento na Câmara se apresentam aos milhares… Cada deputado necessita de votos no estado inteiro e julga-se no dever de distribuir, por intermédio da lei orçamentária, verbas e auxílios pelo estado inteiro.” Mas sabiamente, Lima também anteviu outro problema: o dinheiro corrompia a RP.

4. Sua conclusão mais contundente contra a RP era que “as condições criadas ou exasperadas pelo proporcionalismo se devem à tremenda influência do dinheiro em nossos derradeiros prélios eleitorais. Os gastos eleitorais são astronômicos, as despesas dos candidatos elevadíssimas. O dinheiro corrompeu definitivamente o proporcionalismo nos termos atuais de sua prática”.

5. Parte do diagnóstico feito por nosso ex-premiê, na década de 50, é repetido por muitos analistas atualmente como se novidade fosse. Sua acuidade estava em reconhecer endogeneidade na relação representação proporcional-corrupção. De fato, a RP em distritos com grande magnitude eleva brutalmente o custo de campanha, que se torna assim o foco das barganhas interpartidárias.

6. Mas há mais: a corrupção afeta a RP. O dinheiro corrompe as “maiorias débeis”. Mas isso apenas quando as instituições de controle são fracas, o que garante altas taxas de retorno para o investimento corrupto. A questão fundamental ao fim e ao cabo é assim a força das instituições.

7. Senão como explicar que os gastos em eleições majoritárias também sejam “astronomicamente” altos? Ou que o custo das eleições em Israel ou Holanda onde o distrito eleitoral é o próprio país seja baixo? Ou que a RP não produz distorções onde o estado de direito prevalece?

06 de agosto de 2018

TEMPO E FORMAÇÃO DA DECISÃO DE VOTO EM 2018!

1. Nos últimos anos, o processo de formação e decisão de voto tem mudado. Isso se tornou um desafio para os Institutos de Pesquisa Eleitoral. Ao abrir as urnas, em muitos países, o resultado não corresponde às pesquisas.

2. Esta dinâmica ainda vem acentuada pela antipolítica, pelos novos partidos e pela mudança nos tradicionais sistemas bipartidários nos países desenvolvidos.

3. No Brasil, neste ano, as pesquisas apontam para um novo crescimento do Não Voto (abstenção+brancos+nulos). Mas essa possibilidade ainda deve ser tomada com prudência, na media em que a rejeição aos políticos impulsiona o Não Voto, pelo menos por enquanto. Minas Gerais tem apresentado as maiores porcentagens de Não Voto.

4. Tradicionalmente, no Brasil, as pesquisas antes da entrada da TV ainda não dão segurança sobre o patamar de intenção de voto dos candidatos. Parte do eleitorado só sabe mesmo que haverá eleições com a TV. O TSE informou, semana passada, que 39% dos eleitores são analfabetos+só sabem ler e escrever+ não completaram o ensino fundamental. O mais prudente é ter paciência e aguardar 15 dias de TV. A partir daí, as pesquisas começarão a retratar com maior realismo as tendências efetivas de voto.

5. Neste ano, com apenas 35 dias de TV, esse processo se torna ainda mais complicado e o risco de flutuação das pesquisas, no final, é ainda maior.

6. Se campanha eleitoral apontar para uma forte polarização no primeiro turno, a tendência será que o Não Voto diminua. Nesse caso o eleitor terá a sensação que seu voto será decisivo. Havendo um espalhamento das intenções de voto, o Não Voto tende a confirmar a tendência de crescimento.

7. Sendo assim, só no segundo turno virá essa polarização. Então, as pesquisas de intenção de voto no primeiro turno, quando acompanhadas da pergunta em quem votaria no segundo turno, devem ser tomadas com muito cuidado. Melhor esperar o segundo turno.

8. As chapas estarão definitivamente inscritas no dia 15 de agosto, mas só um mês depois se poderá ter uma avaliação efetiva das tendências do eleitorado.